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AULA 2 EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Prof. Adjuto de Eudes Fabri 2 INTRODUÇÃO O Método Clínico utilizado por Piaget (2005) foi elaborado com a finalidade de aprofundar e compreender os processos cognitivos da criança, especialmente em relação ao tema como a criança pensa. Piaget (2005) observou que alguns métodos de pesquisa e coleta de dados eram incapazes de apresentar uma explicação adequada sobre o desenvolvimento mental e que basear-se apenas na observação ou em testes padronizados não dava conta de uma boa explicação. Para o autor (2005): O bom experimentador deve, efetivamente, reunir duas qualidades muitas vezes incompatíveis: saber observar, ou seja, deixar a criança falar, não desviar nada, não esgotar nada e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de preciso, ter a cada instante uma hipótese de trabalho, uma teoria, verdadeira ou falsa, para controlar. (Piaget, 2005, p.11) Piaget (1983) aprofundou suas pesquisas e análises com base no Método Clínico, vinculando-as ao conhecimento psicológico, que pavimentou o caminho para a criação da Epistemologia Genética. Uma das consequências foi a elaboração dos estágios de desenvolvimento, em que Piaget (1982) procurou identificar características do desenvolvimento infantil ao longo de fases relacionadas à maturidade neurológica. Para ele, todas as crianças são marcadas pelos estágios na seguinte ordem: estágio sensório-motor, estágio pré-operatório, estágio operatório-concreto e estágio operatório-formal. Contudo, mesmo indicando idades para cada estágio, não significa uma passagem automática, pois existem outras influências para o avanço de fase, dentre elas: maturação orgânica e hereditariedade; experiência ativa sobre os objetos; interações sociais; e processo de equilibração. TEMA 1 – MÉTODO CLÍNICO Alfred Binet (1857-1911) e Théodore Simon (1873-1961) ficaram conhecidos especialmente na área de Psicometria, quando criaram a escala Binet-Simon, cuja finalidade era classificar crianças de acordo com a idade mental apresentada como resultado da escala. Essa escala se tornou conhecida na Europa, com muitas adaptações em relação à sua aplicação como método de pesquisa e influenciou a construção do 3 Método Clínico1 piagetiano. Quando Piaget (Gruber e Vonèche, 1977) saiu da Suíça e chegou à França, ele buscava uma base investigativa que fosse consistente, e – passo a passo – foi reordenando e amadurecendo seu método. Um dos caminhos adotados por Piaget (1983) envolveu a forma de conduzir uma entrevista com crianças, que esteve vinculada ao modo de organização das perguntas e ao modo de apresentação do problema. Outro caminho investigativo levou em consideração a observação com a anotação de registros comportamentais, que Piaget (1982) trouxe dos experimentos ligados aos seus trabalhos em Biologia. Por último, ele destacou como elemento importante o papel das hipóteses que permitiam tanto interpretar quanto comparar resultados das ações realizadas pelas crianças. Em seu Método Clínico, Piaget (2005) valorizava o raciocínio apresentado pela criança e não a correção da resposta, pois o fundamental era a compreensão dos caminhos cognitivos que a criança realizava. Assim seria possível estabelecer fases do desenvolvimento mental infantil. 1.1 Entrevista clínica A entrevista clínica embasa os encaminhamentos realizados durante o Método Clínico piagetiano. Ela acontece por meio de um diálogo amplo realizado entre o pesquisador e a criança, em que se busca compreender um determinado tema, sem restringir a argumentação infantil. À medida que a entrevista avança, mais a criança expõe seu modo de pensar o mundo. Na conversa com a criança, cabe ao pesquisador instigar o aprofundamento do raciocínio infantil, com perguntas que não induzam respostas, ao contrário, que permitam o desenrolar espontâneo do pensamento. O pesquisador pode iniciar uma entrevista com algumas perguntas previamente elaboradas, contudo deve deixar fluir o raciocínio da criança e assim novos questionamentos surgem (as perguntas vão se diferenciando de um indivíduo para outro). As respostas dadas ditam o movimento e o curso das perguntas, destacando a criança como ativa em toda a realização da entrevista. Piaget (2005) considera que o procedimento: 1 Lightner Witmer (1867-1956) é considerado o primeiro psicólogo a utilizar o termo método clínico, que consistia no tratamento de alterações comportamentais e mentais em estudantes com dificuldades acadêmicas (Delval, 2002). 