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Autoria: Dr. Marcone Costa Cerqueira Revisão técnica: Ma. Carmen Suely Cavalcanti de Miranda PRÁTICAS EM SERVIÇO SOCIAL IV ASSESSORIA, CONSULTORIA E SERVIÇO SOCIAL: COMO PENSAR, INTERVIR E FORTALECER A TEMÁTICA? Introdução O assistente social é um pro�ssional solidamente formado a partir de uma gama de conhecimentos, sendo assim, apto a intervir em diversas áreas da organização social. Como intervir de maneira consciente e pro�ssionalmente engajada em um ambiente privado? A prática do assistente social, ética e politicamente comprometido com os fundamentos da pro�ssão, �ca limitada fora do contexto público institucional? Precisamos compreender os constitutivos de uma prática pro�ssional que alie a autonomia da pro�ssão e os direcionamentos éticos e políticos que a fundamenta. Nesse sentido, como pensar a atuação pro�ssional diante da realidade econômica atual e do fortalecimento do setor privado? Buscando um entendimento destas e de outras questões relativas à atuação do pro�ssional no campo privado, neste capítulo nos dedicaremos ao estudo da temática da assessoria e consultoria no Serviço Social. Para esta �nalidade, no primeiro tópico abordaremos a diferenciação entre assessoria e consultoria, delineando o lugar de cada uma na realidade do Serviço Social. No segundo tópico levaremos a discussão para o campo da atuação pro�ssional enquanto atividade autônoma lastreada por um amplo conhecimento teórico e prático. Em seguida, no terceiro tópico buscaremos compreender a importância da regulamentação da pro�ssão de assistente social e as competências e possibilidades inerentes ao pro�ssional desta área. Por �m, no quarto tópico nos centraremos na temática da consultoria, abordando a complexidade de se analisar e diagnosticar ações e intervenções necessárias em um contexto pro�ssional. Esperamos que, ao concluir este estudo, você possa tecer sua opinião sobre esta temática, a partir da compreensão das questões aqui abordadas, empregando-as em sua própria prática pro�ssional. Bons estudos! Tempo estimado de leitura: 57 minutos. 2.1 Assessoria e consultoria em Serviço Social Dentro da ampla gama de atuação do assistente social é imprescindível ter uma visão clara dos diversos modos como se organiza sua prática. Neste sentido, faz-se necessário o delineamento das principais maneiras de tornar coerente sua atuação, enquanto pro�ssional liberal, e sua condição de agente político- social engajado eticamente com os princípios norteadores de sua pro�ssão. Sua atuação se dá de maneiras distintas, no entanto, valendo-se sempre de sua formação teórica e de sua capacidade prática. As atividades de consultoria e assessoria são duas das maneiras pelas quais o assistente social desempenha sua prática pro�ssional, sendo por isso necessário de�nir cada uma delas. Nos modernos moldes organizacionais das empresas e instituições do setor privado, os serviços externos, quali�cados, de pro�ssionais de diversas áreas têm sido amplamente utilizados. O primeiro fator a contribuir para este fenômeno é a di�culdade em se ter, dentro do organograma de uma empresa, todos os pro�ssionais necessários para lidar com os inúmeros fatores envolvidos no processo comercial ou de produção. Uma vez que o principal fator transitório de constituição de uma empresa é seu corpo de funcionários, �ca impraticável manter um quadro de especialistas em todas as áreas envolvidas no atendimento às necessidades de tais funcionários. Sejam elas necessidades psicológicas, de saúde física ou mesmo demandas sociais e assistenciais. 2.1.1 Definindo o processo de consultoria Figura 1 - As consultorias empreendidas no âmbito privado são direcionadas para detectar carências específicas das empresas e elaborar um plano de ação para saná-las Fonte: tsyhun, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia aproximada de um profissional segurando um tablet em cima de uma mesa. Aparece apenas até seus braços. Há outros dois profissionais mais ao fundo, desfocados, bem como alguns papéis do lado direito, em cima da mesa. Dentro deste contexto, tem sido cada vez mais utilizada a ferramenta da consultoria externa, ou mesmo a contratação temporária de pro�ssionais que possam traçar um quadro especializado de carências especí�cas das empresas. De acordo com Rodrigues (2005), o discurso e a prática da responsabilidade social das empresas vêm se tornando um valor de organização priorizado, principalmente entre empresas do terceiro setor. Empresas especializadas em consultoria das mais diversas áreas têm ganhado um enorme mercado. Podemos citar as consultorias nas áreas de psicologia, saúde ocupacional, terapias ocupacionais, educação pro�ssional etc. Entre essas áreas, o Serviço Social tem também se inserido como pro�ssão liberal utilizada neste processo de demanda de consultorias e assessoria. O segundo fator a contribuir para este processo é a busca de uma abordagem autônoma e imparcial por parte das consultorias contratadas, ou seja, que não haja nenhum tipo de interesse corporativo na análise de demandas. Em vista Podemos a�rmar que esse campo tem se expandido grandemente nas últimas décadas, principalmente em vista de se limitar o ônus com contratações de pro�ssionais permanentes, o que visa, por parte das empresas, diminuir os gastos com pessoal e encargos trabalhistas. Na esteira dessa tendência, muitas pro�ssões liberais têm sido utilizadas para a so�sticação e ampliação dessa realidade de atendimento empresarial. Já na década de 1940, as empresas contavam indiretamente com a atuação do Serviço Social, principalmente por meio da Previdência Social, dos centros sociais e dos serviços públicos. Essa atuação era de cunho assistencialista, e visava amparar o empregado do comércio e da indústria em suas demandas de saúde, prevenindo a adesão desses trabalhadores às chamadas “ideologias estranhas” vindas da Europa após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), principalmente o socialismo (CANÔAS, 1982). VOCÊ SABIA? disto, pode-se asseverar que o interesse das empresas nesta ferramenta é simplesmente a objetividade dos dados e o diagnóstico do que deve ser feito para otimização dos resultados. A partir dos dois fatores apontados como interessantes às empresas – redução de custos e otimização de resultados por meio de análise diagnóstica –, podemos começar a entender qual seja a de�nição de uma consultoria nos moldes empregados pelos setores privados. A consultoria, dentro