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Autoria: Dr. Marcone Costa Cerqueira Revisão técnica: Ma. Carmen Suely Cavalcanti de Miranda PRÁTICAS EM SERVIÇO SOCIAL IV COMO PENSAR A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL NOS DIFERENTES ESPAÇOS OCUPACIONAIS? Introdução A multiplicidade de campos de atuação do assistente social não o torna um pro�ssional descaracterizado, ao contrário, rea�rma que seus princípios éticos e políticos são constantes e aplicáveis em todos os espaços ocupacionais existentes na sociedade. Sendo assim, como se fundam as bases para este caráter pro�ssional constante e, ao mesmo tempo, �exível? Podemos a�rmar que os instrumentos técnico-operativos utilizados pelo assistente social propiciam-lhe bases seguras para sua prática pro�ssional? Este caráter operativo é fundamental em sua formação, sendo por isso, importante sua completa apreensão. Nesse sentido, é possível conciliar teoria e prática na construção de uma formação pro�ssional sólida? Pois saiba que é imprescindível que o processo de formação do pro�ssional resguarde esta possibilidade, que torna importante a prática em todas as fases de sua formação. A prática pro�ssional se realiza por meio das mediações e intervenções possibilitadas pela interação constante entre teoria e prática. Em vista destas questões, no primeiro tópico deste capítulo abordaremos o tema da intervenção pro�ssional mediada pela utilização dos diversos instrumentos técnicos. No segundo, trataremos de aspectos concernentes à formação do pro�ssional, a importância de prepará-lo e avaliá-lo para a prática, com sólidos fundamentos teóricos. Já no terceiro tópico, nos deteremos na temática da elaboração de projetos em vista das diversas maneiras de intervenção. Por �m, no quarto tópico nosso objetivo será tratar da questão das ações interventivas, planejando e executando ações direcionadas pela clara identi�cação das demandas. Esperamos que ao concluir a leitura você possa tecer suas opiniões sobre os temas, a partir do conhecimento apreendido, podendo assim, aplicá-los em sua própria formação e prática pro�ssional. Bons estudos! Tempo estimado de leitura: 52 minutos. Não se pode desvencilhar o caráter interventivo da pro�ssão do assistente social. Seu trabalho direto com os usuários, independentemente do espaço ocupacional, lhe proporciona enormes possibilidades de aprimorar seus instrumentais técnicos. Dessa forma, mais que apenas uma prática pro�ssional, a aplicação dos instrumentos técnico-operativos é um processo do próprio aprimoramento da pro�ssão. Seja em atendimentos prestados no âmbito público, seja no âmbito privado, em consultorias e assessorias a empresas ou entidades sociais, o assistente social se vale de seu aparato técnico-operativo de forma crítica, não apenas como executor de tarefas. Este é um dos principais diferenciais deste pro�ssional. Em vista disso, a seguir trataremos dos instrumentos técnico-operativos do Serviço Social e, na sequência, investigaremos a aplicação de tais instrumentos no processo de assessoria. O Serviço Social se con�gura como uma importante área do conhecimento dentro da grande área das Ciências Humanas, tendo forte caráter interventivo e sendo classi�cado como ciência humana aplicada. O aporte que o direciona para uma construção teórica própria não o afasta de seu caráter empírico, prático, atuante no meio social, e crítico dos fenômenos surgidos neste meio. A gama de instrumentos técnico-operativos que o pro�ssional utiliza a partir da teoria é rea�rmada em seu próprio aprimoramento prático; dessa forma, não podemos desvencilhar os dois momentos. 3.1 Intervenção profissional e os instrumentais técnicos 3.1.1 Instrumentos técnico-operativos do Serviço Social Figura 1 - Teoria e prática são âmbitos inseparáveis na construção do Serviço Social enquanto área de conhecimento e atuação profissional Fonte: Ivelin Radkov, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia da mão de uma pessoa "escrevendo" na tela. Nesta, encontramos um ciclo de teoria e prática. Sendo o assistente social um pro�ssional inserido na divisão social do trabalho, é natural que tal inserção seja marcada por um instrumental próprio de atuação. No entanto, esta inserção não pode se dar de forma acrítica ou puramente instrumentalizada – é um terrível engano entender o Serviço Social como pro�ssão de mera prestação de serviço. De acordo com Guerra (1999), o Serviço Social deve romper com a lógica instrumentalista de reprodução incutida no processo produtivo capitalista, na qual o pro�ssional é um mero possuidor de técnica. Por este viés, o aporte instrumental do Serviço Social deve ser, antes de tudo, uma forma de interagir crítica e dialeticamente com a realidade dos usuários atendidos. Em vista desta preocupação, vamos abordar esses instrumentos técnico- operativos por uma via de compreensão que nos permita ver, neles, os meios críticos e dialéticos que devem ser. Para empreendermos essa compreensão é preciso partir de duas premissas. Primeiro, os instrumentos técnico-operativos não são �ns em si mesmos; segundo, independentemente do caráter interventivo, o objetivo primário é sempre o atendimento à demanda do usuário. A primeira premissa nos leva a compreender que os instrumentos técnico-operativos são ferramentas de abordagem, não se constituindo em técnicas puramente repetitivas. Ou seja, ao se valer de instrumentos tais como �cha de cadastro socioeconômico, relatórios de atendimento, relatório de visita domiciliar, entrevistas individuais, reuniões em grupo, encaminhamento socioassistencial, folha de produção diária, visitas domiciliares e visitas institucionais, o assistente social não deve se limitar ao processo em si, a uma simples obtenção de informação. O estabelecimento do caráter crítico e dialético da prática do pro�ssional está em valer-se dessas informações, dados e percepções, para construir o quadro no qual se O documentário Capitalismo – uma história de amor (2009), de Michael Moore, trata do tema do capitalismo exacerbado que cria relações sociais de extrema