4 Consiste sempre em conversar livremente com o sujeito, em vez de limitá-lo às questões fixas e padronizadas. Ele conserva assim, todas as vantagens de uma conversação adaptada a cada criança e destinada a permitir-lhe o máximo possível de tomada de consciência e de formulação de suas próprias atitudes mentais. (Piaget, 2005, p. 176) Piaget (1982) considera que a criança é coerente na estruturação de suas ideias e conceitos, representando a mundo do modo como ela entende e esse processo de leitura da realidade vai se transformando à medida que ela avança em sua idade mental. Esse avanço possibilita à criança, por meio dos questionamentos presentes na entrevista, ampliar o seu entendimento da realidade, com a descoberta de novos modos de pensar com base em conceitos morais, matemáticos e físicos. As respostas da criança não devem ser contabilizadas como certas ou erradas, o papel da entrevista clínica é fazer com que ela pense nas respostas que dá, justificando-as. O pesquisador vai entendendo os princípios que envolvem o modo de pensar infantil de acordo com sua idade mental. 1.2 A criança e o pesquisador Piaget (2005) destaca como essencial a interação entre o pesquisador e a criança, pois assim ela participa de modo ativo dos questionamentos e se envolve no desdobramento de sua reflexão sobre o problema proposto. Contudo, Piaget (2005) considera que podem ocorrer reações por parte da criança que inviabilizem o processo investigativo e o pesquisador deve estar atento – especialmente – a quatro situações. A primeira é o “não importar-se com” e se apresenta pela indiferença por parte da criança, que procura livrar-se rapidamente das perguntas e não responde de modo a demonstrar seu apuro de raciocínio; ela age de maneira aborrecida e não se esforça em busca de uma solução ao problema. A segunda se caracteriza pela “fabulação”. Ela é mais avançada que a primeira, entretanto a ênfase se dá em responder qualquer coisa, mesmo que fuja do problema proposto. A criança pode apresentar uma argumentação aleatória e sem sentido aparente, em que predomina a invenção de uma história e uma verbalização não articulada do que está contando. Ela age pelo contexto em que, quando perguntada, deve responder alguma coisa. 5 Na terceira situação, chamada de “crença sugerida”, a criança age com o objetivo de questionar o pesquisador, abrindo mão de pensar no problema proposto. Ela não se interessa pelas perguntas, responde de modo superficial o que o entrevistador deseja saber e estabelece um roteiro de contestação, com muitos porquês. A quarta é denominada de “crença desencadeada”. Nela, a criança se depara com uma pergunta diferente daquela que tem em seu cotidiano e responde com aprofundamento reflexivo, entretanto a novidade da questão faz com que ela responda tentando entender o conteúdo da pergunta. Piaget (2005) destaca que: Quando a criança responde com reflexão, extraindo a resposta de seus próprios recursos, sem sugestão para ela, dizemos que há crença desencadeada. A crença desencadeada é influenciada necessariamente pelo interrogatório, pois a simples maneira como a questão é colocada e apresentada à criança força-a a raciocinar em uma certa direção e a sistematizar seu saber de certo modo; mas ela é contudo um produto original do pensamento da criança, nem o conjuntodos conhecimentos anteriores que utiliza a criança durante sua reflexão são diretamente influenciados pelo experimentador. (Piaget, 2005, p. 17) Ao compreender o desdobramento dessas situações, o pesquisador pode agir minimizando os efeitos que fazem a criança fugir de um aprofundamento reflexivo e estabelecer ações interativas que a envolvam no problema. Contudo, o pesquisador deve respeitar o nível de desenvolvimento cognitivo para estabelecer problemas que deem possibilidades para a criança agir diante dos questionamentos. 1.3 Espontaneidade Piaget (1982) considera que quando se apresenta um problema à criança e ela rapidamente responde ao questionamento, de modo genuíno e demonstrando envolvimento com o assunto, isso significa que ela é espontânea. A espontaneidade tem a ver com a preocupação que um problema gera na criança, fazendo com que ela se debruce em busca de uma solução. Não se quer da criança uma resposta correta do ponto de vista científico, mas o modo como ela constrói o pensamento científico e, à medida que amadurece, chega a uma resposta correta ao problema. Quando se faz uma proposição à criança e isso a deixa inquieta e ao mesmo tempo interessada em buscar uma resposta lógica, está-se diante da espontaneidade. Esse processo também envolve a 6 realização por parte da criança de perguntas ao pesquisador, pois ela está interessada em entender o questionamento realizado, para justificar suas argumentações. O Método Clínico piagetiano entende que o modo como a criança busca espontaneamente solucionar um problema demonstra seu grau de maturidade. A