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SEMIÓTICA Cláudia Renata Pereira de Campos André Corrêa da Silva de Araujo Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 C198s Campos, Cláudia Renata Pereira de. Semiótica / Cláudia Renata Pereira de Campos, André Corrêa da Silva de Araujo. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 134 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-074-0 1. Semiótica. I. Araujo, André Corrêa da Silva. II. Título. CDU 81’22 Semiotica_Iniciais_Impressa.indd 2 13/03/2017 14:52:04 História da semiótica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: n Reconhecer a origem terminológica da palavra semiótica. n Identifi car o processo epistemológico da semiótica. n Especifi car as correntes do século XX da semiótica. Introdução A semiótica é a ciência geral dos signos. As reflexões sobre o signo e a significação vêm desde a Antiguidade, mas você sabia que a sistema- tização dessas reflexões enquanto ciência ocorreu somente no século XX? A denominação dessa ciência está ligada à origem grega. Neste texto, você vai conhecer a história terminológica e epistemoló- gica da semiótica. A história terminológica apresenta a origem etimo- lógica da palavra “semiótica” e de outras denominações que surgiram dessa mesma origem. Já a história epistemológica aborda o processo de reflexão sobre essa ciência, iniciando com Platão, a partir do diálogo platônico Crátilo, e indo até o século XX, com diferentes intelectuais. História terminológica A Semiótica teve várias denominações ao longo da história da fi losofi a, des- dobrando-se em diferentes formas de abordagem. A etimologia da palavra Semiótica remete ao grego Semeîon – “signo”, e sêma – “sinal” ou “signo”. A base morfológica das diversas denominações propostas historicamente para defi nir a área de estudo do signo, no entanto, provém de Semio, a transliteração latinizada do grego Semeîon, acrescida dos radicais parentes sema(t) e saman (NÖTH, 1995). U N I D A D E 1 Semiotica_U1_C01.indd 11 13/03/2017 14:52:59 Diversas outras denominações antecessoras e rivais da Semiótica, como semântica, semasiologia, sematologia, semologia e semiologia, seguiram ca- minhos distintos, com estudos mais específicos. A semântica e a semasiologia, por exemplo, tornaram-se áreas dos estudos da linguística. Já a sematologia e a semologia tiveram o uso restrito a alguns autores que abordaram o fenômeno na história da semiótica. A semiologia foi a principal rival terminológica da Semiótica. O termo havia surgido em meados do século XVII, com o filósofo alemão Johannes Schulteus, cuja obra Semeiologia Metaphysiké apresentava uma doutrina geral do signo e do significado. No entanto, somente no século XX o termo semiologia foi relacionado à tradição semiótica, a partir da teoria proposta por Ferdinand de Saussure, seguidas por Louis Hjelmslev e Roland Barthes. Devido a esses intelectuais, a semiologia passa a ser usada principalmente em países românicos, enquanto o termo semiótica foi preterido pelos autores alemães e anglófonos. Para distinguir a Semiótica da Semiologia, alguns semioticistas elaboraram conceitos que as diferenciam. A Semiótica é abordada como uma ciência mais ampla dos signos, incluindo os signos dos animais e da natureza; e a Semiologia se referiria apenas à teoria dos signos humanos, portanto culturais, com foco textual (NÖTH, 1995, p. 23). Uma distinção mais coerente foi proposta por Hjelmslev e seguida por Greimas. Os autores definiram a semiótica como um sistema de signos hierárquico relacionados à linguagem, como a língua, o código de trânsito, a arte, a música, ou a literatura (NÖTH, 1995). Já a semiologia é entendida como a teoria geral, ou seja, a metassemiótica desses sistemas (metalíngua). O fim da disputa entre os dois termos no campo científico entre os dois termos ocorreu oficialmente pela Associação Internacional de Semiótica que, em 1969, definiu o uso da denominação Semiótica como termo geral para o campo de investigação nas tradições da semiologia e da semiótica geral (NÖTH, 1995). História epistemológica A epistemologia, como área da Filosofi a, é responsável pelo estudo do conhe- cimento e das formas de conhecer. Ao estabelecer uma processualidade nos estudos sobre o Signo, constrói não só uma história da Semiótica, pois aponta para um panorama das formas de conhecimento e das estratégias utilizadas para conhecer nos diferentes períodos. Semiótica12 Semiotica_U1_C01.indd 12 13/03/2017 14:52:59 A Filosofia, conhecida como Ciência Mãe, vai respaldar as proposições dos diferentes pensadores durante a antiguidade. Platão, Aristóteles e Santo Agostinho destacam-se neste período, pois o pensamento dos três filósofos vai construir as bases do que hoje denominamos Ocidente. O pensamento de Santo Agostinho vai promover uma aproximação entre Filosofia e Teologia, abrindo espaço para os escolásticos que marcarão o período Medieval e Renascentista. A presença de Deus – Teocentrismo – no conhecimento e na vida será a marca dos quase dez séculos de Idade Média. No final do período ocorrerá o ressurgimento do humanismo e a inserção de uma abordagem mais lógica. Esse movimento nas formas de conhecer e viver possibilitará o surgimento das duas formas de conhecer que levarão ao surgimento e centralidade da ciência: o racionalismo e o empirismo. O desenvolvimento dessas epistemes e o apogeu iluminista possibilitarão a estruturação já no século XX da Se- miótica como ciência, o que marca igualmente a ideia de uma especialização do conhecimento. Semiótica avant la lettre O processo de formação da ciência geral dos signos iniciou com alguns pensadores do período greco-romano, que desenvolveram uma Semiótica avant la lettre (à frente da letra) estudando os signos, a signifi cação e a comunicação. Platão (427-347) investigou os signos a partir de vários aspectos, apontando que o signo apresentava elementos verbais e de significação. O modelo pla- tônico do signo foi definido em três componentes: o nome (noma, nómos), a noção ou ideia (eîdos, lógos, dianóema) e a coisa (prágma, ousía). No diálogo Crátilo, Platão (2001) investigou a relação entre esses três componentes, a fim de apontar se a relação ocorria de forma natural, ou a partir das convenções sociais. O diálogo Crátilo, de Platão (2001), é o texto básico da filosofia helênica sobre a lingua- gem. Nele, Crátilo, Sócrates e Hermógenes, discípulo de Sócrates, discutem questões linguísticas e filosóficas que tiveram grande influência na história do pensamento linguístico ocidental. 13História da semiótica Semiotica_U1_C01.indd 13 13/03/2017 14:52:59 Aristóteles (383-322) propôs uma nova abordagem na questão do signo. Em seus estudos, o filósofo elaborou uma teoria dos signos a partir da lógica e da retórica, definindo o signo a partir de um modelo igualmente triádico: o convencional (symbolon), as afecções da alma (phathémata) e o retrato das coisas (prágmata). Também restringiu o signo ao sentido verbal, utilizando a indução para o processo de significação desses signos. No entanto, foram os filósofos estoicos (300 a.C. – 200 d.C.) que criaram a teoria da significação, utilizando o modelo triádico, mais elaborada da an- tiguidade. Consideraram que o signo é composto por três componentes: “[...] semaínon, que é o significante, a entidade percebida como signo; semainómenon, ou lékton, que corresponde à significação, ou significado; tygchánon, o evento ou o objeto ao qual o signo se refere [...]” (NÖTH, 1995, p. 29-30). Referem-se ao semaínon e ao tygchánon como entidades e não como nomes, ou palavras, porque as consideram materiais, enquanto identificam o lékton como imaterial. Os epicuristas (300 a.C.), em oposição aos estoicos, desenvolveram um modelo diádico do signo, em que tratam apenas do significante (semaínon) e o objeto referido (tygchánon), definindo o signo como um fato perceptivoque representa algo não perceptível. O modelo segue uma epistemologia materia- lista. A maior contribuição dos epicuristas foi a zoossemiótica, estudos sobre a linguagem animal, a partir das suas formas primitivas de comunicação à base de sinais. Essa linha não pressupõe combinações lógicas, porque se utiliza de pistas para interpretação dos signos. No século II, iniciaram os primeiros passos da semiótica médica, com os estudos dos sinais ou sintomas desenvolvidos por Galeano Pérgamo (139-199), a partir do diagnóstico e o prognóstico. No século XVIII, a medicina médica vai ser ampliada para três níveis de investigação, a anamnéstica (história médica do paciente), a diagnóstica (sintomas da doença) e a prognóstica (predições e projeções da doença). O apogeu da semiótica antiga aconteceu na obra de Aurélio Agostinho de Hipona (354-430), conhecido como Santo Agostinho e considerado o fundador da Semiótica. Suas ideias sobre a semiótica foram abordadas nos tratados De Magistro (389), De Doctrina Christina (397) e Principia (c.a. 384). Não descon- siderou a teoria epicurista, mas seguiu mais os princípios estoicos sobre a semió- tica, afirmando a interferência mental no processo de semiose. Também propôs distinguir os signos naturais dos convencionais. Os signos naturais significam involuntariamente algo. Um exemplo é a fumaça que se mostra sinal de fogo. Os convencionais são criados pelos homens, como as palavras e a lei. Agostinho deu continuidade dos estudos dos signos semióticos verbais e não verbais. Seus estudos projetaram a abordagem escolástica que marcaria a Idade Média. Semiótica14 Semiotica_U1_C01.indd 14 13/03/2017 14:53:00 Semiose é o processo entre o significante e o significado, de Saussure; e a operação recíproca entre a forma da expressão e a do conteúdo, de Hjelmslev (GREIMAS; COURTÉS, 2016). É sinônimo de função de Semiótica. Semiótica no campo da Escolástica A Semiótica na Idade Média desenvolveu-se no campo da escolástica (teologia e fi losofi a) e do trivium das artes liberais (gramática, retórica e dialética – lógica). Na semiótica medieval, as pesquisas sobre as doutrinas do realismo e do nominalismo foram signifi cativas. A primeira premissa corresponde as suposições e a segunda aos modos de signifi cação. Tanto uma quanto a outra, estavam voltadas para existência de universais. Foi nesse período que surgiu a distinção entre denotação e conotação, além da teoria da representação, com estudos voltados para semiótica de signos, símbolos e imagens. Na Idade Média e mesmo na Renascença, eram utilizados vários modelos de semiótica para a interpretação de signos humanos, animais e naturais. Na Idade Média, eram calcados nos sentidos exegéticos, enquanto na Renascença baseavam-se nas assinaturas das coisas. O sentido exegético baseia-se na hermenêutica bíblica que busca quatro níveis diferentes de explicação do mesmo texto, apresentados no nível literal ou histórico – tal como é; tropoló- gico – refere-se à vida do homem; alegórico – propósito de Deus e da Igreja; e o anagógico – os mistérios celestes. A doutrina das assinaturas das coisas foi apresentada pelo médico suíço Paracelso (1493-1541), que apresentou um sistema de códigos para interpreta- ção de todos os signos naturais. No sistema, Deus não está só como autor das mensagens. O homem, archaeus – o princípio interior do desenvolvimento – e astros também os produzem (NÖTH, 1995). Muitos dos escolásticos, como Roger Bacon (1215-1294) e Jean Poinsot (1589-1644), voltaram-se para o estudo da teoria geral dos signos. Bacon escreveu o tratado De Signis, no qual trata especificamente dos signos, bus- cando classificar todos os tipos de signo existentes. Por seu lado, Jean Poinsot escreveu o Tractatus de Signis (1632) em que apresentou os estudos do signo a partir do campo da lógica, definindo os instrumentos utilizados para cognição e para falar dos signos (NÖTH, 1995). A perspectiva da lógica do autor será importante para os estudos desenvolvidos a partir do século XVI. 15História da semiótica Semiotica_U1_C01.indd 15 13/03/2017 14:53:00 Semiótica no campo do Racionalismo, Empirismo e Iluminismo No século XVI e XVIII, a Semiótica desenvolveu-se no campo das três correntes fi losófi cas, o Racionalismo francês, Empirismo inglês e o Iluminismo alemão. No Racionalismo francês, René Descartes desenvolveu sua teoria das ideias, propondo que o signo parte de três elementos mentais: as ideias adventícias, que chegam à mente a partir dos sentidos; as ideias fictícias, produzidas pela imaginação; e as ideias inatas que existem por si só na mente e não precisam da experiência para se realizar. Em sua teoria, o signo não tem caráter referen- cial, porque não precisa existir a partir do contato com o mundo real. Dessa maneira, é a ideia da coisa que representa e da coisa representada. Na episteme do empirismo inglês, as ideias semióticas apareceram nas obras de John Locke (1632-1704), Thomas Hobbes (1588-1639), George Berkeley (1685- 1753) e David Hume (1711-1776). Locke, considerado o principal pensador sobre a história da Semiótica, a partir de seus estudos definiu os signos como instrumentos de conhecimento e distinguiu-os em duas classes, das ideias e das palavras. As ideias são elaboradas a partir das sensações (experiências), seguida de reflexão. As ideias complexas são construídas pela operação mental (pensamento), relacionadas com as ideias simples (NÖTH, 1995). Esse estudo foi abordado em An Essay on Human Understanding, de 1960 (Ensaio sobre o entendimento humano) quando utiliza o termo Semiótica (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006). No período do pré-iluminismo, Giambattista Vico (1668-1774) contribuiu para os estudos de semiótica, em sua obra Scienza Nuova, de 1875, abordando o estudo dos mitos, metáforas, língua e evolução dos signos da humanidade. Nessa última premissa, observou três etapas no desenvolvimento dos signos da humanidade: era divina, era heroica e era dos homens. O iluminista Etienne de Condillac (1715-1780) aprofundou os estudos sobre a origem da linguagem, a partir dos signos aplicados na cognição humana. Na obra Essai sur l’origine des connaissances humaines (ensaio sobre a origem da consciência humana), apresenta a semiose como um processo genético que inicia em níveis primitivos, como a sensação, e vai até níveis mais complexos como a reflexão. A partir disso, classificou três tipos de signos, os causais ou acidentais, os naturais e os convencionais. O enciclopedista Diderot (1713-1784), nas obras Lettres sur les aveugles (1749) e Lettre sur les sourds et muets (1751), evidenciou os estudos genéticos de semiose humana, estabelecendo onde há diferença entre comunicação verbal e não verbal. A Semiótica do Iluminismo teve ainda os dois expoentes alemães: Christian Wolff (1679-1754) e Heinrich Lambert (1728-1777). Semiótica16 Semiotica_U1_C01.indd 16 13/03/2017 14:53:00 Wolff em sua obra Philosophia Prima (1720), no capítulo De Signo, apre- senta a definição e tipologia de signo. Lambert publicou o primeiro tratado da teoria do signo, denominada Signo (1746), em que distinguiu quatro tipos de signos, os naturais, os arbitrários, as meras imitações e as representações. No século XIX, a Semiótica vai estar voltada para a noções básicas de sím- bolo e imagem. Hegel (1770-1831) foi um dos principais filósofos que definiu as fronteiras semióticas, abordando a diferença entre signos e símbolos. Definindo o signo como representação de alguma coisa e o símbolo a manifestação de algo. Os debates desde o racionalismo até o século XIX prepararam as bases para a estruturação da Semiótica como ciência, o que vai ocorrer no século XX. As correntes da Semiótica no século XX O aprofundamento das abordagens racionalistas, empiristas e, principalmente, o projeto Iluminista de sistematização e organização do conhecimento vai levar, por um lado, à especialização e ao surgimento de diferentes ciências e, por outro, à fragmentaçãodo conhecimento. Não será diferente com os estudos sobre o signo. Nesse contexto, no século XX, quase que simultaneamente, surgem dis- tintas correntes de estudo de Semiótica. Nos EUA, numa tradição ligada ao empirismo, os estudos serão propostos pelo filósofo e lógico Charles Sanders Peirce (1839-1914). Na França, com viés racionalista, o linguista Ferdinand Saussure (1857-1915) iniciará uma corrente pensando a partir das estruturas da linguagem. Na União Soviética, os filólogos Potiebniá (1835-1891) e Viesselovski (SANTAELLA, 1983) proporão uma perspectiva mais culturalista. Essas serão as matrizes que desencadearão as principais vertentes de estudo contemporâneos. A Semiótica peirceana estuda os signos associado à lógica. Com isso, tem o intuito de classificá-los e descrevê-los. Considera que tudo no mundo é signo, o ser homem, as suas ações, suas ideias e os objetos. Possui uma visão pragmática, ou seja, considera válido somente o conhecimento que tem aplicabilidade social. Pragmática é o estudo da linguagem a partir de uma concepção filosófica, valorizando a prática mais que a teoria, levando em conta as consequências e efeitos dessa ação. 17História da semiótica Semiotica_U1_C01.indd 17 13/03/2017 14:53:00 A Semiologia saussureana investiga todos os sistemas de signos, a partir do contexto social, sendo a Linguística uma vertente. Parte da análise da lingua- gem natural para os outros sistemas de significação, com enfoque estruturalista. O sistema proposto por Saussure desvincula a língua e a linguagem, buscando a constituição de um modelo geral para o estudo de todas as linguagens. Estruturalismo é uma das principais correntes de pensamento do século XX, que busca extrair a estrutura do sistema a partir da análise das relações em todos os sentidos. Um dos desdobramentos dessa proposição será a Semiótica discursiva, ou greimasiana. Os estudos voltam-se para o discurso, com base na estrutura narrativa que se manifesta em todos os tipos de texto. Nesta perspectiva, todas as manifestações do homem são consideradas textos e discursos. A Semiótica da Cultura, ou Russa, teve como percursores Aleksandr Po- tiebniá e Aleksandr Viesselovski. No entanto, de fato, vai se estruturar teori- camente na escola de Tártau-Moscou com a criação da disciplina Semiótica da Cultura, pois é quando vai se constituir como um método, investigando as relações entre o sistema de signos a partir do contexto cultural. A cultura é vista como uma linguagem verbal e a comunicação desta como semiose (SCHNAIDERMAN, 1979). Considerações finais As proposições e desdobramentos, ao longo do processo histórico da termino- logia e da epistemologia semiótica, favoreceram a sua constituição enquanto ciência. Isso ocorreu devido ao acúmulo de formulações e descobertas sobre os signos e a signifi cação, a partir de diferentes pensadores que utilizaram o conhecimento de seu tempo a fi m de compreender e explicar o fenômeno. Esses estudos, desde Platão até o século XIX, possibilitaram uma especiali- zação do conhecimento a partir de um objeto bem defi nido, o signo, levando à constituição de uma ciência, a Semiótica. Essa defi nição vai possibilitar o desdobramento em diferentes correntes a partir do século XX, com destaque para a Semiótica peirceana, a Semiologia de Saussure e a Semiótica Russa. Semiótica18 Semiotica_U1_C01.indd 18 13/03/2017 14:53:00 1. A etimologia da palavra semiótica remete ao grego semeîon - “_______”, e sêma - “______” ou “______”. Assinale a alternativa que preenche corretamente os espaços em branco: a) signo - sinal - signo b) semio - sema(t) - saman c) semântica - semasiologia - sematologia d) sematologia - semologia - semeologia e) século XX - semiologia - semiótica 2. Assinale a alternativa correta que apresenta os principais filósofos que iniciaram os estudos sobre semiótica no período avant la lettre: a) Paracelso, Roger Bacon e Jean Poinsot. b) Platão, Aristóteles, Galeano de Pérgamo e Santo Agostinho. c) Descartes, Locke, Hobbes, Berkeley, Hume, Vico, Condillac, Diderot, Wolff, Lambert e Hegel. d) Aleksandr Potiebniá e Aleksandr Viesselovski. e) Charles Peirce e Ferdinand de Saussure. 3. Podemos afirmar que o modelo triádico dos estoicos foi o mais elaborado da Antiguidade, pois distinguiu o signo em três componentes: a) O nome (noma, nómos), a noção ou ideia (eîdos, lógos, dianóema) e a coisa (prágma, ousía). b) O convencional (symbolon), as afecções da alma (phathémata) e o retrato das coisas (prágmata). c) Semaínon (o significante), semainómenon ou lékton (a significação) e o tygchánon (o objeto ao qual o signo se refere). d) Significante (semaínon) e o objeto referido (tygchánon). e) Anamnéstica (história médica do paciente), a diagnóstica (sintomas da doença) e a prognóstica (predições e projeções da doença). 4. Foi considerado o principal pensador da semiótica na perspectiva do Empirismo inglês porque definiu os signos como instrumentos de conhecimento e distinguiu-os em duas classes – as ideias e as palavras. Assinale a alternativa que apresenta esse pensador: a) Giambattista Vico b) Etienne de Condillac c) René Descartes d) John Locke e) Denis Diderot 5. Marque a alternativa que apresenta as correntes de estudo da semiótica que surgiram no século XX: a) Semântica, semasiologia, sematologia, semologia e semiologia. b) Anamnéstica, diagnóstica e prognóstica. c) De Magistro, De Doctrina Christina e Principia. d) Racionalismo francês, Empirismo inglês e o Iluminismo alemão. e) Semiótica peirceana, semiologia saussureana, semiótica discursiva e semiótica da cultura. 19História da semiótica Semiotica_U1_C01.indd 19 13/03/2017 14:53:05 GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2016. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. NÖTH, W. Panorama da semiótica: de Platão à Peirce. São Paulo: Annablume, 1995. PLATÃO. Diálogos. 3. ed. Belém: UFPA, 2001. v. 6. SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. SCHNAIDERMAN, B. Semiótica russa. São Paulo: Perspectiva, 1979. Semiótica20 Semiotica_U1_C01.indd 20 13/03/2017 14:53:05 Sentido, signi� cação e signi� cado Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Indicar diferentes formas de conceituar o signi� cado dentro do prisma da semiótica. Reconhecer o processo de signi� cação e os diferentes níveis nos quais opera. Distinguir entre o processo de signi� cação e os percursos de produção de sentido. Introdução Você já parou para pensar quantas vezes por dia nos perguntamos o que tal coisa “significa”? Seja uma frase que ouvimos de alguém, seja uma atitude tomada por um amigo, passamos grande parte de nossa vida interpretando o que acontece ao nosso redor. A semiótica é uma teoria que pretende estudar isso: não apenas o significado das coisas, mas também o modo como nós dotamos o mundo de sentido. Neste texto, você vai conhecer as principais teorias sobre o significado, os processos de significação e como diferentes práticas comunicacionais são dotadas de sentido. Significado “O que essa palavra signifi ca?”; “Professor, você pode me explicar o signi- fi cado deste conceito?”; “O que signifi ca isso que está acontecendo?”. Esses questionamentos fazem parte de nossa vida. Você talvez nem note, mas o modo como nos relacionamos com o mundo e a realidade é sempre mediado por uma relação signifi cante. Como espécie, a humanidade tem como ca- racterística atribuir uma dimensão de sentido para sua vida e suas práticas. C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 1 19/06/2018 15:35:23 Somos Homo signifi cans. Mas apesar de isso ser uma prática cotidiana, que utilizamos continuamente sem notar, isso não quer dizer que o processo de signifi car a realidade seja simples. Muito pelo contrário. O modo como a linguagem opera é complexo,e a semiótica tem como objetivo deixar mais claros os processos pelos quais atribuímos signifi cados ao mundo e com eles conseguimos nos comunicar. O estudo dos significados tem uma longa tradição na história das ciências humanas. Desde o surgimento da filologia, que é o estudo das línguas, já se encontrava o questionamento de por que algumas palavras significavam coisas específicas. Ao longo do século XIX, com a criação da disciplina da linguís- tica, o estudo dos significados foi delimitado como campo de investigação da semântica. As teorias semióticas surgem nesse contexto, como forma de ter uma compreensão mais abrangente dos processos pelos quais dotamos de sentido não apenas a linguagem, mas também o mundo como um todo. A base do estudo dos significados reside numa questão de entendimento. Se eu digo “cadeira”, eu espero que você entenda e saiba do que estou falando – no caso, um objeto feito para alguém se sentar. Você reconhece a existência desse objeto e a sua relação com a palavra “cadeira” e assim nos entendemos, criamos um processo comunicativo. O significado da palavra “cadeira” em uma interação humana básica é, portanto, o objeto feito para alguém se sentar. Nota-se que nessa relação estamos nos referindo a um objeto que está fora do nosso diálogo, um objeto que está no mundo e que possui uma represen- tação na língua. Afirmar que esse objeto é o significado da palavra nos leva a uma teoria referencial, onde o significado de uma determinada palavra é um objeto ou conceito do mundo. Estamos falando de um objeto concreto, mas você pode imaginar isso com conceitos ou abstrações, como amor ou justiça. O significado é sempre algo que está fora da linguagem, algo que a linguagem representa. Para saber mais sobre as diferentes teorias do significado, você pode procurar o livro de Ogden et al. (1972), O Significado de Significado, um dos clássicos na área. Esse modo de compreender como a linguagem funciona só nos leva até certo ponto. Em um exemplo clássico descrito por Nöth (1995), ele coloca em Sentido, significação e significado2 C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 2 19/06/2018 15:35:23 questão duas expressões: “estrela da manhã” e “estrela da tarde”. Ambas as expressões representam o mesmo referente, ou objeto do mundo real: o planeta Vênus. Entretanto, possuem significados distintos: “estrela da manhã” se refere ao planeta Vênus quando aparece logo após o nascer do sol, e “estrela da tarde” ao mesmo astro quando aparece no céu logo antes do pôr do sol. Ou seja, se eu digo “estrela da manhã” quero dizer algo distinto de “estrela da tarde”, ainda que o objeto ou o referente dessas expressões sejam os mesmos. Isso cria um problema para a teoria do significado, pois emperra o processo comunicativo. Os limites de uma teoria referencial do significado foram explorados pela teoria semiótica. Já em Saussure (1970) esse problema é enfrentado. Quando Saussure elabora sua teoria do signo linguístico, ele exclui o referente ou a “realidade em si” do interior do signo. Para Saussure (1970), o significado é um componente interno do signo, numa relação indissociável com um signi- ficante. Para o linguista, o signo é um recorte entre uma “massa amorfa de pensamento”, o significado, e uma “massa amorfa sonora”, o significante. Em sua clássica formulação, ele afirma: “O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica” (SAUSSURE, 1970, p. 79). Para Saussure, nada existe estruturalmente fora do par significante/ significado. Há uma imagem acústica formada e a ela corresponde um conceito, uma ideia, um conteúdo. É o sistema semiológico que dá forma e estrutura para o mundo ou a realidade. Em português, a palavra “significado” assume dois sentidos distintos: há um uso comum, no sentido de “o que isso significa?”, e um mais específico, que se refere ao plano de conteúdo do signo linguístico. Em línguas como o inglês, há uma distinção entre esses dois sentidos: para o primeiro se utiliza “meaning”, e para o signo se utiliza “signified”. Fique atento a essas distinções. A proposta de Saussure (1970) tem duas implicações importantes para uma teoria do significado. A primeira é a de que não há ideias ou objetos pré-formados do ponto de vista da linguagem. O pensamento e o mundo aparecem como uma espécie de névoa, sem forma, antes do surgimento da linguagem. O signo linguístico que é o responsável por organizar essa névoa em estruturas, conceitos e palavras de forma a haver comunicação. É importante 3Sentido, significação e significado C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 3 19/06/2018 15:35:23 que você entenda este ponto: o significado, para Saussure, é uma dimensão formal. Por isso a distinção entre forma e conteúdo não se aplicam em seu sistema semiológico. Tanto o significante quanto o significado são formas que organizam o mundo (NÖTH, 1996, p. 61). Então, para Saussure (1970) não existe uma “cadeira” real à qual a linguagem se refere. Há um conceito de cadeira que é acoplado e indissociável ao significante “cadeira”. A segunda, diz respeito à ideia de valor semiótico. O significado é o valor de um conceito dentro de todo um sistema semiológico, como uma língua. Ele funciona por diferença. Por exemplo, sabemos o conceito de “cadeira” pois ele é distinto do conceito de “mesa”. Podemos ampliar essa conceituação para incluir outros conceitos, como “banco”, por exemplo. Encontramos uma diferença entre o significado de “banco” e “cadeira”, pois temos signos distintos para esses conceitos, mas você pode imaginar que uma língua em que não haja essa distinção de palavras. Nesse caso, tanto um banco quanto uma cadeira terão o significado: “objeto para alguém se sentar”. Ou seja, o objeto real banco não terá valor semiótico, será seme- lhante a uma cadeira. Umberto Eco (2002), famoso semioticista italiano, rejeita qualquer valor semiótico ao referente, pois também podemos mentir a partir de signos. Inte- ressa mais a semiótica entender o que uma mensagem quer dizer e comunica, do que se essa mensagem tem um correspondente no mundo real. Para Eco (2002, p. 5), um significado é uma “unidade cultural” e não uma realidade concreta. Você pode notar como isso se aplica no dia a dia quando pega um dicionário para saber o que significa uma palavra que ainda não conhece. A definição de tal palavra será dada com o uso de outras palavras, outros signos, que também estarão presentes no dicionário. Seeguindo por esse caminho, procurando as definições de cada uma das palavras dessas definições, você entrará em um processo recursivo, onde cada conceito o leva para outro signo, que o levará para outro conceito e assim por diante. Para Saussure (1970), é assim que funciona a linguagem do ponto de vista da semiótica e de seus significados. Alguns autores, como Prieto (1973), chamaram o estudo desse processo de “semiologia da comunicação”. Entender o que diz uma mensagem nada mais é do que decifrar os signos presentes em busca de seu significado, e quando isso ocorre em uma interação entre duas pessoas (ou uma pessoa e um texto) isso se constitui um ato comunicativo. Mas não é apenas o entendimento mútuo de significados que a semiótica se propõe a estudar. Para além de uma semiologia dos significados e da comunicação, a semiótica também produz ferramentas para entender os processos pelos quais os significados tomam forma. Aquilo que são chamados de processos de significação. Sentido, significação e significado4 C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 4 19/06/2018 15:35:24 Significação O modelo do signo linguístico de Saussure privilegia a relação que se estabelece entre signifi cante e signifi cado. Cada signo possui uma ima- gem acústica e um conceito a ela relacionado. Esse tipo de relação, onde cada signo possui um sentido estável, é o que se chama em linguística de “denotação”. Um signifi cado estável, facilmente mapeável.Mas, provavel- mente, você já deve ter notado que na comunicação humana as coisas não são tão diretas assim. Vivemos em um mundo onde as palavras assumem diferentes sentidos dependendo da situação onde elas são usadas. Você pode, por exemplo, estar apaixonado por alguém e dizer a essa pessoa “você é o sol da minha vida”. Isso não quer dizer que a pessoa em questão é um objeto celeste que produz calor. Há outra camada de signifi cado que se coloca nessa frase, signifi cando que muito possivelmente você não conseguiria viver sem essa pessoa, assim como a Terra não conseguiria existir sem o sol. Da mesma forma, podemos ver diferentes signifi cados para frases dependendo da entonação, do contexto onde são ditas, da escolha específi ca de palavras usadas para exprimir uma ideia. E isso não acontece apenas com palavras: você notaria uma diferença bem grande no sentido da imagem de uma maçã em um livro de biologia e uma maçã em uma pintura de Cézanne. Essa possibilidade dos signos assumirem diferentes significados diz res- peito a um processo semiótico chamado significação. Pensar esse processo nos leva a considerar que os signos da cultura não possuem significados estáticos, mas vão agregando novas significações a partir da interação social. A poesia, por exemplo, joga com a sonoridade e a relação entre palavras para criar diferentes significados para palavras. Lembremos do poeta Mário Quintana (2005), quando diz: “Eles passarão, eu passarinho”. Ele está brincando com a forma das palavras e a sua estrutura (aumentativo, diminutivo) para criar uma imagem poética que não diz respeito diretamente ao significado denotativo das palavras. O semioticista que primeiro estudou os processos de significação foi o francês Roland Barthes. Em seu clássico livro, Elementos de Semiologia, Barthes (2014) afirma que seria necessário ir além de uma semiologia da co- municação e chegar em uma semiologia da significação. Para isso, ele decide estudar como que se estabelecem as relações entre significante e significado e quais os tipos de processos estão em jogo aí. 5Sentido, significação e significado C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 5 19/06/2018 15:35:24 Para elaborar sua teoria da significação, Barthes se utiliza do modelo semiótico proposto por Louis Hjelmslev. Para saber mais como funcionam as relações entre o plano de expressão e o plano de conteúdo, procure Prolegômenos para uma teoria da linguagem (HJELMSLEV, 1975). Barthes (2014) vai dividir a significação em dois processos, que chama de níveis de significação. O primeiro é a denotação, a relação de um significante com um significado. Esse seria o sentido literal de um signo, seu aspecto re- ferencial e mais imediato, como, por exemplo a palavra “casa” referir-se ao conceito “lugar onde se vive”. O nível básico da denotação é onde o processo de significação tem início. O segundo nível, o nível mais complexo, é o nível da conotação. Um signo conotado, para Barthes, é aquele