desigualdade e aliena o indivíduo a partir do processo de produção e ganho. Ao apresentar a falsa propaganda do sistema capitalista, na qual é pregada a ideia de que todos podem ter o mesmo nível de vida social, o documentário apresenta a situação da maioria dos indivíduos que são esmagados pela lógica de produção e reprodução de riqueza. A versão legendada está disponível no link a seguir! Acesse (https://www.youtube.com/watch? time_continue=9&v=UgstIm2Ee-o) VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=UgstIm2Ee-o Conforme Iamamoto (2009), a prática pro�ssional não pode ser tomada isoladamente, mas tanto frente a condicionantes internos, na capacidade do assistente social, quanto externos, na circunstância social encontrada por ele. Posto este quadro de necessária posição crítica, re�exiva e dialética – no sentido de encarar a intervenção como apreensão da realidade social e ação sobre ela –, podemos entender que os instrumentos técnico-operativos devem ser pontualmente utilizados com o objetivo primário de identi�car, quanti�car e quali�car as demandas dos usuários, bem como de embasar as ações necessárias. Por este prisma, podemos compreender que a técnica envolvida na prática pro�ssional do assistente social não é a mesma utilizada por um pro�ssional da contabilidade, por exemplo. Este último vale-se de instrumentos que servem para aplicação de fórmulas, normas e dispositivos �xos, inserindo neles dados mensuráveis e puramente codi�cáveis. No caso do assistente social, as informações e dados colhidos, e a utilização de seus instrumentos, são voltados para uma compreensão crítica, não engessada, da realidade social dos indivíduos. Mesmo que seja importante a questão estatística – os dados concretos que demonstrem aspectos os codi�cáveis –, não é possível uma simples dedução quantitativa da vivência dos sujeitos que se encontram como usuários. Dessa forma, pode-se compreender que o caráter dos instrumentos operativos utilizados pelo assistente social, mesmo queseja próximo àquele dos instrumentos próprios de outras ciências humanas, não se limita à simples reprodução técnica voltada para si mesma; é, antes, uma forma crítica de ação dialética. A partir das apreensões tomadas até aqui sobre o caráter e uso dos instrumentos técnico-operativos, no próximo item buscaremos discutir sua aplicação no processo de intervenção, em especial no processo de assessoria. A intervenção é um processo que não se limita à execução de projetos ou ações pontuais em vista de demandas identi�cadas. A abordagem que pretendemos dar a essa prática nos leva a pensarmos esse processo como re�exivo. Como inserem os usuários a serem atendidos. Nesse sentido, o assistente social é um “leitor” da realidade social, e por conta disto os instrumentos não são o �m da ação do pro�ssional, mas antes o meio para sua análise crítica. Isso nos leva a identi�car a necessidade de uma sólida formação teórica, que reconheça a ação do pro�ssional frente à realidade na qual efetua sua prática. 3.1.2 A intervenção como processo reflexivo todo processo re�exivo, a intervenção do assistente social deve começar com a compreensão do contexto político-social no qual está inserido o usuário a ser atendido, avançando para a escolha da metodologia a ser utilizada, culminando no uso dos instrumentos técnico-operativos mais apropriados. Se nos alinharmos aos princípios ético-políticos da pro�ssão, entenderemos o processo que culmina na intervenção como um processo político. Como indica Baptista (2000), o processo de planejamento, a tomada de decisão sobre as suas partes metodológicas e operacionais, constitui-se como processo político, pois está diretamente relacionado às relações de poder. Aplicando esse entendimento à construção de uma metodologia de ação em um processo de intervenção, reforçamos a convicção de que a utilização dos instrumentos técnico-operacionais não se restringe a um cotidiano interminável de reprodução de tarefas. O termo rei�cação designa um processo próprio do capitalismo, no qual as reais relações desiguais de poder são mascaradas pelo processo produtivo. Neste processo, as relações sociais aparecem como relações entre mercadorias, ou seja, relações de produção e reprodução, ocultando a realidade das relações de classes sociais antagônicas (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988). VOCÊ SABIA? Figura 2 - As relações de poder em geral são mascaradas por aparentes igualdade e ordem social, por isso é necessário desvelar este processo e pensar sobre ele na prática profissional Fonte: solarseven, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia da mão de uma pessoa ampliada com cordas amarradas em seus dedos e, em conjunto, nos membros de uma pessoa que está embaixo, como se esse indivíduo fosse um fantoche. Ao se confrontar re�exivamente com a realidade político-social dos usuários, o assistente social também se confronta, dialeticamente, com a própria construção de poder que perpassa a sociedade. Nesse sentido, ao buscar compreender a realidade do usuário, o assistente social está, ao mesmo tempo, entrevendo as pressões e os condicionamentos sociais que geram as demandas nas quais os usuários se encontram. A metodologia a ser empregada na intervenção tem de contemplar esse entendimento, não �cando alienada às pressões sociais que se mostram latentes. Indicamos que este processo é dialético, pois, ao reconhecer as relações sociais concretas que geram as demandas e as relações de poder, o pro�ssional re�ete sobre sua intervenção não como arrefecimento das consequências sofridas pelo usuário, mas antes como ação direta em tais relações. A esse respeito, a�rma Faleiros (1993, p. 91-92): “O Serviço Social na contemporaneidade”, de Marilda V. Iamamoto, é uma obra essencial para se vislumbrar os desa�os e possibilidades do pro�ssional do Serviço Social no atual quadro político-social. Neste livro a autora trata, no primeiro momento, da questão do trabalho pro�ssional diante das transformações vividas pela sociedade na contemporaneidade; no segundo momento, ela direciona