do contexto que tentamos demonstrar, funciona como ferramenta de análise e diagnóstico das carências e demandas especí�cas de uma empresa em determinado aspecto ou área. Se determinada empresa tem di�culdades em gerir seu setor �nanceiro, não querendo ampliar o quadro de funcionários deste departamento, ela contrata uma consultoria especializada que fará um balanço de todas as suas movimentações �nanceiras. Neste processo, espera-se que a consultoria analise todos os aspectos envolvidos e direcione uma solução, ou ao menos aponte as mudanças e ajustes a serem aplicados. Por esta de�nição, podemos entender que o trabalho de consultoria se limita a coletar informações, analisá-las e indicar os pontos falhos e as possíveis soluções em problemas especí�cos e objetivos. “Signi�ca também a ação de dar ou apresentar parecer sobre algum assunto, sendo entendido como consultor aquele que desenvolve essas ações, ou seja, que dá parecer sobre assunto de sua especialidade” (MATOS, 2010, p. 31). Nesse sentido, toda consultoria é direcionada, não extrapolando o tema e o problema ao qual se destina. Caso seja necessária uma análise mais prolongada e aprofundada, ou caso a consultoria se amplie em termos de treinamentos, atendimentos e intervenções, ela pode se tornar uma assessoria. No próximo item buscaremos apresentar o delineamento do processo de assessoria e suas diferenças em relação à consultoria. Se �zermos uma analogia livre sobre a relação entre as modalidades de consultoria e assessoria, podemos aludir a uma consulta médica. Nesta analogia, a consultoria seriaa primeira consulta, na qual o médico solicita os exames com os quais indicará o diagnóstico do paciente; a assessoria seria mais próxima do tratamento ao qual o médico submeterá o paciente. Dessa maneira, o que buscamos ilustrar de forma simples é que a assessoria se estende a termos mais amplos e objetivos, que por isso são mais demorados, e devem apresentar maior grau de planejamento e intervenção. 2.1.2 Definindo o processo de assessoria No processo de assessoria, que em geral é precedido por uma consultoria prévia do próprio assessor ou outro pro�ssional, a intervenção é direta, e pode se dar de forma mais prolongada. Como já mencionado, esse processo visa sanar alguma de�ciência na organização da empresa, a qual apresenta re�exos claros no próprio andamento dos processos produtivos ou comerciais. Porém, sua principal vantagem para a empresa é o fato de ter uma assessoria especializada e imparcial, o que limita a possibilidade de interferência de interesses ou disputas. A obra “Assessoria, Consultoria & Serviço Social”, organizada por Maria Inês S. Bravo e Maurílio Costa de Matos (2010), traz diversos textos que tratam dos dilemas e desa�os de se re�etir, na prática, os princípios ético- políticos da pro�ssão. Tais desa�os são percebidos no trabalho do assistente social, que busca atuar em um cenário econômico dominado pelo capital e pela forte atuação de empresas privadas. VOCÊ QUER LER? Sendo o ato de assessorar identificado como uma ação que auxilia tecnicamente outras pessoas ou instituições, graças a conhecimentos especializados em determinado assunto, assim, o assessor é tido como um assistente, adjunto, auxiliar ou ajudante que detém conhecimentos que possam auxiliar a quem assessora (MATOS, 2010, p. 32). Porém, é preciso salientar que tratamos aqui da assessoria no âmbito do Serviço Social, ou seja, o que é bem distinto de uma assessoria, por exemplo, no âmbito da contabilidade. Nesta última, a assessoria prestada será direcionada para avaliar dados, informações, planilhas, sanar falhas e carências, direcionando um processo de reorganização. No caso de uma assessoria no âmbito social empreendida no setor privado, as questões não podem ser restritas ao ambiente laboral. Os indivíduos, na condição de funcionários, são pessoas com vivências próprias e cargas sociais distintas. Segundo Friedmann (1972), conclusões codi�cáveis ou imediatamente perceptíveis, não podem ser tiradas aleatoriamente da realidade de trabalho dos indivíduos, uma vez que seja necessária a compreensão das demais relações humanas dentro da empresa. Sendo assim, a assessoria pro�ssional no Serviço Social, como buscaremos demonstrar, não pode ser apenas uma análise técnica de demandas sócio- assistenciais que visem apenas à otimização do trabalho. Muito menos pode ser direcionada somente por obrigações jurídicas que precisam ser observadas pelas empresas em suas relações com seus funcionários. Diante disto, a assessoria pro�ssional empreendida pelo assistente social é passível de especi�cidades que devem ser tratadas ao longo deste estudo. No entanto, é preciso compreender que o mercado de trabalho segue diretrizes que, na maioria das vezes, contradizem os princípios éticos e políticos que fundamentam a pro�ssão do assistente social. Tais situações e impasses devem ser tratados de maneira pro�ssional e buscando sempre um direcionamento que garanta o atendimento às demandas dos empregados. Figura 2 - No processo de assessoria, o profissional estabelece um projeto que será gerido de acordo com as carências e objetivos detectados na consultoria, agindo conjuntamente com a equipe da empresa Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um grupo de pessoas sentado ao redor de uma mesa. No centro, há um homem mais velho de pé, falando algo para uma pessoa à esquerda. Em cima da mesa, há papéis, cadernos, livros e um vaso de planta. Ao fundo, encontramos um quadro negro na parede com um esquema sobre organização, em que temos administrativo, missão, direção (ou equipe gestora), relacionamentos e visão e políticas de ensino. Em sentido amplo, as assessorias em todos os âmbitos devem compor uma intervenção direta na realidade organizacional das empresas, seja a partir de treinamentos, palestras, pareceres, entrevistas, representações jurídicas ou contábeis e demais ações. Ao contrário das consultorias, nas quais o pro�ssional não age diretamente na realidade da empresa, na assessoria a ação se dá de forma direta, planejada, e visando resultados que possam justi�car sua intervenção. No próximo tópico buscaremos deslindar as ditas especi�cidades do assistente social enquanto pro�ssional liberal que presta serviços de consultoria e assessoria. O assistente social é reconhecidamente um pro�ssional que domina diversos conhecimentos compartilhados com diversas áreas do saber, principalmente das ciências humanas. Sua condição de pro�ssional