criança possui um conhecimento anterior que a auxilia no aprofundamento de um conhecimento novo, assim ela vai construindo hipóteses e procura avaliar as suas aplicações, mesmo que muitas vezes distantes da realidade. Porém, o seu pensamento vai se modificando em conformidade com o avanço cognitivo e com sua interação com o ambiente. O pesquisador deve valorizar todo o envolvimento da criança na busca de compreender um problema e de agir em relação a ele, assim ela manifesta sua espontaneidade, caracterizada pela tentativa de justificar suas ações e reflexões; ou seja, a criança demonstra maturidade cognitiva ao interagir com problemas novos com os quais ela venha a se deparar. TEMA 2 – ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR O estágio sensório-motor se inicia no nascimento e vai até os 2 anos de idade. Ele é composto de seis subestágios que envolvem as interações da criança com o mundo, com ênfase na ação que gera a inteligência prática. As operações desenvolvidas ao longo dessa fase não estão voltadas para o cognitivo e sim para a prática, tendo por base os movimentos que a criança realiza (como sugar o dedo e pegar objetos) que vão constituindo os processos de assimilação e acomodação. Piaget (1982) chamou esse processo de ação pura. 2.1 Subestágios 1 e 2 De acordo com Piaget (1978), o subestágio 1, caracterizado pelo domínio dos reflexos, vai construindo o processo de adaptação do bebê ao mundo. Nessas primeiras semanas de vida, há um predomínio das estruturas biológicas e fisiológicas, que permitem a acomodação da criança diante do meio externo. À medida que a criança se depara com os objetos, começam a surgir os primeiros movimentos dirigidos a eles, que minimizam os efeitos dos reflexos, levando-a a agir diante do ambiente, generalizando e acomodando comportamentos. 7 Contudo, a criança nesse subestágio ainda não diferencia o mundo interno do mundo externo, por isso as ações reflexas dominantes. O subestágio 2 tem por base o surgimento de reações circulares primárias e a presença de hábitos adquiridos. Piaget (1978) destaca que o bebê age no ambiente em função de suas experiências iniciais, demonstrando um avanço dos mecanismos reflexos para movimentos repetitivos em situações específicas (reações circulares), com comportamentos de exploração em relação ao que está à sua volta. Ao repetir ações e reagir com novos comportamentos, o bebê vai assimilando e acomodando novas informações, que passam a se tornar hábitos comportamentais. É importante destacar que as ações iniciais do bebê se dão ao acaso, entretanto a intencionalidade começa a surgir quando determinadas ações são retomadas por ele. Os subestágios 1 e 2 vão do nascimento ao 4º mês de vida do bebê, são caracterizados pelos reflexos, pelas primeiras adaptações e pela reação circular. O bebê ainda não se diferencia do objeto, porém os reflexos não indicam um comportamento intencional e a reação circular traz a novidade, implicando novas adaptações do bebê em sua relação com o mundo. 2.2 Subestágios 3 e 4 O subestágio 3 gira em torno de 4 a 8 meses de idade e tem por base os comportamentos sensório-motores intencionais. Piaget e Inhelder (2003) consideram que o bebê melhora seus movimentos de preensão e apresenta uma melhor coordenação visual, fazendo com que ele segure e manipule objetos e os acompanhe visualmente. Quando o bebê age manualmente em relação a um objeto, muitas vezes tenta repetir um comportamento realizado anteriormente, contudo na execução do movimento ele obtém, ao acaso, um resultado diferente, gerando um novo modo de agir em relação à etapa já acomodada. Esse processo indica o surgimento das primeiras características do ato intelectual, que tem por base a intencionalidade do bebê em suas ações. O subestágio 4 vai de 8 a 12 meses de idade. Nele surge a intenção antes mesmo da ação, com movimentos coordenados. A criança passa a adaptar conhecimentos adquiridos a situações novas. Quando se depara com um objeto, ela apresenta intenção para o seu uso, improvisando movimentos e superando ações de apenas repetir hábitos. Piaget (1978, p. 248) considera que as características desse subestágio implicam a “ação do sujeito; portanto, 8 registra-se igualmente a aplicação simultânea de esquemas conhecidos às novas situações e progresso na adaptação aos dados da percepção”. Ou seja, mesmo que a criança se depare com dificuldades até então não percebidas, ela passa a agir em busca de solução para o problema, acomodando novas análises sobre os objetos já conhecidos. 