a discussão para a temática da formação do pro�ssional, mantendo a mesma preocupação em entender como as mudanças societárias in�uenciam estes dois momentos da vida do assistente social (IAMAMOTO, 2009). VOCÊ QUER LER? Do ponto de vista dialético, a metodologia não é um conjunto de regras, mas uma consciência dos processos globais historicamente dados numa relação contraditória e globalizadora. O método deve adequar-se ao objeto e não o Em vista dessa compreensão, entender as demandas de forma restrita, fechadas em seus espaços ocupacionais, não contribui para uma ação re�exiva que aprofunde tanto o planejamento quanto o próprio aprimoramento da intervenção. Esse direcionamento é de extrema importância ao se pensar a ação interventiva do assistente social na modalidade de assessoria, seja ela privada, pública ou prestada para instituições e movimentos sociais. O caráter re�exivo da intervenção no processo de assessoria não se esgota no planejamento de ações e projetos que visam o cumprimento técnico de medidas que não lidem com as relações de poder envolvidas no contexto sociopolítico dos usuários atendidos. O �lósofo alemão G. W. F. Hegel (1770-1831) foi um dos mais in�uentes pensadores do século XIX, in�uenciando autores e �lósofos como Karl Marx, por exemplo. Uma das teorias mais difundidas de Hegel é a da dialética: segundo ele, em determinada realidade, a relação antagônica, contrária, entre duas forças faz surgir uma nova realidade, na qual uma das forças é aglutinada pela outra. A força aglutinada não é extinta, mas passa a existir como obsoleta, ultrapassada, subjugada pela força aglutinadora. Segundo Hegel, este processo é um movimento de progresso no qual o resultado é um estágio mais aprimorado. Essa �loso�a foi adaptada e fartamente utilizada na teoria política e em outras áreas das ciências humanas (INWOOD, 1997). VOCÊ O CONHECE? objeto ao método. A relação linear e causal entre variáveis e setores é uma forma apenas de controle imediato, enquanto que a dialética supõe a construção de categorias que permitam uma articulação global do particular ao geral do geral ao particular. É extremamente delicada a posição do assistente social neste processo, uma vez que sua atuação sofre a pressão advinda da condição de prestador de serviço ao contratante, e da posição de orientador do usuário no decurso do reconhecimento de sua realidade e na tomada de consciência de seus direitos. Nesse sentido, é necessário um direcionamento embasado no estrito emprego dos princípios ético-políticos que dão autonomia à ação do pro�ssional, valendo- se de todos os instrumentos técnico-operativos que se mostram necessários diante da metodologia escolhida para enfrentamento das demandas. Para se empreender uma intervenção com este caráter re�exivo, dialético, que compreenda as pressões sociais envolvidas na relação de poder existente nos espaços ocupacionais, a segurança teórica e a prática devem ser trabalhadas em todos os momentos da vida pro�ssional. Figura 3 - A jornada de uma profissão é um caminho de desafios e conquistas, e desde sua formação o profissional deve ter recursos e subsídios para embasar sua autonomia Fonte: alphaspirit, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um profissional de costas, andando no meio de uma estrada deserta. Há uma paisagem ao fundo. No entanto, a solidi�cação dessa segurança, da autonomia do assistente social, começa no próprio período de formação do pro�ssional, tanto em vista de sua percepção do contexto social quanto do aporte teórico-prático obtido na formação acadêmica. Diante dessa necessidade, no próximo tópico apresentaremos alguns aspectos da formação do pro�ssional e a importância de se trabalhar os conceitos teóricos em �na sintonia com a prática. De acordo com o que estudamos anteriormente, podemos concluir que a formação do assistente social não se dá apenas no período que compreende o processo acadêmico de ensino. Emuma perspectiva construtivista, a formação é um processo inacabado, que se constrói em todos os momentos da vida pro�ssional. Contudo, a constituição de uma base sólida, bem fundamentada e amparada em conceitos e práticas, prepara o pro�ssional para uma realidade que lhe exige não só conhecimento, mas capacidade crítica e autônoma. De acordo com Iamamoto (2009), o pro�ssional precisa entender seu papel, compreender o que faz, buscando uma clareza que lhe permita perceber que não basta dar explicações sobre os contextos sociais, mas vivenciá-los em sua prática. 3.1.3 Teoria e prática na formação do assistente social Figura 4 - O profissional deve enxergar teoria e prática em conjunto na vivência de sua atuação, conhecendo e interagindo com a realidade que o cerca Fonte: kurhan, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher estudando. Ela está sentada de frente para a câmera, diante de uma mesa com diversos itens em cima, como pastas e fichários à esquerda, óculos, post-its, calculadora e um notebook aberto à direita. Ao fundo, há profissionais de diferentes áreas desfocados. As modi�cações e reformulações no processo de formação do assistente social devem surgir de maneira alinhada às novas perspectivas e aos desa�os que se colocam diante da prática pro�ssional. Não apenas no campo do Serviço Social e de suas construções teóricas, mas no diálogo com as demais Ciências Sociais e, principalmente, em consonância às mudanças sociais e políticas que afetam a organização da sociedade. O assistente social não pode constituir- se como um pro�ssional que se fecha em seu âmbito de atuação, sem articular saberes e práticas com outras Ciências Sociais e A intervenção do pro�ssional, enquanto agir concreto, é ao mesmo tempo um rever constante de sua própria base teórica. Em outros termos, ao exercer sua prática, a partir de uma ação interventiva engajada, re�exiva e crítica, o assistente social está dialeticamente revendo, reavaliando, repensando os fundamentos teóricos que lhe dão suporte. Todo esse movimento de construção teórica, intervenção crítica, reavaliação crítica, gera um aprimoramento tanto prático