liberal o habilita a transitar em diferentes espaços ocupacionais, sendo, no entanto, direcionado por um código de ética claro e universalmente aplicável em todas as suas áreas de atuação. Podemos dizer que este é o aspecto de autonomia pro�ssional do assistente social, sendo também seu norte nos processos de intervenção, tanto no âmbito público quanto privado. Neste tópico analisaremos estes aspectos e ampliaremos nossa discussão sobre a temática da assessoria e consultoria. Ao tratarmos da questão relativa à condição de pro�ssional liberal, é preciso afrontar dois problemas: o primeiro, combater a ideia de que liberal é o mesmo que autônomo; o segundo, o engano de que o termo liberal signi�ca algum tipo de descompromisso com os fundamentos ético-políticos que norteiam a pro�ssão. Certamente que estas distinções devem apontar para uma autonomia pro�ssional que se fortaleça pelo claro direcionamento político do código de ética da pro�ssão, mas que não se limite a uma leitura alijada da realidade político-econômica atual. Em relação ao primeiro problema, devemos compreender a diferença entre pro�ssional autônomo e pro�ssional liberal. No primeiro caso, o pro�ssional trabalha por conta própria, prestando serviços ou comercializando mercadorias, sem qualquer tipo de vínculo empregatício. Podemos citar como exemplo os pro�ssionais autônomos da construção civil, tais como pedreiros, pintores, marceneiros, eletricistas, assim como vendedores informais e demais prestadores de serviços. É bom fazer uma alusão à própria raiz do termo “autônomo”, auto, que vem do grego e signi�ca “[...] noção de próprio, de si 2.2 A atuação profissional no campo da assessoria e consultoria 2.2.1 O assistente social como profissional liberal próprio, por si próprio” (PRIBERAM, 2018, s. p.). Em sentido jurídico, tais pro�ssionais não possuem vínculos empregatícios ou normativos com as pessoas, físicas ou jurídicas, que tomam seus serviços. Em geral, estes pro�ssionais autônomos não estão sujeitos a uma �scalização por parte de órgãos representativos, também não possuem um código de ética e conduta, nem uma hierarquia representativa – sendo estas as principais distinções entre a categoria de autônomo e a de pro�ssional liberal. Dessa forma, a regulamentação que suporta a categoria de pro�ssional liberal deve expressar um direcionamento que norteie a prática da pro�ssão e, ao mesmo tempo, garanta a autonomia na prestação do serviço, caso este serviço se dê de forma autônoma. Tomemos a de�nição de pro�ssional liberal de acordo com o art. 1.º da Confederação Nacional de Pro�ssionais Liberais (CNPL, 2015, s. p.): Nestes termos, o pro�ssional liberal não é despregado de um compromisso normativo e norteador da pro�ssão, ao contrário, é exatamente a predominância dos princípios normativos que o deixa em condição de exercer sua prática. No caso do assistente social, os princípios normativos da pro�ssão devem ter prioridade sobre outros dispositivos que possam, de alguma forma, limitar a atuação deste pro�ssional. Haja vista que a prática do assistente social nãoestá presa a rotinas e limitações políticas e econômicas, ela deve ser resguardada em suas prerrogativas de intervenção e proposição de ações e projetos. [...] aquele legalmente habilitado a prestação de serviços de natureza técnico-científica de cunho profissional com a liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão, independentemente de vínculo de prestação de serviços. Em decorrência da necessidade de resguardar o caráter pro�ssional da prática do assistente social enquanto pro�ssional liberal, se faz necessário sanar o equívoco de se intuir que tal condição de liberal implica uma falta de direcionamento ético-político. O Código de Ética da pro�ssão é bem claro em suas diretrizes e princípios, como apontam Barroco e Terra (2012, p. 53): A relação pro�ssional do assistente social com um empregador público ou privado não o desprende de suas obrigações com os princípios normativos da pro�ssão; dessa forma seu caráter de pro�ssional liberal está garantido pelas prerrogativas que estes mesmos princípios normativos lhe asseguram. No próximo item nos deteremos mais centralmente na questão da autonomia do assistente social e em sua atuação na esfera privada enquanto consultor ou assessor. Podemos a�rmar que uma das questões que mais se discute dentro do tema da prática pro�ssional do assistente social, tanto no âmbito público quanto privado, é a de sua autonomia enquanto trabalhador assalariado. Em diversos momentos a principal crítica se volta para a dicotomia entre resguardar o interesse dos usuários e suas demandas em detrimento aos interesses e objetivos das empresas e empregadores. Conforme comenta Baptista (2000, p. 33): 2.2.2 A autonomia do assistente social O CE se organiza em torno de um conjunto de princípios, deveres, direitos e proibições que orientam o comportamento ético profissional, oferecem parâmetros para a ação cotidiana e definem suas finalidades ético-políticas, circunscrevendo a ética profissional no interior do projeto ético-político e em uma relação com a sociedade e a história. Parece claro, de acordo com o comentário do autor supracitado, que não se pode simpli�car em termos maniqueístas a atuação do assistente social no âmbito privado. No entanto, o erro oposto também não pode ser cometido, aquele de acreditar que o trabalho de consultoria ou assessoria, por ser de caráter em geral temporário, não implica um posicionamento ético-político engajado com os princípios norteadores da pro�ssão. É necessário compreender o contexto mais amplo que garante ao assistente social uma autonomia enquanto pro�ssional liberal. Sendo detentor de um conhecimento solidamente fundado tanto na teoria quanto na prática, o assistente social tem a capacidade de compreender que nenhuma intervenção ou proposição de projeto social é baseada em situações aleatórias. Ao ser incumbido da tarefa de analisar e detectar demandas sócio- assistenciais em determinado espaço ocupacional, o pro�ssional não pode perder a perspectiva de que não existe apenas uma dimensão a ser avaliada, ou seja, o espaço laboral. É preciso pautar-se pelos próprios princípios ético- políticos da pro�ssão, tendo uma compreensão alargada do contexto no qual aquela atividade econômica ou produtiva está inserida. Em outras palavras, signi�ca não se prender a termos locais, restritos apenas à realidade da empresa na qual o pro�ssional está intervindo, é preciso ter uma