que utiliza um signo completo (dotado de significante e significado) como o significante de outro signo, com um novo significado. No exemplo que demos anteriormente, da frase “você é o sol da minha vida”, podemos ver esse processo de maneira mais clara. Há o signo “sol”, que no nível denotativo significa “objeto celeste que produz calor”. No nível conotativo, esse signo completo assume outro significado, de- rivado das características do signo denotativo. Barthes (2014) faz um diagrama desse processo, de forma a deixá-lo mais claro graficamente (Figura 1). Figura 1. Esquema Conotação/Denotação Fonte: Adaptada de Barthes (2014). O processo de significação é aquele que inaugura uma cadeia de co- notações, pois cada signo pode tornar-se significante de um novo signo e assumir novas significações. A arte, a poesia, a música, o cinema fazem isso Sentido, significação e significado6 C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 6 19/06/2018 15:35:25 constantemente. A elaboração estética, do ponto de vista da semiótica, não é mais que produzir novas significações, novos níveis conotativos e assim expandir nossos modos de representar o mundo. Mas os processos conotativos não dizem respeito apenas às artes. No cotidiano, usamos signos conotados o tempo todo: quando usamos metáforas, quando mudamos nossa entonação para deixar um ponto mais claro, quando contamos piadas e nos comunicamos. Podemos, para exemplificar, utilizar a imagem fotográfica de uma floresta. No nível denotativo, esse signo refere-se ao que foi fotografado: a floresta. O nível conotativo seria a forma como a fotografia foi tirada: é uma foto aérea, que representa a imensidão da natureza? É uma foto que mostra áreas devastadas, conotando a ação humana no planeta? Essas pequenas diferenças entre a denotação e a conotação tornam a semiótica um instrumento fascinante para analisar e tentar compreender melhor o nosso mundo. Alguns teóricos afirmam que na obra de Roland Barthes ainda haveria a indicação de um terceiro nível de significação, o nível do mito. A concepção de mito de Barthes (2001) é distinta do modo como o tratamos no dia a dia: não diz respeito a uma história ficcional, uma mentira, ou aos mitos funda- dores de uma sociedade, como os mitos religiosos, contos de deuses e seres extraordinários. Para Barthes (2001), um mito é algo que povoa nosso dia a dia de uma maneira que nem percebemos. Os mitos são significações conota- das que pensamos ser significações denotadas. Confundimos determinados significados como sendo literais ou naturais e nem notamos que são fruto de um processo complexo de significação. Barthes (2001) afirma que os mitos são sistemas semióticos secundários: criam significações que permanecem escondidas, invisíveis, fazendo-se passar por um significado literal: “[...] o mito não nega as coisas; ele as purifica, as torna inocentes, ele dá a elas uma justificação natural e eterna”. (BARTHES, 2001, p. 143). Barthes (2001) diz que isso é uma estratégia ideológica: há significados políticos sendo veiculados por aquilo que parece ser um significado literal. Barthes (2001) afirma que encontramos esse tipo de mito todos os dias: no cinema, nos noticiários, na publicidade, etc. Você pode ver em uma rápida análise de produtos midiáticos alguns mitos fundantes da nossa sociedade: a ideia do sonho americano nos filmes de Hollywood; a representação ideal de um corpo e de uma atitude feminina na publicidade; certas características raciais e religiosas para os vilões em filmes de ação. Os mitos são como metáforas que fingem não o ser: se propõe a ser uma representação direta e objetiva do mundo, mas que na verdade veiculam conteúdos parciais e politicamente engajados. Como afirma Barthes (2001), o mito transforma a cultura em natureza, cria uma dimensão de senso comum geral para aquilo que é disputado, naturaliza 7Sentido, significação e significado C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 7 19/06/2018 15:35:25 processos de significação. O mito seria a dimensão política mais evidente no uso dos signos e da linguagem. Para Barthes (2001), uma dimensão da análise semiótica seria justamente identificar e desnaturalizar esses processos míticos. No livro Mitologias, Barthes (2001) realiza uma análise exaustiva de mitos cotidianos, desde as lutas de telecatch na televisão às propagandas de sabão em pó ou refeições tradicionais como bife com batatas fritas. Você pode conhecer esses exemplos em Barthes (2001). Você pode observar como funciona os níveis de significação a partir de exemplos cotidianos. Observe a fotografia da Figura 2. Figura 2. Marilyn Monroe. Fonte: Lucian Milasan/Shutterstock.com Nesta foto, encontramos a famosa atriz de Hollywood, Marilyn Monroe. A identificação da pessoa fotografada é o que podemos chamar do nível denotativo da imagem, a quem essa imagem se refere diretamente. Mas há Sentido, significação e significado8 C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd8 19/06/2018 15:35:26 também níveis conotativos na imagem: o preto e branco, remetendo ao período clássico do cinema norte-americano; os olhos semicerrados, o batom e a pose sugestiva, conotando um tipo específico de sexualidade; o colar de pérolas, significando um tipo de glamour bastante evidente. Vemos aqui que não se trata apenas de uma pessoa famosa: há outros conteúdos sendo significados em paralelo. Poderíamos até mesmo arriscar um terceiro nível de significação, o do mito, se manifestando nessa fotografia. Esse mito cristaliza um ideal de beleza feminino bastante específico: branca, loira, com uma sexualidade alusiva e distante, quase proibida. Há outras formas de beleza, mas o mito afirma um ideal, um padrão. Roland Barthes dedicou-se a mapear os processos de significação em três níveis, constituindo assim o que chamava uma semiologia da significação. Outros autores da semiótica decidiram ir um passo além de Barthes, afirmando que não apenas há processos de significação na linguagem, mas também que a linguagem precisa produzir um sentido. Sentido É importante nesse ponto retomar o caminho que você percorreu. Inicialmente foi discutido a dimensão do signifi cado dos signos. Após isso entramos na dimensão do processo da signifi cação. Agora, você verá como se articulam essas duas dimensões da semiótica: signifi cação e sentido. De acordo com Prieto, o sentido é uma relação social, mais do que uma relação puramente semiótica (MARTINET, 1983). Para ele, o sentido é a relação social que qualquer ato semiótico ou comunicacional estabelece entre um emissor e um receptor. O sentido, diferente da significação, não diz respeito apenas a processos internos do signo e sua relação com o universo semântico da cultura. O sentido se expressa, invariavelmente, como um ato de interação. O sentido é um processo que, assim como seu significante aponta, possui uma direção, um vetor, uma espécie de intencionalidade. “Qual o sentido de fazer tal coisa?” é uma pergunta que, geralmente, se relaciona a um tipo de motivação, na espera de um resultado. Ora, no plano da linguagem isso também opera. Há frases que são elaboradas com um objetivo em vista, seja ele pragmático ou apenas de entendimento. No plano da semiótica é preciso destacar que o sentido tem uma relação imediata com a significação. Não há sentido sem uma relação entre um sig- nificante e um significado. Entretanto, no caso do sentido de uma proposição 9Sentido, significação e significado C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 9 19/06/2018 15:35:26 também entra em jogo uma dimensão contextual. E contexto aqui não diz respeito apenas a um contexto cultural, como por exemplo os processos de conotação e sua relação com os valores de uma cultura. Estamos falando de um tipo de relação com o não linguístico. O não linguístico não quer dizer não semiótico. Autores como Eric Landowski se propõem a estudar justamente o modo como emerge o sentido a partir de interações semióticas não linguísticas, como gestualidades, vestimentas ou comportamentos sociais. Prieto (1973) afirma que a dimensão do sentido é uma relação social concreta que une fatores não linguísticos (emissor, receptor, contexto) com os processos de significação internos ao funcionamento do signo (conotação, denotação, etc.). O semiólogo lituano Algirdas Julien Greimas (1975) quando escreve es- pecificamente sobre o sentido, afirma que seu lugar semiótico é muito difícil de precisar. Levar em conta aspectos sociais faz com a determinação exata de qualquer sentido seja uma afirmação muito ousada de ser feita. Por isso seu trabalho é voltado aos aspectos da significação, ainda que, para ele, a significação não seja mais do “sentido articulado” (NÖTH, 1995). Para Greimas (1975), o sentido na significação aparece sempre de duas maneiras: primeiro a partir de efeitos de sentido, que são o modo como o sentido aparece como dado, a partir de convenções sociais e o tipo de ato que gera; e a partir de processos de produção de sentido, dinâmicos. Os processos de produção de sentido foram mapeados a partir da semiótica discursiva de Greimas, nos distintos níveis estruturais da narrativa e operados a partir do quadrado semiótico. Cabe destacar que Greimas (1975) compreende como sentido a dimensão que opera para aquém e para além do signo: estrutura as mais fundamentais oposições semânticas ao mesmo tempo em que se expressa nos mais cotidianos atos das pessoas. Neste capítulo, vimos três importantes conceitos para a semiótica do ponto de vista tanto do funcionamento interno do signo como também dos modos pelos quais eles circulam no interior da sociedade. Cabe destacar que o sig- Sentido, significação e significado10 C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 10 19/06/2018 15:35:27 nificado, a significação e o sentido jamais operam independentemente uns dos outros: funcionam numa relação de pressuposição recíproca. Assim como precisamos do significado para estabilizar as relações semióticas comunicacio- nais, os processos de significação como a denotação e a conotação nos mostram que essa relação sígnica é mais maleável e passível de transformação do que aparenta em primeira análise. Da mesma forma, a significação jamais ocorre em um “vácuo” semiótico: é a partir da interação dos sistemas semióticos com as pessoas e a cultura em geral que moldamos o mundo, e é a partir de nossa percepção do mundo por meio dos sentidos que dotamos as coisas. 11Sentido, significação e significado C04_SEMIOTICA_Sentido_significacao_significado.indd 11 19/06/2018 15:35:27 BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2014. BARTHES, R. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. ECO, U. Tratado geral de semiótica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. GREIMAS, A. J. Sobre o sentido. Petrópolis: Vozes, 1975. HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975. MARTINET, J. Chaves para a semiologia. Lisboa: Dom Quixote, 1983. NÖTH, W. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996. NÖTH, W. Handbook of semiotics. Indianapolis: Indiana University, 1995. OGDEN, C. K. et al. O significado de significado: um estudo da influência da linguagem sobre o pensamento e sobre a ciência do simbolismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. PRIETO, L. J. Mensagens e sinais. São Paulo: Cultrix, 1973. QUINTANA, M. Poeminha do contra. In: QUINTANA, M. Poesia completa: em um volume. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1970. Signo e cultura Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o conceito semiótico de cultura. Delimitar a cultura como objeto de estudo da semiótica e também a semiótica como ferramenta de análise cultural. Relacionar a teoria dos códigos de Umberto Eco e a sua aplicação no campo dos fenômenos culturais. Introdução Você já parou para pensar na diversidade de práticas simbólicas que a humanidade elaborou ao longo de sua história? O número de religiões, rituais, práticas artísticas e costumes cotidianos é quase infindável. E não precisamos ir muito longe no tempo para notar essa diversidade: ela está presente nos dias de hoje, por meio do que chamamos de diferentes culturas. Neste texto, você vai conhecer o modo como a semiótica trabalha com o estudo dessas diferentes práticas culturais. A semiótica, como o campo que analisa as práticas simbólicas das sociedades, encontra no funcionamento das diferentes culturas um campo privilegiado para ela- borar suas análises e aclarar como, em diferentes contextos, a humanidade conseguiu criar uma rica e diversa herança cultural. O conceito semiótico de cultura Um fenômeno bastante comum na sociedade globalizada em que vivemos são as eventuais falhas de comunicação que existem quando encontramos algum estrangeiro. Seja quando estamos viajando, seja quandoestamos no nosso próprio país, cada vez mais somos confrontados com diferentes maneiras de se comunicar a partir de hábitos cotidianos. Essa atitude aponta para uma questão semiótica: por que atribuímos signi- ficados distintos para práticas semelhantes? Uma resposta possível para essa questão é de que a comunicação se trata de uma prática cultural. Como que a semiótica trabalha nesse registro? É o que você vai descobrir neste capítulo. Mas antes de entrar nas particularidades do conceito semiótico de cultura, cabe uma breve incursão sobre as formas como esse conceito foi tratado de forma geral. Pois, como você deve imaginar, o conceito de cultura é escorre- gadio: ele pode significar muitas coisas diferentes, em diferentes situações. Por exemplo, pode ser usado como um xingamento (“Você não tem cultura!”) ou como justificativa para alguma prática (“Ele fez isso pois faz parte de sua cultura”). Da mesma forma, valorizamos enquanto sociedade a cultura, tanto que temos políticas de defesa do nosso “patrimônio cultural” e também leis de “incentivo à cultura”. Parece que estamos falando de coisas bastante diferentes, não é mesmo? Podemos iniciar nossa discussão do conceito de cultura a partir de sua perspectiva histórica. Pois, curiosamente, não é desde sempre que a palavra cultura circula na sociedade. Inclusive, podemos traçar sua gênese para um período bastante recente, em meados do século XVIII. O conceito de “cultura” começa a ser utilizado no período da revolução burguesa e do Iluminismo, na Europa Central. Se apropriando do sentido de cultivo (como em agricultura), a burguesia ascendente começou a tratar a palavra cultura como um conceito que denominaria um cultivo do espírito. Seria cultura tudo aquilo que escaparia ao mundano: o que não fosse trabalho ou da ordem das relações econômicas ou afetivas, estaria no universo da cultura. Nesse período, a cultura se torna um sinônimo da apreciação das belas artes: a pintura, a poesia, a música. Foi uma estratégia da classe burguesa de alcançar sua autonomia: por um lado, se distancia da nobreza que só se preocupava com disputas de poder; por outro, se diferencia do proletariado, acusados de brutos e incautos. Para se tornar um cidadão integrado a socie- dade, era preciso ser cultivado: ter um conhecimento e uma sensibilidade que iam além dos meros afazeres cotidianos. Até os dias de hoje esse conceito de cultura é corrente, podendo ser observado desde chamar alguém de culto (alguém que é bem lido, que conhece as artes, que se interessa por questões intelectuais) e também em políticas públicas de incentivo à cultura, que se referem em geral a produção artística. Um conceito mais contemporâneo de cultura é o chamado conceito antro- pológico. Nessa perspectiva, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade que vá além de seus instintos mais básicos de sobrevivência e preservação da espécie. Note que esse é um conceito muito mais amplo de cultura, que Signo e cultura24 abarca todas as manifestações simbólicas e tecnológicas produzidas pela humanidade. Não por acaso, é a partir desse conceito que se cria a célebre oposição entre natureza/cultura. Cultura é tudo aquilo que não pertence ao mundo natural. Aí podemos incluir as religiões, os mitos, a linguagem, as artes, as formações sociais, etc. Por esse ponto de vista, o conjunto das manifestações simbólicas criadas por uma determinada sociedade ou coletivo humano é a sua cultura. Essa é a razão pela qual ouvimos que é preciso “respeitar a cultura do outro”, pois suas manifestações simbólicas podem não ser as mesmas que as nossas. Assim, vemos que antropologicamente não há um tipo de atividade humana que é compreendida como cultural, mas sim que cada sociedade, etnia, religião ou qualquer outro sistema organizado possui a sua cultura, que pode ser estudada como um objeto científico. Pense na ideia de cultura árabe, cultura negra, cultura indígena; mas também na cultura clássica dos gregos e romanos, cultura medieval e cultura renascentista. Ambos esses conceitos de cultura são correntes em nossa sociedade. Entretanto, nas duas perspectivas temos a visão da cultura como uma unidade. O sociólogo francês Edgar Morin (2002, p. 16) compreende que a sociedade contemporânea é policultural. Para ele, uma cultura é “[...] um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas [...]” (MORIN, 2002, p. 21). Ou seja, não mais compreendemos a cultura como um bloco de costumes, mas sim criamos distinções entre diferentes manifestações e sistemas simbólicos que possuem seu conjunto próprio de funcionamento. Podemos notar como não mais falamos na cultura específica de uma de- terminada sociedade, mas sim nas diversas culturas que povoam e organizam a vida social. Podemos destacar alguns tipos de culturas. A cultura nacional, que se refere aos costumes e práticas diárias do povo de um país, como o brasileiro, e a cultura religiosa, que diz respeito ao conjunto de crenças de um determinado indivíduo, como ser cristão ou muçulmano. Note que é possível ser um brasileiro (dividir uma cultura com todos que nasceram aqui) e ser cristão (dividir uma cultura com todos os cristãos, não apenas os brasileiros). Ao mesmo tempo, um brasileiro muçulmano irá dividir alguns traços culturais com um brasileiro cristão, mas nem todos. Junto a cultura nacional e a cultura religiosa, podemos incluir outras tantas: cultura erudita, cultura local, cultura de massa, etc. O importante é destacar essa policultura, essa coexistência de sistemas culturais distintos dos quais fazemos parte. 25Signo e cultura Você deve estar se perguntando: onde entra a semiótica nisso tudo? Assim como existem diferentes correntes que conceituam a cultura, a semiótica também estabelece para ela um conceito particular. A cultura é determinante nos estudos semióticos pois, como afirmou Morin (2002), ela se organiza como grandes sistemas simbólicos. Ou seja, a cultura funciona dentro do paradigma da significação e do sentido. Inclusive, grande parte dos processos de significação ocorrem em uma relação direta com o contexto imediato no qual estão inseridos. Por exemplo, pense num dos mais importantes símbolos da nossa cultura: uma cruz. Se pensarmos na ideia de policultura, de Morin (2002), identificamos que há um processo de significação específico da cruz no âmbito da cultura religiosa cristã: Jesus Cristo e todo o conjunto de crenças dessa religião. Agora, se transpormos o mesmo símbolo para outra cultura religiosa (a cultura hindu, por exemplo), não teremos o mesmo significado, ou até mesmo significado nenhum dentro do contexto religioso. Usando o vocabulário específico da semiótica, você pode observar que o mesmo significante pode assumir diferentes significados em diferentes culturas. Isso quer dizer que, para além da relação própria do signo, existe também um sistema que une determinados significantes a determinados significados a partir de uma convenção. A palavra convenção é importante nessa reflexão, por dois motivos: o primeiro, é o de reforçar o caráter arbitrário que o signo mantém entre significante e significado. O segundo, pois são justamente essas conven- ções, ou sistemas simbólicos que produzem uma significação específica, que a semiótica vai chamar de cultura. A cultura, portanto, é um sistema semiótico de convenções que articula relações específicas entre significantes e significados. Podemos empreender um estudo semiótico da cultura a partir de dois lados distintos: a) Estudo de diferentes sistemas de signos no interior de uma cultura e o modo como contribuem para sua constituição mais geral. Exemplo: estudar a cultura religiosa do Brasil de forma a entender como ela contribui para a formação da cultural nacional. b) Estudar uma cultura como um sistema de signos para desvendar com- portamentos e experiências individuais e/ou coletivas. Exemplo:o estudo semiótico de culturas indígenas ou culturas já extintas. Signo e cultura26 Há uma corrente da semiótica que estuda especificamente os fenômenos da cultura, mas que não será abordada neste capítulo, a chamada Semiótica da Cultura. Formada por autores soviéticos como Iuri Lotman e Yvan Bystrina, a Semiótica da Cultura possui uma vasta tradição de estudos semióticos voltados a textos culturais. Para saber mais, confira o livro Escola de Semiótica, de Irene Machado (2003). O autor que mais se destacou na elaboração de uma perspectiva semiótica para o estudo da cultura é o semioticista italiano Umberto Eco, cujas ideias você vai conhecer na próxima seção. A cultura como objeto da semiótica Umberto Eco foi um dos mais proeminentes estudiosos da cultura sob a perspectiva semiótica. Para Nöth (1996, p. 185), inclusive, a semiótica de Eco seria uma espécie de “teoria da cultura”. Em sua célebre formulação, Eco (2002, p. 5) afi rma que a semiótica “[...] estuda todos os processos culturais como processos de comunicação [...]”. Isso quer dizer que não apenas a cultura funciona semioticamente através de processos de comunicação, como cabe à semiótica descrevê-los e demonstrar como funcionam. Para Eco (2002), a semiótica tem a possibilidade de estudar todos os objetos culturais, desde práticas religiosas até filmes de Hollywood. Nada que faz parte da cultura escapa ao campo semiótico. Isso pode parecer curioso, pois é difícil imaginar algo de nossas vidas cotidianas que não seja, em algum nível, um processo cultural. Eco (2002) diz que há uma tendência a um “imperialismo” semiótico, que teria condição de colonizar toda a experiência humana sob o domínio de uma única disciplina. Contra a noção de imperialismo, ou de ciência que estuda e explica tudo, Eco vai fazer um esforço para delimitar um campo de estudos da semiótica. Ele afirma que todo objeto cultural pode ser estudado pela semiótica, mas que existem relações nesses objetos que não são da competência de uma análise sígnica (ECO, 2002). Podemos demonstrar isso a partir de um exemplo bastante corrente: a moda. Nós, seres humanos, usamos roupas para nos abrigar do frio como necessidade fisiológica pelas limitações de nossos corpos. Entretanto, não usamos todos as mesmas roupas. Usamos casacos de diferentes cores, estilos e materiais. 27Signo e cultura Alguns casacos, inclusive, são produzidos por grifes famosas e custam pe- quenas fortunas (Figura 1). A explicação semiótica para essa diversidade de casacos para além de sua função fisiológica, é que usar uma determinada peça de roupa também comunica algo. Se uso um casaco rosa, estou dizendo algo com isso; se uso um casaco de pele, expresso um tipo de condição monetária elevada; se uso um caso de uma marca famosa e em evidência, comunico que sou uma pessoa consciente das tendências do vestuário. Essa dimensão comunicacional que constitui o campo semiótico de Eco. O fato das pessoas usarem casacos para se proteger do frio é um fato cultural, mas não semiótico. Essa relação faz parte da cultura, mas não recai num processo comunicativo que cabe a semiótica analisar. Figura 1. Casaco de pele como símbolo de status social. Fonte: Natalia Seregina/Shutterstock.com A partir dessa lógica, Eco (2002) estabelece uma definição curiosa, mas muito importante: a semiótica como teoria da mentira. Tudo aquilo que pode ser usado para mentir é objeto de estudo da semiótica. Posso comprar um casaco de pele para aparentar ser uma pessoa de status social elevado, apesar de ter gasto todas as minhas economias nessa peça de roupa. Mas não posso andar de camiseta em um dia frio, pois é inegável que nosso corpo possui uma necessidade fisiológica de proteção contra as intempéries do clima. Signo e cultura28 A teoria da mentira de Eco (2002) é baseada na proposição de que a cultura é um sistema de convenções, reconhecidas por todos os integrantes dessa cultura, que pode ser manipulado para COMUNICAR uma determinada coisa, sendo ela verdade ou não. Como bem afirma, “[...] a semiótica tem muito a ver com o que quer que possa ser assumido como signo. É signo tudo quanto possa ser assumido como um substituto significante de outra coisa qualquer [...]” (ECO, 2002, p. 4). Nesse caso, o casaco de pele vira um signo, intencio- nalmente substituindo o conceito de “status social” pelo próprio casaco, tendo isso lastro na realidade ou não. Assim, Eco (2002, p. 4) define a semiótica como “[...] a disciplina que estuda tudo quanto possa ser usado para mentir [...]”. A intenção de comunicar algo é determinante para a semiótica cultural de Eco. Mas é preciso definir mais precisamente o conceito de comunicação de Eco. Para o autor italiano (ECO, 2002), há comunicação toda vez que um sinal (que pode ou não ser signo) é enviado por um emissor e recebe uma resposta da parte de um receptor. A comunicação, assim definida, pode ocorrer em processos naturais, como na relação entre as abelhas e o cheiro do pólen, ou em processos maquínicos, como o apertar de um botão numa máquina. A particularidade da comunicação humana, ou cultural, é que nesse caso um sistema de comunicação não existe sem um sistema de significação: “[...] todo processo de comunicação entre seres humanos pressupõe um sistema de significação como condição necessária [...]” (ECO, 2002, p. 6). Ao contrário do esquema mais básico de comunicação, onde o sinal funciona como um estímulo para uma resposta, na comunicação humana se espera que haja uma resposta interpretativa por parte do receptor. A interpretação dessa mensagem depende de um sistema de significação, um “[...] construto semiótico autônomo [...]” (ECO, 2002, p. 6) que prevê as regras e convenções culturais para a interpretação da mensagem. Como destacamos anteriormente, Eco (2002) afirma que um signo é um substituto significante de outra coisa qualquer. O sistema de significação é o que define qual signo substitui qual outra coisa qualquer, e cabe ao receptor conhecer essas regras arbitrárias. Lembre do exemplo anterior: para usar uma roupa como uma prática co- municativa, é preciso que haja um sistema de significação que preveja as relações sígnicas necessárias para a interpretação. Quer dizer, é preciso que haja um conjunto de regras, que tanto o emissor quanto o receptor conheçam, para que o ato comunicativo seja efetivo. No caso de nosso exemplo, há uma regra: casaco de pele = status social. É esse sistema de comunicação, esse conjunto de regras e convenções, que Eco (2002) trata por cultura. Imagine agora um ocidental indo visitar uma tribo na Mongólia usando um casaco de pele. O significado “status social” não será comunicado, 29Signo e cultura pois todos estarão usando casacos de pele! A convenção casaco de pele = status social não está presente nessa relação, pois há outro sistema de significação vigente nesse espaço. Há outra cultura (Figura 2). Figura 2. Casaco de pele como vestimenta cotidiana. Fonte: LMproduction/Shutterstock.com Nöth (1996) sintetiza em três critérios o campo semiótico elaborado por Eco para uma teoria geral da cultura: Cultural: é da competência da semiótica estudar apenas os fenômenos humanos, não os naturais ou maquínicos. Mentiroso: a semiótica estuda apenas aquilo que pode ser usado para mentir em uma determinada situação. Dessa forma, todos os proces- sos culturais estudados pela semiótica são aqueles intencionais, pois pressupõem uma manipulação da convenção (ou para mentir ou para falar a verdade). Comunicativo: a semiótica estuda o processo comunicativo como mensagens que estejam inscritas em um sistema de significação que seja reconhecido por ambas as partes, emissor e receptor. Dados esses critérios, podemos formular uma definição da relação entre cultura e semiótica em duas vias complementares. A primeira, de que, para Eco (2002, p. 21), a cultura é um “fenômeno semiótico”, pois em sua base estão processos de sígnicos de significação e sentido.A segunda, de acordo com o Signo e cultura30 próprio autor, é de que “[...] a cultura, em sua complexidade, pode ser entendida melhor se for abordada de um ponto de vista semiótico.” (ECO, 2002, p. 21). Isso quer dizer que a semiótica possui as ferramentas teóricas apropriadas para o estudo de qualquer prática cultural. Ou seja, Eco (2002) define a cultura e a semiótica como práticas recíprocas: define uma em relação à outra. Por isso que a cultura se estabelece como objeto da semiótica, e a semiótica como um referencial teórico para estudar a cultura. A contribuição de Eco para elaborar esse referencial teórico para o estudo da cultura é a sua chamada Teoria dos Códigos. Código e cultura Na seção anterior discutimos a cultura a partir de diversos termos: convenção, conjunto de regras, sistema de signifi cação. Eco (2002) estabelece um conceito geral para dar conta desses termos sob uma única perspectiva teórica: o código. Como afi rma Nöth (1996, p. 195), “A semiótica de Eco é o estudo dos códigos e um código tem sua base numa convenção cultural: semiótica é, portanto, o estudo sígnico da cultura.”. Antes de abordar a especificidade da teoria dos códigos de Eco, é preciso definir preliminarmente o que é um código. A base do código é a sua con- vencionalidade. É a convenção ou ACORDO entre dois ou mais indivíduos para estabelecer uma espécie de substituição de linguagem. Você pode pensar num código rudimentar para criptografar uma mensagem: você estabelece que cada letra do alfabeto corresponde a um numeral, como no esquema A=1, B=2, C=3 e assim por diante. A partir do estabelecimento desse código ou regra, que não passa de uma convenção arbitrária, você pode escrever uma mensagem linguística usando apenas numerais, como por exemplo 5 – 3 – 15. Mas apenas alguém que conhece essa convenção, que tem o domínio das regras do código, conseguirá interpretar corretamente a mensagem e saber que você está se referindo ao grande teórico dos códigos semióticos: E (5) C (3) O (15). Esse exemplo trata de um código rudimentar, limitado, mas serve para demonstrar como Eco pensa os processos culturais. Para Eco (2002), todo ato semiótico de comunicação tem por detrás de si um código que estabelece um sistema de significação. De maneira geral, um código é um sistema de regras fornecido por uma cultura que possibilita a comunicação e o entendimento entre seus integrantes. Assim, o estudo semiótico da cultura é baseado na descrição do funcionamento dos códigos que estão presentes e agem concretamente na significação e nas práticas de sentido de uma sociedade. 31Signo e cultura Para seguirmos em nosso exemplo da seção anterior, podemos dizer que em nossa cultura há um código que relaciona “casaco de pele” a “status social”. Como um código é uma convenção arbitrária, mais do que apenas descrever como ele funciona, também podemos investigar as raízes de seu estabeleci- mento. Um casaco de pele é um produto caro, que custa muito dinheiro. Poucas pessoas têm a possibilidade de gastar tanto em um bem superficial. Quem gasta é porque tem dinheiro sobrando. Em uma sociedade capitalista, são os mais ricos que possuem uma posição social privilegiada. Portanto, aqueles que podem comprar um casaco de pele têm uma posição social privilegiada. Ocorre que podemos, a partir do código, resumir esse percurso pela subs- tituição direta entre casaco de pele (significante) e status social (significado). Não é necessário andar com um comprovante de conta bancária para comunicar riqueza e status social. Essa análise de um código específico pode nos levar a conclusões acerca de nossa cultura do ponto de vista mais geral como, por exemplo, notar a valorização do dinheiro como traço de distinção social. Essa breve análise de um código cultural abre o caminho para a discussão de dois importantes conceitos na teoria dos códigos de Eco (2002): o conceito de função sígnica e o de unidade cultural. A função sígnica é a relação que se estabelece entre uma expressão e um conteúdo, ou entre um significante e um significado. Para Eco (2002), essa associação é sempre realizada por um código cultural. Isso quer dizer que não há nada de natural nas relações sígnicas. Sempre há algo anterior ao signo – o código – que estabelece as regras convencionais pelos quais um significante se une a um significado, formando um signo. Ou seja, “[...] os signos são o resultado provisório de regras de codificação que estabelecem correlações transitórias em que cada elemento é, por assim dizer, autorizado a associar-se com um outro elemento e a formar um signo somente em certas circunstâncias previstas pelo código.” (ECO, 2002, p. 40). Cabe destacar que é a função sígnica a responsável por operar o código no interior do signo. Mas essas regras, como Eco (2002) deixa claro, são provi- sórias, temporárias. Se transformam tanto do ponto de vista do tempo quanto do espaço. Uma cultura vai, ao longo do tempo transformando seus códigos e criando novas funções sígnicas. Da mesma forma, localidades distantes entre si criam funções sígnicas muito específicas, que variam de acordo com sua cultura. Os códigos estão em constante interação, tanto no interior de uma mesma cultura quanto no contato com culturas distintas. A transformação e a dinâmica da cultura não são limitadas pelo código ou pela função sígnica, inclusive pelo contrário. Como o autor afirma, “[...] não é correto afirmar que um código organiza signos; um código proveria regras Signo e cultura32 para gerar signos como ocorrências concretas no curso da interação comuni- cativa.” (ECO, 2002, p. 40). Se os códigos apenas organizassem os signos já existentes, não haveria espaço para a transformação cultural, fenômeno que ocorre continuamente. Os códigos são regras para criar signos, ou seja, são também espaços de criação, a partir da interação comunicativa e também de práticas de linguagem que criam seus próprios códigos e funções sígnicas, como a arte por exemplo. O outro conceito que iremos destacar nessa exposição da teoria dos códigos de Eco é o de significado como unidade cultural. Para Eco (2002, p. 56-57), “[...] em qualquer cultura, uma unidade cultural é simplesmente algo que aquela cultura definiu como unidade distinta, diversa de outras, podendo ser uma pessoa, uma localidade geográfica, uma coisa, um sentimento, uma esperança.”