quanto teórico na pro�ssão como um todo. É necessário, no entanto, articular esse movimento dialético em termos de um planejamento que signi�que ganho para a prática de atuação do assistente social e ganho para os indivíduos que serão atendidos em suas demandas. Um pro�ssional bem preparado constrói planejamentos mais condizentes às reais demandas dos usuários dos seus serviços. Nesse sentido, no próximo tópico nos ocuparemos da discussão acerca do processo de planejamento e suas etapas. Humanas. Nesse sentido, a construção teórica que se desenvolve nos diversos espaços de atuação do pro�ssional surge como produto de sua própria prática. Por esse prisma, pode-se compreender que o assistente social possui uma vivência pro�ssional que o possibilita ter experiência direta com fenômenos e mecanismos sociais, o que muitas vezes não é possível a outros pro�ssionais. Neste tópico nos deteremos à questão do planejamento de ações interventivas, buscando alinhar essa temática ao que discutimos até o momento. É uma diferença sutil, mas importante, a que separa a preparação de projetos da 3.2 Planejamento em Serviço Social preparação de planejamento; em geral, um planejamento pode conter mais de um projeto, ou direcionar-se para mais de uma área de execução. Dessa maneira, focaremos nas modalidades de consultoria e assessoria, não deixando passar ao largo o caráter crítico da intervenção no âmbito do Serviço Social. Essa temática precisa ser desenvolvida em uma esfera de discussão que posicione a ação do assistente social dentro de um contexto pro�ssional delimitado e bem embasado. Assim, no primeiro item trataremos da consultoria e planejamento, e no segundo abordaremos a assessoria e a intervenção. Para manter a coerência do que tem sido tratado até aqui, é necessário compreender o processo de consultoria como ação mais ampla, direcionada a uma visão geral de determinado problema ou realidade, fundamentando, assim, ações futuras mais incisivas e diretas. Mesmo que uma consultoria esteja direcionada para determinada área, seja de uma instituição privada, pública ou da sociedade civil, o caráter de planejamento impresso por ela tem uma abrangência que permite a construção de vários projetos. O planejamento pode ser tomado como a delimitação de metas e objetivos a serem alcançados a longo, médio ou curto prazo. Essas metas e objetivos podem ser identi�cados frente a um problema, a uma carência ou falha em determinado processo de organização, bem como pela necessidade de implantação de rotinas e processos ainda não existentes. Dentro do Serviço Social podemos encontrar inúmeros processos de planejamento que permitem vislumbrar as possibilidades de construção de ações interventivas. No entanto, tomemos como diretriz o indicativo de Baptista (2000), segundo a qual todo processo de planejamento comporta um movimento de re�exão/decisão/ação/re�exão. 3.2.1 Consultoria e planejamento Figura 5 - O planejamento é um processo no qual a reavaliação de metas e a reflexão sobre a metodologia utilizada podem ser feitas em todas as etapas de seu desenvolvimento Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um profissional "escrevendo" em uma parede. Ele está de costas e com roupas sociais. Na parede, encontramos um ciclo de mudança, envolvendo modificação, transformação, reorientação, ajuste e novidade. Há ilustrações caracterizando cada etapa. Nesse modelo indicado por Baptista (2000), o planejamento de intervenção, seja como consultoria ou como trabalho contínuo em qualquer instituição, deve comportar: As etapas de conhecimento da situação enfrentada. A de�nição de metas e objetivos prioritários frente às alternativas. Trata-se de um processo re�exivo que deve ser pensado em vista de admitir a possibilidade de alterações, adequações, ajustes e reavaliação das ações. Como já salientado diversas vezes neste estudo, a prática do assistente social não resulta de simples aplicação de instrumentos técnicos, nem se orienta por uma compreensão mecanicista das relações sociais. Em diversos momentos o planejamento é erroneamente confundido com um tipo de plani�cação da realidade trabalhada, ou seja, tenta-se moldar a realidade de acordo com algo que se projeta como ideal para o futuro, mantendo, para isso, forte controle de metas, de gastos e de prazos. No entanto, como A implementação de ações em vista dos objetivos. A avaliação de resultados em vista da situação primariamente posta. A ideia de uma compreensão mecanicista da sociedade na Modernidade, aplicada à ideia de governo, foi primeiro proposta de forma mais sistemática pelo �lósofo e pensador político inglês Thomas Hobbes (1588-1679). Hobbes fazia uma interpretação mecanicista das relações entre os indivíduos, na qual a mecânica individual transporta-se para a mecânica social. Em sua visão, era necessário um governo absoluto que centralizasse o poder e desse equilíbrio às interações entre os indivíduos. Essa concepção absolutista foi amplamente criticada na Contemporaneidade, principalmente por pensadores republicanos e socialistas (POLIN, 1992). VOCÊ SABIA? buscamos ressaltar até aqui, o planejamento é algo que se constrói em vista da realidade, primeiro como conhecimento desta, não como ação ideal que busca moldar as relações concretas sociais. Para Iamamoto (2009), o código de ética da pro�ssão requer um pro�ssional que rompa com o teoricismo estéril e o pragmatismo do fazer por fazer. Essa visão se coaduna à ideia de planejamento que expressamos em nossa discussão, a de não tornar a intervenção do assistente social uma mera consultoria técnica (no caso do âmbito privado), nem um mero assistencialismo (no caso do âmbito público). Sendo assim, o processo de re�exão/decisão/ação/re�exão é um movimento duplo, uma vez que ao mesmo tempo em que projeta ações para a realidadeexterior à qual trabalha, projeta para si mesmo um autoconhecimento que aprimora e atualiza. Essa disposição é a garantia de que as ações propostas serão uma resposta e�caz às demandas identi�cadas, tendo sempre os usuários como foco e sendo, também, a possibilidade