consciência social de Essa polaridade, de certa forma, coloca muitas vezes o profissional perante o que parece ser um falso dilema: atender à demanda tal como ela se coloca, o que, para ele, significaria colocar-se do ; ou desenvolver trabalhos em sintonia com os reclamos da dos serviços, de costas para a instituição, o que caracterizaria seu posicionamento do . Este é um falso dilema na medida em que aponta para a negação pura e simples da contradição inerente à prática profissional, . lado do empregador população demandatária lado da população usuária dicotomizando-a conjunto, entendendo que aqueles usuários que serão atendidos naquela empresa fazem parte de uma classe trabalhadora que não pode ser vista isoladamente. Esta percepção deve se traduzir em proposições que direcionem a consultoria ou assessoria para o atendimento das demandas percebidas entre os funcionários daquela empresa ou instituição contratante. No entanto, re�etindo o entendimento de que não se trata de uma “queda de braço” local entre usuário e empregador, mas de uma realidade social que perpassa todas as relações daqueles indivíduos enquanto classes sociais. Quando é dada ao pro�ssional a prerrogativa de construir seu parecer, de aplicar seus conhecimentos teórico-práticos, ele deve fazê-lo com a autonomia que lhe é garantida por tais conhecimentos e pelo código pro�ssional que o resguarda. Louis Althusser foi um �lósofo e pensador político francês, de in�uência marxista, tendo como principal objeto de crítica a disputa ideológica e o aparelhamento ideológico do Estado. Segundo ele, a busca da anulação da luta de classes a partir da individualização do sujeito em seu meio social é um processo de construção ideológica burguesa, reproduzida nos aparelhos do Estado. Dessa forma, a ideologia burguesa busca desagregar os indivíduos, evitando uma tomada de consciência de classe, principalmente entre a classe trabalhadora (ALTHUSSER, 1986). VOCÊ O CONHECE? Figura 3 - Diante de conflito de interesses entre os objetivos do empregador e as necessidades dos empregados, o assistente social deve ter a autonomia de fazer valer seu conhecimento teórico-prático Fonte: hafakot, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma martelo de juiz ao lado de um papel com a escrita "conflito de interesses". Considerando essas colocações, devemos intuir que o conhecimento teórico- prático do pro�ssional o capacita a impor, de forma ética, um direcionamento que se estabelece com autoridade. Segundo Freire (2010), o espaço da área de trabalho no setor privado é um ambiente de disputas, no qual o pro�ssional tem relativa autonomia, podendo favorecer mais os trabalhadores ou a empresa contratante. É o seu conhecimento e sua expertise que lhe garantem tal autoridade pro�ssional, amparados por um código de conduta que regula sua prática. Nesses termos, o assistente social não deve se intimidar com o fato de haver uma clara resistência, por parte dos empregadores, em implementar projetos que atendam às demandas dos usuários. No item seguinte buscaremos tratar deste aspecto relativo à autoridade pro�ssional re�etida pelo conhecimento do assistente social. 2.2.3 O conhecimento interdisciplinar do assistente social e as possibilidades de atuação Quando pensamos em quão extensa é a abrangência de possíveis áreas de atuação do pro�ssional do Serviço Social, não podemos deixar de nos remetermos à base interdisciplinar que compõe sua formação. Certamente não temos o espaço necessário para apresentar todas as composições desta formação, no entanto, é precioso destacar que o Serviço Social na contemporaneidade é uma área do conhecimento que abarca a contribuição de outras áreas, principalmente das ciências humanas e humanas aplicadas. Desde a sociologia até a psicologia e a �loso�a, com forte diálogo com a pedagogia, as ciências políticas e até mesmo com a saúde. Nesse sentido, o que buscamos ressaltar é que o assistente social não é um pro�ssional cuja atuação pode ser restrita ao conhecimento técnico-operativo, sua base de formação é diversi�cada, mas com a característica de ser solidamente direcionada por princípios ético-políticos bem delineados. Figura 4 - A sólida formação do assistente social o capacita a atuar em diversos espaços ocupacionais, sempre mantendo a coerência e o direcionamento dos princípios que guiam a profissão Fonte: Rei Imagine, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um quebra- cabeças com peças brancas. Uma das peças está na mão de uma pessoa à direita. No espaço que deveriaencaixar a peça há um fundo vermelho com a escrita "código de conduta". Tal caráter de formação e abrangência de atuação permite ao assistente social inserir-se em diversos espaços ocupacionais, tendo ferramentais teóricos e práticos próprios para sua atuação pro�ssional. É interessante frisar que em âmbito privado, a principal preocupação das empresas em contratar uma consultoria ou assessoria do Serviço Social está relacionada a obrigações legais de atendimento ao bem-estar do empregado. Sendo assim, �ca claro que o direcionamento do que se espera, por parte desses entes privados, de tal atuação do assistente social é bem delineado por políticas de gestão e práticas administrativas. Essa é uma frente de atuação que se fortalece bastante no decorrer dos anos da inserção do Serviço Social no setor privado, principalmente por conta da necessidade de implementação, orientação e gestão do acesso às políticas sociais e do acesso dos empregados aos serviços sociais disponíveis. Porém, esta con�guração não pode ser majoritária, muito menos implicar um engessamento da prática pro�ssional do assistente social. A assessoria do assistente social, independentemente da área, deve ser direcionada, entre outros, por dois fatores primordiais: primeiro, o código de ética da pro�ssão; segundo, seu conhecimento sobre as políticas públicas de acesso dos usuários aos seus direitos. Para Matos (2010), a discussão dos temas de consultoria e assessoria no Serviço Social aponta para a maturidade do projeto ético-político da pro�ssão, rea�rmando a importância cada vez maior que o pro�ssional desta área vem conquistando. Nesse sentido, podemos indicar algumas áreas nas quais o assistente social pode atuar como consultor ou assessor: da saúde, da educação, do lazer, na coordenação de projetos sociais, nos movimentos sociais, nas entidades públicas e privadas em geral. Segundo a experiência do Serviço Social da Indústria (SESI) de Santa Catarina, quando