. Isso quer dizer que cada cultura dispõe de unidades particulares que servem para dar sentido a sociedade em que se encontra. Não há um mundo único, com um número limitado de conceitos e significados, que cabe a cada cultura organizar a sua maneira. Os códigos culturais, na verdade, criam percepções acerca do mundo, o que faz com que pessoas de diferentes culturas quase habitem mundos diferentes. É isso que Eco (2002) quis dizer com o fato de os códigos não organizarem os signos, mas sim serem regras para criar signos. Para exemplificar, Eco (2002, p. 57) usa o exemplo da unidade cultural “cão”. Essa é uma unidade cultural intercultural, pois atravessa diferentes culturas e idiomas. Dog (inglês) e perro (espanhol) tem a mesma unidade cultural que “cão” como significado. Já aquilo que chamamos de “neve” em nossa cultura tem pelo menos quatro unidades culturais distintas na cultura dos esquimós canadenses. No caso do nosso já clássico exemplo do casaco de pele, o que é distintivo em nossa cultura não o é no de uma tribo na Mongólia, não constitui um significado ou unidade cultural passível de ser comunicada. Ou seja, não apenas as culturas possuem códigos que unem significados a significantes, como também discriminam aquilo que no mundo é distinto o suficiente para que seja comunicado como um signo específico. É por essa razão que o estudo semiótico da cultura é tão importante para Eco. A linguagem e os sistemas de significação funcionam de forma quase autônoma uns dos outros, e são responsáveis por produzir percepções acerca do mundo que o moldam de maneira efetiva.Como os códigos estão em constante interação e transformação, também está o nosso mundo. A cultura acaba sendo o termo mediador dessas transformações, o resultado vivo dessa dinâmica. Cabe a semiótica não apenas descrever o funcionamento dos códigos que animam uma dada cultura e criam seus padrões de conduta e existência, mas também apontar as ordens de interação e os vetores de sua possível transformação. 33Signo e cultura Para conhecer exemplos de análises culturais sob o prisma da semiótica, uma das melhores fontes é um livro do próprio Umberto Eco (1987), chamado Apocalípticos e Integrados. Nesse livro, Eco empreende uma série de análises culturais que vão desde os quadrinhos do Super-Homem até a série de romances Os Mistérios de Paris, de Eugene Sue. É um trabalho vigoroso, que não apenas propõe diferentes visões para a chamada “cultura de massas” como também coloca para funcionar todas as ferramentas de sua teoria dos códigos. 1. Quando Morin afirma que vivemos em uma sociedade “policultural”, ele quer dizer que: a) Existem distintos sistemas simbólicos culturais, como o nacional ou o religioso, que coexistem no interior de uma mesma coletividade. b) As diferentes culturas não coexistem, formam um mundo separado por diferentes regiões culturais. c) A cultura deve ser entendida apenas por seu ponto de vista histórico, sendo relacionada às diferentes formas de Belas Artes. d) É preciso respeitar as diferentes culturas que existem no mundo, entretanto a distância e com cautela. e) Apesar de coexistirem, toda cultura possui seu espaço e sua delimitação específica em um país ou região de origem. 2. A semiótica delimita um conceito bem preciso de cultura. Qual a alternativa que melhor se aplica a ele? a) A semiótica só estuda aquilo que na cultura é mentiroso ou ficcional. b) A semiótica entende por cultura todos os processos comunicativos, tanto entre seres humanos quanto entre animais, plantas e máquinas. c) Todo objeto criado pelo homem é um objeto cultural e, portanto, pode ser estudado integralmente pela semiótica. d) A semiótica estuda tudo aquilo que na cultura pode ser assumido como signo, ou seja, que possua uma intenção e lide com um sistema de significação. e) A cultura, para a semiótica, é um conjunto de mensagens que variam de um contexto a outro. 3. A semiótica como campo de estudos da cultura só analisa fenômenos que: a) Possuam intencionalidade comunicativa, tenham origem em processos humanos e tenham uma ordem de convencionalidade. b) Sejam elaborações Signo e cultura34 simbólicas de linguagem. c) Tenham origem em uma mesma sociedade, pois não há a possibilidade de comparar diferentes culturas. d) Sejam semelhantes em todas as culturas. e) Tenham uma história codificada, ou seja, que não se transformam ao longo do tempo. 4. O que é a função sígnica na Teoria dos Códigos de Eco? a) A função sígnica é a função que os signos desempenham na comunicação. b) A função sígnica é a função que faz com que o código funcione no interior do signo e no processo de significação, ligando significante ao significado. c) A função sígnica é o uso cultural de um signo – por exemplo, usar uma cruz para afirmar que se é cristão. d) A função sígnica se refere ao papel desempenhado pelo signo para criar um código. e) A função sígnica diz respeito à independência do signo em relação à cultura. 5. Sobre a dinâmica do significado como “unidade cultural”, Eco afirma que: a) Cada cultura cria significantes para um conjunto estável de significados universais. b) Não há correspondências possíveis entre unidades culturais de culturas distintas. c) Cada cultura discrimina unidades que são distintas o suficiente entre si para que mereçam um significado próprio. d) Sempre haverá um significante específico em cada cultura para uma unidade cultural. e) É o conjunto das práticas culturais de uma sociedade. ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1987. ECO, U. Tratado geral de semiótica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. MACHADO, I. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê, 2003. MORIN, E. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Univer- sitária, 2002. NÖTH, W. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996. 35Signo e cultura Objetos e práticas de análise Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: n Reconhecer as abordagens de análise das duas principais correntes da semiótica e também suas diferenças. n Discriminar as características de diferentes metodologias semióticas, seu campo de aplicação e seus horizontes de pesquisa. n Identifi car práticas simbólicas e culturais que possam servir de objeto para uma análise semiótica. Introdução Rever antes de liberar se fala em semiótica, muitas vezes é preciso definir de que “semiótica” se está falando. Por ser um campo multidisciplinar, que atravessa diversos campos do saber, a semiótica possui muitas linhas e meto- dologias distintas, que também acabam por definir os seus objetos de estudo. Neste texto, você vai conhecer as principais abordagens de aplicação da semiótica em suas duas principais correntes, além de exemplos de diferentes metodologias e os objetos para sua aplicação. Fundamentos gerais da análise semiótica A semiótica se preocupa com todos os tipos de fenômenos de signifi cação. Isso quer dizer que seus conceitos podem ser empregados em um universo muito amplo de objetos, e suas análises podem ser aplicadas a qualquer tipo de prática ou objeto que produz sentido em uma determinada cultura. As análises semióticas têm a possibilidade de oferecer uma perspectiva sistemática nos estudos sobre a comunicação humana e nos fenômenos simbó- licos em geral. O trunfo da semiótica é justamente a sua generalidade e a sua orientação aos grandes modelos lógicos e abstratos que jogam luz interpretativa Semiotica_U4_C02.indd 122 13/03/2017 14:57:49 sobre manifestações das mais diversas, desde a análise de obras de arte até o mapeamento de ideologias em discursos políticos. Em decorrência desse seu caráter generalista, a semiótica não se constitui como uma disciplina fechada, como por exemplo a antropologia e a sociologia. A semiótica é muito mais um conjunto de metodologias, modelos analíticos e aparatos conceituais, amarrados por uma epistemologia fundamentada, do que um campo institucionalizado do saber. Isso quer dizer que a semiótica está sempre em relação com outras disciplinas, seja para se utilizar-se de seus conhecimentos específicos para realizar suas análises, seja para auxiliar essas disciplinas para alcançar uma visão mais abrangente dos fenômenos por elas estudados. Como afirma Santaella (2005, p. 6), [...] a semiótica não é uma chave que abre para nós milagrosamente as portas de processos de signos cuja teoria e prática desconhecemos. Ela funciona como um mapa lógico que traça as linhas dos diferentes aspectos através dos quais uma análise deve ser conduzida, mas não traz conhecimento específico da história, teoria e prática de um determinado processo de signos. Por essa razão, podemos afirmar que a semiótica é um campo do saber ao mesmo tempo multi e interdisciplinar. No processo de produção de conheci- mento científico em geral, quando queremos entender fenômenos específicos, normalmente recorremos a especialistas de cada disciplina: para entender a cultura de uma tribo indígena, recorremos a um antropólogo; para analisar os achados de uma civilização antiga, recorremos a um arqueólogo; para compreender uma pintura do século XVIII, recorremos a um historiador da arte. No caso da semiótica, não há ocorrências específicas ou fatos concretos pelos quais um semioticista seja chamado. Entretanto, é de sua competência entender e se utilizar das ferramentas das outras disciplinas e campos do saber para realizaras suas análises. Por exemplo, encontrar, nas descobertas arqueológicas de uma antiga civilização, estruturas de linguagem que se assemelham às utilizadas por uma tribo indígena da Amazônia descoberta pelo antropólogo, cujas linhas gerais se repetem na pintura que o historiador analisou e não percebeu. Da mesma forma, outras disciplinas se utilizam do ferramental teórico e conceitual da semiótica em suas práticas específicas. Não é raro encontrar pesquisadores de diversas áreas que possuam vínculos com a semiótica, como, por exemplo, pedagogos que aplicam ideias semióticas na elaboração de teorias acerca do ensino, antropólogos que aplicam os modelos estruturais de 123Objetos e práticas de análise Semiotica_U4_C02.indd 123 13/03/2017 14:57:50 linguagem em análises etnográficas, sociólogos que se utilizam de teorias de discurso e produção de sentido em suas investigações. É nesse duplo sentido que a semiótica é menos uma disciplina e mais um campo teórico multi e interdisciplinar. As análises semióticas servem para identificar padrões, discriminar recorrências e descrever o funcionamento de qualquer ato simbólico ou comunicativo. Antes de estudar as práticas de análise mais específicas da semiótica, cabe destacar as duas grandes correntes de estudo da semiótica e os fundamentos mais gerais de suas aplicações e análises: a semiótica estruturalista, de matriz francesa, e a semiótica pragmaticista, de matriz estadunidense. A corrente estruturalista da semiótica tem sua origem nas ideias do linguista Ferdinand de Saussure (1970). Apesar de originalmente ter uma orientação textualista e voltada para a linguagem verbal, a semiótica estru- turalista há muito deu uma guinada em direção a processos mais amplos de produção de sentido, tanto do ponto de vista da linguagem quanto de seu caráter social. Apesar disso, a semiótica de matriz francesa mantém sua orientação de sempre buscar as estruturas profundas que animam os processos de significação. A análise semiótica de corrente saussuriana se pauta por entender aquilo que não se apresenta diretamente manifesto no texto. O objetivo é mapear as regras de combinação entre os signos, as relações diferenciais, os traços significativos. O que conta é mapear o sistema mais profundo de um texto ou prática simbólica de forma a descrever seu processo de significação de acordo com a cultura onde está inscrito. Aqui, cabe destacar que a descrição sistêmica pode assumir dois pontos de partida. Um sincrônico, que diz respeito à análise de um sistema verticalmente. Ou seja, inves- tigar as relações internas que ocorrem entre distintos significantes com significados e as leis de relação que se estabelecem entre eles. O outro é o ponto de vista diacrônico, que visa analisar o modo como historicamente essas relações se estabeleceram e também sua relação com sistemas de significação distintos. Para saber mais sobre os elementos que constituem as análises sistêmicas da semiótica de matriz francesa, leia o livro Elementos de Semiologia, de Roland Barthes (2012). Semiótica124 Semiotica_U4_C02.indd 124 13/03/2017 14:57:50 Para proceder com esse tipo de análise, é preciso ficar atento e obedecer a três características ou passos analíticos, fundantes para qualquer fenômeno sígnico na visão da semiótica francesa: n Relações paradigmáticas: dizem respeito às estruturas mais gerais de um sistema semiótico. São as relações verticalizadas, que se referem ao sistema utilizada mais propriamente, seja a linguagem em que tal objeto foi elaborado ou as diferentes opções utilizadas nessa elaboração. n Relações sintagmáticas: dizem respeito aos modos de encadeamento dos elementos paradigmáticos. São as relações horizontalizadas, que mapeiam as relações entre os signos no interior de um objeto semiótico para entrever de que modo interagem na produção de sentido. n Relações culturais ou ideológicas: dizem respeito aos modos como os significantes se ligam aos significados, as relações poéticas e conotati- vas, ao estilo e ao sentido mais geral de um objeto semiótico. Para saber como operacionalizar análises de matriz estruturalista, o livro Sistema da Moda, de Roland Barthes (2009), traz uma série de exemplos sobre os modos como se organizam as relações paradigmáticas, sintagmáticas e ideológicas usando como objeto as diferentes combinações de vestuário presentes na França dos anos 50 e 60. A outra grande tradição semiótica para a análise sígnica é a estadunidense, baseada na obra de Charles Sanders Peirce. A semiótica de Peirce se constitui como uma lógica, ou uma teoria geral dos signos. Ou seja, trata de investigar de que forma funcionam as relações internas ao signo e também o seu processo de semiose. A semiótica peirciana faz parte de uma arquitetura filosófica mais ampla elaborada pelo autor, cujo fundamento central é uma fenomenologia. Isso quer dizer que o estudo semiótico com base em Peirce visa entender a dimensão significante, a partir de uma descrição lógica, de todo e qualquer fenômeno que aparece para uma mente interpretante. Diferente da corrente saussuriana, o signo para Peirce possui uma compo- sição triádica: é formado por um representamen (o signo em si mesmo), um objeto (aquilo a que ele se refere) e um interpretante (seu efeito de sentido). 125Objetos e práticas de análise Semiotica_U4_C02.indd 125 13/03/2017 14:57:50 Lúcia Santaella (2005, p. 5) afirma que é preciso levar em conta essas três dimensões do signo ao realizar uma análise, a partir de três dimensões: n analisar o signo em si mesmo, atentando para suas possibilidades internas e no seu poder para significar; n analisar a sua referência ao objeto, que aspecto do mesmo ele representa e de que forma; n analisar os efeitos de sentido que o signo produz em mentes interpre- tantes, qual a forma de semiose que ele desencadeia e as interpretações que pode vir a produzir. De acordo com Santaella (2005, p. 5), “[...] a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio movimento interno das mensagens, no modo como elas são engendradas, nos procedimentos e recursos nela utilizados. [...] Frente a esse potencial, não há nada mais natural do que buscar, nas definições e clas- sificações abstratas dos signos, os princípios-guia para um método de análise a ser aplicado.”. Isso quer dizer que é a partir das características próprias dos signos e de sua constituição tripartite que o método de análise peirciano emerge. Para realizar essas análises, é preciso identificar o signo enquanto fenômeno e ser capaz de descrever os processos que guiam a sua semiose. Santaella (2005, p. 29) estabelece um percurso analítico dividido em três passos para proceder uma análise semiótica dessa sorte: 1. Abrir-se para o fenômeno e fundamento do signo: Peirce afirma que todo fenômeno que aparece para uma mente interpretante é um signo. Sendo assim, o primeiro passo de uma análise semiótica é abrir a percepção e deixar o signo aparecer em suas características próprias. Santaella (2005) afirma que esse primeiro passo diz respeito aos aspectos qualitativos do signo, ou sua primeiridade. É nesse ponto em que se desenham suas características mais gerais e fundamentais. 2. Explorar o poder sugestivo, indicativo e representativo dos signos: Depois de identificado, o signo se torna possível de classificação. Nesse ponto, é preciso analisar os aspectos icônicos (isonomia do signo), indiciais (causa e efeito) e simbólicos (representativos) que o signo mantém com seu objeto. Qual a forma que o representa? Que aspectos estão sendo enfatizados? Que tipos de convenções estão em jogo nessa representação? A fase classificatória aponta para o modo como o signo se relaciona com o seu objeto, qual dos aspectos é mais evidente e que tipo de referencialidade está sendo aludida. Semiótica126 Semiotica_U4_C02.indd 126 13/03/2017 14:57:50 3. Acompanhar os níveis interpretativos do signo: Aqui se trata da relação do signocom seu interpretante. Como diz Santaella (2005, p. 37), é apenas na relação com o interpretante que o signo completa sua ação. Entretanto, é importante notar, que a interpretação de um signo é sempre relacionada ao seu fundamento (primeiro passo) e com sua referencialidade a um dado objeto (segundo passo). O processo de produção de efeitos de sentido é o processo da semiose, que por sua vez gera novos signos e reinicia o processo. Sendo assim, o funcionamento semiótico para Peirce é sempre um processo recursivo, que gera novos signos indefinidamente. Cabe ao analista descrever os procedimentos que relacionam essas três dimensões. O livro Semiótica Aplicada de Lúcia Santaella (2005) traz uma lista de exemplos de como aplicar os preceitos de Peirce em análises semióticas. Dividido em níveis de complexidade (elementar, intermediário e avançado) o livro traz análises de objetos dos mais variados: desde peças publicitárias e design de embalagens, até discussões sobre a persona da princesa Diana e vídeos de Educação Ambiental. Metodologias e campos de análise Os fundamentos gerais da análise semiótica podem ser aplicados em diversos campos e disciplinas. Cada um desses campos estabeleceu metodologias específi cas voltadas a um algum aspecto de seus objetos de análise. Você vai conhecer agora as principais correntes no estudo da semiótica e um panorama de suas metodologias. Semiótica discursiva: Um dos campos mais estabelecidos de análise semiótica é o campo da semiótica discursiva, que se utiliza da teoria do per- curso gerativo de sentido elaborado por Greimas (NÖTH, 1996). O método do percurso gerativo de sentido é baseado na acepção greimasiana de que todo texto ou discurso possui estruturas profundas que o animam. Tais estruturas possuem graus de variância e invariância, e obedecem uma ordem crescente de complexidade: vão do nível profundo, passando pelo nível narrativo até chegar no nível mais superficial, o discursivo. Apesar de grande parte desses estudos serem focados nas análises textuais, a semiótica greimasiana também 127Objetos e práticas de análise Semiotica_U4_C02.indd 127 13/03/2017 14:57:50 é focada em processos sociais, como atesta a perspectiva de Eric Landowski (2014) e a sua sociossemiótica. Para Landowski (2014), os processos de pro- dução de sentido são originários da interação entre seres-humanos no seio do social. Ou seja, encontramos estruturas de sentido em nossas práticas cotidianas, no funcionamento das instituições, em nossa relação com a cultura. A perspectiva da semiótica discursiva é fundamental para compreender de que forma alguns processos são universais em nossas trocas simbólicas e que nem por isso estão claros ou explícitos na superfície dos objetos culturais. Os objetos tratados por essa vertente vão desde textos criativos, como livros de literatura e poesia, até discursos políticos, funcionamento de instituições como o direito e a psicanálise, e até mesmo um discurso crítico sobre as práticas científicas. Em Semiótica e Ciências Sociais, Greimas (1976) utiliza de seu modelo discursivo para analisar discursos correntes do cotidiano. Uma análise exemplar de como funciona a semiótica em sua perspectiva social é sua análise do discurso do Direito (GREIMAS, 1976, p. 69-114), onde ele estabelece uma gramática jurídica a partir da discussão textual da Lei de Comércio francesa. Análise ideológica e mítica: Roland Barthes (2001) inaugurou um campo bastante prolífico de estudos semióticos quando publicou seu livro Mitologias. Ali, Barthes se propunha a analisar as relações significantes que se manti- nham “escondidas” em diversas práticas cotidianas e objetos aparentemente inocentes, como o discurso publicitário e programas de auditório na televisão. As análises de Barthes (2001) inauguraram um campo de investigação para a análise ideológica de objetos culturais a partir da utilização da semiótica de matriz saussuriana. Sua proposta metodológica é investigar os níveis de- notativos e conotativos de significação para aclarar de que forma o sentido emerge a partir de relações entre significante e significado. Essas relações, diz Barthes (2001), não são evidentes ou naturais: são construtos sociopolíticos que não notamos pois elas estão naturalizadas. É isso que Barthes (2001) chama de mitos: relações semióticas arbitrárias que parecem ser naturais e por isso mesmo escondem relações ideológicas e de opressão. Barthes (2001) até mesmo sugere um nome para esse tipo de análise, a semioclastia. Semiótica128 Semiotica_U4_C02.indd 128 13/03/2017 14:57:50 Semiótica, cultura e etnografia: Os fenômenos de significação estão sempre sendo mediados por um aspecto cultural. A semiótica também dispõe de ferramentas para análises específicas de objetos culturais. Como afirma Umberto Eco (2002, p. 5), a semiótica “[...] estuda todos os processos culturais como processos de comunicação”. Isso implica em uma perspectiva que toma a cultura como termo central para o funcionamento semiótico. A partir dessa perspectiva, podemos tomar dois caminhos metodológicos. O primeiro diz respeito a analisar sistemas específicos dentro da cultura para analisar como funcionam na construção mais geral da produção de sentido da sociedade. Por exemplo, analisar o sistema de significação da moda e as diferentes formas pelas quais o vestuário produz um ato comunicativo, quais as transformações que atravessa ao longo do tempo, que tipo de mensagens expressa e o que isso diz sobre nossa cultura. Outro caminho é tomar toda uma cultura como um sistema de significação para entender os seus processos mais gerais. Essa atitude se assemelha a um trabalho etnográfico e é bastante utilizado por antropólogos como instrumento de análise. Mídia e semiótica: Sendo os processos de comunicação fundamentais para a semiótica, um campo de análise bastante frutífero para esse tipo de análise é o estudo das mídias. Seja através da televisão, do rádio ou até mesmo da internet, as formas de comunicação midiática definem grande parte das interações que ocorrem em nossa sociedade e contribuem de maneira central para os processos de produção de sentido. O campo de estudos semióticos das mídias é um dos mais difundidos do Brasil, pois os programas acadêmicos de semiótica nas Universidades são geralmente vinculados a cursos de Comuni- cação Social. A semiótica da mídia, tal como a define Winfried Nöth (1995), trata de analisar o processo comunicativo levando em consideração não apenas a mensagem veiculada, mas também os aparatos tecnológicos envolvidos (te- levisão, rádio, etc.), as elaborações das linguagens utilizadas (como imagem, texto, som) e também os possíveis interpretantes sociais gerados a partir delas. Essa concepção que une linguagem, tecnologia e circulação dá um panorama sobre o modo como a comunicação se estrutura na cultura contemporânea a partir dos aparatos técnicos e práticas sociais que por eles são engendrados. Matrizes da linguagem e do pensamento: A semiótica é o estudo dos processos de significação que existem na sociedade que são, em geral, atra- vessados por uma dimensão de linguagem. A semioticista Lúcia Santaella (2001) realizou uma grande tipologia das formas com as quais os signos podem aparecer como forma comunicativa em seu livro Matrizes da linguagem e do pensamento. Sua classificação é articulada em três categorias: matrizes de linguagem sonoras, visuais e verbais. Dentro dessas categorias, Santaella (2001) 129Objetos e práticas de análise Semiotica_U4_C02.indd 129 13/03/2017 14:57:50 realiza um percurso exaustivo para esmiuçar as particularidades de cada matriz enquanto linguagem. O resultado de seu trabalho é a abertura de um campo de análise das diferentes matrizes de linguagem sob uma perspectiva peirceana, onde cada uma das matrizes está relacionada às categorias fundamentais de Peirce: a matriz sonora está para a primeiridade, a visual para a segundidade e a verbal para aterceiridade. Após ser apresentado a alguns campos mais gerais para a aplicação das teorias semióticas e suas metodologias específicas, agora você vai conhecer alguns objetos culturais nos quais a semiótica pode ser aplicada como teoria e ferramenta conceitual para análise. Objetos da semiótica Na parte fi nal deste capítulo, você vai conhecer alguns modos de aplicação da semiótica a objetos variados, dando ênfase a suas características constitutivas enquanto linguagem e as possíveis abordagens para o seu estudo. Literatura: O estudo de textos criativos é um dos campos mais facilmente encontrados na semiótica. Em decorrência de suas origens e de abordagens tex- tualistas com uma tradição bastante fundamentada, a utilização dos conceitos semióticos na análise textual é bastante corrente. Destacamos a abordagem greimasiana nesses estudos, que variam desde romances clássicos e poemas, até a análise de letras de canção. Para uma análise mais detida das formas pelas quais a semiótica pode ser aplicada a textos literários, confira o livro de Diana de Barros (2005), Teoria Semiótica do Texto. Cinema e audiovisual: O cinema é uma das linguagens que mais recebeu atenção pelos estudos semióticos. O estabelecimento de seu código como linguagem autônoma vem sendo fomentado desde o início dos anos 70, espe- cialmente a partir da obra do semioticista Christian Metz (2004). A semiologia cinematográfica de Metz preza por entender os modos pelos quais o cinema desenvolve estratégias de linguagem próprias para produzir sua significação. Um ponto importante da análise semiótica do cinema, além do fato de ser uma Semiótica130 Semiotica_U4_C02.indd 130 13/03/2017 14:57:50 linguagem híbrida (audiovisual) é o fato de que se utiliza da própria reali- dade para estabelecer sua significação. Isso quer dizer que o cinema produz imagens a partir do mundo tal qual o vemos. A dificuldade em abordar um filme semioticamente é divisar as fronteiras entre aquilo que é representado (as imagens que estão na tela, por exemplo) de suas formas de representação. Por isso, o esforço de Metz (2004) em estabelecer um “código” cinematográ- fico, que descreve as estratégias pelas quais o cinema estabelece um modelo comunicativo. Fazem parte dessa gramática cinematográfica os dispositivos de montagem (desencadeamento das cenas, duração dos planos, ritmo do filme), a fotografia (planos fechados, abertos, gerais, detalhe, iluminação) e a própria narrativa fílmica. Metz (2004) se utiliza desses elementos a partir de sua dimensão paradigmática para analisar suas ocorrências sintagmáticas em filmes específicos. Música: Os trabalhos em semiótica da música possuem uma substancial tradição no Brasil, especialmente em decorrência do trabalho do semioticista Luiz Tatit. Seu livro fundador Semiótica da Canção: Melodia e Letra (TATIT, 2007) abriu caminhos para uma pesquisa sistemática sobre a forma comu- nicacional da canção. Utilizando-se de uma distinção entre melodia e letra, Tatit analisa as correspondências semissimbólicas entre o conteúdo verbal da letra da canção com as variações rítmicas e de entonação dos elementos sonoros. Entretanto, o trabalho de Tatit é voltado a apenas um aspecto da música como um todo, a canção popular. Um importante trabalho que discute a constituição de uma semiótica da música em geral é a tese de doutorado Semiótica Musical: princípios teóricos e aplicações sobre o discurso musical, sua produção e recepção, de Cleyton Vieira Fernandes (2014). Ali, o autor discute a constituição da música como linguagem, além de seus níveis de significação e modos de produção de sentido, levando em conta um conceito de discurso musical mais expandido que o de Tatit. Quadrinhos: A análise de histórias em quadrinhos vem ganhando maior destaque nos estudos semióticos. Apesar de já possuir uma tradição desde os anos 1960, especialmente a partir dos estudos de Umberto Eco (1987), a expansão do mercado também trouxe atenção a essa mídia por parte da semiótica. A particularidade mais interessante dos quadrinhos em termos semióticos é justamente o seu caráter híbrido, ao misturar imagem e texto verbal para produzir sentido. Para Nöth (1995, p. 472-473), a análise semi- ótica dos quadrinhos transcende a dimensão visual e necessita de códigos específicos para sua análise. Nöth lista como características essenciais dos quadrinhos tanto seus elementos gráficos, sua utilização de cores, a distribuição dos desenhos em painéis e a utilização de símbolos e metáforas. Apreender 131Objetos e práticas de análise Semiotica_U4_C02.indd 131 13/03/2017 14:57:51 semioticamente implica em descrever os seus códigos estabelecidos, dos mais básicos aos mais dinâmicos. Por exemplo: compreender a diferença gráfica entre um balão de fala e um de pensamento, a utilização de caixas de texto como dispositivos de narração, a passagem entre os painéis como índices de passagem de tempo. Tendo estabelecido esses códigos, Nöth (1995, p. 475) afirma que é possível compreender os quadrinhos como uma forma particular de narrativa, utilizando-se de ferramentas de análise semiótica tais como a análise discursiva greimasiana ou análise mitológica barthesiana. Esses são apenas alguns exemplos de objetos pelos quais a semiótica pode ser utilizada como aplicação. Como seu objeto geral é o universo de fenô- menos que produzem sentido, essa lista pode ser aumentada de acordo com a competência e observação do analista. Cabe destacar que não há um limite para a utilização da semiótica como ferramenta teórica de objetos culturais, desde que respeitados seus limites epistemológicos. 1. Sobre a semiótica como campo de estudos, podemos afirmar que: a) Ela se constitui como uma disciplina restrita com um campo de aplicação bastante delimitado, como a Antropologia ou a Sociologia. b) Ela tem por característica principal ser um estudo voltado aos modelos gerais e abstratos que auxilia outros campos do saber a dar conta dos processos de significação. É multi e interdisciplinar por natureza. c) É um conjunto de metodologias sem vínculo epistemológico. d) Seus instrumentos de análise não podem ser utilizados por outras disciplinas, pois são muito específicos e limitados a seus objetos. e) É autossuficiente como ciência, não necessitando do conhecimento especializado de outras áreas. 2. A semiótica de matriz francesa tem por objetivo estudar: a) As estruturas que animam os processos de significação de um texto ou de uma prática significante. b) As características do estilo de um autor. c) As implicações políticas dos discursos políticos. d) Apenas fenômenos comunicacionais que se utilizam da linguagem verbal. e) Culturas exóticas. 3. A semiótica baseada na obra de Charles Sanders Peirce é tratada como uma “teoria geral dos signos”. Isso quer dizer que: a) É baseada na descrição sígnica a partir de suas características icônicas. Semiótica132 Semiotica_U4_C02.indd 132 13/03/2017 14:57:51 b) Essa perspectiva não se baseia em preceitos lógicos, mas sim de inferências e suposições. c) Trata apenas de objetos culturais produzidos pela humanidade. d) Seu objeto de estudo são os fenômenos significantes que aparecem para uma mente interpretante a partir de seus aspectos de primeiridade, segundidade e terceiridade. e) Ela busca encontrar um horizonte final para a significação, a semiose. 4. Sobre os campos de aplicação de metodologias semióticas, é possível afirmar que: a) São bastante restritos, delimitados a um conjunto de fenômenos limitados pelo uso da linguagem em estrito senso. b) A semiótica como ciência geral pode estudar qualquer fenômeno cultural sem restrições. c) Cada campo de aplicação desenvolveu estratégias e ferramentas teóricas aplicáveis a determinados objetos, sempre respeitando a matriz epistemológica mais geral da semiótica. d) Referem-se especificamente ao estudo de textos e discursos. e) A semiótica nãodispõe de metodologias específicas, apenas uma matriz geral de pensamento. 5. Qual a alternativa correta no que se refere aos objetos de estudo da semiótica? a) A semiótica não possui objetos de estudo, pois é uma teoria abstrata. b) Os objetos da semiótica são apenas aqueles que se utilizam de linguagem. c) A semiótica pesquisa apenas práticas artísticas. d) A semiótica pesquisa objetos da chamada cultura erudita, deixando de lado as questões da cultura de massa. e) A semiótica tem por objeto qualquer fenômeno sígnico ou comunicativo. 133Objetos e práticas de análise Semiotica_U4_C02.indd 133 13/03/2017 14:57:51 BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. 5. ed. São Paulo: Ática, 2005. BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2012. BARTHES, R. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. BARTHES, R. Sistema da moda. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1987. ECO, U. Tratado geral de semiótica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. FERNANDES, C. V. Semiótica musical: princípios teóricos e aplicações sobre o discurso musical, sua produção e recepção. 