de ampliação da crítica da própria prática pro�ssional. Fundamentados nesses conhecimentos, a seguir abordaremos os desdobramentos do planejamento de ações interventivas no processo de assessoria. O processo de assessoria tem sido de�nido, ao longo de nossa discussão, como conjunto de ações no contexto de determinado espaço ocupacional, instituição ou organização. Da mesma forma temos direcionado o entendimento do que seja intervenção e suas diretrizes. Neste item, nos voltaremos para a possibilidade da assessoria como intervenção, ou seja, como ação direta em demandas, carências, falhas e propostas identi�cadas no planejamento de consultoria. Para tal, partiremos da seguinte questão posta por Freire (2010, p. 171): “Por que se assessoram apenas os dominantes (gestores, dirigentes, gerentes) e os pares (pro�ssionais) e não os sujeitos usuários dos programas, aos quais apenas se ‘orienta’ e educa?”. Quando tratamos da consultoria como planejamento, indicamos o modelo defendido por Baptista (2000), baseado no aprofundamento do conhecimento da realidade, na análise de meios necessários para a execução, na ação direta e na re�exão sobre os resultados e crítica do processo. No entanto, no processo de intervenção, seja como assessoria ou trabalho contínuo em qualquer instituição pública ou privada, o foco está na ação direta de intervir, como o próprio termo indica, em determinada realidade. 3.2.2 Assessoria e intervenção Esta diretriz não precisa ser entendida como uma in�exão, no sentido de que toda intervenção é ação coordenada que só pode ser reavaliada no seu �nal. O processo de assessoria comporta pouco tempo para alterações no decorrer das ações ou projetos, por isso a fase de consultoria, no planejamento, dever ser muito bem estruturada. O ponto central da assessoria como intervenção, mesmo que em alguns casos não se dê no trato direto com os usuários, mas voltando-se primordialmente para suas demandas, é que o direcionamento das ações e dos projetos está dado pelo resultado das relações de força existentes na realidade trabalhada, identi�cadas na consultoria. A esse respeito, segundo Faleiros (1993, p. 129): O assistente social, ao prestar assessoria para uma empresa privada, mesmo que não tenha contato com os funcionários, está intervindo diretamente na realidade deles. Sua função como assessor, auxiliando o contratante na resolução de carências, de demandas ou de falhas identi�cadas – em geral por consultoria na área que toca as competências do Serviço Social –, está diretamente ligada à realidade dos trabalhadores. A ação social não é um assunto de um especialista “competente” perante um cliente de tal agência para atribuição de um recurso ou modificação de um comportamento, mas sim uma relação de forças, onde o saber e o poder se articulam, e os problemas e sua solução dependem da relação de forças historicamente dada e não de uma lógica abstrata e mecanicista. “As soluções” imediatas podem transformar-se por sua vez em mediações para uma acumulação de forças. De acordo com Joos e Pereira (1998), os pro�ssionais muitas vezes não dão importância ou não conseguem identi�car dados presentes na imediatidade cotidiana da instituição na qual prestam assessoria, o que os impede de ter maior clareza – na realidade mais ampla – do que fazer, quando fazer e como fazer. A questão é que o pro�ssional pode se enxergar distante do usuário – do trabalhador (no caso de uma empresa), ou de um indivíduo atendido por uma instituição pública ou movimento social –, se ele entender que o processo de assessoria se limita a auxiliar o contratante de forma administrativa. De acordo com Matos (2010, p. 32): “[...] Ao contrário, a assessoria a ser desenvolvia pelos(as) assistentes sociais, inexoravelmente, vai expressar uma concepção de pro�ssão e de mundo”. Nesse sentido, não se pode perder a concepção de que toda ação proposta, atividade, projeto, incidirão diretamente na realidade dos usuários. A construção de qualquer projeto prevê um alvo, um objetivo a ser alcançado, portanto, faz-se necessário estabelecer um norte a ser seguido. Elaborar um projeto envolve algumas etapas que se intrincam e culminam em uma projeção para o futuro. Dessa forma, projetar é conhecer as condições dadas no presente e estipular modos de agir sobre elas no futuro. Em vista disso, neste tópico buscaremos delimitar as etapas de um projeto de intervenção, tendo como ambiente os diversos espaços ocupacionais nos quais o assistente social atual. Cabe ressaltar, mais uma vez, que a intervenção no Serviço Social não é um estado de simples aplicação prática de conceitos, mas a oportunidade de agir/interagir diretamente na realidade social dos indivíduos atendidos. Parece clara a ideia de que todo projeto parte de um problema que instiga à pesquisa e à intervenção, algo a ser enfrentado como propósito, ou seja, que ainda não existe no mundo concreto, mas pode ser estruturado, pensado, estabelecido previamente na razão dos indivíduos que o projetam. 3.3 Elementos para elaboração de projeto de intervenção 3.3.1 Etapas de um projeto Karl Marx (2013), no capítulo VII do livro 1 de “O Capital”, faz uma interessante comparação entre a aranha e o artesão, bem como entre a abelha e o arquiteto: tanto a aranha quanto a abelha executam trabalhos elaborados, mas a melhor delas não se compara ao pior dos arquitetos. O artesão e o arquiteto planejam antes suas construções, ou seja, projetam primeiro em suas mentes o que será feito; os insetos, por sua vez, agem por instinto. Figura 6 - Projetar é basicamente pensar uma realidade possível a partir da realidade percebida: apenas pensar é imaginação, apenas perceber é conhecimento; um projeto une as duas coisas Fonte: alphaspirit, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de alguns profissionais de roupas sociais de pé, formando um círculo. Eles estão no que parece uma cobertura, sendo possível avistar a cidade ao fundo em um cenário noturno. Essas pessoas estão olhando para cima, no centro, pois há uma ilustração com a palavra "plano" no centro e alguns desenhos