da implantação de uma proposta de assessoria e consultoria a partir do Serviço Social, entre novembro de 1994 e junho de 1995, veri�cou- se que a ação se desenvolvia mais junto às áreas (90%) do que junto às organizações (10%). Sendo que 75% eram ações de assessoria, das quais 31% se concentravam junto à coordenação (JOOS; PEREIRA, 1998). A partir da responsabilidade social das empresas, principalmente daquelas cuja área de produção ofereça riscos insalubres aos funcionários ou riscos poluentes ao meio ambiente, a presença de um assistente social é imprescindível. É este pro�ssional que vai garantir o acesso dos usuários a seus direitos e direcionar ações das próprias da instituição empregadora, visando o bem-estar dos funcionários e da comunidade na qual esta empresa está inserida. Pode-se a�rmar que essa é uma das realidades que mais contribuem para o aumento da demanda de serviços de consultoria e assessoria na área do Serviço Social, ou seja, a preocupação das empresas em cumprirem seu papel de responsabilidade social. A obra “O Serviço Social na reestruturação produtiva”, de Lúcia Freire (2003), aborda de maneira clara a questão da inserção do Serviço Social nas novas tendências de possibilidades para a atuação dos pro�ssionais desta área, principalmente em vista do desa�o da atuação em grandes empresas e da ruptura com o conservadorismo. A autora também discute temas como o neoconservadorismo e os rebatimentos da reconceituação. VOCÊ QUER LER? No Brasil, as duas principais instituições que trabalham o tema utilizam denominações distintas: o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) usa o termo ‘ação social das empresas’, enquanto o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) fala em ‘investimento social privado’ (RODRIGUES, 2005, p. 52). As possibilidades de atuação do assistente social na consultoria e na assessoria para entidades privadas e públicas são enormes, como buscamos demonstrar, diante de seu caráter de pro�ssional liberal, resguardada sua autonomia e sua formação interdisciplinar. Seja na atuação em áreas especí�cas, seja em empresas distintas, a prática do pro�ssional do Serviço Social se dá de forma direta. No próximo tópico abordaremos mais detidamente o aspecto regulador da pro�ssão e suas diretrizes para a atuação do assistente social enquanto consultor ou assessor. Trataremos neste tópico sobre dois dos fatores primordiais para a atuação do pro�ssional liberal, que são a regulamentação da pro�ssão e a construção coletiva, classista, de princípios norteadores para a prática pro�ssional. Para tanto, buscaremos traçar um quadro evolutivo no sentido de ressaltar as conquistas, mas também demonstrar alguns dos desa�os ainda latentes, tendo o direcionamento de abordar a questão da atuação pro�ssional nas modalidades de consultoria e assessoria. Ao observarmos o longo período de desenvolvimento do Serviço Social enquanto pro�ssão, nos depararemos com problemas de delimitação de atuação, de nomenclatura e até mesmo de embasamento teórico. Sendo assim, parece mais prudente e produtivo apresentar alguns dos traços que nos interessam a respeito da atuação nos setores privado e público, e nas modalidades de consultoria e assessoria. Interessa-nos, também, compreender a importância da Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, bem como seus intrínsecos desdobramentos na atuação do pro�ssional do Serviço Social (BRASIL, 1993). Levando em consideração a opinião de Iamamoto e Carvalho (1988), o período compreendido entre o pós-guerra (a partir de 1945) e as décadas subsequentes até a última década do século XX, apresenta forte crescimento orgânico do Estado e intenso crescimento econômico das indústrias e dos demais setores produtivos. Neste quadro, o Estado passou a assumir o papel de cuidar do 2.3 A Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, que regulamenta a profissão de assistente social, e o lugar da assessoria e consultoria 2.3.1 A realidade do Serviço Social como profissão antes da década de 1990 disciplinamento e da reprodução da força de trabalho, oferecendo aos trabalhadores condições mínimas de sobrevivência e circunstâncias favoráveis, essenciais para garantir tal reprodução do trabalho. Neste processo, as instituições assistenciais desempenharam fundamental importância. O que podemos intuir desta descrição é o fato de que o Serviço Social, tal qual se tinha estruturado em sua fase inicial, nos meados do século XX, servia mais como “amortecimento” para as reais demandas e lutas do proletariado (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988). Este quadro foi marcado por um conservadorismo que em todos os sentidos tornava super�cial a real abrangência e importância de uma intervenção do Serviço Social. Até a década de 1990, mesmo depois de intensas mudanças e movimentos no interior do Serviço Social, tais como a reconceituação, os documentos de Araxá, Sumaré e Teresópolis, a modernização da relação entre teoria e prática, faltava um ponto de regulamentação mais politizado. Neste sentido, faltava um suporte político-legal, teoricamente engajado, que desse ao Serviço Social uma base ético-normativa que ampliasse a atuação do pro�ssional no quadro social da divisão do trabalho. Importante fazer aqui uma ressalva, não é o caso de que faltasse um dispositivo legal, uma vez que códigos de ética da pro�ssão existem desde 1947. A primeira lei brasileira a regulamentar a pro�ssão foi a Lei n. 3.252, de 1957; seguiram-se depois os Códigos de Ética de 1965 e 1975, havendo uma reformulação em 1986 (BARROCO; TERRA, 2012). Na década de 1990, diversos avanços foram conquistados pelo Serviço Social através de órgãos representantes da categoria, principalmente por meio do processo democrático de reestruturação das políticas sociais do Estado, provenientes da promulgação da nova Constituição de 1988. Pode-se citar a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Saúde, bem como a Lei Orgânica da Assistência Social (JOOS; PEREIRA, 1998). VOCÊ SABIA? Porém, a revogação da Lei n. 3.252/1957 e a promulgação da Lei n. 8.662, em 1993,tendo como destaques a politização, a construção coletiva, o fortalecimento das entidades representativas, a profunda ruptura com o conservadorismo (o que já vinha se intensi�cando desde 1986), trouxe um instrumento político-legal que fortaleceu o caráter ético-político da pro�ssão. Estes fatores contribuíram para um fortalecimento tanto das bases teóricas quanto dos direcionamentos