2014. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. GREIMAS, A. J. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1976. LANDOWSKI, E. Sociossemiótica: uma teoria geral do sentido. Galáxia, São Paulo, n. 27, p. 10-20, jun. 2014. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/ article/view/19609/14586>. Acesso em: 02 mar. 2017. METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 2004. NÖTH, W. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996. NÖTH, W. Handbook of semiotics. Indianapolis: Indiana University, 1995. SANTAELLA, L. Matrizes da linguagem e do pensamento. São Paulo: Iluminuras, 2001. SANTAELLA, L. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1970. TATIT, L. Semiótica da canção: melodia e letra. 3. ed. São Paulo: Escuta, 2007. Leitura recomendada BARTHES, R. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Semiótica134 Semiotica_U4_C02.indd 134 13/03/2017 14:57:51 Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever o desenvolvimento da imagem e as possibilidades de estudo no campo semiótico. � Enumerar alguns formatos de imagem e métodos de estudo elencados por estudiosos da semiótica. � Apresentar a análise da imagem publicitária a partir da semiótica clássica e da sociossemiótica. Introdução A teoria da imagem é uma vertente de estudo da semiótica aplicada. Desde que a imagem passou a ser objeto de pesquisa, várias ramificações de estudo surgiram ao longo dos anos. Formatos de imagem que vão desde a publicidade até teatro podem ser objeto de interesse e pesquisa, abrindo um vasto campo de possibilidades para quem pretende aprimorar seus conhecimentos na área. Neste texto, você vai estudar o desenvolvimento da imagem e seus principais formatos, além de compreender as possibilidades de estudo da imagem no campo da semiótica. O desenvolvimento da imagem e as possibilidades de estudo no campo semiótico Você está inserido numa sociedade em que o uso constante da imagem faz parte do cotidiano, sendo um componente integrante da vida, não é? E tem sido assim há bastante tempo. O surgimento da imagem é, inclusive, anterior ao aparecimento da palavra escrita. Desde a época pré-histórica, o homem utiliza as imagens como forma de expressão. Assim, as pinturas das cavernas são os primeiros registros de imagens, muito antes do aparecimento das palavras catalogadas por meio da escritura (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Conforme Santaella e Nöth (1998), mesmo a imagem tendo aparecido antes, a palavra escrita se propagou de forma mais rápida. Ela foi impulsionada pelo boom causado pelo desenvolvimento da prensa de Gutenberg durante o século XV, que possibilitou a impressão rápida e em grande quantidade, principalmente de textos. Essa importância da palavra também pode ser observada nos estudos linguísticos, que dominaram o campo semiótico por muitos anos, inicialmente originados por Saussure, fundador da linguística moderna. A imagem era vista como um suplemento à linguagem. Segundo Almeida (2011, p. 15), ela tinha como objetivo a designação “[...] de representação de objetos em torno dos quais era possível reelaborar incessantemente a linguagem como atividade e como forma central do pensamento.”. Na contemporaneidade, a imagem passou do papel de simples coadjuvante para o de personagem principal. Nesse sentido, ela se eleva a um estatuto em que é capaz de transitar como um elemento estruturante em todas as áreas da comunicação (ALMEIDA, 2011). O advento das novas tecnologias de informação contribuiu para isso. Hoje, em termos gerais, se vive em uma sociedade na qual predomina a utilização da imagem em todos os campos da vida cotidiana. Você está exposto a imagens desde o momento em que acorda e liga a televisão, ou vê as fotografias estampadas nas capas de jornais, até o momento em que vai se deitar e assiste a uma série televisiva, por exemplo, não é? Você é constantemente bombardeado por informação visual. Da arte à comunicação de massa, a imagem está presente nas mais diversas formas de expressão. É uma hipervisibilidade exacerbada, que cresce de forma des- controlada, num processo de estetização padronizada. Nesse contexto, a imagem deixa de ser apenas objeto complementar à linguagem e é entendida como criadora de significado, passando a ser objeto de estudo nos seus mais variados formatos (ALMEIDA, 2011). Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico2 Formatos de imagem Os estudos das palavras cresceram paralelamente ao desenvolvimento proporcio- nado pela invenção de Gutenberg. Ou seja, você pode considerar que os estudos no campo da semiótica da palavra cresceram na mesma medida em que houve desenvolvimento tecnológico. Assim, foram desenvolvidos trabalhos dentro do campo da gramática, da retórica e da linguística. O mesmo não ocorreu no âmbito da estética. Nele, os estudos na área da teoria da imagem não acompanharam o desenvolvimento da própria imagem, que sofreu um ápice a partir do século XX. Os estudos na área da estética foram feitos de forma desordenada, o que permanece até os dias atuais. Caracterizada pela sua interdisciplinaridade, a estética é objeto de interesse em várias disciplinas, como história da arte, estudo das mídias, cinema, entre outras (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Apesar de ser uma área de estudo considerada recente, a teoria da imagem é um campo vasto que pode proporcionar os mais diversos problemas de interesse numa investigação. Isso se deve aos múltiplos formatos que a imagem assume. Como exemplos dos diversos formatos da imagem, você pode considerar a pintura, a gravura, a arquitetura, o desenho e a escultura. Se você refletir sobre a questão da interferência do espaço e do tempo na imagem, pode conside- rar que esses formatos exemplificados tomam corpo em relação ao espaço, sendo imutáveis no tempo. Eles são caracterizados por Aumont (1993 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998) como imagens não temporalizadas (que não se movem ao longo do tempo). Já a fotografia, os vídeos e a oralidade tomam forma relacionados ao tempo. Eles são considerados imagens temporaliza- das (que se modificam ao longo do tempo, mas sem a intervenção humana). Ainda para o autor, a questão temporal influi sobre a imagem, mas não está diretamente ligada a ela (AUMONT, 1993 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998). Esse pensamento é criticado por Santaella e Nöth (1998), que acha importante a divisão feita por Aumont, mas prefere focar seus estudos na imagem ligada ao tempo. Esse tempo, por sua vez, pode ser classificado como intrínseco (não muda muito dadescrição das imagens temporalizadas, com a diferença de que a noção de tempo não é restrita ao suporte, mas também deve levar em consideração a fatura, a qual seria similar à enunciação para os linguistas) e extrínseco (se refere às noções de tempo fora da imagem, como é o caso, por exemplo, do tempo de desgaste). Essas duas classificaçõs se unem para formar o tempo interstecial, que é o tempo da percepção (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Essa noção de tempo é importante, pois ela é levada em consideração nos estudos relacionados à semiótica da imagem. 3Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico A noção de tempo é importante para a análise da imagem. Santaella e Nöth (1998), no seu livro Imagem: cognição, semiótica, mídia, abordam a questão do tempo. No tempo intrínseco, se deve levar em consideração o dispositivo, uma vez que é impossível separar a forma como se produziu a imagem. Também são considerados a fatura (seu tempo de produção, enunciação, esquemas e estilos) e o estilo (tempo de com- posição e estrutura das imagens). No âmbito extrínseco, é levado em consideração o desgaste, ou seja, o envelhecimento da matéria ao longo do tempo. Também são considerados o referente — ou seja, o objeto que a imagem representa, que pode ser não representativo, figurativo ou simbólico — e o tempo intersticial, que é o tempo construído na e pela percepção (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Retomando as possibilidades de estudo na área de teoria da imagem, é pos- sível afirmar que o desenvolvimento da fotografia e do vídeo proporciona uma abertura do campo de estudo às mais diferentes áreas. Derivações de estudos da imagem surgem em trabalhos no campo da semiótica da imagem em áreas de publicidade, jornalismo, cinema e televisão. A fotografia, por exemplo, pode ter um significado quando utilizada num formato jornalístico e outro quando usada pela publicidade. Mesmo dentro desses gêneros, as possibilidades de análises são imensas. Inclusive, muitos pesquisadores avaliam a imagem na publicidade com foco nos estudos de gênero e na imagem da mulher e em como ela é retratada. Nesse sentido, procuram entender como é trabalhada a questão do feminino nesse contexto e como isso pode ser alterado, uma vez que contribui para a criação da imagem da mulher (MOTA-RIBEIRO, 2005). O campo da semiótica da imagem ainda é mais abrangente e pode ser am- pliado para o meio artístico, como é o caso do teatro, que também está sempre em movimento. Nele, cada performance conta uma história que pode ter um significado diferente para o público que a recebe (BULIK, 2001). O ator, nesse contexto, “veste” um personagem. Sua postura, seus adornos, a entonação que usa, tudo contribui para a imagem criada junto ao público. Aqui, você também pode considerar os estudos na área da moda, introduzidos por Roland Barthes em 1967) no livro O Sistema da Moda, em que a moda aparece pela primeira vez como sistema de comunicação (BARTHES, 1999). Inspirada no estilo do linguista Saussure, a obra apresenta a importância de estudar a componente expressiva da moda (OLIVEIRA, 2013). Nesse caso, o vestir não age apenas como um meio de proteção, mas como uma forma de criação de identidade e imagem, ligada ao modo como as pessoas querem ser vistas umas pelas outras. Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico4 O desenvolvimento digital também ampliou as possibilidades de estudos da imagem. Isso se deu tanto com a fotografia e o vídeo digital, cada vez mais presentes na vida das pessoas, quanto com as modificações causadas em áreas estabelecidas, como a utilização de sites para navegar em museus e ver obras de artes. Todos esses são formatos de imagem que podem ser objeto de estudo do campo da semiótica da imagem. Roland Barthes é escritor, sociólogo e estudioso da semiótica. Foi um dos primeiros propagadores da semiologia de Saussure e ajudou a estabelecer o estruturalismo e a neocrítica (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, c2017). O autor estudou a semiótica em diversas áreas do conhecimento e contribuiu para o seu estabelecimento como interesse de estudo. Entre essas áreas, você pode considerar a literatura, o mito, a imagem, o cinema e a publicidade. Entre as suas obras importantes, estão A Câmara Clara e O Sistema da Moda, leituras essenciais para quem pretende entrar nos estudos da semiótica. Análise de imagens no campo da semiótica Agora que você já explorou a evolução da imagem e os formatos que podem ser estudados por meio da semiótica, vai conhecer melhor as possibilidades de estudos nas mais diversas áreas. Como afirma Joly (2007, p. 9), “Nós vivemos uma civilização de imagens [...]”: essa é a premissa dos dias atuais. As pessoas são bombardeadas por imagens em todas as esferas do seu dia. Você, por exemplo, assume tanto o papel de receptor dessas imagens quanto o de produtor delas. Nesse contexto, utiliza, decifra e interpreta imagens diariamente. É aqui que surge um paradoxo em relação à imagem. Por um lado, você pode ver a imagem e entendê-la como algo inocente e natural. Por outro, há o medo de estar sendo manipulado, não é? Mesmo assim, o fato de as pessoas estarem tão acostumadas com a imagem não permite essa passividade total (JOLY, 2007). Dessa forma, é importante você compreender os signifi- cados das imagens e as particularidades dessa ferramenta de comunicação contemporânea (JOLY, 2007). O estudo da imagem nos seus mais diversos formatos varia de acordo com o objetivo do trabalho de pesquisa. Assim, o pesquisador precisa levar em consideração o que quer atingir e qual o melhor método para isso. Con- 5Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico forme Mota-Ribeiro (2010), a imagem tem sido objeto de investigação em diversas perspectivas teóricas e com diferentes enquadramentos empíricos. As áreas de cultura visual, antropologia, sociologia, etnografia, entre outras, são exemplos de algumas disciplinas em que a imagem é interesse de estudo (MOTA-RIBEIRO, 2010). É importante você perceber que, até os anos 1970, a imagem era vista como um documento objetivo. Só depois é que passou a ser entendida como um objeto de análise a partir do qual era possível inferir construções sociais (JEWITT, 1996 apud MOTA-RIBEIRO, 2010). Na antropologia visual, a imagem é analisada a partir de formas e sistemas visuais no contexto cultural. Essas formas e sistemas seriam a fotografia, o vídeo, o cinema, a televisão e a arte tribal, por exemplo, que são usados como um meio de perceber as formas de vida no passado e no presente. A área de história da arte tem sido uma das mais atuantes em termos de análise de imagem. Nela, muitas pesquisas se concentram na análise de obras de arte, mas focadas no seu significado. Em outras palavras, essas pesquisas avaliam a relação entre os sentidos denotativo, conotativo e simbólico das imagens. Nas ciências da comunicação, as imagens são analisadas juntamente à comu- nicação não verbal, mas normalmente no contexto de análise conversacional, e não da imagem propriamente dita. Aqui, vale destacar o papel dos estudos culturais na investigação de imagens, uma área em que esse tipo de pesquisa tem se propagado e ganhado destaque, inclusive em relação à tecnologia visual (MOTA-RIBEIRO, 2010). Mota-Ribeiro (2010) também fala da importância da escolha do método na hora de analisar uma imagem. A análise de conteúdo, por exemplo, por norma era utilizada na análise textual, mas seu uso tem sido comum nos estudos da imagem. A análise dos efeitos das imagens também tem prevalecido nessa área de estudo, o que traz reflexões positivas em relação aos efeitos ocasionados pela imagem na sociedade. Nesse sentido, se faz uma relação entre o que é propagado pelas imagens mediáticas e as suas distorções do que é real. Jornalismo Agora, você está pronto para descobrir as possibilidades de análises da imagem nos mais diferentes gêneros decomunicação. O jornalismo é um deles, no Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico6 qual a imagem é uma peça importante seja no jornalismo impresso, em que a fotografia ocupa um papel de destaque, seja no jornalismo televisivo, no qual o vídeo é fundamental. Como exemplo, você pode considerar a escolha da imagem que vai ocupar uma capa de jornal ou revista. Essa imagem carrega significado e, juntamente à composição da página, procura entreter, persuadir ou informar o público do veículo (OLIVEIRA; GAGLIARDI, 2007). Como explica Joly (2007), “[...] a imagem é composta de diferentes tipos de signos linguísticos, icônicos, plásticos, que juntos concorrem para a construção de uma significação global e implícita [...]”. Em outras palavras, os signos que compõem a imagem se relacionam e atuam como uma ferramenta de comu- nicação poderosa (OLIVEIRA; GAGLIARDI, 2007). Oliveira e Gagliardi (2007), por exemplo, desenvolve um estudo de análises de fotografias de figuras públicas na mídia impressa durante uma campanha eleitoral. Na Figura 1, você pode verificar a importância e o poder da imagem na composição da capa de uma revista e na construção do significado. Na falta de uma fotografia do antigo primeiro-ministro de Portugal na prisão, a revista optou por utilizar efeitos na imagem que a sombrearam e a escureceram. Isso leva o leitor a associá-la ao encarceramento do político. Figura 1. Capa da revista Visão sobre a prisão do antigo primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates. Fonte: Riso (2016). 7Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico Publicidade Você já leu um pouco sobre a publicidade neste capítulo. Ela é uma das áreas em que os estudos da imagem têm predominado. Nos seus mais diversos for- matos, a publicidade é motivo de investigação seja em vídeo ou em fotografia. Conforme Joly (2007), a publicidade é um conteúdo que pode ser veiculado em televisão, rádio, revistas e jornais, entre outros suportes existentes, incluindo mídias digitais, como é o caso de banners em blogs. O caráter repetitivo da publicidade faz com que ela se instale mais facilmente nas mentes das pessoas (JOLY, 2007). Aqui, você também pode considerar que o interesse em estudar as imagens publicitárias está vinculado ao caráter econômico e persuasivo desse formato, que tem como principal objetivo a venda, ou seja, busca con- vencer os consumidores a adquirirem os produtos de determinadas marcas. Nesse contexto, a imagem possui um papel central, já que é a partir dela que o consumidor tem o primeiro contato com o produto (BARBOSA, 2013). Cinema/televisão/novela Esses três formatos de imagem são caracterizados pela utilização do vídeo. Na televisão, a investigação em torno da imagem pode ser feita por meio de anúncios publicitários, mas não limitada a isso. Como afirma Joly (2007), o fluxo televisivo também passa por outros processos, como o espetáculo e a ficção. Aqui, já é possível falar sobre a análise da semiótica da imagem em novelas e cinema, que contribui para criar um significado junto ao público. As possibilidades de análises podem ser de apenas uma cena ou da vinheta de abertura de uma novela. É possível levar em consideração aspectos que também podem ser usados na análise do formato de teatro, como a postura dos atores, as roupas e os cenários. Ainda estão em jogo ângulo de filmagem, tempo de corte, entre outros, sem mencionar a influência social e cultural. Análise de imagens publicitárias a partir da semiótica Como você viu ao longo deste capítulo, a publicidade é uma das disciplinas mais propícias à análise na área de teoria da imagem. Inclusive, é comum que o termo imagem se associe à publicidade. Em outras palavras, essa área vem à mente de forma automática quando se pensa em imagem midiática, não é? Isso acontece até porque o campo publicitário foi um dos primeiros objetos Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico8 de interesse para a semiótica da imagem quando ela começou a aparecer, na década de 1960. A partir daí, surgiram novas possibilidades de análise para esse campo (JOLY, 2007). Nesse contexto, você pode considerar que Barthes foi um dos pioneiros nos estudos da análise da imagem publicitária na semiologia. Para o autor, a escolha era justificada pelo fato de a imagem publicitária conter signos totais com o objetivo de proporcionar uma melhor “leitura”, já que a publicidade é franca e seguramente intencional. Assim, é um excelente objeto de comuni- cação e destinada a uma leitura pública. Além disso, a função da mensagem publicitária é ser compreendida de forma rápida pelo público e, para isso, deve ser exibida de maneira clara. Essas características fizeram com que a publicidade se tornasse ideal para a observação dos “[...] mecanismos de pro- dução de sentido através da imagem [...]” (JOLY, 2007, p. 81). Na sua análise, Barthes leva em consideração a descrição e a distinção dos diferentes tipos de mensagem (linguística, icônica codificada e icônica não codificada). A descrição leva o visual para o campo verbal e ela pode ser considerada parcial e injusta (JOLY, 2007). Baseada na semiótica da imagem proposta por Barthes, Joly (2007) analisa a imagem levando em consideração alguns elementos. O primeiro passo é fazer uma descrição da imagem que vai ser analisada, falando sobre todos os elementos que a compõem. Depois disso, a análise passa pela mensagem plástica, e a autora explica que, entre os signos que compõem uma mensagem, os plásticos estão incluídos e são relativos às cores, às formas, à composição e à textura. Nesse caso, os significantes plásticos incluem o suporte, que pode ser papel jornal, brilhante, formato de revista, entre outros. A moldura também é importante na análise: toda imagem tem limites e existem formatos específicos de acordo com a época e os estilos. Na publicidade, o ideal é tentar transpor os limites da moldura, ou fazer com que ela não atrapalhe a imagem. A página da esquerda, por exemplo, não tem moldura, mas dá a impressão de que a fotografia foi interrompida. O enquadramento é outro suporte plástico e não deve ser confundido com a moldura. Ele está relacionado com a distância entre a câmera e o objeto fotografado, por exemplo. O ângulo do ponto de vista, a composição, as formas, as dimensões, as cores, a iluminação e a textura também são levados em consideração por Joly na análise de uma imagem publicitária (JOLY, 2007). Em relação à mensagem icônica, que seria formada por signos figurativos, existe por motivos além dela mesma, pelas coisas que a rodeia, para criar conotação e significado. Aqui, você pode levar em consideração os motivos para que aquele signo esteja ali, também a postura dos personagens, entre 9Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico outros elementos da imagem. A mensagem icônica é avaliada num processo de conotação, que está relacionado com a interpretação do espectador. Ela varia também de acordo com questões socioculturais (JOLY, 2007). A semiótica da imagem estudada por Barthes pode ser considerada uma semiótica clássica, que tem como foco de estudo a imagem por si própria e limitada a critérios de texto. Essa é uma das críticas à análise da semiótica clássica de Barthes feita pela semiótica social, que leva em consideração as estruturas entre produtor e receptor da imagem. Em outras palavras, determina que o modo como eles estão socialmente vai interferir nesse processo, tanto no conteúdo da imagem como na sua leitura, no seu processo de percepção (MOTA-RIBEIRO; COELHO, 2011). Kress e van Leeuwen desenvolveram um modelo de análise da sociossemiótica baseado na gramática e na sintaxe do visual. Para os autores, esse modelo de análise é tridimensional e avalia a imagem nas dimensões representacional, interacional e composicional (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006 apudMOTA-RIBEIRO; COELHO, 2011). A dimensão representacional está relacionada com padrões de representação dispo- nibilizados pela gramática visual. Assim, as estruturas visuais disponíveis para serem avaliadas são as que você pode ver a seguir. � Participantes humanos: são avaliados de acordo com o número e o gênero, bem como com a caracterização, esta relacionada com aparência e atitude. � Cenários, fundos, adereços, objetos: são os participantes não humanos. É necessário observar o cenário que está presente e analisar como ele pode ser lido. Também é preciso ver a sua relação com outros aspectos da gramática visual. � Tipos de representação: elas podem ser narrativas e conceituais. As primeiras re- presentam a ação social, ou seja, ações que se desenrolam, processos de mudança. Imagens com representação narrativa possuem vetores que ligam os participantes. Já as conceituais são ligadas às construções sociais, representam os elementos da imagem e não possuem vetores (MOTA-RIBEIRO; COELHO, 2011). A dimensão interacional está relacionada com os padrões de interação disponibilizados nas imagens (MOTA-RIBEIRO; COELHO, 2011). Kress e van Leeuwen definem a dimensão interacional como o que “[...] podemos fazer uns aos outros, ou uns pelos outros, através da comunicação visual e as relações entre os produtores e os visionadores implicados nos textos visuais. ” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 15 apud MOTA-RIBEIRO; COELHO, Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico10 2011, p. 234). Em outras palavras, a dimensão interacional está relacionada com quem produz as imagens e quem as recebe. Para controlar o que é dito, como é dito e recebido, alguns recursos podem ser usados. É o caso do ato da imagem, em que o produtor quer que o “visionador” interaja com ele, assim esse visionador é colocado imaginariamente na relação. Nesse sentido, também entram em jogo: o tamanho do enquadramento/escala de planos, que permite escolher o que vai entrar na imagem e dar a sensação de proximidade ou distância; o ângulo; e a modalidade, que está relacionada com a credibilidade da mensagem. Mas a modalidade se relaciona à forma, e não à fonte, na qual, de acordo com marcadores da própria mensagem, é possível perceber se ela é real ou não (MOTA-RIBEIRO; COELHO, 2011). E, por último, há a dimensão composicional. Ela está relacionada com a interação entre os padrões de representação e interação, avaliando se eles se articulam de forma coerente. Aqui, deve ser levado em consideração o valor informativo. Nesse sentido, você pode considerar que a composição da imagem ajuda na compreensão do seu significado. Dependendo da área da imagem onde se colocam os elementos, por exemplo, eles passam determinado significado. É importante, então, ver se estão localizados na direita ou na esquerda, no centro ou no fundo. Outros aspectos a serem considerados são a saliência, que funciona na hierarquização de elementos, e a delimitação/ligação, já que os elementos podem ser separados ou ligados na imagem por meio de vários recursos, por exemplo, brilho e saturação (MOTA-RIBEIRO; COELHO, 2011). 11Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico ALMEIDA, B. P. Reflexos de Vénus: pensar com o imaginário. In: MARTINS, M. L. et al. Imagem e pensamento. Coimbra: Grácio, 2011. p. 11-20. BARBOSA, S. S. Análise semiótica de anúncios publicitários de automóveis. [S.l.]: Word- Press.com, 2013. Disponivel em: <https://silvanabarbosa.files.wordpress.com/2013/06/ trabalho-final-semic3b3tica.pdf>. Acesso em: 30 out. 2017. BARTHES, R. O sistema da moda. Lisboa: Edições 70, 1999. BULIK, L. Comunicação e teatro: por uma semiótica do Odin Teatret. São Paulo: Villi- press, 2001. ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Roland Barthes. Chicago, c2017. 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São Paulo: Iluminuras, 1998. 13Formatos de imagem: jornalístico, publicitário, cinema, TV, novela, teatro, artístico A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir semiótica. Relacionar semiótica e audiovisual. Aplicar peças audiovisuais à propaganda. Introdução Neste capítulo, você vai conhecer os conceitos básicos da semiótica, bem como um pouco de sua história e os principais tópicos abordados por seus teóricos. A partir daí, você vai ver como esses postulados se relacionam com a produção audiovisual, por meio de suas significações e representações. Por fim, você vai adentrar a esfera da produção audio- visual publicitária, tomando como exemplo a realização de propagandas. Como você vai ver, elas, como todo gênero audiovisual, possuem suas peculiaridades em termos de formatação e linguagem. Semiótica: conceitos básicos A semiótica é o estudo dos signos, de suas formas de expressão e de seus conteúdos. Mas, afi nal, o que é um signo? Talvez a melhor defi nição seja aquela que apenas declara que os sinais não metafóricos são fenômenos produzidos intencionalmente por seres humanos e utilizados para mostrar a intenção do produtor e o seu conteúdo. Em síntese, um signo é qualquer coisa — uma cor, um gesto, um objeto, uma equação matemática, etc. — que signifi ca algo diferente de si mesma. O termo grego semeiotica foi cunhado por Hipócrates (460–377 a.C.), o fundador da ciência médica ocidental, para designar a ciência dos sintomas. O sintoma, Hipócrates afirmava, era semeion, palavra grega quue significa “marca” ou “sinal” físico. Desvendar o que um sintoma significa, como se manifesta fisicamente e por que é indicativo de certas doenças ou condições é a essência do diagnóstico médico. Todavia, o objetivo da semiótica atual é desvendar algo bem diferente, ainda que se mantenha o mesmo método básico de investigação. Considere a Figura 1, a seguir. Figura 1. Signo. Fonte: Mark Rademaker/Shutterstock.com. O que a Figura 1 significa? A resposta desejada seria “uma ideia”. Como ela apresenta esse significado? Ela faz isso mostrando uma lâmpada dentro de um balão. Por que isso seria indicativo desse significado? Responder a esta última questão implica desvendar as raízes culturais de cada componente do signo. O uso da lâmpada no sinal é consistente com a visão geral, na cultura ocidental, da luz como um análogo para o intelecto e a inteligência. Isso pode ser visto, porexemplo, em expressões verbais tais como “tornar-se iluminado”, “lançar luz em algo” e assim por diante. Por sua vez, o uso de um “balão” para envolver a lâmpada é derivado da tradição das histórias em quadrinhos. Como você pode notar, esse simples exemplo ilustra a soma e a substância do método semiótico. A mesma tríade de perguntas que é usada para entender uma simples figura visual (como a Figura 1) é utilizada para uma narrativa complexa ou uma teoria científica. A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda2 A coisa à qual um signo se refere é conhecida, logicamente, como o refe- rente. Há dois tipos de referentes: 1. um referente concreto, como o objeto denominado “lâmpada”; 2. um referente abstrato, como o conceito de “ideia”. O primeiro referente é algo que pode ser mostrado e que existe concre- tamente no mundo real — por exemplo, uma lâmpada pode ser indicada simplesmente apontando-se para uma. Já o referente abstrato é imaginário e não pode ser indicado simplesmente apontando-se para ele. Os sinais permitem se referir a coisas e ideias, mesmo que não estejam fisicamente presentes para serem percebidas pelos sentidos humanos. Quando se fala ou escuta a palavra “lâmpada”, a imagem do objeto em questão vem à mente, mesmo que o objeto real não esteja por perto para ser percebido. A imagem em si é chamada de “conceito”. Depois de determinar qual é o conceito que um sinal invoca, o semiólogo concentra-se no conceito em si, tentando desvendar o que ele envolve cultural e pessoalmente. Tais significações podem variar em termos de sociedade, cultura, vivência, etc. Considera-se que existam três dimensões em um signo: (1) um físico, que (2) alicia um conceito, o qual (3) recebe uma forma culturalmente condicionada. Um signo pode ser definido, mais precisamente, como algo que significa alguma coisa para alguém com base em algum aspecto. Apesar de o conceito por trás da semiótica datar da Antiguidade Grega, o estudo dos signos somente tomou a forma atual no final do século XIX, quando as ideias do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857–1913) e do filósofo americano Charles S. Peirce (1839–1914) tornaram-se a plataforma na qual um campo autônomo de estudo foi gradualmente construído no sé- culo XX. Em seu Curso de Linguística Geral (1916), Saussure usou o termo “semiologia” para designar o campo semiótico, especificamente o estudo dos signos da língua. Segundo ele: [...] a linguagem é um sistema de signos que expressa ideias e é, portanto, comparável a um sistema de escrita, o alfabeto dos surdos-mudos, ritos sim- bólicos, fórmulas educadas, sinais militares, etc. Mas é o mais importante de todos esses sistemas (SAUSSURE, 2012, p. 16). Hoje em dia, o termo “semiótica” é preferido em detrimento de “semiologia” devido à forte influência de Charles Peirce na teoria e na prática modernas. 