ao redor. Como salientado anteriormente, projetar é perceber o presente e conceber o futuro. Nesse sentido, a base do projeto são sempre as condições percebidas pelo indivíduo e, a partir delas, seu objetivo futuro. Considerando esse entendimento, podemos indicar minimamente as etapas principais de um projeto, as quais seriam: coleta de dados e informações; de�nição da capacidade de realização do projeto (estrutural, organizacional e �nanceira); escolha da metodologia a ser aplicada; de�nição de objetivos e metas. “Para que haja uma ação efetiva sobre uma situação, é preciso conhecê- la como uma totalidade que tem diferentes dimensões e se relaciona com totalidades maiores” (BAPTISTA, 2000, p. 46). O processo de coleta de dados é empírico, partindo de análise direta de informações disponíveis ou do direcionamento de informações que devem ser obtidas. Nesse sentido, dados estatísticos (formulários e �chas de entrevista) e socioeconômicos (de institutos de pesquisa) são fontes valiosas para se traçar um quadro geral de determinada área social. Contudo, essa primeira etapa não pode ser puramente analítica; ao contrário, deve ser o momento de análise crítica. Em outras palavras, não basta ter apenas uma percepção empírica, a qual é somente a base de dados, pois o foco é o conhecimento crítico da realidade. Para entender melhor, vejamos o exemplo descrito no caso a seguir. Tendo um conhecimento crítico e embasado da realidade social na qual se agirá, é possível avaliar os meios disponíveis para se pensar a ação. A etapa de se avaliar as condições materiais para a execução do projeto é muito importante, não se pode criar um projeto “utópico”no qual as condições existentes são insu�cientes. Isto acaba gerando frustração e descrédito em um projeto que poderia ser válido. Dessa maneira, é necessário ter conhecimento de aspectos como estrutura física, recursos disponíveis para execução, viabilidade organizacional, entre outros. Não é possível a leitura discrepante entre a realidade de execução de um projeto e a indicação de objetivos e metas inalcançáveis. Eduarda, uma experiente assistente social, foi contratada por uma empresa pública para assessorar a criação e a implementação de um projeto social junto à comunidade no entorno da empresa. De início, a proposta da empresa era criar um centro integrado de cultura que promovesse o�cina de capacitação com jovens, inclusão digital com adultos, cursos de arte etc. Eduarda começou a coletar os dados necessários para traçar um per�l socioeconômico dos indivíduos da comunidade. No entanto, por meio de visitas domiciliares, formulários socioeconômicos e outras formas de coleta de informação, Eduarda percebeu que não era possível a implantação do projeto nos moldes iniciais, pois identi�cou-se que 36% dos jovens em idade escolar estavam fora da escola, 25% dos adultos eram analfabetos funcionais e 22% dos jovens do sexo masculinos tiveram problemas com o uso de entorpecentes. Diante disso, ela criou um projeto que vinculava a arte à alfabetização, bem como um trabalho em conjunto com os colégios públicos da comunidade para reinserção dos jovens em idade escolar. Ainda dentro do projeto, foram criadas o�cinas de arte em parceria com organizações não-governamentais (ONGs) que desenvolviam um trabalho de conscientização e reabilitação do uso de drogas. ESTUDO DE CASO De acordo com a opinião de Joos e Pereira (1998), os projetos de intervenção do Serviço Social se apresentam como recortes críticos de realidades que serão perpassadas por outras áreas, por isso, não podem apresentar objetivos e estratégias de ação sem um estudo de sua viabilidade e limitações. Por esta razão, a metodologia a ser indicada no projeto deve permitir uma ação �exível, embasada em princípios éticos e políticos, mas que permita a interação com as demais áreas envolvidas na execução. Os objetivos e metas a serem alcançados são norteadores que fundamentam a escolha da metodologia, mas que re�etem o conhecimento concreto da realidade envolvida e das capacidades de execução. Com base nesse entendimento, no próximo item nos deteremos aos aspectos que moldam um projeto de intervenção. O Serviço Social guarda inúmeras particularidades teóricas e práticas, principalmente em seu caráter crítico de compreensão da realidade social e em sua atuação sempre direcionada à necessidade do usuário, independentemente do espaço ocupacional. Essas diretrizes estão alinhadas ao projeto ético-político da pro�ssão, não apenas em seu código de ética ou em seus instrumentos técnico-operativos, mas na relação do pro�ssional com os diversos agentes sociais com os quais ele lida (NETTO, 2015; CFESS, 2012). Por este entendimento, podemos a�rmar que qualquer projeto desenvolvido no campo do Serviço Social tem um objetivo �xo, norteador: o de atender às demandas dos indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade ou risco social. 3.3.2 O projeto de intervenção no Serviço Social A obra “Planejamento social: intencionalidade e instrumentação”, de Myrian Veras Baptista, traz uma importante abordagem sobre o planejamento de ações interventivas dentro da área de atuação do Serviço Social. Sua visão ampla da temática, aliada à descrição minuciosa de conceitos e instrumentos, contribui para a clara compreensão dos elementos envolvidos no processo de planejamento e intervenção (BAPTISTA, 2000). VOCÊ QUER LER? Como salientado diversas vezes, as diretrizes de crítica do assistente social sobre a realidade social são fundadas em uma compreensão histórico-material das relações de força no contexto da sociedade. Nesse sentido, independentemente do espaço ocupacional, sempre teremos aqueles indivíduos que sofrem a pressão das desigualdades sociais, seja no trabalho, nas instituições privadas, nas instituições públicas ou no acesso aos direitos sociais. Em contraponto, tem-se também as forças que se colocam como pressionadoras, opressoras, detentoras de uma força desigual em relação às forças daqueles indivíduos que se encontram socialmente vulneráveis. Figura 7 - Relações de forças desiguais