práticos da pro�ssão, sendo o campo da consultoria/assessoria um alargamento proporcionado por este processo (BRASIL, 1993). No próximo item nos debruçaremos sobre a análise sucinta dos avanços e desa�os, posteriormente sobre a descrição das atribuições e competências. A partir do que tratamos até o momento, podemos direcionar uma análise sobre as questões relativas à atuação do pro�ssional do Serviço Social dentro de uma esfera privada, tendo como ponto de referência a realidade de uma regulamentação pro�ssional que se caracteriza por seu caráter ético-político. Os avanços, como de�nidos anteriormente, podem ser entendidos a partir do viés téorico-prático no qual se destaca a questão do aprofundamento político dos princípios que norteiam a pro�ssão. A própria condição das relações de forças políticas e econômicas, a partir da década de 1990, empurra a realidade do Serviço Social para outro patamar, sendo necessária cada vez mais uma postura clara e teoricamente fundamentada. Dessa maneira, os avanços conquistados a partir da regulamentação de 1993, ancorados em uma reestruturação política, ética e normativa – não só da pro�ssão, mas do próprio entendimento das estruturas sociais –, trouxeram também desa�os. 2.3.2 Os avanços e desafios de uma regulamentação profissional Figura 5 - O fortalecimento do caráter político e coletivo do Código de Ética do Assistente Social proporcionou uma discussão mais ampla acerca da inserção deste profissional no cenário político- econômico atual Fonte: garagestock, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de diversas pessoas segurando um balão de fala vermelho com a escrita "ética" no centro. Ao ampliarmos a atuação do pro�ssional do Serviço Social, principalmente em condições de trabalho assalariado e até mesmo temporário, ampliamos também o grau de discussão que se deve empreender para que o caráter liberal da pro�ssão não a deixe, em certo sentido, alienada de sua estrutura básica de atuação no contexto político-econômico da sociedade. A própria experiência de se alargar o campo de atuação do assistente social, empreendendo consultorias e assessorias nos setores privado e público, representa um desa�o que deve ser tratado, com coerência e ampla discussão ética e política, pela pro�ssão. Deve se ter clara a percepção de que a �nalidade da empresa não é a mesma da atuação pro�ssional do assistente social que se compromete com os princípios da pro�ssão. Como já dissemos, não se trata de fazer uma leitura maniqueísta, mas é necessário resguardar a coerência ideológica representada historicamente nas relações sociais de força. Como aponta Canôas (1982, p. 74): Certamente que esse é um desa�o posto na prática do assistente social que atua na consultoria e na assessoria a empresas privadas, e mesmo naquelas públicas onde a gestão é exercida de modo restritivo. Não se pode ter uma visão parcial da questão, o Código de Ética da pro�ssão, em seus estabelecimentos éticos e políticos, reforça este entendimento teórico-ideológico de que o trabalhador deve ser orientado em vista de sua emancipação política e social, principalmente a partir de sua atividade produtiva. O termo emancipação é utilizado aqui no sentido de tomada de consciência, reconhecimento de sua própria realidade e, principalmente, reconhecimento de seus direitos sociais. O processo de consultoria/assessoria pode ser a porta para que o assistente social “force”, junto ao empregador, a implementação de dispositivos que favoreçam esse processo junto aos trabalhadores. O que buscamos ressaltar é exatamente a clareza que o assistente social deve ter ao se empreender o trabalho de consultoria ou assessoria, tendo como norteador o Código de Ética da pro�ssão. Ele deve pautar-se por uma abordagem que lhe permita identi�car de forma concreta as demandas dos trabalhadores envolvidos no processo, e propor um plano de intervenção e assessoria que contemple tais demandas. No item seguinte, indicaremos as atribuições e competências do assistente social, a partir do Código de Ética, no processo de consultoria e assessoria. 2.3.3 Atribuições e competências do assistente social A empresa capitalista espera que a ação do Serviço Social obtenha do trabalhador novos comportamentos adaptativos, mais ajustados à exploração em que se vê submetido. Não podemos esquecer que o Serviço Social deve realmente colocar-se a serviço do trabalhador na empresa. Não adaptando-o a novos comportamentos, mas facilitando-lhe os meios de obter uma visão crítica de sua realidade. Buscaremos apontar, objetivamente, os principais pontos do Código de Ética da pro�ssão acerca das competências e atribuições do assistente social em relação à consultoria e assessoria. Segundo Joos e Pereira (1998), ao se confrontar as bibliogra�as da área de Administração com as do Serviço Social, percebe-se que o principal diferencial na prestação de assessoria deste último é trabalhar as relações sociais. O assistente social, na assessoria, não é um “executador” de tarefas ou projetos, mas um pro�ssional que realiza ações quali�cadas e de conteúdo social. Por este viés, podemos intuir que a fonte de tal diferencial são exatamente os princípios que direcionam sua prática pro�ssional, ou seja, seu código ético e político. Segundo o Código de Ética (CFESS, 2012, p. 44-45), temos as seguintes descrições de competências do assistente social: Art. 4.º Constituem competências do Assistente Social: I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; Ressaltamos o inciso I para argumentar que a abrangência do Serviço Social não está restrita ao serviço público ou às ações assistenciais governamentais de qualquer nível, direto ou indireto. Fazem parte do leque de atuação do assistente social, instituições, entidades e organizações populares (ONGs, sindicatos, instituições �lantrópicas, associações etc.). Sobre o inciso II, podemos argumentar que o Serviço Social é reconhecido como área especí�ca de conhecimento, o qual possui um fundamento teórico e prático, tanto na elaboração quanto na execução de projetos junto à sociedade civil. Em relação ao inciso V, é correto a�rmarmos que o pro�ssional do Serviço Social deve ser um profundo conhecedor dos meandros legais que perpassam todos os níveis sociais. Ou seja, seu conhecimento teórico deve abarcar todos os dispositivos legais que podem, e devem, ser usados para garantir o acesso dos usuários aos seus direitos. IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; [...]