2.3 Subestágios 5 e 6 O subestágio 5 se estabelece dos 12 aos 18 meses de vida com a busca por novidades. A criança procura descobrir formas diferentes para, ativamente, solucionar problemas. Ela busca se adaptar diante de situações em que ela não compreende o processo, que implica estabelecer uma melhor percepção de si e do objeto. Tudo o que é novo chama a atenção da criança e, quando ela estabelece uma relação de descoberta, procura reproduzir a ação, repetindo-a. Esse processo caracteriza o amadurecimento intelectual da criança, pois ela apresenta uma busca por experimentação ativa no sentido de compreender as características do objeto e aplicar o conhecimento adquirido para outros problemas que venham a surgir. Nesse subestágio, a criança se depara intelectualmente com conceitos de tempo, causalidades, espacialidade e permanência dos objetos. O subestágio 6 vai dos 18 aos 24 meses. A criança apresenta um processo de combinação mental com a criação e invenção de novos meios para dominar o objeto. Ou seja, surgem as representações em que ela antevê suas relações com o mundo, estabelecendo combinações mentais (deduções) para efetuar suas ações. A criança, ao se deparar com relações que até então desconhecia, tenta agir com base na experiência anterior e ao mesmo tempo cria caminhos novos, que permitem a ela deduzir qual seria a melhor ação possível. Agora não é somente uma relação sensorial e motriz com os objetos, a criança cria possibilidades para representar e interpretar a realidade. A experiência mental não implica o abandono da exploração motora, porém o uso de símbolos se torna mais comum, resultando em uma melhor percepção da realidade.9 TEMA 3 – ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO Esse estágio é caracterizado pelo surgimento das representações mentais em intensidade e também pela ampliação das funções simbólicas. É constituído por dois subestágios: subestágio 1, denominado de nível pré- operatório (2 a 3 anos de idade); e subestágio 2, chamado de intuitivo (4 a 6 anos de idade). 3.1 Subestágio 1 – pré-operatório O destaque desse subestágio é a presença da linguagem, que dá base para a função simbólica. A relação entre linguagem e processo simbólico faz com que a criança passe a agir na construção de imagens mentais. Um novo elemento que surge nas manipulações simbólicas infantis foi denominado por Piaget (1978) como pré-conceito. O pré-conceito envolve um processo intermediário entre o símbolo e o conceito em sua definição utilizada pelos adultos. O modo como o adulto pensa a realidade é ignorado pela criança, pois predomina um egocentrismo que faz com que ela fique em torno de suas próprias reflexões, embora não consiga realizar a metacognição (pensar sobre o próprio pensamento). Ela ainda fica restrita ao entendimento do que representa o objeto, enfatizando os elementos que lhe chamam a atenção, pois o seu pensamento egocêntrico se caracteriza como sincrético. De acordo com Piaget (1975): O pensamento egocêntrico se caracteriza por suas “centrações”, ou seja, em vez de adaptar-se objetivamente à realidade, ele a assimila à ação propriamente dita, deformando as relações segundo o “ponto de vista” desta última. Daí o desequilíbrio entre a assimilação e a acomodação, do qual constamos os efeitos no curso da fase pré- conceptual. Em consequência, é evidente que a evolução de fará no sentido do equilíbrio, ou seja, da descentração. O pensamento intuitivo marca, a este respeito, um primeiro progresso, na direção de uma coordenação que encontrará sua realização com os grupamentos operatórios. (Piaget, 1975, p. 361) O sincretismo infantil, no pensamento egocêntrico, considera que tudo que existe possui características humanas (animismo), caracterizando a impossibilidade de mudanças no processo de raciocínio (irreversibilidade), estabelecendo relações entre situações que não apresentam lógica entre si (transdução) e justapondo elementos sem articulá-los adequadamente 10 (justaposição). Essas especificidades orientam o surgimento do pensamento intuitivo na criança. 3.2 Subestágio 2 - intuição Nesse subestágio, o que predomina é o raciocínio intuitivo, em que a criança faz análises de um modo adaptativo ao encaminhamento que ela considera adequado para um problema. Ela entende, apresenta e aprofunda as possibilidades de respostas a uma situação, porém não consegue articular a totalidade do problema e com isso comete “erros” em suas análises provocados por uma análise incompleta. Piaget (1967, p.222) salienta que essa análise “é uma reprodução, pelo pensamento, dos acontecimentos exatamente como eles se sucedem de fato na natureza”. Embora tenha um predomínio de imagens perceptivas, a criança avança em elaborações mentais mais complexas que nos estágios e subestágios anteriores, pois já é capaz de lidar com ordenação e seriação, inclusão de classes. Intelectualmente, a criança estabelece operações em