dentro do contexto social criam relações de poder responsáveis pela desigualdade social, deixando uma maioria sob a pressão de uma minoria Fonte: Jirsak, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um profissional com roupas sociais. Aparece apenas do seu pescoço até a cintura. Ele está à direita e tem as mãos como se estivesse segurando algo à sua frente. No meio de suas mãos, há a ilustração com diversos perfis. Pode parecer reducionista pensarmos as pressões sociais como fruto da luta entre estas duas forças, mas na realidade é um processo dialético no qual a balança pende desigualmente para o lado mais forte. Em vista desta compreensão, o assistente social tem como principal diretriz a tomada de lado, ou seja, seu objetivo é sempre a busca da emancipação e tomada de consciência por parte dos indivíduos que sofrem as pressões sociais. Temos aí dois caminhos, alinhar-se de forma acrítica às forças que sufocam e pressionam o indivíduo vulnerável socialmente, ou alinhar-se à luta deste indivíduo e contribuir para sua emancipação. Como bem colocam Iamamoto e Carvalho (1988, p. 96), sobre o caminho que o pro�ssional pode tomar: Abordamos esta perspectiva de leitura da realidade social em vista de deixar bem claro que o projeto de intervenção no Serviço Social não é meramente projetar no futuro, não se limita a propor ações que reforcem, ou simplesmente arrefeçam, condições sociais de desigualdade. Por este prisma, entende-se que as etapas de projeto são mantidas, é necessário um conhecimento da realidade que será trabalhada; um conhecimento realista dos recursos viabilizados; uma metodologia clara e alinhada aos princípios ético-políticos da pro�ssão; e principalmente, objetivos e metas que se direcionem ao atendimento das demandas identi�cadas dos usuários. Apoiando-nos nestas diretrizes, a seguir abordaremos a questão do planejamento de ações interventivas. Pode tornar-se intelectual orgânico a serviço da burguesia ou das forças populares emergentes; pode orientar a sua atuação reforçando a legitimação da situação vigente ou reforçando um projeto político alternativo, apoiando e assessorando a organização dos trabalhadores, colocando-se a serviço de suas propostas e objetivos. Dentro do âmbito de atuação do assistente social, a temática dos projetos sociais está sempre presente, principalmente por ser um modo de atuação que permite grande interação com os usuários. Dessa maneira, é necessário compreender a forma de construção deste meio de intervenção e pensá-lo visando sua execução e avaliação. Em vista disto, neste tópico nos centraremos na análise do processo de construção dos projetos sociais no sentido de atuação pro�ssional, buscando compreender esta temática em todas as suas etapas. No atual cenário político-econômico é possível identi�car inúmeras ações sociais vindas de diversas esferas da sociedade. Esse movimento pode ser percebido em vista das atividades com enfoque social empreendidas pelo setor privado, pelo terceiro setor e, inclusive, por instituições públicas. Dessa situação, podemos intuir duas questões. 3.4 Serviço Social e gestão de projetos sociais 3.4.1 Os projetos sociais e a atuação profissional 1 A primeira é o reconhecimento notório de que o Estado, ou seja, o poder público, não tem conseguido vencer o desa�o da questão social. As inúmeras mazelas da desigualdade social têm acrescido cada vez mais os problemas decorrentes da pobreza e da violência. Neste sentido, os projetos sociais advindos dos setores já mencionados ocupam um espaço que se encontra fragilizado pela inoperância do poderpúblico. Na perspectiva que buscamos abordar, o projeto social deve ser entendido como um processo de intervenção que se dá em vista do atendimento de demandas especí�cas. Por esse prisma, é preciso compreender que a primeira tarefa que se coloca ao pro�ssional é ter um total conhecimento da realidade social na qual se trabalhará. Como todo projeto, conforme já discutimos anteriormente, o projeto social deve ser construído em vista de uma alteração em um quadro problemático. Projetar é construir uma possibilidade de melhora à situação da realidade experimentada no momento. Por exemplo, a construção de um projeto social que altere a realidade de uma comunidade que apresenta altos índices de evasão escolar e de criminalidade entre indivíduos jovens. Nesse sentido, o projeto deve ser pensado para incentivar a educação, prevenir o envolvimento dos jovens no crime e atender às necessidades básicas que favoreçam esse tipo de questão social, buscando projetar uma realidade na qual esses objetivos sejam alcançáveis. Assumindo essa visão, podemos entender, juntamente com Matos (2010), que o pro�ssional deve ter um caráter crítico, analisando a realidade na qual atua e projeta; ser criativo, desenvolvendo estratégias, ações e novas abordagens; e comprometido, re�etindo os princípios da pro�ssão e o caráter social que marca sua atuação. 2 A segunda questão é a necessidade de direcionar esses projetos e ações sociais para que visem atender alguma parcela da sociedade que se encontre vulnerável. Nesse caso, o Serviço Social é a pro�ssão que atende a esta demanda, sendo seu pro�ssional o mais capaz e preparado para a construção e gestão de projetos sociais. No entanto, em vista da primeira questão, o pro�ssional deve lançar um olhar crítico em relação à construção, execução e avaliação de um projeto social. Dessa forma, o projeto social – que é uma intervenção em todos os seus sentidos – deve visar o atendimento das demandas identi�cadas. Essa assertiva nos leva a defender a ideia de que o projeto social não é apenas uma ação paliativa, momentânea ou baseada em iniciativas ideológicas ou de �ns meramente proselitistas. O projeto social, enquanto ação concreta de intervenção na realidade direta dos indivíduos atendidos, deve por princípio ter caráter crítico e transformador, sendo esta a marca da atuação pro�ssional frente à intervenção em projetos sociais. Buscando quali�car melhor essa discussão, na sequência nos voltaremos para a necessidade de se avaliar e