3A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda Semiose, representação e interpretação A capacidade do cérebro humano de produzir e entender sinais é chamada de “semiose”. Já a atividade de produzir conhecimento, capacidade imanente aos seres humanos, é conhecida como “representação”. Esta última pode ser defi nida com mais precisão como o uso de sinais (imagens, sons, etc.) para relacionar, retratar ou reproduzir algo percebido, sentido ou imaginado em alguma forma física. Um exemplo é o uso das letras x e y; descobrir que x = y não é uma tarefa simples. A intenção do enunciador, os contextos históricos e sociais em que a representação foi feita, o propósito para o qual foi feita e assim por diante são fatores complexos que interferem na imagem. Um dos principais objetivos da semiótica é, por conseguinte, estudar esses mesmos fatores. Charles Peirce (1997) chamou a forma física “real” de uma representação (o x da analogia) de representamen (literalmente, “aquilo que faz representando”); ele chamou o y de objeto da representação. Juntando essas duas parcelas x e y, o significado ou significados que podem potencialmente ser extraídos da representação (x = y) são chamados de interpretantes. Dessa maneira, o processo de decidir o significado do representamen é chamado de interpretação. Para entender melhor, observe a Figura 2, a seguir. Figura 2. Tríade de Peirce. Fonte: Adaptado de Peirce (1997). A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda4 A interpretação é um aspecto crucial da condição humana. As crianças desde cedo começam a interpretar o mundo com sinais; há um papel psicos- social vital na conexão entre seus corpos em desenvolvimento e os seus pen- samentos conscientes em relação ao mundo. Em termos figurativos, os signos constituem a “cola conceitual” que interconecta seus corpos, suas mentes e o mundo ao seu redor de maneira holística. Uma vez que uma criança descobre que os sinais são ferramentas eficazes para pensar, planejar e negociar o significado com os outros em certas situações, ela ganha acesso ao domínio do conhecimento de sua cultura. A princípio, a criança comparará as suas próprias tentativas de interpretar o mundo com os sinais aos quais ela está exposta em contextos específicos. Mas, com o uso prolongado, os sinais adquiridos em tais contextos se tornarão cognitivamente dominantes na criança e, eventualmente, irão mediar e regular seus pensamentos, ações e comportamentos. A maior parte da informação sensorial crua e desorganizada que vem da visão, da audição e dos outros sentidos é organizada em conjuntos significativos por signos. A compreensão do mundo não é, assim, uma impressão sensorial direta; é mediada por signos e, portanto, pelas imagens que eles provocam na mente. Para saber mais sobre a semiótica de Peirce, assista ao vídeo disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/3zt8e Semiótica na leitura visual Rodeado de símbolos, imagens e vários signos, o ser humano sempre se es- forçou para signifi cá-los e utilizá-los para a comunicação. O signifi cado nasce da interação entre a mensagem e o seu leitor (audiência). Dessa maneira, ao manusear um texto, é preciso considerar não apenas os seus componentes, mas também a relação entre esses componentes, todas as impressões que criam e as técnicas utilizadas para a sua produção. Quando sons e imagens incitam as pessoas a reagir, elas reproduzem o que se considera como resultado de 5A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda mitos, ideologias e conotações embutidas nesses discursos. Apenas por meio de uma análise sofi sticada o signifi cado oculto sob o óbvio pode ser formado e explicado. Nesse sentido, a semiótica voltada ao audiovisual desconstrói discursos comunicativos enquanto tenta alcançar o signifi cado e a ideologia presentes neles. O ser humano moderno é bombardeado por mensagens audiovisuais abran- gentes transmitidas pelos meios de comunicação de massa. Ele é definido por Mehmet Rifat (1996, p. 41) como alguém que se esforça “[...] para significar o mundo ao seu redor, o ‘Homo Semioticus’”, assim, “[...] toda a vida do humano significante é uma odisseia de ‘leitura’ a partir de então”. A percepção e a interpretação de textos — sejam verbais, visuais ou sonoros — são exem- plos das atividades mais essenciais realizadas pelos seres humanos quando está em jogo uma construção significativa. Tais fenômenos ocorrem em três níveis básicos: percepção; memorização e interpretação; e reconstrução dos signos (PEIRCE, 1997). Toda obra de arte literária ou musical, todo retrato ou anúncio de TV — em outras palavras, todo corpo de qualquer tipo de imagem projetada para criar um significado — pode ser lido, significado e analisado pelas habilidades perceptivas de seu leitor. Todo texto produzido pelos meios de comunicação de massa é um mundo fictício que atinge o seu público (o seu interlocutor) com certa forma narrativa. No entanto, esse mundo fictício ganha um significado por meio do mundo real circundante. As relações e as informações no mundo fictício são interpretadas mediante umaanálise feita à luz das informações do mundo real. Para a formação do que se compreende atualmente como estudo da signifi- cação e dos símbolos (semiótica), foram aplicadas as ideias de três escolas. Tais escolas fundamentaram suas bases no domínio da linguística, transformando-o em novos modos de leituras de outros textos comunicacionais, que vão além da esfera verbal. A primeira foi a escola de Praga, da década de 1930 e início da década de 1940, que desenvolveu o trabalho dos formalistas russos, fornecendo à semiótica uma base linguística aliada a noções visuais, bem como ao estudo da arte (Mukařovský), do cinema (Jakobson), etc. A segunda foi a escola de Paris, dos anos 1960 e 1970, que aplicou ideias de Saussure à fotografia, à A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda6 moda (BARTHES, 1999), ao cinema (Metz), etc. As ideias desenvolvidas por essa escola ainda são ensinadas em inúmeros cursos de estudos de mídia, arte e design, muitas vezes sob o título de “semiologia” e referindo-se a noções como: langue (língua) e parole (fala); significante e significado; sinais arbitrários e motivados; sintagma e paradigma e assim por diante. A terceira vertente, contestadora do primeiro tipo de semiótica e chamada de “semiótica social”, surgiu na Austrália, onde as ideias de Michael Halliday inspiraram os estudos de literatura (Threadgold, Thibault), semiótica visual (O'Toole, Kress e van Leeuwen), música (van Leeuwen) e outros modos semióticos (Hodge e Kress). Assim, da junção dessas teorias é que se consolida a semiótica visual, um ramo do campo da semiótica originário dos anos 1990. De Kress e van Leeuwen (1996, p. 1), no livro Reading Images: a grammar for visual design, afirmam o seguinte: Pretendemos fornecer inventários das principais estruturas de composição que se estabeleceram como convenções no curso da história da semiótica visual, e analisar como elas são usadas para produzir significado por criadores de imagem contemporâneos. A afirmativa toma como base a premissa de que os significados não são dados, mas construídos. O signo é o termo-chave em qualquer semiótica. Um signo é simplesmente qualquer coisa que represente outra coisa. O processo de “significar” é o ponto em que o significado é criado por meio da codificação (pela origem) e da decodificação (pelo receptor ou leitor). Mas o que não configura um signo? De acordo com Lester (2000, p. 64, tradução nossa), “[...] essa é uma boa pergunta porque quase qualquer ação, objeto ou imagem significará algo para alguém em algum lugar. Qualquer construto ou representação é um signo se tiver significado além do objeto em si”. Consequentemente, o significado por trás de qualquer signo deve ser aprendido. E também Umberto Eco (1985, p. 196) salientou: “[...] os signos estão correlacionados com o que eles são com base em uma regra ou convenção”. Assim, se sinais compreendidos pelo receptor ou pelo leitor forem usados em um anúncio, por exemplo, as imagens serão muito mais memoráveis e interessantes. Um sinal pode ser uma palavra, um som ou uma imagem visual. Saussure (2012) divide os signos linguísticos em dois componentes — o significante (o som, a imagem ou a palavra) e o significado (o conceito que o significante representa). O problema do significado surge do fato de que a relação entre o significante e o significado é arbitrária e convencional. Em outras palavras, signos podem significar qualquer coisa, inclusive coisas diferentes para pessoas 7A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda diferentes. A arbitrariedade é verdadeira na maior parte da linguagem escrita e falada; no entanto, é claro que os sinais visuais não são arbitrários. Peirce categorizou os padrões de significado nos signos como icônicos, simbólicos e indexicais, conforme esclarece Rose (2001, p. 78): Nos signos icônicos, o significante representa o significado aparentemente com uma semelhança. Esse tipo de signo é muitas vezes importante em imagens visuais, especialmente as fotográficas. Diagramas também são signos icônicos, pois mostram as relações entre as partes de seus objetos. Nos signos indexicais, existe uma relação inerente entre o significado e o significante. Índice baseado em contiguidade ou causalidade: por exemplo, fumaça como um sinal de fogo. Os signos simbólicos têm uma relação convencionalizada, mas claramente arbitrária, entre significante e signifi- cado, como no sinal “arbitrário” de Saussure: por exemplo, uma escala de equilíbrio é um símbolo da justiça. Em uma sociedade, o significado deste tipo de símbolo deve ser aprendido. Na semiótica visual, os signos icônicos se parecem com seu objeto; eles são sinais mais “motivados”. Os signos indexicais chamam a atenção para a coisa a que se referem. Já um exemplo de signo simbólico é uma rosa verme- lha, símbolo de paixão no Dia dos Namorados, que também significa amor. Em uma cultura diferente, todavia, essa cor de flor pode não significar os mesmos sentimentos. Os signos são denotativos e conotativos. Na semiótica, “denotação” e “conotação” são termos usados para descrever a relação entre o signi- ficante e o seu significado. Além disso, uma distinção analítica é feita entre dois tipos de significados: um significado denotativo e um signifi- cado conotativo (CHANDLER, [2017]). O significado inclui denotação e conotação. Na fotografia, o significado denotado é transmitido por meio da reprodução digital ou mecânica da imagem: um muro é um muro, por exemplo. A conotação é o resultado da intervenção humana, como câmera, ângulo, foco, cor, iluminação, profundidade de campo, efeitos especiais, etc. (TOMASELLI, 1996). O significado conotado é o meio pelo qual os diretores chamam a atenção para objetos e ideias que são “invisíveis” em um primeiro momento. Nesse caso, um muro pode se tornar uma barreira, um obstáculo, uma divisão, por exemplo. O mesmo vale para sons. Uma música é uma música, denotativamente falando; todavia, a escolha de uma melodia específica para compor uma peça audiovisual completa o seu significado de forma conotativa. A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda8 Você se interessou pela semiótica visual? Que tal aprofundar os seus conhecimentos com os fundamentos da gestalt? Saiba mais no link a seguir. https://qrgo.page.link/NvAf6 A propaganda é a alma do negócio As propagandas — e, num sentido mais amplo, toda a publicidade — desem- penham um papel fundamental no setor audiovisual. A receita publicitária é usada para fi nanciar a produção e a aquisição de programas populares e outros conteúdos audiovisuais. Portanto, contribui diretamente para o fi nanciamento dos serviços oferecidos. Como você sabe, hoje existem dispositivos de con- sumo híbridos. É o caso das smart TVs, que possibilitam assistir à televisão na mesma tela em que os serviços on-demand ou outros baseados na internet. O surgimento desses dispositivos, juntamente à crescente popularidade do consumo de conteúdo de mídia (em smartphones ou tablets), está criando novas oportunidades e modelos de negócios para anunciantes e provedores de conteúdo. Mas nessa nova relação com meios técnicos e tecnologias, o fazer audio- visual acabou por dar uma guinada nos últimos anos, especialmente devido à irrupção dos smartphones nos bolsos de quase todos os consumidores. Hoje, o computador (seja ele desktop ou portátil), deu lugar aos celulares e aos tablets. Todos esses dispositivos, sem exceção, possuem uma câmera que permite a captura de imagens estáticas e a gravação de vídeos. Assim, o mundo dos aplicativos permite que qualquer usuário faça retoques básicos de pós-produção na própria imagem capturada a partir de filtros pré-configurados (sem muitas possibilidades de manipulação, mas muito eficazes do ponto de vista visual). Da mesma forma, existem aplicativos que permitem criar efeitos especiais em vídeos gravados com a câmera do smartphone. Vive-se, portanto, em um mundo em contínua pós-produção:as pessoas podem retocar as suas fotos, os seus vídeos ou os seus áudios e, assim, convertê-los em produtos publicitários finais. 9A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda Quem tem esse perfil de criador audiovisual, ainda que atue de forma amadora, conhece e desenvolve interesse por esse novo modo de captar e representar a realidade. Segundo García Crego e García Fernández (2012), os novos criadores audiovisuais chegam às salas de aula e tomam a decisão, em alguns casos, de se dedicar à publicidade. Essas novas gerações de futuros anunciantes devem ser treinadas para lidar com todas as ferramentas que têm surgido e ser capazes de desenvolver um discurso por meio delas. Em outros casos, seria essencial que elas pudessem desmascarar as imposições da pós- -produção a fim de criar algo novo, inovador. Ou seja, a ideia é desenvolver o conhecimento para melhor utilizá-lo. Ficou curioso com a questão publicitária? Acesse o link a seguir para aprender mais sobre a evolução publicitária nas diferentes mídias. https://qrgo.page.link/6FyX3 O filme publicitário Todo fi lme publicitário tende a ser uma peça audiovisual que integra o plano de propaganda (mix de comunicação). Como tal, é uma ferramenta que ajuda a alcançar um objetivo específi co de marketing, bem como uma forma de arte, um gênero de fi lme e um fenômeno da cultura pop. De maneira geral, as peças audiovisuais com caráter publicitário são fil- mes de curta duração que têm como enfoque a narrativa persuasiva. Assim, “Todos os comerciais são criados com a intenção de informar, persuadir e por fim motivar seu público-alvo à ação — o que se traduz, na maior parte das vezes, na compra de um produto ou serviço” (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 19). Na televisão, os filmes publicitários são exibidos em intervalos comerciais durante ou entre programas, enquanto na internet costumam ser engatilhados antes de outros vídeos ou no espaço entre vídeos. As peças audiovisuais publicitárias podem ser divididas em três categorias. Veja a seguir. A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda10 Vendas: peças cujo foco está nos atributos específicos do produto ou serviço e que têm como objetivo estimular a preferência pelo produto ou o desejo de adquiri-lo. Construção de imagem: o foco se dá na criação de uma aura ou imagem para o produto, serviço ou empresa. É a dita “[...] propaganda que vende ideias” (BARRETO, 2010, p. 7). Tem como objetivo primário induzir o consumidor a fazer associações positivas em relação ao produto, serviço ou empresa. O objetivo secundário é a venda. Anúncio de utilidade pública: o foco é informar ou persuadir o público. Não possui objetivo comercial. Apesar de integrarem um gênero razoavelmente estável, as peças audiovi- suais publicitárias tendem a variar amplamente em questão de apelo e formato. Existem milhares de temas e diversas variações e combinações possíveis. Todavia, de maneira geral, cada peça audiovisual comporta uma narrativa, uma história, a qual, fazendo uso de imagem e som, delimita o modo como o conceito propagandeado é apresentado à audiência. Com relação às questões de estilo, ou seja, às formas de realização das peças, há normalmente quatro linhas de abordagem e orientação, como você pode ver a seguir. Peça orientada para o produto: o enfoque está na demonstração ou apresentação do produto. É considerada eficaz no caso de produtos que apresentam um atributo único e passível de comprovação. Nesses casos, o produto, bem ou serviço apresentado é a estrela do comercial. Outra maneira é trabalhar com a comparação do produto com seus concorrentes. Essa abordagem é recomendada quando tudo que for mostrado for passível de comprovação. As características do produto/ serviço são o foco central. Vale ressaltar que, por questões de lógica e objetividade, é mais fácil comparar características quantitativas do que características qualitativas, sujeitas à interpretação subjetiva. Peça orientada para o indivíduo: trabalha com o apelo emocional e a identificação. Nessa esfera, encontram-se as peças testemunhais, nas quais pessoas comuns — com certa desenvoltura — aparecem contando suas experiências em relação ao que se pretende vender. Torna-se uma forma eficaz quando a audiência se identifica com o indivíduo e o problema que ele enfrenta. O foco se dá na pessoa, cuja credibilidade 11A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda e cujo apelo constituem a força da venda em potencial. Nesse tipo de orientação, também se pode trabalhar com a figura de um apresentador, uma espécie de porta-voz. Nesses casos, uma pessoa é eleita para virar a “cara do produto” (seu apresentador). Assim, a audiência passa a associar o produto a essa pessoa específica. Esse é um dos temas mais antigos explorados pela publicidade. Uma variante do apresentador pode ser a celebridade. Nesse caso, uma celebridade faz as vezes do apresentador, o que garante maior apelo popular. Todavia, a escolha de celebridades para representar uma marca ou produto possui seus prós e contras, baseados na opinião da audiência a respeito da celebridade em questão. Por fim, ainda se pode trabalhar com o formato chamado slice of life (recorte da vida), no qual há a inclusão do produto em cenas do cotidiano. Esse formato consiste, basicamente, em observar alguém utilizando o produto. Esse é um meio sutil de mostrar tanto o produto como o público-alvo de uma só vez e de forma verossímil. Peça orientada para a história: nesses casos, há uma dramatização, ou seja, há um filme com características cinematográficas que conta a história de determinado personagem. A mensagem de venda, em geral, é conferida por um narrador não envolvido na dramatização (off camera). Em casos menos frequentes, a mensagem de venda é apresentada pelos atores do filme (on camera). A questão da dramatização precisa ser muito bem planejada para que a interpretação da audiência siga na direção desejada. Para evitar percalços subjetivos, pode-se optar por trabalhar com narração. Assim, um narrador conta a história que está sendo dramatizada enquanto anuncia o produto, direcionando de forma mais objetiva a interpretação da audiência. Peça orientada para a técnica: essa é a categoria que tende a flertar mais com a produção artística e subjetiva. Normalmente, trabalha com conceitos lúdicos, com caracterizações e enredos criativos. Também ocorre o uso de analogias: o produto é comparado (por analogia) a outro objeto/sujeito, o qual é o centro do comercial. Outro formato comum são os vídeos musicais. Nestes, há a compra de direitos autorais de uma música para a identificação com o produto. Trabalha-se assim com a alta popularidade, visto o apelo da combinação poética da música com a imagem, que busca conferir resultados mais eficazes à consolidação da marca. A análise semiótica de peças audiovisuais na propaganda12 Para compreender melhor, confira as peças publicitárias disponíveis nos links a seguir. Elas exemplificam cada uma das abordagens. Orientada para o produto: https://qrgo.page.link/pb3ES Orientada para o indivíduo: https://qrgo.page.link/Lt7h9 Orientada para a história: https://qrgo.page.link/gaWaF Orientada para a técnica: https://qrgo.page.link/KpruH A publicidade audiovisual pode se apresentar no formato tradicional de comercial de televisão, bem como em outros formatos mais diferenciados, como o chamado product placement — em que um produto é inserido em uma narrativa audiovisual. Ela aparece em filmes, novelas, programas televisivos e mídias digitais, ou mesmo no branded content — a criação de conteúdo audiovisual com o intuito de criar uma experiência de marca. Em todas as suas vertentes, o filme publicitário se importa com o mesmo paradigma: promover o diálogo entre o espectador e o seu repertório. BARRETO, T. Vende-se em 30 segundos: manual do roteiro para filme publicitário. São Paulo: Senac, 2010. BARTHES, R. Rhetoric ofthe image. In: EVANS, J.; HALL, S. (ed.). Visual culture: the reader. 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Além disso, você vai compre- ender que, além dos elementos básicos visuais (morfológicos, dinâmicos e escalares), que constituem essa linguagem, existe o contexto social, verbal, visual e/ou verbo-visual. Este se caracteriza como fundamental na leitura crítica de uma imagem, pois ele nos dá pistas dos sentidos que são produzidos e compreendidos. Ora, ao falarmos em visual, não nos referimos apenas a uma linguagem. Isso é extremamente importante e deve ser destacado; mas, além de colocar o visual nesse lugar e reconhecê- -lo como uma linguagem, assim como já se apreende do verbal, é preciso compreender o imagístico também como um discurso. Por fim, você vai fazer a leitura de um panorama geral sobre as di- versas linguagens visuais que são engendradas e difundidas pela esfera midiática, tais como a fotográfica e a de vídeo. Essa discussão ampla é importante para lermos e analisarmos de forma mais crítica os conteúdos visuais produzidos pelos meios de comunicação. U N I D A D E 4 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 1 19/06/2018 15:45:20 A linguagem visual Desde os primórdios da existência humana, nos comunicamos por linguagem visual. E isso não diz respeito apenas às ditas e famosas imagens das cavernas pré-históricas: a gestualidade corporal e as mímicas também fazem parte da visualidade. Aliás, a própria escrita não deixa de ser uma representação visual de um alfabeto e um texto, não é mesmo? Assim, para início de discussão, é preciso se concentrar no que signifi ca a terminologia linguagem visual, pois muitos a restringem ao domínio midiático – embora este seja um importante disseminador –; e, ainda, outros a opõem à linguagem verbal – o que é uma falsa oposição, conforme explica Joly (2007 [1994]), uma vez que o escrito participa da construção do visual, ou seja, verbal e visual são linguagens inter-relacionadas. De maneira geral, pode-se dizer que dentro do universo do visual fala-se majoritariamente na imagem. Esta, contudo, apresenta numerosos sentidos e pode ser produzida também por inúmeras formas: ela pode dizer respeito ao filme E.T., de Steven Spielberg; a uma tira de Mafalda; à marca Nike; à pintura Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, às fotografias humanistas de crianças tiradas por Sebastião Salgado, a uma imagem mental concebida por um sujeito, entre muitas outras formas visuais. Dito de outro modo, são e podem ser muitas as produções imagísticas que fazem parte do visual e/ou do mental. Interessante, a esse respeito, que a partir dessa caracterização fica mais fácil determinar a existência de uma diversidade de imagens diferentes, como as da esfera midiática (como as fotográficas e as cinematográficas), as da esfera científica (como as apresentações visuais do corpo humano), as da esfera psíquica (como as visões e as fantasias que são de âmbito mental) etc. A noção de esfera, trazida neste capítulo, é empregada conforme a reflexão trazida pelo pensador russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975). Embora esse autor não seja do campo da semiótica, suas reflexões são importantes para se pensar questões gerais no tocante à filosofia da linguagem e à produção linguageira e discursiva do homem, ou seja, tudo o que envolve a produção de sentido. Assim, para esse autor, nós nos comunicamos por meio de gêneros (o diálogo, a notícia, a publicidade televisiva, a aula, a missa, o artigo científico, o romance etc.), os quais estão presentes e compõem as diversas esferas sociais. Essas são caracterizadas pelo autor como os numerosos “espaços” sociais de atividade humana, em que o homem interage e atua, tais como: a cotidiana, a jornalística, a publicitária, a escolar, a acadêmica, a religiosa, a científica, a literária etc. Fonte: Bakhtin (2003 [1952-1953]). Constituição da linguagem visual por meio da semiótica2 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 2 19/06/2018 15:45:20 Logo, é preciso, de antemão, reconhecer a variedade de imagens que existe e circula na sociedade. A depender do meio em que é produzida e do fim e/ ou propósito a que se liga, ela apresentará características e funcionamentos específicos. Além disso, ao fazer isso, passaremos a ver a imagem não como um auxiliar da comunicação, mas como uma linguagem específica, que tem valores “próprios”; e, por isso, que merece ser reconhecida como tal. É nesse sentido que a reflexão sobre a terminologia linguagem visual precisa ser repensada e significada. Nesse contexto, o campo da semiótica mostra-se relevante para tal tarefa, uma vez que coloca a imagem como representação imagética, signo, porque é produtora e mediadora de sentidos. A noção de imagem à luz da semiótica De acordo com Santaella e Nöth (1997), o visual, assim como o verbal, é um signo, porque produz sentidos. Dito de outro modo, a imagem constitui uma representação sígnica de uma “coisa” (concreta ou não) para “alguém” (concreto ou não). Contudo, é importante destacar que até chegarmos nessa caracterização, a noção de imagem se encontra semanticamente determinada por dois caminhos: o primeiro apresenta a imagem como direta, perceptível e existente; o segundo, como da ordem do mental que é evocada por nós diante da presença de estímulos visuais ou não. Essa dualidade semântica, a qual caracteriza a imagem como percepção, de um lado, e como imaginação, de outro, conforme apresentam esses autores, está relacionada ao pensamento da sociedade ocidental. O filósofo grego Platão trouxe influências notórias para essa reflexão sobre os sentidos da palavra imagem. De acordo com Joly (2007 [1994]), encontramos uma das primeiras definições sobre a imagem em Platão, mais especificamente em sua obra A República (2018[375/381 a.C.], p. 292). Nesse livro, o pensador apresenta as imagens como um objeto secundário, ou seja, uma sombra e um reflexo na água ou na superfície de um corpo opaco a partir da fala de Sócra- tes: “Denomino imagens primeiramente às sombras, depois aos reflexosque se veem nas águas ou na superfície dos corpos opacos, polidos e brilhantes, e a todas as representações semelhantes”. Essa reflexão nos permite pensar que o filósofo grego colocava a linguagem verbal em um primeiro plano de importância, uma vez que as imagens, como sombras, reflexos e opacidades, constituiriam uma representação segunda. 3Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 3 19/06/2018 15:45:20 No Mito da Caverna, texto que é encontrado no volume 7 da obra A República, Platão faz uma reflexão sobre o mundo visível a partir das sombras que representam os “véus” do mundo ideal. Dito de outro modo, para ele a imagem do mundo vivido representa sombra e escuridão. Assim, para alcançar a iluminação, isto é, ingressar no mundo ideal, é preciso observar verdadeiramente as coisas. E isso só pode ser feito se sairmos do mundo da “caverna”, pois este é o da verossimilhança, ou seja, não é o verdadeiro. O mundo da caverna é a imagem, uma representação segunda, do mundo das ideias, do mundo ideal, do mundo “verdadeiro”. Apesar disso, é por meio da caverna que o sujeito pode se desfazer desse mundo de sombras e acessá-lo como um instrumento de filosofia, de conhecimento, para alcançar o mundo ideal. Fonte: Platão (2018 [375/381 a.C.]). Essa relação de oposição entre imagem e objeto referenciado ainda reflete a caracterização da imagem na atualidade. Conforme a tipologia de Mitchell (1986, p. 10 apud SANTAELLA; NÖTH, 1997), existem as imagens gráficas (desenhos, pinturas, esculturas), as imagens óticas (espelhos, projeções), as imagens perceptíveis (ideias, fenômenos), as imagens mentais (sonhos, fantasias, ideias) e as imagens verbais (metáforas, descrições). Percebe-se, assim, que a noção de imagem oscila entre o mental e o visual, o imaginário e o concreto, imaginação mental e representação visual. Nesse sentido, a imagem é caracterizada como um signo que representa o mundo visível quanto a si mesma. Para Santaella e Nöth (1997), essa relação dicotômica ou esse duplo campo semântico, cuja noção de signo une, se reflete na semiótica da imagem quando se faz referência à dicotomia signo icônico (icônico/figurativo) versus signo plástico (pictural/plástico/abstrato). Quando se trata da imagem dentro das características de semelhança e imitação – que datam, inclusive, desde a época de Santo Agostinho (354 d.C. – 430 d.C.) –, estamos diante da imagem classificada como um signo icônico (SANTAELLA; NÖTH, 1997). É importante lembrar que o ícone, para a semiótica de Peirce, é um tipo de signo que tem uma relação analógica, geralmente de similaridade, com o objeto (ou o referente) que representa. Conforme discutem Santaella e Nöth (1997), existem ressalvas em relação a essa classificação: primeiro, há restrições no que diz respeito à iconicidade de uma imagem, restrições essas que se relacionam a questões históricas, estilísticas e convencionais; segundo, quando tratamos de pinturas como as Constituição da linguagem visual por meio da semiótica4 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 4 19/06/2018 15:45:21 abstratas, que são elaboradas sem uma necessária função icônica, estas se aproximam mais dos signos plásticos; terceiro que, se determinamos que as imagens representadas são ícones, ou seja, que apresentam relação de mímesis com o objeto representado, é preciso destacar que há signos icônicos que não são imagens visuais. Para Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 1997), existem formas acústicas, táteis, olfativas ou conceituais que apresentam semelhança de qualidade sígnica. E porque essa classificação da imagem como ícone é tão premente na nossa sociedade? Para Santaella e Nöth (1997), dentro de um paradigma triádico de signo, o signo da imagem é constituído por um significante visual (chamado de representamen), o qual referencia um objeto (ausente) e evoca um significado ou uma ideia de objeto no espectador/observador (interpretante). Como a característica de semelhança leva o espectador/ observador a relacionar esses três elementos que constituem o signo, fica mais fácil compreender o porquê de a noção de imagem aparecer como esses três elementos para o sujeito (Figura 1). Logo, como o signo imagem pode ocupar cada uma dessas posições, isso reflete na polissemia do uso do termo imagem e traz dificuldade em sua definição. Figura 1. Modelo triádico a partir do conceito de imagem como os três constituintes. Quando se trata da imagem como um signo plástico, esse conceito leva a semiótica a compreender a própria imagem como não representando coisa alguma. Há também, conforme apontam Santaella e Nöth (1997), restrições a essa classificação, uma vez que existem imagens icônicas que podem ser vistas como signos plásticos. Por exemplo, nos enunciados “Lorenna usa um vestido da cor vermelha” e “O vestido de Lorenna representa a cor vermelha”, observamos caracterizações sígnicas distintas: no primeiro, a cor vermelha do vestido usado por Lorenna representa um signo plástico; já no segundo, o 5Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 5 19/06/2018 15:45:21 vestido da cor vermelha dela representa um signo icônico. Para Edeline et al. (1992 apud SANTAELLA; NÖTH, 1997), os signos plásticos fazem referência ao índice e ao símbolo. Em Peirce, o índice é um signo que apresenta uma relação direta com o objeto que o produziu (tal como as pegadas na areia, já que essas indicam que alguém estava andando pela praia); e o símbolo, uma relação convencional com o objeto que o gerou (tal como as palavras faladas ou escritas de uma língua). Toda essa discussão nos mostra o quão é difícil de determinar de forma precisa uma classificação da imagem, tendo em vista que o significado depende do observador/espectador e da sua relação com o signo imagístico. E, além disso, como reflete a semiótica peirceana, o signo é produzido numa circularidade que não deve ser descartada e reduzida a uma forma esquemática. Os sentidos produzidos pela linguagem visual Conforme discute Barthes (1990, p. 27) sobre a retórica da imagem, a etimo- logia antiga da própria palavra imagem a relaciona à raiz imitari. A partir dessa refl exão, o autor afi rma que chegamos ao problema mais importante do que ele chama de semiologia das imagens, a saber, se a cópia pode real- mente produzir signos e não somente dizer respeito a conjuntos aglutinados de símbolos. Nesse contexto de discussão, o autor traz uma outra questão à tona: a relação da imagem com a produção de sentidos. Assim, ele afi rma que há aqueles que consideram a imagem como “um sistema muito rudi- mentar em relação à língua”, enquanto outros pensam que “a signifi cação não pode esgotar a riqueza indizível da imagem”. Desse modo, evoca-se uma ontologia do sentido: é possível sabermos até que ponto é produzido sentido na e pela imagem? Para esse debate, o qual traz a ideia de uma possível ontologia do sentido, outrora evocada por Barthes (1990), se faz necessário discutir sobre dois pontos que norteiam a produção sígnica do discurso visual: 1) os elementos que caracterizam a especificidade da linguagem visual (tais como cor, linha, ponto etc.); e 2) o contexto social e verbo-visual (este pode ser construído pela linguagem verbal, pela própria linguagem visual e/ou pela relação verbo-visual). Poder-se-ia citar ainda outras possibilidades que influenciam na produção de sentidos de uma “mensagem” visual, contudo por agora damos destaque a apenas esses dois pontos supracitados. Constituição da linguagem visual por meio da semiótica6 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 6 19/06/2018 15:45:21 Os elementos que constituem a linguagem visual Conforme discutem Lencastre e Chaves (2007), do mesmo jeito que aprendemos a ler, isto é, que somos alfabetizados em uma língua, aprendizado este que é longo e necessário para boa parte das nossas sociedades(já que são, em sua maioria, letradas), é preciso aprender a ver e a analisar uma imagem. É o que o autor refl ete e traz como alfabetismo visual. Ora, se com a nossa imersão no mundo digital se levanta a necessidade de um inevitável aprendizado da ferramenta da internet, o que exige um alfabetismo digital, e no que diz respeito ao alfabetismo visual? Este é também fundamental e não pode ser colocado em um plano secundário. Desse modo, esses autores trazem que é preciso educar para aprendermos a analisar as mensagens visuais; e também educar para que a gente possa compor mensagens misturadas com linguagens diversas (por exemplo, o áudio com o visual, o qual constitui uma mensagem audiovisual). Portanto, há uma gramática da imagem que apresenta leis e que solicita uma alfabetização (LENCASTRE; CHAVES, 2007). A esse respeito, Lencastre e Chaves (2007) fazem referência aos estudos de Dondis (1999 [1973]) e Vilafañe (1985). O primeiro apresenta a constituição da linguagem visual por meio de elementos considerados essenciais para a formação do visual, que são: ponto, linha, forma, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento. Já o segundo, além de considerar os elementos citados por Dondis (1999 [1973]), adiciona mais alguns elementos básicos da linguagem visual e, em seguida, os reúne em três grandes grupos, a saber: os elementos morfológicos; os elementos dinâmicos; e os elementos escalares (VILAFAÑE, 1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). Compreender tais elementos é importante para se adquirir um maior co- nhecimento comunicacional sobre o potencial sígnico, o funcionamento e a constituição da linguagem visual. Vamos a eles. Os elementos morfológicos Os elementos morfológicos possuem uma natureza espacial. Eles constituem a estruturação do espaço plástico, podendo gerar diferentes relações plásticas. Desse modo, se caracterizam como morfológicos o ponto, a linha, o plano, 7Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 7 19/06/2018 15:45:21 a textura, a cor, a forma e o tom. Cada um desses é abordado aqui de forma breve a partir do que expõem Vilafañe (1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) e Dondis (1999 [1973] apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). O ponto se caracteriza como o elemento icônico mais simples do visual. No entanto, ele pode ser representado de várias formas, ou