Buscar

O Trânsito e Cidadania

Prévia do material em texto

O TRÂNSITO E A CIDADANIA 
A ideia de cidadania surgiu na Idade Antiga, após períodos de muita 
desigualdade social, no qual abastados senhores donos de terras 
exploraram gerações e mais gerações de homens comuns que, apesar 
de responsáveis pela produção, nunca tiveram direito a nada. 
“Cidadãos” eram somente aqueles que tinham posses, e só a eles cabia 
a participação nas decisões pertinentes à comunidade e ao gozo dos 
privilégios que a cidade oferecia. Após algumas guerras e revoluções, a 
ideia de cidadania modificou-se bastante, e hoje, ser “cidadão” passou a 
ser um direito de todos os homens, ricos ou pobres. Cidadania é um 
conceito amplo que fundamentalmente caracteriza o homem como um 
ser capaz de tomar parte nas decisões que determinam o andamento da 
sua própria vida. De acordo com o princípio máximo da cidadania, a 
constituição, “todos têm direitos iguais”. 
O trânsito, por sua vez, está diretamente relacionado à atividade 
humana e seu deslocamento no espaço. Para atender as suas 
necessidades e obrigações, as pessoas se deslocam. O que quer que o 
homem desenvolva, ele depende do transporte para concretizar os seus 
objetivos. 
O crescimento tecnológico ocorrido nas últimas décadas, assim como a 
diversidade de atividades que passaram a ser desenvolvidas nas 
cidades, foram os fatores responsáveis por um grande aumento de 
problemas e de conflitos nos deslocamentos realizados pelos seres 
humanos. Além do aumento da população nas cidades, ocorreu também 
um crescimento considerável no tamanho das frotas de veículos, e a 
disputa por espaço é hoje um grande problema urbano. 
A maneira como as pessoas participam individualmente do trânsito é 
uma questão social e política. O trânsito é uma construção coletiva que 
se define pelo somatório das contribuições individuais de cada morador, 
de cada condutor e de cada pedestre da cidade. Ainda que cada 
indivíduo no trânsito tenha objetivos e necessidades a serem supridas, é 
preciso que cada um também considere e respeite as necessidades dos 
outros. Caso contrário, o trânsito corre o risco de se transformar em um 
 
 
 
 
campo de batalha, no qual vence o mais forte e no qual o princípio de 
cidadania não é aplicado. 
Sociólogos analisam a situação do pedestre no Brasil e classificam-no 
como um cidadão de segunda classe, inferiorizado em suas 
necessidades de deslocamento, desrespeitado e atropelado. Do ponto 
de vista ideológico ou político, o pedestre ocupa uma posição menos 
confortável no trânsito porque, teoricamente, por não possuir um 
veículo, ele não faz parte das classes socialmente mais favorecidas 
economicamente. Pedestres tentam deslocar-se por entre centenas de 
automóveis, motos e veículos de grande porte e até mesmo por entre 
corajosas bicicletas que, no meio da fumaça preta, também tentam 
driblar os grandes incômodos causados pela superlotação das vias 
públicas e pela poluição. 
O motorista, dono do automóvel, por outro lado, julga-se com muito mais 
direito à circulação do que os demais participantes do trânsito. Exige 
prioridade, força a passagem, ignora os direitos dos outros e, com isso, 
regride ao tempo antigo, em que uns podiam muito mais do que outros. 
A saturação do sistema viário faz com que os órgãos de trânsito dos 
municípios adotem diversas medidas para minimizar os 
congestionamentos e os conflitos decorrentes da competição por 
espaço. A forma como a sociedade organiza os deslocamentos da 
população, tentando administrar esses conflitos e essa disputa por 
espaço é uma questão social e política. O uso democrático da via 
pública deve levar em conta que um automóvel utiliza, por pessoa, muito 
mais espaço do que o transporte público. Em cidades como São Paulo, 
por exemplo, no espaço ocupado por um único carro poderiam caber 
sete pessoas, caso estivessem em transporte coletivo. 
Os investimentos em transportes e sinalização em uma cidade em que o 
trânsito é exercido com cidadania devem atender às necessidades da 
população como um todo, sem privilegiar um ou outro setor específico 
da sociedade. Quando os investimentos privilegiam setores específicos, 
como por exemplo, aqueles que têm acesso ao transporte individual ou 
então somente os indivíduos que não apresentam nenhuma deficiência 
física, os direitos do cidadão ficam comprometidos, e a qualidade de 
 
 
 
 
vida no trânsito se transforma em utopia. Estabelecese, a partir daí, uma 
desigualdade de direitos que não traz benefício nenhum à comunidade, 
mas, ao contrário, produz estresse e até mesmo violência. 
Na verdade, o que ocorre é que sejam pedestres, motociclistas ou 
condutores de qualquer veículo, todos têm o mesmo direito e querem a 
mesma coisa, chegar ao seu destino. É importante, porém, que na 
busca pela concretização do desejo de ir e vir, um indivíduo não impeça 
o outro desse direito. Todas as pessoas, com deficiências físicas ou 
não, com carros ou não, têm projetos, objetivos e interesses individuais 
que buscam realizar dentro da sociedade da qual fazem parte. A 
concretização de alguns desses projetos implica em interação com o 
coletivo e negociação com outros indivíduos do grupo social. A 
“negociação” entre os indivíduos é um exercício de cidadania. É 
necessário, para facilitar e organizar essa negociação, a existência de 
normas justas que possibilitem a satisfação das necessidades 
individuais sem prejuízo das necessidades do grupo como um todo e o 
respeito a essas normas estabelecidas requer conscientização a 
respeito da estruturação da sociedade, responsabilidade com relação 
aos objetivos do grupo e comprometimento na construção de uma 
sociedade mais justa e com mais qualidade de vida. 
 
Andrea Nunes da Silva 
Psicóloga e educadora 
 
 
 
 
 
Referências bibliográficas: 
VASCONCELOS, Eduardo, O que é Trânsito, Coleção Primeiros 
Passos, São Paulo: Brasiliense, 1998.

Continue navegando