apenas uma direção e em situações imediatas sem que haja uma coordenação adequada entre raciocínio e percepção. Piaget (1967, p. 11) aponta que a “irreversibilidade da representação, quer dizer justamente de resistência à inversão das operações, por uma incapacidade de pensar simultaneamente no todo e nas partes”. O estágio pré-operatório dá as bases para a criança operar no seu ambiente. A expectativa que surge envolve a necessidade de um meio que ofereça um contexto de possibilidades para ela agir, fazendo com que a criança avance de um domínio do pensamento intuitivo para um pensamento operatório. Piaget (1982, p. 36) destaca que a mudança do processo intuitivo para o processo operatório deve “prolongar a ação já conhecida do sujeito nos dois sentidos, de maneira a tornar estas intuições móveis e reversíveis”. TEMA 4 – ESTÁGIO OPERATÓRIO-CONCRETO O estágio operatório-concreto ocorre entre 6 e 12 anos idade, com a criança entendendo as ações concretas e a lógica que explica o problema em sua prática, contudo ela apresenta dificuldades na explicação do problema com base em conceitos abstratos. Ela precisa realizar uma ação para explicar um 11 problema. Quando se pede uma explicação conceitual, ela tem dificuldade em elaborar uma justificativa para o problema em questão. A criança começa a entender o processo de reversibilidade, os conceitos de distância, quantidade, comprimento, peso e volume. Nesse estágio, a criança percebe as outras pessoas e seus modos de pensar a realidade, bem como sentimentos e modos de agir diferentes do seu, ou seja, ela começa a superar o egocentrismo e a entender suas ações e a diferenciá-las das ações dos outros. 4.1 Ação interiorizada e transdução Para Piaget, Apostel e Mandelbrot (1957), toda ação interiorizada e reversível é uma operação, o que dá à criança a condição de ir e vir na realização e elaboração de uma atividade. A ação interiorizada é, para Piaget, Apostel e Mandelbrot (1957, p. 44), “uma ação executada em pensamento sobre objetos simbólicos, seja pela representação de seu desenrolar possível e sua aplicação aos objetos reais evocados por imagem mental”. Por definição, as imagens mentais são objetos simbólicos e não materiais, pois uma ação interiorizada é reversível e se relaciona com outras imagens construídas pela criança, dando às suas ações um caráter de totalidade. Ao agir diante de um objeto, a criança coordena ações interiorizadas em conjunto para poder agir concretamente na realidade. A transdução e sua forma de pensamento faz com que a criança busque solucionar um problema, porém suas respostas podem ser corretas em determinadas análises e incorretas em outras. De acordo com Piaget (1975, 300), “a transdução é um raciocínio sem imbricações reversíveis de classes hierárquicas, nem de relações. Sendo sistemas de coordenações sem imbricações”, ou seja: A transdução será, pois, uma espécie de experiência mental que prolonga a coordenação de esquemas sensório-motores no plano das representações; como não constituem conceitos gerais, e sim meros esquemas de ações evocados mentalmente, essas representações ficaram a meio-caminho entre o símbolo-imagem e o próprio conceito. (Piaget, 1975, p. 300) A transdução faz com que as respostas dadas pela criança diante de um problema, independentemente de corretas ou incorretas, não tenham bases ou premissas adequadas, pois ela age de modo operatório para resolver o 12 problema, não apresentando uma dedução explicativa adequada à resposta dada. 4.2 A ação e a lógica matemática Operação se relaciona ao conceito de ação interiorizada, que propicia o pensamento e atua sobre objetos e ações simbólicas. Piaget (1976) considera que o processo operatório busca uma finalidade elementar e está vinculado às estruturas que permitem a realização de composições e inferências simples sobre um problema. Esse processo ocorre como um agrupamento, em que estruturas de pensamento impulsivo se relacionam com estruturas de pensamento lógico, dando base para o surgimento do pensamento matemático articulado. As operações que envolvem classificações e operações sobre objetos concretos têm por base a estrutura matemática, que incluem a construção de sistemas, pois, para Piaget (1976, p. 13) “todo sistema de operações intelectuais apresenta-se psicologicamente sob dois aspectos paralelos”: o primeiro é externo e “trata-se de ações coordenadas entre si (ações efetivas ou mentalizadas)” e o segundo é interno e voltado para “a consciência, trata-se de relações que se implicam umas às outras”. 