. Figura 6 - O assistente social, tanto no processo de consultoria quanto de assessoria, deve ter sempre em perspectiva a garantia e o acesso dos usuários aos direitos sociais, políticos e legais Fonte: ESB Professional, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma pilha com três pastas, uma em cima da outra. Na pasta do meio, está escrito"documentos legais". Na mesa em que estão apoiadas, encontramos um notebook à esquerda, desfocado, e um fundo com plantas. Sobre os incisos VIII e IX, podemos asseverar que direcionam claramente as prerrogativas referentes às modalidades de consultoria e assessoria. Devemos aí ressaltar a premissa de se resguardar os direitos políticos, sociais da coletividade, bem como a participação da sociedade civil, como indica o inciso II. Neste ponto devemos fazer uma diferenciação em relação ao que se denomina como “sociedade civil”, há uma diferença entre Estado, poder público, e sociedade (civil), enquanto sendo esta o corpo de indivíduos políticos. As empresas privadas são tidas como “pessoas jurídicas”, sendo por isso entendidas como parte da sociedade civil; no entanto, o foco político-ideológico do Código de Ética da pro�ssão é a “pessoa física”, o sujeito enquanto trabalhador. Neste sentido, mesmo que intermediado pela pessoa jurídica, o foco sempre está na garantia de acesso aos direitos sociais e políticos da pessoa física – o indivíduo. Dessa forma, é imprescindível o destaque do inciso V. Evidencia-se, assim, que tanto a consultoria quanto a assessoria estão amparadas pelo Código de Ética, mediante a regulamentação da pro�ssão, norteado e fundamentado por princípios ético-políticos claros, re�etindo um entendimento teórico-ideológico que se alinha a uma compreensão histórico- material da sociedade. A seguir, nos voltaremos para os meandros constitutivos da consultoria e assessoria, buscando alinhá-los a uma leitura da sociedade. Compreender o cenário social, no qual se inserem tanto as empresas quanto os funcionários, é primordial para uma atuação positiva no sentido pro�ssional, bem como efetiva no direcionamento das demandas. Essa compreensão é imprescindível no processo de consultoria e assessoria; no entanto, procuraremos demonstrar como os dois momentos se diferem, mas buscam o mesmo objetivo. No âmbito de atuação das empresas privadas, o foco está direcionado pela objetividade, otimização e padronização das ações e projetos. Contudo, como já ressaltamos anteriormente, a atuação do Serviço Social é primordialmente 2.4 O trabalho dos assistentes sociais nas consultorias empresariais A Corporação (BAKAN, 2003), documentário dirigido por Mark Achbar e Jennifer Abbott, trata do surgimento e do fortalecimento das grandes corporações, abordando o processo de formação do reconhecimento de seus direitos e o conceito de pessoa jurídica. A partir desta abordagem, o documentário desenvolve a discussão sobre a inserção das grandes corporações no cotidiano das pessoas e suas in�uências sociais. Para assistir, clique no link a seguir! Acesse (https://www.youtube.com/watch?v=Zx0f_8FKMrY) VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?v=Zx0f_8FKMrY centrada na �gura humana, no indivíduo na condição de trabalhador, pertencente a uma realidade social que extrapola o ambiente de trabalho. Porém, a objetividade e a otimização podem ser aplicadas, desde que se tenha como foco as demandas dos usuários – conforme abordaremos na sequência. O conceito de consultoria não é um termo surgido no Serviço Social, o que parece bem claro. Sendo assim, devemos entender que ele vem de outra área do conhecimento, a da administração. Tal a�rmação pode causar uma discussão que nos levaria a termos intermináveis, tanto teóricos quanto históricos, sobre a real pertença do conceito à área que indicamos. No entanto, parece óbvio que na organização das ciências sociais aplicadas, a administração seja a área que melhor lida com este conceito. Partindo desta a�rmação, precisamos compreender quais sejam os diferenciais entre as abordagens dadas ao conceito e a abordagem que se espera no Serviço Social. Ao pensarmos em uma consultoria na área contábil, certamente devemos imaginar um trabalho focado na análise de documentos, planilhas, notas �scais, holerites, contas a pagar e a receber. O mesmo se daria em uma consultoria na área administrativa, uma análise de documentos, projetos, organogramas etc. Ao �m do processo, seria estabelecido um diagnóstico, apontamento de falhas, carências e o indicativo de planejamento necessário para saná-los. Tomando como parâmetro estas proposições, podemos compreender que a consultoria na área do Serviço Social é distinta. 2.4.1 A consultoria como diagnóstico e análise Primeiro, a “matéria” de análise do pro�ssional não é imóvel, objetiva e puramente mensurável, tratam-se de indivíduos que se encontram em determinada situação social, o trabalho. Estes indivíduos apresentam demandas pessoais que devem ser entendidas pelo pro�ssional, mas também atendidas no âmbito coletivo do conjunto de trabalhadores. Primeiro Segundo Anteriormente já argumentamos que o pro�ssional possui uma autoridade de saber, ou seja, seu conhecimento teórico e sua expertise prática, fundamentados nos princípios ético-políticos de sua pro�ssão, lhe garantem autoridade de proposição. Este é o motivo pelo qual uma empresa contrata um pro�ssional de determinada área para empreender uma consultoria. Assumindo este papel de autoridade de saber, o assistente social deve empreender uma consultoria que se comprometa diretamente com as demandas dos usuários. No desenrolar desse processo de consultoria, a expectativa não é a de uma intervenção efetiva a partir do diagnóstico empreendido. Mesmo que algumas ações pontuais, tais como palestras, workshops, entrevistas, reuniões de grupo etc., sejam usadas para a construção de um diagnóstico e um relatório de consultoria, essas ações não estão direcionadas a atuar efetivamente nas carências e demandas detectadas. Neste sentido, a assessoria é um passo seguinte e natural ao processo de consultoria, mesmo sendo uma abordagem mais efetiva, ela tem o mesmo �m da consultoria, ou seja, o de sanar uma de�ciência apresentada em determinada área na qual a empresa ou organização não tem suporte de pessoal próprio. Para isto, é necessário que o pro�ssional compreenda tanto a realidade da empresa, quanto a dos trabalhadores, para que ele não caia em uma prática padronizada de análise e proposição. Em vista dessa necessidade, a