seja, ele pode aparecer na comunicação visual como um círculo bem pequeno, um círculo pontiagudo, um círculo mais próximo do quadrado etc. De maneira geral, contudo, ele nos parece ser mais facilmente determinado porque é redondo. A linha surge quando os pontos aparecem bem próximos uns dos outros, o que torna difícil identificar cada um. Assim, com essa proximidade entre os pontos, constrói-se uma sensação de direção que é dada pela linha. Esta é, assim, o produto do ponto porque gerada por ele. Também a linha pode se apresentar de numerosas formas: reta e precisa, ondulada, linear, grosseira, fina e delicada etc. O plano é por si mesmo espacial. Ele suporta a imagem e caracteriza o espaço imagístico composicional. Os elementos morfológicos, além dos dinâmicos e escalares (conferir explanação mais adiante), são nele organizados e representados de maneira bidimensional. A textura é o elemento que, por estar relacionado ao tato, o substitui. A textura se dá quando o traçado que é feito no plano tem uma certa constância (por exemplo, o traço se repete igualando-se no todo ou varia de forma sistemática). Tal traço pode se manifestar de maneira entrecruzada, ponteada, tracejada, firme, imprecisa etc. O relevo, que é dado aos objetos representados no plano, é construído pela textura. A cor se caracteriza como uma manifestação visível de energia de luz. Embora a cor seja um processo físico-químico, no sentido em que envolve as células da retina do olho, ela é um fenômeno que atrai a curiosidade de muitos olhares. Ora, já se sabe que não existe cor nos objetos e nas coisas, mas na luz: “[...] a cor de um objeto é aquela que corresponde à cor refletida pela luz que incide nesse objeto” (LEN- CASTRE; CHAVES, 2007, p. 1167). A cor faz parte de uma de nossas experiências sensoriais e carrega, ao longo da história, diversos signi- ficados simbólicos. Além disso, a sua mistura e composição no plano da representação é um elemento informativo importante e de grande valor para o visual. A forma é construída pela linha. Ela é importante também porque não diz respeito apenas ao formato do objeto, mas as suas características, Constituição da linguagem visual por meio da semiótica8 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 8 19/06/2018 15:45:21 as quais podem variam conforme a posição em que ele está e a posição em que o sujeito assume ao contemplar esse mesmo objeto. O tom se refere à claridade ou obscuridade da coisa. Dito de outro modo, o tom diz respeito à variação de luz, uma vez que ela não se propaga e irradia do mesmo jeito em um mesmo espaço e diante de um mesmo objeto. Esse elemento é bastante usado para criar uma ilusão do “real”. A primeira publicação sobre a dita “cegueira de cor”, a qual tornou-se posteriormente conhecida pelo termo daltonismo, foi resultado da contribuição do cientista britânico, pioneiro no desenvolvimento da teoria atômica moderna, John Dalton (1766-1844). Membro da Sociedade Filosófica e Literária de Manchester (Manchester Literary and Philosophical Society), Dalton publicou o seu artigo a partir da descrição dessa condição descoberta na sua visão e na do seu irmão. Essa condição se caracteriza pela impossi- bilidade de diferenciar de uma a mais de três cores, tais como vermelho, verde e azul. A descoberta do daltonismo foi considerada a sua primeira contribuição à sociedade. Fonte: Adaptado de Ross (2018) e Colour Blindness (2018). Os elementos dinâmicos Os elementos dinâmicos possuem, assim como os morfológicos, uma natureza espacial. De maneira geral, são mais perceptíveis no tocante às imagens em movimento, contudo eles podem ser explorados de maneira diversa nas imagens fi xas. Desse modo, se caracterizam como dinâmicos o movimento, a tensão, o ritmo e a direção. Cada um desses é abordado aqui de forma breve a partir também do que expõem Vilafañe (1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) e Dondis (1999 [1973] apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). O movimento corresponde a um dos elementos que auxilia na criação da dinâmica de uma imagem. No caso de imagens fixas, a ilusão de movimento pode ser criada a partir de um efeito de arrastamento de todos os objetos presentes no plano da imagem; e da perspectiva de panorâmica que se dá quando, ao se enfocar em um objeto que está em movimento, coloca-se os outros objetos numa perspectiva de arrastamento. A tensão é também um elemento dinâmico, uma vez que, mesmo nas imagens fixas ou estáticas, esta pode ser obtida por meio do jogo das 9Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 9 19/06/2018 15:45:22 proporções, da orientação do objeto/do plano, do contraste de cores, da construção da profundidade etc. O ritmo é também um elemento dinâmico porque deriva da percepção sobre a composição da estrutura e a repetição de elementos contida na imagem. A direção, que pode ser horizontal, vertical, diagonal, curvilínea, oblíqua etc., é um elemento importante que produz muito sentido no discurso visual: uma imagem que apresenta uma direção horizontal e vertical, por exemplo, pode construir e remeter noções de estabilidade e equilíbrio (referência primária do homem). No caso de uma direção diagonal, a imagem pode fazer referência à noção de instabilidade. Já as direções curvas remetem em geral à repetição. Os elementos escalares Os elementos escalares dizem respeito ao aspecto quantitativo e à natureza relacional da imagem. Desse modo, se caracterizam como escalares a escala, a proporção, o formatoe a dimensão. Cada um desses é abordado aqui de forma breve ainda a partir do que expõem Vilafañe (1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) e Dondis (1999 [1973] apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). A escala constrói uma relação entre os objetos da imagem e o dito “real”. Esse elemento nos permite ampliar ou reduzir um objeto sem alterar as suas propriedades estruturais. Assim, por meio da escala se estabelece uma relação entre o tamanho da imagem e o seu objeto referenciado no “real” (por exemplo, as plantas de um prédio elaboradas por um arquiteto). A proporção constrói uma relação entre as partes e o seu “todo”. A função mais importante desse elemento é construir ritmo na imagem fixa, pois ela “é a expressão da ordem interna da composição” (LEN- CASTRE; CHAVES, 2007, p. 1169). O formato constrói uma relação entre o vertical e o horizontal. Dito de outro modo, esse elemento se relaciona à proporção entre os lados da imagem. Falamos em vertical e horizontal aqui, tendo em vista que esses são os mais utilizados, embora existam outros tipos de formatos (redondo, triangular etc.). A dimensão constrói uma relação entre o tamanho a ser representado e a legibilidade a ser construída (ou não) da imagem. No tocante a imagens Constituição da linguagem visual por meio da semiótica10 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 10 19/06/2018 15:45:22 bidimensionais, a dimensão depende da ilusão. Isso significa dizer que a dimensão do objeto pode nos oferecer pistas da profundidade, uma vez que o objeto que está mais perto do nosso olho parece ser maior que aquele que está mais longe. O contexto social e verbo-visual Além dos elementos citados anteriormente, os quais são importantes como pontos de partida para interpretar a composição e a especifi cidade da lin- guagem visual, é importante fazermos referência ao contexto. Para tal, é preciso partir e alargar a refl exão oferecida pela semiótica e dialogar com a refl exão fi losófi ca de Bakhtin (2003 [1952-1953]) sobre a importância do contexto na interpretação de qualquer discurso, seja ele verbal, visual e/ou verbo-visual. Nos estudos semióticos, parte-se da ideia básica de que não há signo sem contexto. Dito de outro modo, a existência de um signo já aponta para um contexto específico. Este se relaciona a um determinado grupo social. Assim, qualquer representação sígnica é marcada por uma cultura e um processo histórico e social. Por meio das reflexões trazidas por Bakhtin (2003 [1952- 1953]), podemos estudar tanto a linguagem verbal como a visual como dis- cursos, ou seja, assim como o verbal, o visual produz sentidos que não estão postos ou já-dados em uma imagem, mas são construídos no momento em que estabelecemos contato com ela. Esses sentidos variam de acordo com o momento do observador e conforme as experiências e expectativas que estabelece com o visual. Afora o contexto social, é relevante ainda mencionar que há imagens que constituem o próprio contexto do visual. Santaella e Nöth (1997) trazem uma interessante reflexão a esse respeito. Para esses estudiosos da semiótica, as imagens também funcionam como contextos que determinam a interpretação de uma imagem específica. A relação estabelecida pode ser de contiguidade (por exemplo, fotos de jornal) ou de sequência (por exemplo, as imagens em um filme). Em relação à contiguidade, Thibault-Laulan (1971 apud SANTA- ELLA; NÖTH, 1997) indica que podemos encontrar efeitos semânticos de atribuição (por exemplo, quando imagens são dispostas uma ao lado da outra) e de implicação (por exemplo, quando imagens são organizadas em ordem cronológica). Isso nos leva a refletir sobre o seguinte: o contexto da imagem pode ser verbal, mas não precisa ser. 11Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 11 19/06/2018 15:45:22 As linguagens visuais da esfera midiática Como sabemos, não existe apenas um único tipo de linguagem visual. Embora interajamos cotidianamente mais com a fotografi a e a TV, há numerosos tipos de linguagens visuais, tais como: o desenho, a pintura, a escultura, entre muitas outras. A esse respeito, é importante destacar que foi a partir do desenvolvimento da linguagem visual fotográfi ca e de vídeo que o campo de estudos da imagem se expandiu. Além disso, o desenvolvimento da tecnologia digital também ampliou as possibilidades de analisar a imagem, não só no que diz respeito à fotografi a e ao vídeo (tecnologia) digital, linguagens que estão cada vez mais presentes nas nossas vidas; esse campo se expandiu também em virtude dos impactos que têm provocado na sociedade. Atualmente são tantas as possibilidades de explorar o visual que é comum, ao assistirmos a uma exposição de arte no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo), por exemplo, nos depararmos com o uso de diversos recursos visuais digitais como constituintes importantes para aquela exposição. Qual seja o tipo de linguagem visual, todas são de interesse comum do campo da semiótica. Assim, vários trabalhos sobre a imagem nas áreas de publicidade, jorna- lismo, cinema e TV foram e têm sido feitos a partir do olhar da semiótica. Sobre tais estudos, faz-se necessário três ressalvas. Primeiro, que podem ter fins e resultados os mais diversos, uma vez que a análise de uma mesma fotografia publicada na capa de um jornal e de uma revista impressa produzirão efeitos de sentido diferentes, seja em função do suporte (que não é o mesmo), seja em função do público-alvo e dos objetivos a serem atingidos. A segunda diz respeito ao seguinte: quando falamos em linguagens visuais produzidas e veiculadas pela esfera midiática, não estamos apenas nos referindo às expres- sões visuais trazidas pelo meio televisivo ou produzidas a partir do conteúdo publicitário. Conforme Joly (2007 [1994]) discute, imagem não é igual à televisão ou publicidade. Precisamos, portanto, ir contra esse amálgama. Realizar um amálgama entre essas formas de expressão visuais traz dificul- dades também para uma interpretação do próprio signo imagístico. A terceira, também trazida por meio do olhar teórico de Joly (2007 [1994]), refere-se à confusão entre imagem fixa e imagem animada; muitos compreendem que a imagem da atualidade é a imagem midiática apenas e que, além disso, essa imagem midiática é principalmente a TV e/ou o vídeo. Contudo, esse tipo de afirmativa não deve ter espaço numa leitura crítica da mídia e da imagem de maneira geral; pois nos próprios meios de comunicação circulam variadas formas de construção visual, tais como a pintura, a gravura, o desenho e a própria fotografia (Figura 2). Constituição da linguagem visual por meio da semiótica12 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 12 19/06/2018 15:45:22 Figura 2. A linguagem visual do vídeo da câmera digital abre novas possibilidades de estudo para o campo da semiótica, uma vez que produz novas formas do sujeito interagir com o conteúdo gravado e veiculado instantaneamente. Este ainda servirá com fins de conteúdo jornalístico, de divulgação do produto em redes sociais etc. Fonte: rzoze19/Shutterstock.com. Há ainda outras linguagens ou formas de expressão visuais que podem circular, e muitas vezes circulam, pela esfera midiática: é o caso do teatro, em que os atores representam personagens por meio da atuação, das vestimentas, da performance, do tom da voz e/ou da postura do corpo. É preciso lembrar que as novelas televisivas sofreram influência do teatro. Também é o caso da moda, uma vez que as roupas que escolhemos para usar são elementos que nos ajudam na constituição da nossa identidade e imagem. A moda, inclusive, já foi estudada por Roland Barthes (1915-1980) em sua famosa obra Sistema da Moda, datada de 1967. Por meio da linguística semiológica de Ferdinand de Saussure (1857-1913), Barthes descreve a linguagem da moda. Nessa linha, talvez possamos citar ainda o visagismo como uma forma de linguagem visual individualizadaque vem surgindo e torna-se uma forte tendência na atualidade. Essa linguagem visual se caracteriza como uma forma de construir a imagem visual de cada sujeito a partir de técnicas que explorem o potencial de beleza de cada um. Então, assim como a moda, a valorização e construção de uma imagem personalizada de cada sujeito vem crescendo e circulando nas mídias sociais. Além disso, nos meios de comunicação que se dedicam à cobertura jornalís- tica, nos deparamos com uma forte presença da linguagem visual fotográfica, 13Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 13 19/06/2018 15:45:22 no caso do impresso, e/ou de vídeo, no caso do jornalismo televisivo. Um mesmo assunto, pautado como notícia no veículo impresso e televisivo, nunca é o mesmo: as imagens utilizadas na sua cobertura vão construir sentidos diferentes, tendo em vista que a própria composição visual – afora o objetivo que pode variar de veículo impresso para veículo impresso – é diversa. No tocante à publicidade, que é um conteúdo e não um suporte (JOLY, 2007 [1994]), já que pode estar vinculada à TV, ao rádio, aos meios impressos, aos suportes digitais (por exemplo, blogs e redes sociais), a imagem é sua linguagem e meio de expressão fundamental. O conteúdo visual elaborado pela publicidade é, inclusive, objeto de grande interesse da semiótica, uma vez que, por se ligar à engrenagem econômica do capitalismo, é explorado por meio de numerosas estratégias para alcançar os seus objetivos, que são convencer os consumidores a adquirir o produto e/ou serviço. 1. A respeito da discussão da noção de imagem, marque a alternativa que corretamente a define pelo olhar da semiótica: a) A imagem se caracteriza fundamentalmente como mímesis. b) A imagem se caracteriza fundamentalmente como plasticidade. c) A imagem se caracteriza fundamentalmente como signo. d) A imagem se caracteriza fundamentalmente como semelhança. e) A imagem se caracteriza fundamentalmente como simbolismo. 2. Acerca dos elementos morfológicos, dinâmicos e escalares que podem constituir a linguagem visual, marque a alternativa correta a seguir. a) Os elementos morfológicos dizem respeito à natureza espacial da imagem. b) Dentre os elementos dinâmicos, encontramos o ponto e a linha. c) Os elementos escalares incluem a noção movimento da imagem. d) Dentre os elementos morfológicos, encontramos o movimento e a tensão. e) Os elementos escalares dizem respeito ao aspecto espacial da imagem. 3. Quais são os dois elementos principais que guiam a constituição da linguagem visual da imagem de um projeto arquitetônico? Fonte: Hitdelight/Shutterstock.com. Constituição da linguagem visual por meio da semiótica14 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 14 19/06/2018 15:45:23 a) Cor e ponto. b) Ponto e textura. c) Textura e movimento. d) Movimento e proporção. e) Proporção e escala. 4. Qual alternativa traz o(s) contexto(s) necessário(s) para a análise da imagem a seguir? Fonte: rudall30/Shutterstock.com. a) Contexto verbal. b) Contexto verbo-visual. c) Contexto visual. d) Contexto social e visual. e) Contexto social e verbal. 5. Sobre as várias linguagens visuais geradas e em circulação pela mídia, marque a alternativa correta. a) O termo imagem significa o mesmo que imagem televisiva e publicitária. b) O desenvolvimento da tecnologia digital reduziu as possibilidades de estudo da imagem. c) A imagem veiculada na revista e na TV produz os mesmos sentidos. d) A imagem da atualidade diz respeito à imagem animada midiática. e) A pintura e a fotografia são linguagens visuais encontradas na mídia. BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1952-1953]. p. 261-306. BARTHES, R. A retórica da imagem. In: BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios sobre fotografia, cinema, teatro e música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 27-43. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Ed. 70, 2007 [1994]. LENCASTRE, J. A.; CHAVES, J. H. A imagem como linguagem. In: BARCA, A. et al. (Ed.). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. Coruña: Universidade da Coruña, 2007. p. 1162-1173. Disponível em: <http://repositorium.sdum. uminho.pt/bitstream/1822/26093/1/Lencastre_A_imagem_como_linguagem_Ga- laico2007.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2017. PLATÃO. A República. 2018. [375/381 a.C.]. Disponível em: <http://www.eniopadilha. com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2018. SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997. 15Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 15 19/06/2018 15:45:24 Leituras recomendadas BARTHES, R. O sistema da moda. Lisboa: Ed. 70, 1999. COLOUR BLINDNESS. Encyclopedia Britannica, 2018. Disponível em: <https://www. britannica.com/science/color-blindness>. Acesso em: 08 jun. 2018. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes Editora, 2015. ROSS, S. John Dalton: British Scientist. Encyclopedia Britannica, 2018. Disponível em: <https://www.britannica.com/biography/John-Dalton#ref214262>. Acesso em: 08 jun. 2018. Constituição da linguagem visual por meio da semiótica16 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 16 19/06/2018 15:45:24 Conceitos de signo em Saussure e Peirce Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Diferenciar o conceito de signo em Saussure e em Peirce. � Indicar as características do signo em Saussure. � Identificar a tipologia triádica em Peirce. Introdução Os estudos sobre os signos chegaram ao final do século XIX organizados em duas vertentes, transformadas em Ciências. Sem ter conhecimento um do outro, Saussure estruturou as bases de uma Ciência da Língua, a Semiologia, tendo o signo como unidade mínima, enquanto Peirce desenvolveu a Semiótica, considerando o signo a representação de al- guma outra coisa, a partir da qual construímos argumentos lógicos, ou seja, pensamos. Neste texto, serão apresentados os conceitos de signo diádico e suas características, em Saussure, e triádico e passível de classificação, em Peirce. Os tipos característicos de signos em Saussure são arbitrariedade, linearidade do significante, imutabilidade e mutabilidade. Peirce classifica os signos, apontando suas relações em tipologias triádicas. Entre elas, considera a mais importante a segunda triconomia dos signos – ícone, índice e símbolos. Conceito de signo: Saussure e Peirce O modelo semiológico de Saussure foi elaborado com a finalidade de analisar a natureza no signo linguístico. O signo é visto como unidade básica da lin- guagem, considerando que toda a língua seria um sistema de signos. A relação do signo linguístico para Saussure (2006) é diádica, pois é uma entidade TC_U3_C11.indd 167 10/11/2017 15:23:52 psíquica de “duas faces”; ou seja, a relação entre um significado (conceito) e um significante (imagem acústica). O significado é o conceito, a ideia do significante. O significante não é o som material, físico, mas a representação mental desse som. A Semiótica de Peirce (2010), por seu lado, está ligada aos seus estudos de Lógica, entendendo o signo como o correlato a partir do qual se desencadeia o processo de semiose. Na visão de Peirce (2010), portanto, o signo é qualquer coisa que representa alguma coisa que é representada, ou seja, o representamen é a coisa que representa, o objeto é a coisa representada e o interpretante é um terceiro que faz a mediação do sentido entre o representamen e o objeto. Essa definição de interpretante não existe na concepção de signo em Saussure e é o que caracteriza a relação triádica em Peirce. Na Figura 1, indica-se o diagrama do conceito de signo em Saussure (2006) e em Peirce (2010).Figura 1. Conceito de signo em Saussure e em Peirce. Para Saussure (2006), o signo é uma entidade entre a representação mental do som (significante) e a ideia (significado). Nesse modelo, não existe nada fora do sistema de significado e significante, ou seja, fora da Linguagem. Compreende que tanto o significante quanto o significado são de ordem linguística e se unem em nosso cérebro por associação, independentemente de qualquer objeto externo, porque não há objeto de referência. O pensamento antes da língua é uma massa amorfa. Conceitos de signo em Saussure e Peirce168 TC_U3_C11.indd 168 10/11/2017 15:23:52 Em Peirce (2010), o signo é global e não segmentado porque evoca referentes e suscita interpretações. É justamente por isso que na visão de Peirce o signo é triádico e não diádico, como o de Saussure. Se o interpretante não existisse nesse modelo, o representamen não apareceria como representação do objeto. Para Peirce (2010), o signo só é signo por ser interpretado como tal. O signo, dessa maneira, representa um objeto e todo objeto pode vir a ser um signo. Essa correlação entre os três elementos é dinâmica porque o representa- men representa o objeto e o interpretante faz com que ele seja percebido, e, concomitantemente, o que é interpretado é a representação do objeto e pode se tornar um novo representamen reiniciando o processo. Esse movimento é denominado semiose ilimitada. No diagrama mostrado na Figura 2, é possível observar essa correlação: Figura 2. A correlação entre os três elementos do signo. Fonte: Peirce (2010). Nessa perspectiva, é o objeto que gera a linguagem, porque não há nada no interior da mente do ser humano que não tenha passado pelos sentidos (ver, ouvir, cheirar, sentir ou tocar). Em Saussure (2006), é importante reforçar, nada existe fora da linguagem. Tipos característicos de signo: Saussure e Peirce Saussure (2006) trabalha na esfera da linguagem, ou seja, o signo se constrói numa relação diádica entre seu significante e significado. Nesse processo de produção cultural, os signos adquirem características e não classificação. 169Conceitos de signo em Saussure e Peirce TC_U3_C11.indd 169 10/11/2017 15:23:52 Peirce (2010), ao contrário, entende o signo como unidade da Lógica, mediada pelos sentidos. Com isso, insere o referente no processo. Em Peirce (2010), todo o signo representa um objeto através do processo de semiose, tendo a mediação de um interpretante. Isso torna possível classificar, ou tipificar, o signo. As matrizes dos modelos, Saussure na Linguística e Peirce na Lógica, promovem essa diferença que é fundamental para a compreensão da Semio- logia e da Semiótica. Características do signo em Saussure Arbitrariedade O signo linguístico é arbitrário porque entre o significante (imagem acústica) e o significado (conceito) não existe uma relação lógica, racional, motivada ou natural. Para Saussure (2006, p. 82), “[...] todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em princípio num hábito coletivo, ou, o que vem a dar na mesma, na convenção.”. A imagem acústica “cachorro” não tem relação direta com o conceito cachorro, só está relacionado porque a língua é uma convenção. Isso porque cachorro poderia ser denominado linguisticamente por “choco” ou “carrocho” em sua formulação, ou seja, ser definido com outro nome. Linearidade do significante O significante (imagem acústica) é de natureza auditiva e considerado de caráter linear. Esse caráter acontece porque a língua é processada no tempo, o fonema é pronunciado um de cada vez, a fim de efetuá-lo, formando uma cadeia lógica de signos de maneira sucessiva. Saussure (2006, p. 84) entende que “Esse caráter aparece imediatamente quando representamos pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos.”. Por exemplo: O cachorro é o melhor amigo do homem. Ao ler ou falar a palavra “cachorro”, cada letra ocupa um lugar: “c-a-c-h-o-r-r-o”. E assim também ocorre com a frase, primeiro se pronuncia cada palavra sucessivamente, uma após a outra, onde cada palavra ocupa um lugar. É impossível pensar e falar duas palavras ao mesmo tempo. Todo mecanismo da língua para ter algum sentido precisa seguir esse princípio da linearidade. Conceitos de signo em Saussure e Peirce170 TC_U3_C11.indd 170 10/11/2017 15:23:52 Imutabilidade O aspecto de imutabilidade da língua parte de uma convenção arbitrária. Uma vez constituída e aceita como regra, serve para todos. O tempo e a tradição estão relacionados com a preservação da convenção da língua, pois esta é um produto herdado de gerações anteriores já constituída. Saussure (2006, p. 88) escreve que “Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro.”. Devido a essa circunstância, se exclui qualquer modifi- cação linguística de maneira geral ou repentina; porque para constituir uma língua é necessária uma infinidade de signos; além da língua ser um sistema complexo, pois só se pode compreendê-la pela reflexão. Mesmo os que fazem uso no cotidiano a ignoram. Há, também, a resistência inércia coletiva a toda novidade, ou alteração, porque a língua está relacionada com a herança de uma época precedente, devido à solidariedade com o passado e com as convenções linguísticas impostas. O significante em relação ao significado (a ideia) parece ser escolhido, mas em relação à comunidade linguística que o utiliza não é porque é imposto. Simplesmente se faz uso das convenções linguísticas com base na tradição. Mutabilidade O tempo tem a função de conservar a língua, mas também de modificá-la. Muitas vezes a língua deixa de ser uma convenção de quem a criou e passa a pertencer a outra massa social. Não são os indivíduos que modificam a língua porque ela é intangível. Ela se modifica devido à dinâmica da ação social. O princípio de alteração ocorre na língua porque há uma continuidade. A alte- ração assume diversas formas que podem funcionar isoladas, ou combinadas, levando a um deslocamento entre o significado e o significante. Exemplo: Vossa Mercê > você. Para Saussure (2006, p. 91), “[...] o tempo altera todas as coisas [...]”, e nem a língua tem como fugir a essa regra. Classificação dos signos em Peirce A classificação de Peirce (2010) baseia-se na natureza da relação entre os cor- relatos sígnicos. São três triconomias fundamentais que estabelecem a relação 171Conceitos de signo em Saussure e Peirce TC_U3_C11.indd 171 10/11/2017 15:23:53 entre o signo que representa, o objeto representado e o interpretante. Como vimos, essas relações apresentam ainda caracteres de qualidade, existência e lei, constituindo três triconomias igualmente triádicas. Peirce (2010) considera a segunda triconomia, relação entre o signo e o objeto, a mais determinante por mediar nossa relação com o mundo. Os signos, dessa maneira, adquirem caracteres icônicos, indiciais e simbólicos. Signos icônicos Os ícones são os signos mais fáceis de serem reconhecidos porque guardam uma relação de semelhança, ou não, com o que representam. Nesse último caso, mantêm relação pelo caráter de qualidade. São de caráter de aproximação, no sentido de “isso parece com, ou lembra, aquilo”. Peirce (2010) considera os hieróglifos egípcios um exemplo, considerando-os um tipo de ícone não lógico por ser ideográfico. A fórmula algébrica pode igualmente ser referida como ícone, devido às regras de comutação, associação e distribuição de símbolos; ou seja, representam um conhecimento matemático. Também é um ícone no momento que se representa, mas os signos algébricos (os números) que formam essa equação não são ícones por serem signos convencionais. Analise a Figura 3. Figura 3. Exemplo de signos icônicos. Fonte: Peirce (2010, p. 65). Pela semelhança com o que se pretende representar, a fotografia, a carica- tura, ou o desenho que algum artista fez de uma estátua, de uma construção Conceitos de signo em Saussure e Peirce172 TC_U3_C11.indd 172 10/11/201715:23:53 arquitetônica, a partir de sua contemplação (PEIRCE, 2010), constitui igual- mente um ícone. Observe a Figura 4. Figura 4. Exemplo de símbolos icônicos: (a) filmes, (b) mapas, (c) ícones do computador, (d) desenho de cachorro, (e) foto de cachorro. Fonte: (a) Pavel L Photo and Video /Shuttterstock.com, (b) RTimages /Shuttterstock.com, (c) Domofon /Shuttterstock.com, (d) mantinov /Shuttterstock.com, (e) Eric Isselee /Shuttterstock.com. Signos indiciais Os indiciais são os primeiros signos utilizados pelo ser humano. Depende de uma associação de contiguidade com a representação. Eles são associativos, sempre vêm vinculados ou conectados àquilo que representam. De maneira que, quando se percebe, lembra-se imediatamente daquilo através da experi- ência adquirida. No entanto, não há associação por semelhança. Para Peirce (2010, p. 67), “Tudo o que nos surpreende é índice, na medida em se assinala a junção entre duas porções de experiência.”. Pode-se exemplificar com um violento relâmpago que indica que algo aconteceu, embora não sabemos o quê. Isso está relacionado com outra experiência, a chuva. Existem alguns índices que são instruções mais ou menos detalhadas, indi- cando o que o indivíduo precisa fazer, ocorrendo uma relação de experiência direta com a coisa significada. Peirce (2010) apresenta um exemplo de índice 173Conceitos de signo em Saussure e Peirce TC_U3_C11.indd 173 10/11/2017 15:23:53 a partir de uma instrução: “Guarda Costeira divulga ‘aviso aos navegantes’, dando a latitude e longitude, quatro ou cinco posições de objetos importantes, etc… e dizendo há um rochedo, ou um banco de areia, ou uma boia, ou barco- -farol”. A mensagem nesse caso indica lugar de perigo. Também, temos como palavras indiciais as preposições e as frases preposicionais, como “à direita” ou “à esquerda”. Veja a Figura 5. Figura 5. Outros exemplos de signos indiciais. Fonte: (a) Pedro Vidal/Shutterstock.com, (b) Alexey Repka/Shutterstock.com, (c) Shaiith/Shutterstock.com. Signos simbólicos Os signos simbólicos são de caráter convencional, baseados em acordos e leis. São signos mais complexos porque não guardam relação de semelhança ou proximidade com a coisa representada. Como apresenta Peirce (2010), o símbolo Conceitos de signo em Saussure e Peirce174 TC_U3_C11.indd 174 10/11/2017 15:23:53 é aplicável a qualquer coisa que possa transmitir a ideia relacionada à palavra. Um exemplo possível é a palavra “pássaro” que, quando associada a uma re- presentação imagética, pode significar matrimônio ou paz. O signo, nesse caso, estabelece uma relação simbólica e só existe por causa dessa relação estabelecida por convenção com o seu objeto, ou seja, a ideia da “mente-que-usa-o-símbolo” (PEIRCE, 2010). Todo o signo pode tornar-se um símbolo desde que sua signi- ficação esteja ligada a uma convenção aceita socialmente (Figura 6). Figura 6. Exemplos de signos simbólicos: (a) a balança, símbolo da Justiça, (b) logotipos de marcas, (c) as quatro operações matemáticas, (d) Pi. Fonte: (a) graphixmania/Shutterstock.com, (b) tanuha2001/Shutterstock.com, (c) Abree/Shutterstock. com, (d) kristinasavkov/Shutterstock.com Considerações finais Os conceitos de signo de Saussure (2006) e Peirce (2010) se aproximam apenas em relação à comunicação, que se fundamenta na aplicabilidade do signo. No processo de constituição, eles se diferenciam em várias premissas. O modelo 175Conceitos de signo em Saussure e Peirce TC_U3_C11.indd 175 10/11/2017 15:23:53 saussuriano do signo linguístico é diádica e linguística, enquanto em Peirce o modelo de signo é lógico e triádico. O campo de análise de Saussure (2006) é a linguagem, especificamente a língua, a qual considera subjetiva, abstrata e de ordem psíquica. Já em Peirce (2010), o campo de análise é a lógica e a relação com a natureza e a cultura. No signo peirciano, a subjetividade ocorre de maneira consensual, a partir das experiências que passam pelos sentidos. O interpretante, responsável por mediar a relação entre o representamen e o objeto, configurando a relação triádica, é social e constitui-se em um pensamento subjetivo. Como os estudos de Saussure (2006) realçam a esfera da linguagem, os signos apresentam características que são a arbitrariedade, linearidade, imu- tabilidade e mutabilidade. Já em Peirce (2010), os estudos são no campo da lógica, tipificando os signos. Esse pressuposto levou a uma classificação tricotômica com relações igualmente triádicas. Considera os signos mais relevantes, os relacionados à segunda tricotomia do signo, ou seja, os que denominam a relação com o objeto: ícone, índice e símbolo. Conceitos de signo em Saussure e Peirce176 TC_U3_C11.indd 176 10/11/2017 15:23:54 PEIRCE, C. S. Semiótica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: n Identifi car o conceito de Semiologia proposto por Ferdinand de Saus- sure e redimensionado por Louis Hjelmslev e Roland Barthes. n Reconhecer os modelos linguísticos propostos por Ferdinand de Saussure, Louis Hjelmslev e Roland Barthes. n Indicar os modelos linguísticos propostos por Saussure e Barthes. Introdução A Semiologia surgiu dos estudos sobre linguagem que Ferdinand de Saussure desenvolveu durante sua carreira acadêmica. Ele reconhecia que a Semiologia não existia como ciência, mas que, com o tempo, tomaria forma, porque buscava decifrar a vida dos signos na sociedade por meio da linguagem. Os conceitos linguísticos saussurianos serviram de base para a teorização da ciência dos signos. Esse modelo foi seguido e aprimorado por outros semiólogos, como Louis Hjelmslev e Roland Barthes, que o redimensionaram para além da linguagem humana, in- serindo estudos de sistemas de imagens (cinema, fotografia, história em quadrinhos, publicidade) e objetos (vestuário, alimentos). Neste texto, você vai acompanhar o conceito de Semiologia, o modelo linguístico proposto por Saussure e como ele foi sendo desenvolvido nos estudos de Hjelmslev e Barthes. Semiotica_U1_C02.indd 21 13/03/2017 16:40:04 Semiologia e modelo linguístico: Saussure A Semiologia, entendida como a “[...] ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social [...]” (SAUSSURE, 2006, p. 24), foi proposta pelo fi lósofo e linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), no início do século XX. O linguista partiu dos estudos comparados de línguas que, a partir de uma perspectiva positivista, estabeleceram leis fonéticas de evolução das línguas, observando a relação entre a organização social e a organização de vocabulários para formular sua teoria. Aprofundando a relação entre línguas e sociedade, Saussure constrói um modelo linguístico que tem como ponto de partida a distinção entre lingua- gem, língua e fala. A linguagem é entendida nesse sistema como a faculdade humana de produzir sentido. Dessa forma, a língua torna-se a materialidade desse universal, ou seja, a capacidade de produzir signos e organizá-los a fim de que produzam significação. Por fim, a fala é o uso individual desse projeto coletivo que é a língua. Ao propor os três graus de abrangência da Semiologia, Saussure entende a Linguística, como parte da ciência geral dos signos. A sistematização do pensamento Semiológico de Saussure foi realizada por dois de seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye, a partir das anotações dos alunos realizadas durante três cursos, ministrados entre 1907 e 1911 na Universidade de Genebra, publi- cadas em uma obra póstuma, o Curso de Linguística Geral, em 1916 (SAUSSURE, 2006). A relação dicotômica língua-fala está no centro da concepção saussu- riana, estabelecendo um modelo que aborda a oposição entre o produto social a execução do falante. Entre eles, acontece um processo dialético que as une, porquenão existe língua sem fala e não existe fala fora de língua. Ao mesmo tempo, as duas têm uma relação recíproca, pois a língua só existe a partir da fala e essa faz a língua evoluir. A língua, portanto, é produto e instrumento da fala (SAUSSURE, 2006). A definição da língua como objeto da Linguística atende a algumas defi- nições teóricas, principalmente: um estado de equilíbrio relativo da língua, a ênfase na construção da língua pela coletividade e fixada na memória dos falantes; os signos ganham um valor em função de suas relações internas ao Semiótica22 Semiotica_U1_C02.indd 22 13/03/2017 16:40:04 sistema; a língua é entendida como um meio dirigido ao fim de comunicação no interior de um grupo humano; a proposição de uma linguística da língua; e a proposição de uma disciplina científica em que se poderia observar o funcionamento interno daquele sistema (CORREA, 2002). Ao isolar a língua, como objeto da Linguística, dos demais fatos linguísticos – linguagem, fala, escrita e outros códigos de linguagem –, Saussure (2006) estabeleceu um método capaz de imprimir rigor aos estudos linguísticos, tratados até então por métodos mais subjetivos, ou ligados às ciências exatas. Para Saussure (2006), é o sistema semiológico que dá forma e estrutura ao mundo e à realidade, pois nada existe estruturalmente fora desse sistema. A teoria saussuriana se estruturou a partir de questionamentos sobre quem e como são esses signos, fundamentais para a comunicação humana, e quais as regras que o regem. Para respondê-los, utilizou em sua análise de dois aspectos básicos da relação entre língua/fala – as ideias e os sons. A partir dessa abor- dagem, constrói uma definição rigorosa para o signo linguístico, considerando a associação entre uma imagem acústica e um conceito. A imagem acústica refere-se à representação psíquica dos fonemas ao qual corresponde o conceito, e este é uma ideia ou conteúdo que constrói significado. A associação desses dois elementos compõe a integralidade do signo. Posteriormente, Saussure (2006) substitui os termos imagem acústica/conceito por significante/significado, propondo deixar a oposição mais clara e coerente e a aplicação mais correta quando o signo não é vocalizado (falado). A Figura 1 representa essas duas faces dentro da elipse que representa o signo no todo; as setas, a associação psíquica entre conceito e imagem acústica; e as direções das setas o processo de produção e recepção da fala na teoria saussuriano. E na elipse ao lado a exemplificação o modelo saussuriano, com a “[...] palavra latina ‘arbor’ como uma sequência de sons referindo-se a ao conceito ‘árvore’.” (NÖTH, 1996). Figura 1. Representação do signo linguístico segundo a teoria saussuriana. Fonte: Adaptada de Saussure (2006). 23Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Semiotica_U1_C02.indd 23 13/03/2017 16:40:05 Para Saussure (NÖTH, 1996, p. 35), “[...] o significado é o valor de um con- ceito dentro do sistema semiológico como um todo. Esses valores semânticos formam uma rede de relações estruturais, nas quais não os conceitos semân- ticos em si, mas somente as diferenças ou oposições entre eles são relevantes semioticamente [...]”; ou seja, entende que na língua tudo é negativo porque o significado é construído pela diferença ou oposição de outros significados. Exemplo: “O azul só é azul porque não é vermelho”. Saussure sistematizou dois modos distintos de investigação dos fenômenos linguísticos, a sincrônica e a diacrônica. A sincrônica analisa o estado da língua, o aspecto estático, ou seja, como ela existe naquele determinado momento. Parte apenas da perspectiva “dos falantes” (SAUSSURE, 2006, p. 247). A diacrônica analisa as mudanças na língua ao longo do tempo, utilizando-se conjuntamente da “perspectiva prospectiva” e da “perspectiva retrospectiva” (SAUSSURE, 2006, p. 247). A partir dessa perspectiva, pode-se estudar uma língua a partir dos documentos mais antigos e constatar sua evolução ao longo do tempo. Como a palavra “telha”, que durante a formação da língua portuguesa passou por diversas transformações, desde do latim vulgar até sua forma moderna padrão (BAGNO, 2012, p. 60): tégula > teg’la > tegla > teyla > telya > telha Nos estudos de Saussure (2006) aparecem também os dois eixos da lingua- gem Relações sintagmáticas/Relações associativas. As relações sintagmáticas são combinação de palavras ou grupos de palavras (palavras-compostas, derivadas, membros de frases, frases inteiras) de maneira linear da língua e se alinham na fala. Ele é representado por frases transmitidas através da fala ou da escrita. Exemplo: Luciana conversa com Renata. As relações associativas são um conjunto de palavras formadas por uma associação mental que se ligam pelo radical, pelo sufixo, por analogia do significado ou por imagens acústicas. Veja um exemplo na Figura 2. Semiótica24 Semiotica_U1_C02.indd 24 13/03/2017 16:40:05 Figura 2. Exemplo de relações associativas. Essa abordagem diádica, ou seja, a partir da tensão de duplos, é constante no modelo linguístico definido por Saussure (2006). Portanto, a proposição teórica é composta por diferentes dicotomias: língua/fala, imagem acústica/ conceito (significante/significado), sincronia/diacronia, relações sintagmáticas/ associativas. Esses conceitos linguísticos foram estudados e trabalhadas por outros semioticistas, sendo os mais importantes Louis Trolle Hjelmslev e Roland Barthes que aplicaram os princípios saussurianos em outros sistemas sígnicos. Semiologia e modelo linguístico: Hjelmslev O linguista dinamarquês Louis Trolle Hjelmslev (1899-1965) baseou-se na teoria de Saussure, reconhecendo o conceito de Semiologia, entretanto propôs em seus estudos de uma forma mais ampla, como uma “ciência de todos os sistemas de signos”, defi nido como uma Metalinguagem dos sistemas semióticos. Apresentou na obra Prolegômenos a uma teoria da linguagem, de 1943 (SAUSSURE et al., 1978), a teoria Glossemática, uma teoria linguística que tem o intuito de analisar a linguagem, descrevendo os glossemas – unidades linguísticas que tem um signifi cado, inclusive as formas mínimas de análise (irredutíveis e invariantes) (DICIO, c2009-2017). Pode ser considerada a primeira teoria de semiótica linguística estruturada em relação as anteriores. Essa teoria teve um impacto decisivo na formação da semiótica na França (GREIMAS; COURTÉS, 2016). 25Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Semiotica_U1_C02.indd 25 13/03/2017 16:40:05 Louis Trolle Hjelmslev fundou, em 1931, o Círculo Linguístico de Copenhague, uma escola de linguística estruturalista (SOUZA, 2006). O sistema semiótico proposto por Hjelmslev (1975) foi dividido em três planos: esquema (língua), norma e uso (fala). O esquema é a língua de maneira mais pura em sua estrutura. A norma é a forma material da língua como deve ser manifesta pelos usuários. É um conceito abstrato com fins metodológico. E uso é a fala tal como se manifesta individual e socialmente. Os termos esquema/uso proposto por ele, equivale a terminologia língua/ fala proposto por Saussure (2006). O modelo linguístico proposto por Hjelmslev apresenta cinco traços diádicos: texto/língua, plano de expressão/plano de conteúdo, denotação/ comutação, recção/combinação, não conformidade de forma e de substância (NÖTH, 1996). O texto ou processo linguístico é a sequência de atos que levam algo observável, como objeto de leitura, peça teatral e pintura. A língua ou sistema linguístico é o mecanismo pelo qual o processo se realiza (COELHO NETTO, 1983). O plano da expressão e plano do conteúdo tem o objetivo de descrever as relações entre os elementos dos signos. O plano de expressão é a mani- festação do conteúdo que pode ser verbal, imagética ou gestual, ou seja, equivale a forma. O plano de conteúdo é o significado do texto, ou seja, equivale a matéria. Ambos planos são subdivididos em matéria, forma e substância. A matériade expressão é o potencial fonético da articulação vocal humana. A forma de expressão é expressada através da língua, fo- nologicamente, e a substância de expressão é o som que se manifesta na pronúncia – fonética – ou a imagem do objeto. A matéria de conteúdo é a massa de pensamento amorfa – “não formada” ou “inacessível ao conhe- cimento” (HJELMSLEV, 1975). A forma de conteúdo é a noção da palavra (gato, felino, miau ou cat em outro idioma) e substância de conteúdo é o conceito, (mamífero da família dos felídeos, carnívoro). Os plano de ex- pressão/plano de conteúdo estão relacionados ao pensamentos de Saussure (2006) nos termos de imagem acústica/conceito (significante/significado). Veja um exemplo na Figura 3. Semiótica26 Semiotica_U1_C02.indd 26 13/03/2017 16:40:06 Figura 3. Representação do plano de expressão e do plano de conteúdo segundo o modelo linguístico de Hjelmslev. Fonte da imagem do gato: Utekhina Anna/Shutterstock.com Fonologia é a ciência que trata os fonemas buscando a função na língua. Já a Foné- tica é o estudo dos sons de uma determinada língua, como ele é articulada (DICIO, c2009-2017). A denotação/comutação é o processo que mostra como plano de expressão e de conteúdo relacionam-se (COELHO NETTO, 1983). A primeira relação entre os dois planos ocorre por denotação (maneira literal, direta), estabelecida pelo signo. Vejamos os códigos de localização (DDD): o DDD (051) é expressão que remete ao conteúdo localização Porto Alegre, enquanto o DDD (011) remete à localização São Paulo. 27Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Semiotica_U1_C02.indd 27 13/03/2017 16:40:06 A comutação é uma relação mais complexa entre os planos, pois se relacio- nam por duas unidades de um mesmo plano de linguagem, pela expressão e que estão ligadas pelo conteúdo, os códigos DDD (051) e (011), ou seja, esses significam lugares. A recção/combinação são as relações entre unidades linguísticas. A lin- guagem existe porque as unidades estabelecem relações entre si de maneira precisas. Essa relação é denominada recção, porque uma unidade implica a outro modo de unidade implicada. Por exemplo: o semáforo apresenta uma recção mútua entre as cores, primeiro o verde, depois o amarelo e o vermelho. E combinação é quando as unidades de linguagem entram em relação sem que precise da recção, ou seja, combinam-se entre si mesmo sem uma sequência. O anúncio publicitário é necessário combinar os elementos visuais com os escritos para saber entender a mensagem. Veja um exemplo na Figura 4. Figura 4. Exemplo de anúncio publicitário. Fonte: Correio da Amazônia (2014). A não conformidade é a relação que existe entre o plano da expressão e o plano do conteúdo, quando tem articulações paradigmáticas ou sintagmáticas distintas. Ela que permite que o objeto seja considerado semiótica (COELHO NETTO, 1983). Esses cinco elementos do modelo linguístico de Louis Hjel- mslev (1975) foram considerados fundamentais para a estrutura linguística e vai servir de base para intelectuais avançarem no estudo do signo a partir de outros modelos, como foi o caso de Roland Barthes. Semiótica28 Semiotica_U1_C02.indd 28 13/03/2017 16:40:07 Semiologia e modelo linguístico: Barthes Roland Barthes (1915-1980) foi um estruturalista dos anos 1960 que estudou e propagou o pensamento semiológico de Saussure. Seguiu a teoria saussuriana, ampliando seus estudos com foco na análise dos signos não-linguísticos. Barthes (2009, p. 202) defi niu Semiologia como “[...] uma ciência das formas, visto que estuda as signifi cações, independente do conteúdo.”. Reconheceu que todos os sistemas de signos têm como objetivo a comunicação entre os homens, não só a linguagem. Assim defi nindo como objeto semiológico qualquer sistema signos, imagens, gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos como os ritos, os protocolos ou os espetáculos, quando não são linguagens, são sistemas de signifi cação. Barthes (2009) tinha a Semiologia como parte da linguística, ao contrário de Saussure (2006) que via a linguística como um ramo da Semiologia. Mesmo tendo essa controversa quem pertence a quem, o modelo linguístico de Saussure foi utilizado para a compreensão de outros sistemas de signos, como visuais e sonoros. A partir desse modelo, Barthes (2012) definiu-os como elementos de Semiologia em quatro grandes grupos, língua/fala, significado/significante, sintagma/sistema e denotação/conotação, mantendo a lógica diádica. A língua é um conjunto de convenções da comunicação humana que faz parte de um corpo social. É um sistema preexistente, heterogêneo e de natu- reza concreto. Como a língua é um sistema de signos que expressa ideias, o indivíduo não pode criá-lo e muito menos modificá-lo sozinho, pois se trata de um contrato coletivo. A língua é a linguagem menos a fala (BARTHES, 2012). A fala é um ato individual de seleção, atualização e momentâneo de uso da língua. Também é a parte de uso da fonação, da realização das regras e das combinações contingentes de signos (BARTHES, 2012). A fala é o momento em que o indivíduo coloca em prática os códigos da língua com intuito de expor o pensamento pessoal. O significado e o significante são de ordem linguística e unidos no nosso cérebro de forma associativa. É a união desses dois elementos que se forma o signo e esse processo é denominado significação. O signo é tudo aquilo que representa alguma coisa, que tem um conceito e uma imagem. O significante é de natureza auditiva, a parte material no plano da expressão (BARTHES, 2012), p. ex.: c-a-d-e-i-r-a. O significado é a imagem mental que está relacionada ao significante. É o conteúdo do material no plano da expressão, não é a coisa si, mas a imagem psíquica. Veja um exemplo na Figura 5. 29Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Semiotica_U1_C02.indd 29 13/03/2017 16:40:07 Figura 5. Uma representação de signo segundo Barthes. Fonte da imagem da cadeira: April909/Shutterstock.com Significado e significação são coisas diferentes. Significado é um conceito e está no domínio da língua. A significação é o processo, ou seja, é a união entre significado e significante cujo o resultado é o signo. Para Barthes (2012) essa distinção tem função classificatório e não fenomenológica. O sintagma apresenta-se de uma forma encadeada, ou seja, contínuo entre grupos de signos funcionais e sempre binários numa relação recíproca na língua, na fala e outras linguagens, lembrando de Barthes (2012) nos aspectos não verbais. O sistema se constitui a partir de campos associa- tivos determinados por afinidade no nível da memória (lápis, caderno), no nível fônico (gato, pato) ou do sentido (educação, ensino), os quais também contêm oposições bilaterais e múltiplas. A partir do quadro abaixo sistematizado por Barthes (2012) é possível observar essas relações entre sintagma e sistema: Semiótica30 Semiotica_U1_C02.indd 30 13/03/2017 16:40:07 Fonte: Barthes (2012, p. 80). Sistema Sintagma Vestuário Grupo de peças, encaixes ou pormenores que podemos usar ao mesmo tempo e em um mesmo ponto do corpo e cuja variação corresponde a uma mudança do sentido indumentário: touca/gorro/capelina etc. Justaposição num mesmo conjunto de elementos diferentes: saia-blusa-casaco Comida Grupo de alimentos afins e dessemelhantes no qual escolhemos um prato em função de certo sentido: as variedades de entradas, assados ou sobremesas. Encadeamento real dos pratos escolhidos ao longo de refeição: é o cardápio. Mobiliário Grupo das variedades “estilísticas” de um mesmo móvel (uma cama). Justaposição dos móveis diferentes num mesmo espaço (cama-armário- mesa etc). Arquitetura Variações de estilo de um mesmo elemento de um edifício, diferentes formas de telhados, sacadas, entradas etc. Encadeamento dos pormenores no nível do conjunto do edifício. Quadro 1. Sintagma e sistema. O processo de significação que indica a abordagem dos fenômenosde denotação e conotação. Na denotação o significado é derivado da relação entre signo e o objeto que acontece de maneira literal, automática e com significação restrita. Para Barthes (2012, p. 113) “[...] qualquer sistema de significação comporta um plano de expressão (E) e um plano de conteúdo (C) e que a significação coincide com a relação (R) entre os dois planos E R C [...]”. Por exemplo: joia (E) = adorno, material de valor (C) 31Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Semiotica_U1_C02.indd 31 13/03/2017 16:40:07 A Conotação é constituída do primeiro sistema (E R C) que ocorre no fenô- meno de denotação e acrescido da relação (R) como o plano de conotação (C). (ERC) (R) (C) Nesse sistema conotativo a relação vai gerar uma significação ampla, com sentido figurado e de uso criativo. Por exemplo: Esse cara é joia. O uso ideológico da conotação, cuja circulação foi potencializada pelas tecnologias de informação e comunicação, vai produzir o que Barthes deno- mina mito; ou seja, quando um sentido conotado passa a ser utilizado como se fosse denotado. Um exemplo é a expressão democracia racial, aplicada ao Brasil. Foi uma expressão utilizada para defender uma igualdade que não é observada nas relações sociais. No entanto, seu uso ideológico e a repetição através da circulação de bens simbólicos tornou essa figura de linguagem uma denotação, que explicaria as relações sociais. O modelo de Barthes foi aplicado em outros estudos, nos quais desenvolveu novas abordagens, como na obra Mitologias, publicada em 1957, apresentando o mito como uma linguagem, e estudando o “Sistema de Moda”, por exemplo, evidenciando que alguns sistemas estabelecem sua própria sincronia. Considerações finais A obra póstuma, Curso de Linguística Geral, de Saussure (2006) foi o marco para a fundação da Linguística e para o desenvolvimento da ciência dos signos. Por isso, Saussure é considerado o pai da Linguística. A dicotomia em sua teoria foi de grande relevância e nortearam os estudos em Linguística, além de infl uenciar intelectuais que deram continuidade ao seu pensamento e outros que seguiram outros campos de conhecimento. O que fi cou em aberto do seu modelo linguístico foi aprimorado e sistematizado por outros intelectuais como Louis Hjelmslev e Roland Barthes, que desenvolveram teorias e cria- ram novos conceitos. Os estudos de Hjelmslev (1975) foram de grande valia porque infl uenciaram o desenvolvimento da Semiótica Geral e sua teoria de conotação, decorrente do modelo linguístico, e foram relevantes para a teoria da literatura e da estética. Já Roland Barthes (2009, 2012) ampliou o modelo proposto por Saussure, incluindo ferramentas para os estudos não verbais, que Semiótica32 Semiotica_U1_C02.indd 32 13/03/2017 16:40:08 também eram utilizados para o estudo das línguas. Seus estudos colaboraram para a Semiótica do mito, da literatura, da narrativa e da comunicação visual. Enfi m, a Semiologia foi sendo desenvolvida e redimensionada a partir desses modelos linguísticos propostos. 1. Assinale a alternativa que apresenta a definição correta de Semiologia de Ferdinand de Saussure: a) Ciência das formas, visto que estuda as significações, independente do conteúdo. b) Ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social. c) Ciência de todos os sistemas de signos. d) Unidades linguísticas que têm um significado, inclusive as formas mínimas de análise (irredutíveis e invariantes). e) Teoria linguística que tem o intuito de analisar a linguagem a partir da descrição dos glossemas. 2. O modelo linguístico proposto por Saussure era de uma abordagem dicotômica formada pelos seguintes conceitos: a) Texto/língua, plano de expressão/plano de conteúdo, denotação/comutação, recção/ combinação e não conformidade. b) Língua/sistema, imagem acústica/ conceito, sincronia/diacronia, relações sintagmáticas/associativas. c) Língua/fala, imagem acústica/ conceito, esquema/uso, relações sintagmáticas/associativas. d) Língua/fala, imagem acústica/conceito, sincronia/ diacronia, relações sintagmáticas/associativas. e) Língua/fala, texto/processo linguístico, sincronia/diacronia, relações sintagmáticas/associativas. 3. Hjelmslev (1975) propôs um modelo linguístico que apresenta cinco traços. É possível afirmar que eles são: a) Texto/língua, plano de expressão/plano de conteúdo, denotação/comutação, recção/ combinação e não conformidade. b) Comunicação, comunidade, colóquio, interlocução e conversação. c) Teg’la, tegla, teyla, telya, telha. d) Língua/fala, significado/ significante, sintagma/sistema e denotação/conotação. e) Signo linguístico, plano de expressão, plano de conteúdo, forma e substância. 4. Barthes definiu Semiologia como “uma ciência das formas, visto que estuda as significações, independente do conteúdo.” Qual princípio que utilizou para redefinir a Semiologia desse modo? a) Por considerar a primeira teoria de semiótica linguística estruturada das anteriores. b) Por entender a linguagem como a faculdade humana de produzir sentido. 33Semiologia e modelo linguístico: de Saussure a Barthes Semiotica_U1_C02.indd 33 13/03/2017 16:40:08 BAGNO, M. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 17. ed. São Paulo: Contexto, 2012. BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2012. BARTHES, R. Mitologias. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. COELHO NETTO, J. T. Semiótica, informação e comunicação. São Paulo: Perspectiva, 1983. CORREA, M. L. G. Linguagem e comunicação social: linguística para comunicadores. São Paulo: Parábola, 2002. CORREIO DA AMAZÔNIA. Programa Mais Educação encerra prazo de adesão nesta se- gunda-feira (04). Manaus, 2014. Disponível em: <https://www.correiodaamazonia.com. br/programa-mais-educacao-encerra-prazo-de-adesao-nesta-segunda-feira04/>. Acesso em: 28 fev. 2017. DICIO. Matosinhos: 7Graus, c2009-2017. Disponível em: <https://www.dicio.com.br>. Acesso em: 08 jan. 2017. GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2016. HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975. NÖTH, W. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. SAUSSURE, F. et al. Textos selecionados. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores). SOUZA, L. S. Introdução às teorias semióticas. Petrópolis: Vozes, 2006. c) Por reconhecer que todos os sistemas signos têm por objetivo a comunicação entre os homens, não só a linguagem. d) Por tomar a Semiologia como um conceito abstrato com fins metodológico. e) Por considerar que as unidades estabelecem relações entre si de maneira precisa. 5. A partir do modelo saussuriano, Barthes definiu os elementos de Semiologia em quatro grandes grupos. Tais grupos são: a) Língua/fala, significado/ significante, plano de expressão/plano de conteúdo e denotação/conotação. b) Língua/fala, denotação/ comutação, denotação/ conotação e não conformidade. c) Imagem acústica/conceito, significado/significante, sintagma/sistema e denotação/conotação. d) Significado/significante, sintagma/sistema, denotação/ conotação e glossemática. e) Língua/fala, significado/ significante, sintagma/sistema e denotação/conotação. Semiótica34 Semiotica_U1_C02.indd 34 13/03/2017 16:40:08 Linguagem verbal e não verbal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: n Reconhecer os princípios da linguagem verbal e da não verbal. n Identifi car os tipos de linguagem verbal. n Indicar os tipos de linguagem não verbal. Introdução A linguagem é uma forma de expressão que o homem utiliza para expor seus pensamentos, ideias, sentimentos e para se comunicar em sociedade. Ela é heterogênea e diversificada, pois tem como recursos a ora- lidade, a escrita e outras formas de expressão não convencionais. A linguagem divide-seem linguagem verbal e não verbal. A linguagem verbal faz uso das palavras, e a não verbal utiliza outras formas de ex- pressão em que não há presença de palavras. Neste texto, você vai acompanhar o que se compreende por lin- guagem verbal e não verbal e o que as diferencia, a partir dos recursos utilizados por cada uma delas. Origem da linguagem A linguagem é todo sistema constituído por signos expressados através da fala, da escrita, ou de outras formas de expressão, que permita a comunicação entre indivíduos em sociedade. Para Dondis (1997, p. 3), “A linguagem é simples- mente um recurso de comunicação próprio do homem, que evoluiu desde sua forma auditiva, pura e primitiva, até a capacidade de ler e escrever.”. Desde os tempos das cavernas, os grupos humanos organizados recorreram a modos de expressão com o objetivo de se manifestar e se comunicar socialmente, utilizando-se inicialmente de sons, desenhos e rituais “primitivos”, que em Semiotica_U2_C02.indd 56 13/03/2017 14:55:23 sua maioria envolviam música, dança e expressão corporal (SANTAELLA, 1983). O sistema de signos linguísticos, desenvolvido a partir de então, vem sendo estudado desde a antiguidade e chega até a cibernética. O século XX foi o período de surgimento e consolidação de duas grandes ciências da linguagem, a linguística – a ciência da linguagem verbal, e a semiótica – a ciência dos signos em qualquer linguagem (SANTAELLA, 1983). Foi com Saussure (1857-1913) que os estudos de linguagem verbal se desenvolveram, tendo como premissa a língua e definindo que a unidade mínima desta é o signo linguístico constituído por significado e significante, sendo assim diádico (SAUSSURE, 1970). A aplicação dos princípios do modelo de Peirce (1839-1914) à lingua- gem não verbal possibilita, a partir do uso da tricotomia fundamental do signo, que quando não há constituições simbólicas, criadas a partir de convenções, ocorra outro processo pelo viés do trabalho cultural, com a vinculação de ícones com referentes e de índices com certos fenômenos (CORRÊA, 2002). Dessa maneira, os estudos de Semiótica são determinantes para a com- preensão e análise das diferentes formas de linguagem verbal e não verbal. Linguagem verbal A linguagem verbal confi gura-se em um pensamento dirigido, seguindo leis da lógica de escrita (AGUIAR, 2004). Sua forma de expressão, a língua, é constituída por um conjunto de signos que são criados arbitrariamente e, a partir de uma convenção, são aceitos como corretos pelos falantes. O objeto que apresenta uma barra de grafi te revestido por um cilindro de madeira, por exemplo, chama-se lápis em português e pencil em inglês (DICIO, c2009-2017). São essas convenções da linguagem que distinguem um grupo de outro. Isso reafi rma a língua como um instrumento coletivo, uma convenção social. Dessa forma, podemos afirmar que a linguagem verbal é “[...] objetiva, definidora, cerebral, lógica e analítica, voltada para a razão, a ciência, a interpretação e a explicação [...]” (AGUIAR, 2004, p. 28). Quando se faz a referência à linguagem verbal, via de regra, há duas formas de linguagem, uma falada e outra escrita – que apresenta variedades na forma como é expressa. Na linguagem oral, os recursos utilizados são diferentes da linguagem escrita, começando pelo espaço. Na escrita não há presença física do interlo- 57Linguagem verbal e não verbal Semiotica_U2_C02.indd 57 13/03/2017 14:55:23 cutor, enquanto na oral ocorre um diálogo com o interlocutor, muitas vezes ambos ocupam um mesmo ambiente. A fala é o principal recurso da linguagem oral. Esta utiliza-se da altura, do tom de voz e de outras características para garantir principalmente a clareza do diálogo e a comunicação. Tanto na fala, quanto na escrita, as palavras são decifradas por partes, primeiro um signo e depois o outro, formando assim unidades maiores. É só no final de uma leitura, ou da audição, que temos o texto completo, a mensagem que se quer passar. Saussure (1970) construiu as bases de suas proposições de Semiologia, a partir dessas questões sobre o signo linguístico. Na linguagem escrita, a forma de comunicação se dá pelo traço, ou seja, por palavras que, através de frases e textos, tem o intuito de informar a men- sagem de maneira clara e coerente para que o interlocutor entenda. O sistema de sinais, alfabeto, é o recurso primordial da linguagem escrita do Ocidente, pois os fonemas são representados pelos sons da fala (AGUIAR, 2004). A invenção da imprensa, por volta de 1450, por Gutenberg (1930-1468), transformou a civilização moderna pelo uso da escrita impressa em níveis nunca antes realizados. O uso da tipografia – técnica que tem como ferramenta uma prensa e modelos de letras móveis feitas em mental, organizadas em uma bandeja na forma de palavras ou frases – possibilitou a reprodução rápida de textos escritos, que anteriormente eram manuscritos. Esse invento favoreceu a circulação de informações pela escrita, a divulgação das ideias filosóficas e cientificas através de livros e folhetins. Também favoreceu a educação e, principalmente, incentivou a alfabetização. Não se pode esquecer que existe um conjunto relevante de outras formas de escritas que se constituíram em sistemas sociais e históricos de civilizações antigas e que foram preteridas pelo Ocidente. Estas utilizam codificações alfabéticas a partir de pictogramas, por exemplo a escrita cuneiforme e os hieróglifos na antiguidade, e ideogramas, ainda usados na escrita chinesa e japonesa, por exemplo. Santaella e Nöth (2009) destacam que, quando se faz referência à linguagem verbal, na maioria das vezes, deixa-se de fora a existência de outras formas de escrita que surgiram da mímica e do gesto – por esquecimento ou negligência. Observe a Figura 1. Semiótica58 Semiotica_U2_C02.indd 58 13/03/2017 14:55:23 Figura 1. Exemplo de escrita pictográfica (a), hieróglifos egípcios, e escrita ideográfica (b), caracteres chineses. Fonte: (a) Fedor Selivanov/Shutterstock.com, (b) vladm/Shutterstock.com Para nos utilizarmos da linguagem verbal, precisamos conhecer os vocábulos, considerando ser um mecanismo de comunicação em sociedade. Por exemplo, o bebê, antes de apreender a falar, vai se apropriando do código verbal a partir de sons que são interpretados pelos adultos em um arremedo de fala infantil. É dessa forma que surge, nesse caso, um sentimento de naturalidade da linguagem infantil. As onomatopeias, palavras que expressam os diversos sons, são consi- deradas linguagem verbal, que são apresentadas através da oralidade e da escrita. Os índices, ou seja, os sons expressados, não têm semelhança com seus referentes. Como “zunzum” não tem sequer semelhança com o inseto abelha ou “bii-bii” com carro. Veja exemplos no Quadro 1. Onomatopeias atchim - espirro bang - tiro bii bii - buzina buáa - choro cof cof - choro nhac - mordida splash - mergulho Tic tac - relógio quack quack - pato zum zum - abelha Quadro 1. Exemplos de onomatopeia. 