4.3 Ação mental A ação mental internarealizada pela criança inclui a passagem de uma imagem para outra, tendo ela consciência de que as imagens são distintas entre si, porém relacionadas na busca de compreensão e resolução de um problema. Piaget (1978, p. 185) destaca que “uma imagem evocada mentalmente ou um objeto simbólico materialmente escolhido intencionalmente para designar uma classe de ações ou objetos” revelam as ações mentais, sendo elas tanto internas como simbólicas. Ao agir diante de situações abrangendo seriação e classificação, a criança opera em um nível de pensamento concreto que lhe possibilita atuar com operações simbólicas e orienta o caminho para o uso de operações matemáticas de modo regular nesse estágio de desenvolvimento. 13 TEMA 5 – ESTÁGIO OPERATÓRIO-FORMAL O estágio operatório-formal acontece a partir dos 12 anos de idade, com o agora adolescente realizando operações referentes a conceitos abstratos, racionalização sobre os problemas e trabalho com relações hipotético-dedutivas. Também nesse estágio o jovem vive situações de conflito e busca de afirmação de sua personalidade. Nesse estágio, o que predomina é o processo mental, não sendo necessária a ação direta sobre os objetos, pois o jovem pode levantar hipóteses e por meio de sua reflexão chegar a uma conclusão adequada sobre o problema. Usando a lógica, o adolescente faz análises e refaz o processo mentalmente, buscando uma solução para o problema e esse processo dá base para o planejamento em relação a ações futuras. 5.1 Inteligência A inteligência é um produto da maturidade neurológica da criança em diferentes estágios e do modo como ela age em seu ambiente. Assim, a inteligência vai se desdobrando à medida que problemas são resolvidos dentro de uma lógica adequada a cada fase, sendo que no período operatório-formal há uma maior complexidade para a resolução de uma situação, pois o pensamento hipotético-dedutivo se torna fundamental na reflexão, análise e busca de uma resposta consistente. A inteligência em seu estágio formal leva em conta as experiências vividas concretamente nas fases anteriores e avança para um processo de planejamento, que está relacionado à lógica matemática. Essa lógica faz com que a inteligência seja caracterizada por adaptações frequentes em relação à realidade, considerando que as análises frente a um problema sejam regulares e possibilitem um agir equilibrado por parte do adolescente. 5.2 Abstração No estágio operatório-formal, a abstração desenvolve no jovem a condição de separar conteúdo e forma ao construir hipóteses (possibilidades) e deduzir caminhos para as respostas mais seguras para um problema. A abstração auxilia no exercício do pensamento hipotético-dedutivo, pois o jovem necessita realizar ações mentais que envolvem proporção, 14 classificação, seriação e combinação de informações para elaborar um raciocínio correto diante da realidade. As relações de causa e efeito dependem de uma avaliação abstrata adequada para que se tenha um caminho de planejamento que implique uma dedução justa para a hipótese levantada. 5.3 Consciência e linguagem As operações lógicas estão diretamente relacionadas à consciência e à linguagem. A consciência vai se desenvolvendo no momento em que a criança começa a entender a linguagem e como essa linguagem começa a interferir em sua ação motora e em sua ação mental. Piaget (1983) destaca que: O desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na idade adulta, é compatível ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. Da mesma maneira que um corpo está em evolução até atingir um nível relativamente estável – caracterizado pela conclusão do crescimento e pela maturidade dos órgãos –, direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto. O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. (Piaget, 1983, p. 11) Esse equilíbrio faz com que a consciência e a linguagem, como estruturas lógicas do pensamento, determinem uma organização coordenada de ações cognitivas internas e externas, e que demonstram o nível de desenvolvimento mental do jovem. A consciência faz com que as operações lógicas construídas na interação com o meio e por meio da linguagem tornem mais complexas as estruturas do pensamento do sujeito. 15 REFERÊNCIAS DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto Alegre: Artmed, 2002. GRUBER, H.E.; VONÈCHE, J. J. The essential Piaget. London: Routledge e Kegan Paul, 1977. PIAGET, J. O raciocínio na criança. Rio de Janeiro: Record, 1967. PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: INL, 1975. PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. PIAGET, J. A epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1983. PIAGET, J. A representação do mundo na criança. Aparecida: Ideias e Letras, 2005. PIAGET, J; APOSTEL, L; MANDELBROT, B. Logique et équilibre. Paris: PUF, 1957. PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003.