seguir trataremos da relação entre a realidade da empresa e a realidade dos trabalhadores, para a proposição de ações que respondam às demandas dos usuários. Segundo, o “foco” da resolução não deve ser o interesse material da empresa, mas antes a necessidade humana dos indivíduos; neste sentido, a proposição do diagnóstico não deve contemplar os resultados imediatos de produção. Antes, a análise e o diagnóstico constantes no resultado da consultoria devem re�etir uma preocupação com as demandas identi�cadas entre os usuários, que no caso são funcionários da empresa contratante, mas também agentes sociais. “Os assistentes sociais preocupam-se mais em estimular a participação social. Essa participação é negada diretamente aos trabalhadores, pois estes não têm o domínio dos meios de produção, nem condições de grande pressão no Estado” (CANÔAS, 1982, p. 72). Podemos asseverar que no processo produtivo do capitalismo atual, a interação entre pessoa jurídica e pessoa física se dá no compartilhamento de uma mesma realidade sociopolítica. No entanto, tal realidade tem implicações distintas para os indivíduos (pessoas físicas), bem como para as empresas (pessoas jurídicas). Sendo assim, deveríamos então falar de implicações da realidade para as empresas e implicações da realidade para os trabalhadores. Quando fazemos esta distinção, queremos apenas ressaltar que um entendimento histórico- material da sociedade deve compreender que ambos os agentes, físico e jurídico, interagem simultaneamente no mesmo contexto social; no entanto, com implicações distintas para cada qual. É exatamente esta interação e suas implicações que fomentarão as desigualdades sociais que geram as demandas percebidas nos trabalhadores. Partindo desta compreensão, podemos entender que o assistente social não pode acreditar que sanará a fonte de todas as desigualdades sociais, nem anulará as implicaçõesda realidade sofridas pelos trabalhadores no contexto social, até porque não é de sua competência. Qual seria então o foco de sua análise em consultoria? Podemos intuir que tanto a consultoria quanto a assessoria, partindo do conhecimento da realidade político-social na qual se encontram empresa e empregados, devem ter como foco o suporte ao trabalhador no processo de reconhecimento de sua realidade (implicações) e a garantia e o acesso aos seus direitos sociais, trabalhistas e políticos. 2.4.2 Conhecendo a realidade da empresa e a dos trabalhadores Figura 7 - A principal preocupação do assistente social, seja em consultoria ou assessoria, deve ser a de garantir aos usuários a possibilidade de se expressarem e reconhecerem sua condição Fonte: Rob Hyrons, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um homem. Aparece apenas parte do seu rosto, até metade do seu pescoço. Ele tem uma corrente ao redor da sua boca, com um cadeado. Para Baptista (2000), é preciso conhecer todos os aspectos da instituição que demanda uma ação, no caso uma consultoria ou assessoria, tais como: seus valores, área de atuação, estruturas administrativas e organizacionais e função na cadeia produtiva. Este conhecimento é preponderante para se estabelecer os parâmetros que guiarão a proposição de uma consultoria que realmente contemple as demandas dos empregados. Uma vez estabelecido este conhecimento, este entendimento, o pro�ssional terá uma base para elencar os dispositivos legais que se assentam como direitos aos trabalhadores desta área. E, ainda, a perspectiva de prever as situações nas quais o trabalhador possa se encontrar em situação de risco social, bem como as situações nas quais ele já se encontra vulnerável. Vejamos o exemplo descrito no caso a seguir. No decorrer do processo de consultoria, o pro�ssional adquire a capacidade de absorver mais dados e informações que lhe permitam aguçar sua compreensão da realidade na qual estão inseridos empresa e empregados, bem como as implicações desta realidade para cada um deles. Sendo assim, o assistente social terá condições de estabelecer um diagnóstico que re�ita as premências dos trabalhadores. No entanto, para uma ação mais profusa, mais ampliada, será necessário um processo mais operativo, no sentido de ser mais efetivo, atacando as carências detectadas. Concluímos este capítulo, no qual abordamos a questão da assessoria e consultoria em Serviço Social. Tendo como substrato o conhecimento adquirido a partir deste estudo, esperamos que você sinta-se capaz de re�etir sobre sua prática pro�ssional, aplicando os conceitos aqui apresentados em sua área de atuação. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: CONCLUSÃO As assistentes sociais Iara e Kiara foram contratadas para prestar uma assessoria em uma empresa frigorí�ca, analisando as questões sociais pertinentes às demandas dos funcionários e apontando as ações que a empresa deveria tomar para se adequar os parâmetros determinados por lei. Antes de iniciarem o processo de identi�cação das demandas, por meio de entrevistas com os funcionários, elas iniciaram pela análise dos históricos socioeconômicos, análise do organograma da empresa e função de cada setor, a estrutura de atendimento de primeiros socorros a casos de traumas e questões de insalubridade. Tomaram conhecimento também da legislação que trata diretamente deste tipo de atividade. Por meio de entrevistas em grupo e individuais, além dos dados obtidos em suas análises, elas puderam traçar um plano de intervenção que atendesse às demandas identi�cadas. Mas foi necessário compreender diversos aspectos organizacionais, estruturais, jurídicos e socioeconômico que envolviam a realidade dos trabalhadores. ESTUDO DE CASO conhecer os conceitos de consultoria e assessoria, a partir de suas distinções e abrangências de ação; identi�car as possibilidades de atuação nas modalidades de assessoria e consultoria, tendo por base a autonomia e o conhecimento teórico-prático; entender a importância da regulamentação da pro�ssão em seu caráter ético-político, e as competências e possibilidades que apresenta; compreender a necessidade de conhecer a realidade da empresa e dos empregados envolvidos na consultoria e assessoria, bem como os determinantes deste processo. Clique para baixar conteúdo deste tema. ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Tradução de Joaquim José de Moura Ramos. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1986. AUTO. [verbete]. In: Priberam Dicionário da Língua Portuguesa, 2018. 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