59Linguagem verbal e não verbal Semiotica_U2_C02.indd 59 13/03/2017 14:55:24 Os textos verbais podem adquirir diferentes características. Os textos com linguagem figurada, por exemplo, são utilizados na literatura e na poesia, geralmente com a intenção de descrever seres e situações fantásti- cas de forma complexa para o ser humano. Já os textos jornalísticos têm a intenção de passar a informação ao leitor. Para atrair o público, a imprensa se utiliza do jogo de palavras, oral, escritas e com imagens estáticas, ou animadas, dependendo do meio de comunicação, visando criar o efeito desejado (AGUIAR, 2004), como percebemos em jornais impressos e nas Revistas. Analise a Figura 2. Figura 2. Revista e jornal impresso. Fonte: Wikimedia Commons (2011a, 2011b). A linguagem verbal tem influência também no aspecto psicoemocional do ser humano, pois afeta o estado de ânimo e as emoções. Por exemplo, quando recebemos um elogio ou dizemos algo que valoriza o outro,isso mexe com a autoestima e com o estado de espírito para um lado positivo, alegre. Ao contrário, se criticamos, ou discutirmos, ficamos tristes, aborrecidos. Essas situações mostram o quanto a área intelectual e a afetiva estão relacionadas (AGUIAR, 2004). No entanto, são duas as linguagens que estão conectadas, a linguagem verbal e não verbal. Semiótica60 Semiotica_U2_C02.indd 60 13/03/2017 14:55:24 Linguagem não verbal A linguagem não verbal pode ser defi nida como sendo uma linguagem “[...] das imagens, das metáforas e dos símbolos, expressa sempre em totalidades que não se decompõem analiticamente.” (AGUIAR, 2004, p. 28). Na linguagem não verbal não há presença de palavras, por isso, ela segue outro tipo de código. Apesar da ausência da palavra, existe uma linguagem que constrói a mensagem que se pretende passar. Utiliza-se para isso de outros instrumentos, como imagens, gestos e sinais. Também, considera-se como linguagem não verbal a manifestação da pessoa que recebe a mensagem, pois essa geralmente expressa corporalmente diversas reações, como de atenção, agrado ou desagrado. Tanto o emissor quanto o receptor da mensagem passada através de linguagem não verbal apresentam os indícios de signifi cados que devem ser compartilhados por quem passa ou recebe a mensagem. Veja a Figura 3. Figura 3. Exemplos de linguagem expressa corporalmente: (a) bocejo, (b) expressão de dúvida, (c) olhar vago e distante. Fonte: (a) Kues/Shutterstock.com, (b) Claudio Stocco/Shutterstock.com, (c) Alexander Image/Shut- terstock.com 61Linguagem verbal e não verbal Semiotica_U2_C02.indd 61 13/03/2017 14:55:24 A linguagem gestual é uma forma de comunicação através de movimentos corporais e gestos de mãos e dedos, como a Libras (linguagem brasileira de sinais) – linguagem dos sinais usadas pelos surdos-mudos, e a mímica que são os gestos ilustrativos desenhados no espaço, igualmente convencionados, que encena uma mensagem. A Libras é uma língua como qualquer outra, pois tem vária regras, existe gramática, existe sinais e modos de usar esses sinais. Ela é normativa. Muitas vezes, a Libras é confundida como uma lin- guagem visual, por ser uma língua visual, mas ela é uma linguagem gestual, pois é composta de sinais, gestos e expressões a partir de uma convenção (FARIAS; SANDERSON; PORTO, 2013). Também, podem ser referidos como linguagem gestual a expressão facial, que são as expressões básicas do ser humano, por transmitirem através do movimento dos músculos suas satisfações e insatisfações sobre determinada coisa. O rosto é a região do corpo mais vulnerável a expressões, reagindo à diferentes situações, como alegria, medo, insegurança, ânimo (Figura 4). Figura 4. Exemplos de linguagem gestual (a), linguagem de sinais, e expressão facial (b). Fonte: (a) Gemenacom/Shutterstock.com, (b) Andrey_Popov/Shutterstock.com Semiótica62 Semiotica_U2_C02.indd 62 13/03/2017 14:55:25 No teatro, a linguagem não verbal torna-se mais complexa, concentrando os sentidos em uma linguagem complexa dos signos em si. Ali são exploradas todas as possibilidades do espaço. Compõem-se de signos auditivos, como palavras, música e ruídos; signos visuais, centrados no ator, como expressão facial e corporal; na aparência exterior, com a maquiagem, o penteado e a indumentária; e no espaço cênico, com o cenário e a iluminação. Todos esses signos, por sua presença ou ausência, criam o efeito da comunicação imediata com seu público. A dança constrói uma linguagem corporal, ela é uma expressão artística que vai além da mera repetição de passos, gestos e movimentos apreendidos. Independentemente do estilo e da cultura, a dança representa a expressão de uma ideia ou sentimentos com intuito de passar uma experiência individual e única de um ser e de um corpo que se comunica, expressando uma linguagem (SOARES, 2014). A linguagem visual (ilustração, pintura, fotografia, entre outros) pode desempenhar muitos papéis ao mesmo tempo, como decorativo, artístico e comunicacional. Muitas vezes, essas finalidades se misturam e interagem entre si, a fim de servir às necessidades sociais (DONDIS, 1997). A linguagem visual se espalha pelo espaço, pois a percepção de uma obra de arte, a fotografia de um cartaz de publicidade ou de uma escultura, primeiramente, ocorre de maneira global, depois se percebe as partes. A fotografia busca expressar uma mensagem. Também, apresenta um caráter artístico, quando ganha um sentido mais amplo. Ela apresenta duas naturezas distintas de linguagem e cada uma delas corresponde a uma visão de mundo diferente, que por mais que uma linguagem reflita uma realidade, ela também cria uma realidade. A foto é vista como uma espécie de prova, atesta a existência indiscutivelmente daquilo que se mostra. Para Dubois (1993), foi atribuído uma credibilidade da realidade para fotografia, um princípio de “documento histórico”, devido à técnica. A maior parte das placas de trânsito é constituída por desenhos figurativos que indicam através da linguagem visual as leis que regem o trânsito (Código Nacional de Trânsito), por isso são consideradas de linguagem não verbal. Também, o mapa é não verbal. Sua compreensão ocorre a partir dos desenhos e de maneira imediata e global (CASTRO, 2013), como revela a Figura 5. 63Linguagem verbal e não verbal Semiotica_U2_C02.indd 63 13/03/2017 14:55:25 Figura 5. Exemplos de linguagem visual, (a) fotografia, (b) desenho, (c) pintura, (d) placas de trânsito. Fonte: (a) LiliGraphie/Shutterstock.com, (b) Art’nLera/Shutterstock.com, (c) jorisvo/Shutterstock.com, (d) hin255/Shutterstock.com O cinema mudo, além de ser considerado uma linguagem visual, carrega muito de sua importância na linguagem corporal. É através dela que se mani- festam e transmitem os desejos, as vontades e os desagrados dos personagens. Utilizavam a mímica para expressar as convenções narrativas, com intuito de construir enredos explicativos. Nos primórdios do cinema mudo, não havia inserção de textos para não interromper a ação e muito menos trilha sonora. Os primeiros filmes foram considerados “cinema puro” por não fazerem de uso da linguagem verbal (ARAGÃO, 2006). Com a inserção de letreiros curtos e explícitos entre as cenas (informar espaço e tempo), o cinema mudo passa a ser considerado uma linguagem sincrética – a forma de comunicação constituída por códigos de natureza distinta, misturando verbal e não verbal. Semiótica64 Semiotica_U2_C02.indd 64 13/03/2017 14:55:25 Considerações finais O entendimento da linguagem como um sistema de signos foi consequência dos estudos de Saussure (1970) que inicialmente classifi cou-a em duas partes, fala e língua. A partir desse estudo, foram desenvolvidos outros com o foco em uma ou em ambas as esferas da linguagem. Também outros sistemas de linguagem, como a não verbal, são originários desses estudos. Foi com a semiologia que se permitiu analisar todos os fenômenos culturais linguísticos, a linguagem verbal e não verbal, partindo do pressuposto que esses fenômenos são signos. O signo, portanto, é a base do sistema comunicativo na sociedade, primeiro no nível da comunicação e outro no nível da expressão. Nos estudos de linguagem verbal, por causa da ênfase na língua, a escrita tornou-se mais relevante que a oralidade. Entretanto, não é porque a linguagem escrita se utiliza de normas gramáticas mais complexas que a linguagem oral. Trata-se de que tudo na oralidade acontece no movimento. Depende do ambiente em que se encontra o falante, também do objetivo que se pretende atingir e quem são os ouvintes, o que dificulta sua apreensão. Na oralidade, há momentos em que se precisa de uma linguagem mais elaborada próxima a escrita, em outros momentos de uma linguagem mais coloquial (do dia a dia). A centralidade da escrita também influenciou em relação à predominância da linguagem verbal em relação à não verbal. Cada tipo de linguagem não verbal tem sua própria forma de expressão,seus códigos e suas finalidades, como o já referido exemplo da Libras, que é normativa como a escrita. As tecnologias digitais são um novo gênero de linguagem verbal e não verbal, como o e-mail, os chats (bate-papo), os fóruns on-line (espaços de opinião e debate), as redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Tumblr, WhatsApp…) e os elementos comunicativos utilizados nessas tecno- logias, como, por exemplo os emojis e os links de hipertexto entre outros. Os emojis são ícones representados com carinhas que tem nome, ou significado oficial e que é utilizado em aplicativos e sistemas diferentes, principalmente no Facebook e no WhatsApp. Os hipertextos constituem uma escrita não sequencial e não linear, pois permitem o acesso a outros textos, através de links, que os fazem interagir com outra mensagem e outro espaço, chamado de ciberespaço. Tanto a linguagem verbal como a não verbal são sistemas de signos car- regados de significados e estão intrínsecos na sociedade, sendo utilizados cotidianamente de acordo com a necessidade de cada indivíduo, facilitando a vida em sociedade. 65Linguagem verbal e não verbal Semiotica_U2_C02.indd 65 13/03/2017 14:55:26 Semiótica66 Semiotica_U2_C02.indd 66 13/03/2017 14:55:27 AGUIAR, V. T. de. O verbal e o não verbal. São Paulo: UNESP, 2004. ARAGÃO, I. R. Palavras escritas: do cinema mudo ao falado. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 29., 2006, Brasília. Anais... Brasília: Intercom – So- ciedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2006. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1068-1.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2017. CASTRO, I. L. Linguagem verbal e não verbal: o ensino de língua portuguesa. Rio Verde: FAR, 2013. Disponível em: <http://www.faculdadefar.edu.br/artigo-cronica/detalhe/ id/21>. Acesso em: 21 fev. 2016. CORRÊA, M. L. G. Linguagem e comunicação social: linguística para comunicadores. São Paulo: Parábola, 2002. DICIO. Matosinhos: 7Graus, c2009-2017. Disponível em: <https://www.dicio.com.br>. Acesso em: 08 jan. 2017. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997. DUBOIS, P. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. FARIAS, F.; SANDERSON, H. S.; PORTO, V. Comunicação não-verbal e libras. Revista Intercâmbio dos Congressos de Humanidades, v. 16, 2013. 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Folhetim. Wikimedia, 2011b. Disponível em: < https://com- mons.wikimedia.org/wiki/File:Folhetim.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 08 mar. 2017. Sistemas simbólicos e semissimbólicos – Sociossemiótica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: n Caracterizar a Semiótica Discursiva e os processos de signifi cação elaborados por Greimas. n Reconhecer o funcionamento e a diferença entre os sistemas simbó- licos e semissimbólicos e operar seus métodos de análise. n Identifi car as áreas de aplicação da perspectiva da Sociossemiótica. Introdução Será que a Semiótica existe para além do estudo dos signos? A Semiótica Discursiva elaborada por Algirdas Julien Greimas tem essa proposta. Para além e para aquém da ciência geral dos signos, Greimas se propõe a estudar os processos que produzem sentido. Uma perspectiva processual, que visa dar conta dos modos como entendemos o mundo e nos comunicamos em seu interior. Neste texto, você vai conhecer as principais ferramentas da aná- lise discursiva de Greimas (1976) além da categorização de sistemas significantes como o simbólico e o semissimbólico. Por fim, você vai conhecer a perspectiva da Sociossemiótica, elaborada por Eric Landowski. U N I D A D E 3 Semiotica_U3_C01.indd 69 13/03/2017 14:56:29 Greimas e a Semiótica Discursiva A elaboração da semiologia por Ferdinand de Saussure provocou reverberações em diversos campos das ciências humanas, da linguística à antropologia. Inclusive, toda uma escola de pensamento foi inaugurada a partir de suas colocações acerca do funcionamento do signo na linguagem, o chamado Estruturalismo. Figuras como Claude Lévi-Strauss na antropologia e Jacques Lacan na psicanálise foram pensadores proeminentes que aplicaram as ideias de Saussure e da semiologia em seus respectivos campos de estudo. Um dos mais célebres estruturalistas, o lituano Algirdas Julien Greimas (1917-1992), desenvolveu uma semiótica voltada não apenas para o estudo do funcionamento do signo linguístico em si, mas para os processos de sig- nificação em geral (NÖTH, 1996). Ou seja, Greimas estava interessado em descobrir como que, a partir das relações entre significante e significado, nós “damos sentido ao mundo” (NÖTH, 1996). A primeira questão importante que você deve prestar atenção é a noção de discurso elaborada por Greimas (1976). Diferentemente da semiologia tradicional, a semiótica discursiva não se preocupa com uma estrutura geral da língua, mas sim aos processos com os quais essa língua funciona concre- tamente nas relações entre pessoas. É uma perspectiva social, que se preocupa menos em entender o sentido específico de um determinado texto e mais no processo pelo qual ele assume uma dada significação. Por isso que é chamada de discursiva, pois tenta entender de que forma usamos a língua e os diferentes sistemas de signos em nossos discursos diários para nos comunicarmos e nos fazer entender. O projeto semiótico de Greimas (1976) entende a linguagem e a comuni- cação como um todo, não apenas voltada ao signo linguístico. Por isso que seu objeto de análise sempre serão sistemas semióticos organizados, como, por exemplo, um texto ou uma obra de arte. Seu objetivo é compreender como que tal texto produz sentido, quais as operações semióticas que ali estão em jogo. A questão central da semiótica de Greimas é o estudo da linguagem e dos discursos “[...] com base na ideia de que uma estrutura narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto [...]” (NÖTH, 1996, p. 163). Mas o que isso quer dizer? Greimas (1976) afirma que há uma estrutura por detrás de todo e qualquer texto, e que essa estrutura organiza o modo como Semiótica70 Semiotica_U3_C01.indd 70 13/03/2017 14:56:29 concebemos o sentido das coisas. Ele está preocupado não com o funcionamento formal da língua, mas sim com os conteúdos que usamos para nos comunicar. A semiótica discursiva é baseada naquilo que Hjelmslev conceituou como Plano de Conteúdo (BARTHES, 2014). O linguista dinamarquês Louis Hjelmslev foi um dos mais importantes teóricos da semiótica. Foi ele o responsável por atualizar as noções de significante e significado para, respectivamente, Plano de Expressão e Plano de Conteúdo. Para Hjelmslev, um sistema semiótico é sempre formado pela interação entre esses dois planos (BARTHES, 2014). Ainda que indissociáveis do ponto de vista do funcionamento cotidiano da linguagem, Hjelmslev afirma que cada plano pode ser estudado e compreendido separadamente (BARTHES, 2014). Saiba mais em Barthes (2014). Com base naideia de Saussure de que o signo linguístico opera sempre por uma oposição ou diferença (como, por exemplo, a diferença entre pato e fato), Greimas aplicou essa ideia ao plano dos conceitos e conteúdos. Greimas (1976) afirma que, no nível estrutural mais profundo, nossos conteúdos são organizados por oposições binárias: vida/morte, bem/mal, forte/fraco. Esse nível mais profundo e estrutural dos conteúdos, se torna cada vez mais com- plexo quanto mais na superfície dos discursos posicionamos nossa análise. Mas Greimas (1976) é categórico: o processo de significação sempre parte dessas oposições fundamentais entre conceitos. Greimas (1976) elaborou um diagrama para dar conta dessas relações de contrariedade e diferença que existem entre os conteúdos ou unidades semân- ticas fundamentais. O chamado Quadrado Semiótico serve como instrumento de análise para visualizar e mapear as unidades semânticas fundamentais que se manifestam nos níveis mais profundos do discurso, como vida/morte e bem/mal. Você pode ver abaixo que não apenas encontramos essa relação de contrariedade, na parte superior do Quadrado, o chamado Eixo Semântico, como o diagrama também prevê duas outras categorias, que se colocam como contraditórias e complementares às duas primeiras. 71Sistemas simbólicos e semissimbólicos – Sociossemiótica Semiotica_U3_C01.indd 71 13/03/2017 14:56:30 Figura 1. Diagrama do Quadrado Semiótico. Fonte: Adaptada de Nöth (1996). O processo de significação parte dessas estruturas mais profundas e fun- damentais e atravessa um caminho até virar um discurso como o conhecemos e compreendemos. Greimas (1976) organiza esses níveis a partir de estruturas discursivas em três categorias: n Estruturas profundas: O nível fundamental, onde operam as oposições semânticas mais básicas. É nesse nível que observamos as categorias semânticas que formam a base estrutural de todos os conceitos, numa relação de contrariedade e contradição, tal como o signo saussuriano. n Estruturas superficiais: O nível narrativo, onde as formas semióticas e gramáticas expressivas se organizam como possibilidade para expressar um conjunto de conteúdos. É onde são elaborados os enunciados, onde as categorias semânticas do nível fundamental se organizam hierarqui- camente de forma a delinear um sentido. n Estruturas de manifestação: O nível discursivo, a parte aparente do discurso, onde se manifesta uma dada intencionalidade e também a compreensão do sentido pelo leitor. É o nível concreto, onde o discurso aparece como resultado inteligível para o leitor ou espectador. A passagem do nível fundamental até o nível do discurso é o que Greimas (1976) chama de Percurso Gerativo de Sentido. Nós nem notamos, mas, de acordo com Greimas (1976), toda a nossa comunicação obedece essa ordem, que pode ser decomposta e estudada separadamente. Você pode ver que a base da Semiótica Discursiva de Greimas é voltada ao estudo dos conteúdos, do modo como organizamos o mundo em conceitos e o Semiótica72 Semiotica_U3_C01.indd 72 13/03/2017 14:56:30 comunicamos. Entretanto, Greimas (1976) notou que há sistemas semióticos que criam uma relação muito íntima entre o Plano de Expressão e o Plano de Conteúdo, ao que ele dá o nome de Sistemas Simbólicos e Semissimbólicos. O modo como tais sistemas funcionam é o tema da próxima seção. Sistemas simbólicos e semissimbólicos O projeto de Greimas visa estudar os processos de signifi cação de sistemas semióticos. Você viu na seção anterior como o autor propõe uma análise estrutural que seja voltada ao Plano de Conteúdo desses sistemas, voltado aos aspectos semânticos. Assim você pode notar que o Plano de Expressão, ou dimensão do signifi cante em si, fi ca de fora das análises greimasianas num primeiro momento. Entretanto, quando Greimas (1976) parte para analisar obras de arte visual, ele se depara com um tipo de confi guração semiótica que difi culta a separação tão clara entre planos, onde certas ca- racterísticas da expressão se conjugam com as do conteúdo. A esse tipo de sistema onde os planos são sobrepostos, Greimas (1976) deu o nome de sistemas semissimbólicos. Mas antes de entrar nessa caracterização, é preciso retomar alguns conceitos de Saussure. Em sua tipologia sígnica, Saussure distinguiu três tipos de signos convencionais, aqueles criados pela atividade humana (BARTHES, 2014). Os signos linguísticos seriam aqueles arbitrários, onde a relação entre o significante e o significado não possuem uma correlação imediata. O sig- nificante/casa/ não tem nenhum vínculo com o significado de casa, é uma relação arbitrária e imotivada. Já os ícones são os signos totalmente motivados, pois mantêm uma relação de contiguidade com o objeto representado. O desenho de uma casa, por exem- plo, é um ícone, pois representa graficamente aspectos visuais do objeto casa. Por fim, os símbolos são signos relativamente motivados e relativamente arbitrários. Diferentemente do ícone, o símbolo representa uma ideia genérica, como a pomba branca que representa a paz ou uma balança que representa a justiça. Não há uma semelhança absoluta, o que faz do símbolo ser relativamente arbitrário, assim como não há uma arbitrariedade absoluta, pois iconicamente o símbolo representa alguns conceitos visualmente de seu significado. Símbolos são constituídos socialmente, juntando uma representação a um conceito gené- rico. Após essa junção ter sido feita, eles se cristalizam e acabam confundindo até mesmo a ideia que representam com a sua representação, como acontece no caso da balança como símbolo da justiça (BARTHES, 2014). 73Sistemas simbólicos e semissimbólicos – Sociossemiótica Semiotica_U3_C01.indd 73 13/03/2017 14:56:30 Figura 2. Balança: símbolo da Justiça. Fonte: focal point/Shutterstock.com Tendo isso em vista, Greimas (1984) passa a se perguntar que tipo de relação existe entre essas representações visuais com os conteúdos que podem veicular. Como a sua semiótica é voltada para os processos de significação e não para uma ciência dos signos, Greimas (1984) reuniu em três grandes sistemas o modo como funcionam os signos dentro de suas capacidades representativas de conteúdos: o sistema Simbólico, o sistema Semiótico e o sistema Semis- simbólico. Nos sistemas Simbólicos, um elemento do Plano de Expressão possui apenas um correspondente no Plano de Conteúdo. Como exemplo de sistemas Simbólicos temos as linguagens científicas, como a matemática, por exemplo. Na linguagem matemática, um signo como “%” só pode representar uma única coisa, uma operação de porcentagem. Também são sistemas Simbólicos códigos visuais de trânsito, como o semáforo por exemplo. Há uma convenção de que, no espaço limitado do semáforo, o vermelho só pode significar “pare” e o verde significar “avance”. Se esses sistemas tivessem possibilidades de interpretação, o trânsito seria um caos! No caso dos sistemas Semióticos, há uma conformidade relativa entre os planos de expressão e conteúdo. Os signos nos sistemas semióticos não se relacionam necessariamente a apenas um elemento, mas sim a universos semânticos distintos. O exemplo de sistemas Semióticos são as línguas na- turais, como o Português ou o Francês. As palavras ou significantes dessas Semiótica74 Semiotica_U3_C01.indd 74 13/03/2017 14:56:31 línguas não são limitadas a apenas uma intepretação e seus planos podem ser separados para propósitos de análise. É nesse sistema que se posicionam as análises de Greimas que abordamos na primeira seção desse texto, sepa- rando o plano de conteúdo da língua francesa para investigar os processos de significação semânticos. Por fim, encontramos o mais interessante de todos os sistemas: o sistema Semissimbólico. O semissimbolismo é um tipo de articulação que diz respeito a uma homologação não entre elementos isolados do plano de expressão e de conteúdo, mas que relaciona categorias de ambos os planos. Os sistemas semissimbólicos são os sistemasda arte, da poesia, da música. Encontramos um tipo de elaboração expressiva que corresponde a um tipo de categoria de conteúdo. Como afirma Ribeiro (2006, p. 3), “[...] o semissimbolismo se dá quando da possibilidade da homologação de categorias do plano do conteúdo com categorias do plano da expressão [...]”. Isso quer dizer que há uma relação no semissimbólico que, na tipologia de Saussure, fica entre o motivado do ícone e do símbolo e o arbitrário do signo. Isso quer dizer que os sistemas semissimbólicos são aqueles que elaboram as características da língua, das imagens, dos sons para produzir conteúdos que se relacionem com esses modos expressivos. A descoberta de Greimas e de alguns de seus seguidores, como Jean Marie Floch (RIBEIRO, 2006, p. 3), é a de que existem categorias gerais de expressão que se relacionam a categorias de conteúdo. Você já notou que em alguns filmes, quando a história se volta para o passado (um flashback), vemos a imagem em preto e branco? Isso é uma operação semiótica semis- simbólica: o preto e branco, que não é mais que um uso expressivo de características da imagem, representa uma categoria de conteúdo, o passado. É uma relação ao mesmo tempo arbitrária e motivada: não há nenhuma conexão natural entre uma coloração preto e branco e o passado (arbitrário), entretanto reconhecemos automaticamente o seu conteúdo (motivado). Tirado de seu contexto, como por exemplo em uma gravura, o preto e branco perde essa relação com a categoria do conteúdo “passado” e assume outras possíveis significações. A semiótica discursiva de Greimas pode lhe ajudar a analisar textos que sejam do sistema semissimbólico, utilizando as categorias do percurso gerativo 75Sistemas simbólicos e semissimbólicos – Sociossemiótica Semiotica_U3_C01.indd 75 13/03/2017 14:56:31 de sentido. No caso da semiótica visual, especificamente, podemos nos utilizar das categorias elaboradas por Floch (RIBEIRO, 2006, p. 4) para realizar essas análises. Floch elabora três categorias do plano expressivo visual que podem ser análogas a conceitos no plano do conteúdo. São elas (RIBEIRO, 2006): n Edética, que se refere às formas visuais e os elementos que constituem a figuração do quadro; n Cromática, que se refere às cores presentes e a sua relação; n Topológica, que se refere à organização espacial, o modo como estão dispostas as figuras. Essas categorias, em textos específicos, teriam correspondentes no plano do conteúdo, ou seja, homologações entre ambos os planos que não são nem absolutamente motivadas nem absolutamente arbitrárias. Você pode ver como isso funciona ao analisar uma das mais célebres pinturas da época da Revolução Francesa, A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix. Figura 3. A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix. Fonte: Oleg Golovnev/Shutterstock.com Semiótica76 Semiotica_U3_C01.indd 76 13/03/2017 14:56:32 Esta pintura possui um bom indicativo de como funciona os sistemas semis- simbólicos, especialmente pelo seu caráter sincrético: temos um texto visual (a pintura) e um texto verbal (seu título). A liberdade aparece como principal elemento, indicado pelo título da obra. O eixo semântico fundamental, no nível profundo, coloca uma oposição entre liberdade-opressão. Como essa categoria de conteúdo se manifesta nas categorias expressivas visuais da pintura? Você pode proceder usando as categorias de Floch. Na categoria eidética, temos uma forma feminina em destaque, liderando um grupo de homens. Sendo “liberdade” um substantivo feminino, podemos criar uma relação entre a mulher da pintura e o conceito de liberdade. Interessante que na categoria cromática, temos três elementos em destaque: o vermelho, azul e branco; cores da bandeira francesa, elaborada na época da revolução cujos princípios eram justamente liberdade, igualdade e fraternidade. Por fim, na categoria topológica podemos destacar a posição de liderança que a mulher assume no quadro. Se voltarmos ao nível profundo, podemos entrever que a intencionalidade da pintura se refere a um conteúdo semântico que afirma que a liberdade irá superar a opressão. Você pode notar que não nenhuma dimensão estritamente arbitrária nem estritamente motivada. A relação entre expressão e conteúdo aqui é construída pontualmente, semissimbolicamente. Esse é um breve exercício de interpretação semissimbólica utilizando as ferramentas da semiótica discursiva que pode ser aplicado a uma variedade de objetos. É importante destacar que a relação semissimbólica entre expressão e conteúdo pode ser também uma construção social, como encontramos na arte e na poesia. Essa dimensão da semiótica greimasiana é a que foi explorada sob o nome de sociossemiótica, especialmente pelo francês Eric Landowski (2014). Sociossemiótica A semiótica discursiva elaborada por Greimas já tinha por objetivo analisar o modo como o sentido se constrói no interior da sociedade. Greimas (1976) entendia que havia uma estrutura fundamental por trás de todo o discurso, mas os conteúdos que circulam por essa estrutura vão se transformando com a história. Em determinado momento de sua carreira, Greimas decidiu que não apenas os textos em sentido estrito eram passíveis de uma análise semiótica, mas sim toda a relação social. No livro Semiótica e Ciência Social (GREIMAS, 1976), o autor propõe a utilização do termo “sociossemiótica” para designar a análise de práticas cotidianas, como a comunicação midiática e discursos políticos. Para Greimas (1976), há uma “dimensão semiótica na sociedade”, 77Sistemas simbólicos e semissimbólicos – Sociossemiótica Semiotica_U3_C01.indd 77 13/03/2017 14:56:32 que articula não apenas o modo como nos comunicamos, mas que também funda práticas de interação e entendimento do mundo. Um dos mais célebres alunos de Greimas, o professor francês Eric Lando- wski, seguiu em frente com o projeto de seu mestre, elaborando uma teoria geral para aquilo que estava apenas indicado por Greimas. Para Landowski (SILVA, 2014), a semiótica não é um instrumento interpretativo de textos apenas, mas uma teoria que se volta para o modo como damos sentido à vida em sociedade. Para ele, é preciso atentar para as práticas de significação que existem em diferentes esferas, como os vocabulários de subculturas, o modo como agimos em diferentes situações como ir ao banco ou sentar em um bar com amigos, o tipo de gesto que utilizamos no cotidiano. Como ele afirma, a semiótica “Não se trata de uma ontologia, mas da busca da compreensão sobre o modo como atribuímos sentidos às nossas relações com o mundo e a alteridade.” (SILVA, 2014, p. 347). A partir dessa colocação, se chega ao ponto central da perspectiva de Lan- dowski: “[...] considerar a interação como lugar mesmo da aparição do sentido [...]” (SILVA, 2014, p. 353). Landowski desloca uma compreensão tradicional sobre a semiótica, a qual afirma que o sentido emerge das condições próprias do texto, de seu funcionamento interno. Para Landowski (SILVA, 2014), o objeto de estudo da semiótica não é o texto, mas sim o sentido. E, mais que isso, o sentido aparece como dado social, a partir da interação das pessoas entre si e com o mundo que as rodeia. Um dos locais privilegiados para a investigação dessa construção social do sentido é justamente os discursos que circulam pela mídia. Para Landowski (SILVA, 2014), a mídia exerce um papel ao mesmo tempo criativo e também regulador do modo como produzimos significações. Não se trata de saber apenas o que está dito, mas sobretudo entender quem diz, como diz, em que contexto e com qual intenção. A proposta de Landowski é retirar a semiótica do estudo interpretativo textual e colocá-la para interpretar as significações do mundo. Você pode notar que há uma continuidade no trabalho de Landowski em relação a Greimas. A semiótica discursiva já se propunha a analisar aquilo que estava aquém e além do signo em um discurso. Landowski apenas amplia a noção de discursopara práticas sociais diversas, aplicando as mesmas ferramen- tas do percurso gerativo de sentido. E, no caso específico da sociossemiótica, é a partir da interação que esse sentido emerge. Há ainda duas questões importantes para destacar a você sobre a sociossemi- ótica. A primeira diz respeito ao fato de Landowski não considerar as práticas sociais resultado de uma representação de um sistema social estabelecido. Não há um conjunto de regras e estruturas que comandam a interação social. Semiótica78 Semiotica_U3_C01.indd 78 13/03/2017 14:56:32 Pelo contrário, é justamente a partir das práticas de sentido que possíveis configurações sociais vão tomando forma. Para Landowski (SILVA, 2014), é a comunicação e a interação que constroem o social, e não o contrário. O “social” em sua visão é um universo de sentido que é construído a partir de interações e negociações de sentido. A segunda questão que Landowski destaca é o objetivo da sociossemiótica em abandonar as teorias totalizantes. Isso quer dizer que a sociossemiótica não está preocupada em descrever sistemas e elaborar modelos, mas sim mapear e descrever as práticas significantes que emergem a partir da interação e seus processos de elaboração de sentido. Como o próprio Landowski (2014, p. 12) deixa claro: “Menos que uma análise do sentido realizado, investido nos objetos — nos enunciados, nos textos, nas coisas que nos circundam ou nos comportamentos que nós observamos —, a sociossemiótica se propõe como uma teoria da produção e da apreensão do sentido em ato.”. 1. Dentro da semiótica discursiva de Greimas, qual a característica fundamental do processo gerativo de sentido? a) Oposição entre unidades semânticas presentes na estrutura profunda. b) Intenção do emissor em comunicar um determinado conteúdo. c) Estilo retórico e estratégias persuasivas para o convencimento. d) Narrativa articulada na forma de uma boa história. e) Repertório interpretativo do leitor ou receptor. 2. Greimas afirma que a sua semiótica não se trata de um estudo dos signos, mas de ume estudo dos modos como o sentido se manifesta na sociedade. Sendo assim, você pode afirmar que o objeto de estudo de Greimas é: a) Textos ficcionais da literatura mundial. b) O Plano de Expressão e as características formais próprias dos significantes. c) O Plano de Conteúdo e o modo como conceitos se manifestam e produzem processos de significação. d) A interação entre pessoas e o modo como elas se comunicam entre si. e) O funcionamento de instituições sociais, como o Direito e a Publicidade. 3. Considerando a definição de Greimas a respeito dos sistemas simbólicos e semissimbólicos, qual alternativa a seguir define as características desses sistemas? 79Sistemas simbólicos e semissimbólicos – Sociossemiótica Semiotica_U3_C01.indd 79 13/03/2017 14:56:33 a) Os sistemas simbólicos são aqueles que utilizam imagens e os semissimbólicos que utilizam texto. b) Os sistemas simbólicos são aqueles que se utilizam apenas de uma linguagem, enquanto os semissimbólicos são aqueles que utilizam múltiplas linguagens. c) Os sistemas simbólicos são os sistemas que admitem a existência de múltiplos significados para um significante, enquanto os semissimbólicos admitem apenas um único significado. d) Os sistemas simbólicos são aqueles em que um elemento do plano de conteúdo se relaciona apenas a apenas um elemento do plano de expressão, enquanto os semissimbólicos são aqueles que relacionam categorias de expressão com categorias de conteúdo. e) O sistema simbólico diz respeito a signos que possuem uma significação socialmente construída, enquanto os semissimbólicos possuem uma significação natural. 4. Qual dos exemplos abaixo caracteriza um sistema simbólico? a) A Constituição de um Estado-Nação. b) Uma equação matemática. c) Um poema de Mário Quintana. d) A obra de Pablo Picasso. e) Um disco de Caetano Veloso. 5. Qual alternativa a seguir define a produção de sentido na perspectiva da sociossemiótica de Eric Landowski? a) O sentido é produzido a partir dos mecanismos internos do texto. b) O sentido é produzido a partir da interação. c) O sentido e a sociedade são esferas separadas, que devem ser estudadas independentemente. d) O sentido não é nada mais que um reflexo do modo como a sociedade está estruturada. e) O sentido é um dispositivo político, organizado por aqueles que detêm o poder. Semiótica80 Semiotica_U3_C01.indd 80 13/03/2017 14:56:33 BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2014. GREIMAS, A. J. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1976. GREIMAS, A. J. Semiótica figurativa e semiótica plástica. Significação: Rev. 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