analisar os projetos sociais de forma crítica e objetiva. Pode-se imaginar que o processo de avaliação se dá simplesmente em vista de objetivos preestabelecidos e metas alcançadas. No entanto, no caso da atuação do assistente social na construção e gestão de projetos sociais, a avaliação se dá em vista dos parâmetros ético-políticos re�etidos pela pro�ssão e pela natureza dos objetivos alcançados conforme a real demanda dos indivíduos. Como já salientamos anteriormente, diversas parcelas da sociedade promovem projetos sociais, principalmente o terceiro setor, em vista de amparar outras parcelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Porém, em muitos casos, as instituições que promovem esses projetos sociais possuem seus princípios e ideologias, sendo que em muitos casos elas tendem a buscar resultados pautados nesses princípios. No caso de projetos sociais fomentados por ONGs ou instituições �lantrópicas, o contexto pode se tornar apenas uma maneira de arrefecer os males causados pela extrema desigualdade social. No entanto, o assistente social engajado no projeto político da pro�ssão entende que não é su�ciente uma ação conservadora, super�cialmente assistencialista; é necessário uma atuação que permita a tomada de consciência por parte dos indivíduos, o reconhecimento de sua realidade e o acesso aos seus direitos sociais. Esta diretriz não pode ser perdida no processo de construção de projetos sociais, muito menos no processo de avaliação e análise. Os projetos sociais, mesmo que construídos para se estenderem por um longo período, devem expressar a real resposta à demanda dos usuários dentro do contexto global de sua realidade socioeconômica. Neste sentido, a avaliação dos objetivos alcançados, e a serem alcançados, deve passar pelo crivo dos princípios que baseiam a própria atuação do pro�ssional. 3.4.2 Avaliação e análise crítica dos projetos sociais Ao construir, executar e gerir um projeto social, o assistente social efetua sua atuação pro�ssional de forma independente, por vias de seu conhecimento teórico e prático e por seu engajamento ético, bem como de forma articulada com a instituição ou organização na qual está atuando. Esse delicado arranjo deve ser gerido a �m de fortalecer, sempre, os indivíduos atendidos e os mecanismos que permitam maior possibilidade para responder a suas demandas. “A articulação entre o trabalhador pro�ssional contratado para a manipulação de recursos imediatos, o relacionamento psico-social e o fortalecimento das organizações populares é o grande desa�o que hoje se coloca aos trabalhadores sociais.” (FALEIROS, 1993, p. 27). Os projetos sociais não podem constituir-se em meras reproduções assistencialistas que se inserem em uma ação super�cial de determinadas esferas da sociedade. Diante disso, a análise crítica empreendida pelo pro�ssional não pode se limitar ao âmbito meramente técnico de andamento e execução do projeto social. Mesmo que sua atuação seja viabilizada em vista de seu conhecimento teórico-prático, de sua capacidade técnica, o que deve prevalecer em sua análise é seu princípio ético-político. Por esse viés, a atuação do assistente social dentro dos projetos sociais, que – como já colocamos diversas vezes – se trata de intervenção, deve ser pautada pela busca de alargamento das possibilidades de acesso dos indivíduos atendidos aos seus direitos sociais. Mesmo que a área trabalhada pelo projeto não seja diretamente relacionada a algum direito social especí�co, a exemplo do direito ao trabalho, à saúde, à educação e à moradia, a perspectiva de fortalecimento dos populares deve ser buscada. Por �m, considerando os conhecimentos expostos neste estudo, e com base nas discussões empreendidas no decorrer do capítulo, acreditamos ter esclarecido os pontos gerais da temática relativa ao planejamento e à gestão de ações interventivas dos projetos sociais. Concluímos este estudo, no qual abordamos os modos de pensar a intervenção pro�ssional nos diferentes espaços ocupacionais. A partir da discussão proposta, tendo ainda como base sua opinião a respeito desta temática, esperamos que você esteja apto a re�etir sobre sua prática pro�ssional, aplicando os conceitos apreendidos em sua área de atuação. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: CONCLUSÃO conhecer os instrumentos técnico-operativos, dentro de uma perspectiva de intervenção como re�exão; entender a importância da formação prática, apoiada em conceitos bem de�nidos desde a formação do pro�ssional; direcionar a formação pro�ssional para a tomada de consciência de sua atuação; identi�car as etapas e as características da construção de projetos; compreender a importância da intervenção e da ampliação das formas de ação do assistente social; entender a importância e as diretrizes para o processo de planejamento em vista de ações interventivas que permitam um aprimoramento da própria prática e do campo de atuação da pro�ssão. Clique para baixar conteúdo deste tema. BAPTISTA, M. V. Planejamento social: intencionalidade e instrumentação. São Paulo: Veras Editora; Lisboa: CPIHTS, 2000. BURIOLLA, M. A. F. Supervisão em Serviço Social: o supervisor, sua relação e seus papéis. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011. CAPITALISMO – uma história de amor. Direção: Michael Moore. Produção: Dog Eat Dog Productions; The Weinstein Company. EUA, 2009, documentário, 126 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch? time_continue=9&v=UgstIm2Ee-o (https://www.youtube.com/watch? time_continue=9&v=UgstIm2Ee-o). Acesso em:27 jul. 2021. CFESS – Conselho Federal do Serviço Social. Código de Ética do/a Assistente Social – Lei n. 8.662/93 de regulamentação da pro�ssão. 10. ed. rev. e atual. Brasília: CFESS, 2012. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf (http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf). Acesso em: 27 jul. 2021. FALEIROS, V. de P. Saber pro�ssional e poder institucional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1993. FRANCO, C. A. G. dos S. et al. 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