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DISPLASIA DO DESENVOLVIMENTO DO QUADRIL Sizínio Hebert “Displasia do desenvolvimento do quadril” (DDQ) é uma expressão genérica que descreve um espectro de anormalidades anatômicas do quadril, as quais podem ser congênitas ou de desenvolvimento após o nascimento. A DDQ manifesta-se de várias formas, dependendo do grau de deslocamento, da idade do paciente no diagnós co e no tratamento ou, ainda, da condição do quadril, se é instável, displásico, subluxado ou luxado. A displasia implica progressiva deformidade do quadril, em que o fêmur proximal, o acetábulo e a cápsula são defeituosos. A luxação da cabeça do fêmur pode ocorrer no útero (fetal ou pré- natal), no nascimento (perinatal) ou depois dele (pós-natal). Os achados clínicos e radiográficos, assim como as modificações patológicas, dependem do tempo de deslocamento. A luxação do quadril é dividida em três grandes categorias: a teratológica, que ocorre antes do nascimento e envolve graves deformidades do acetábulo, da cápsula e do fêmur proximal, associada a outras malformações, como mielomeningocele, artrogripose múl pla congênita, agenesia lombossacral e anomalias cromossômicas; a neurológica, em decorrência dos desequilíbrios musculares pós-natais, como na paralisia cerebral; e a pica, que ocorre em crianças normais, tema deste capítulo. ANATOMIA E DESENVOLVIMENTO Do nascimento até a maturidade, próximo aos 16 anos, o quadril em crescimento passa por longa evolução, que é influenciada por inúmeros fatores. Como todas as demais ar culações, o quadril é o resultado de um elemento intermediário coxofemoral, car lagíneo, que se inicia em uma fenda ar cular do embrião. Esse esboço extremamente maleável é o centro dos primeiros pontos de ossificação (diáfise femoral, ílio, ísquio e púbis), que concentram ao redor da ar culação as car lagens de crescimento, das quais dependem não só o comprimento e o tamanho dos elementos ósseos, mas também a morfologia ar cular. O componente femoral, aumentado em sua extremidade superior, com um esboço de esfera cefálica, com o colo quase ausente, possui um maciço car lagíneo de crescimento que isola os três centros de ossificação (cabeça femoral, trocânter maior e trocânter menor) e uma grande car lagem de conjugação, des nada ao crescimento da diáfise. Desenvolve-se do trocânter menor ao maior, cruzando a base do colo femoral. Mais tarde, divide-se em três setores, sendo que o maior e mais a vo se converte na car lagem subcapital. No nascimento, essas três car lagens de mesma origem separam a diáfise da epífise (futuro núcleo cefálico) e das apófises (futuros trocânteres maior e menor). No entanto, ao nascimento, nenhuma dessas extremidades é visível na radiografia, pois seu núcleo secundário aparecerá somente mais tarde. É importante lembrar a estrutura, a origem e a evolução idên ca dessas três car lagens de conjugação, sendo que, ao final do crescimento, o período de fusão é quase o mesmo. O conjunto forma um maciço car laginoso compacto. O componente co lóideo é composto por três núcleos primi vos (ílio, ísquio e púbis), sendo o primeiro a aparecer e tendo a função de indutor para o crescimento da pelve e do membro inferior. Ocorre a convergência das três formações ósseas, que se afrontam igualmente e promovem trocas em suas car lagens de crescimento para formar a car lagem em Y, ou trirradiada. Sua posição centrada com perfeição no fundo do acetábulo e sua morfologia em estrela de três pontas representam a condição essencial do crescimento concêntrico da cavidade, que deve ser esférica e profunda. A alteração morfológica dessa zona produz acetábulo raso e não esférico, que pode expulsar o núcleo cefálico ou provocar artrose (FIG. 9.1.1). Para que a morfologia do acetábulo esteja definida, duas estruturas se somam: o núcleo do teto acetabular prolonga-se até a borda posterior, podendo formar um verdadeiro núcleo da parede posterior; o limbo fibrocar lagíneo, in mamente unido ao núcleo secundário, do qual é impossível sua dissociação radiográfica ou macroscópica, forma o complexo anatômico chamado de lábio (lábrum). Qualquer alteração de um afeta o outro, prejudicando a forma arredondada e circunferencial externa da cavidade, fator de retenção da cabeça femoral (FIG. 9.1.2). A adaptação entre o fêmur e o acetábulo deve ser recíproca. Ambos os elementos, orientados um ao outro, devem ser perfeitamente congruentes e concêntricos. Apesar do período de deflexão neonatal, que modifica em mais de 100° a orientação do fêmur, e do período de carga e de marcha com apoio monopodal alternado, fêmur e pelve adaptam seu crescimento e moldam-se um ao outro. A formação do acetábulo necessita da presença do núcleo cefálico. Os diversos fatores mecânicos (deflexão, carga, esforços musculares, movimentos, etc.) são indispensáveis para a morfologia normal ao final do crescimento. Três elementos interferem nesse processo: 1.Car lagem subcapital. Une o núcleo à metáfise, assegura o comprimento do colo do fêmur e o crescimento de toda a sua extremidade superior, representando 20% do crescimento defini vo do membro inferior. Reage, essencialmente, às forças de pressão durante a carga, na marcha e na contração muscular. 2.Car lagem do trocânter maior. Dela depende o maciço externo metafisário e a determinação do ângulo de varização. É solicitada pelas forças de tração, que dependem principalmente do glúteo médio. O enfraquecimento ou a paralisia desse músculo desencadeia o valgismo do colo femoral. 3.Car lagem em Y. Tal car lagem tem sob sua responsabilidade o crescimento, a morfologia do acetábulo e 50% do desenvolvimento da pelve. Ao nascer, o acetábulo é imaturo, plano e insuficiente, circundado por estruturas fibrocar laginosas do limbo e da cápsula ar cular. ETIOLOGIA As causas da DDQ são mul fatoriais, mas as mais importantes são hiperlassidão ligamentar, excessiva anteversão femoral, anteversão e/ou deficiência acetabular e má posição intrauterina.2 Em recém-nascidos, a suspeita de DDQ costuma ser alta nas seguintes situações: a) exis r história familiar; b) ocorrer oligoidrâmnios; c) for o primeiro filho e do sexo feminino (meninas têm incidência maior do que meninos, em proporção de 8:1); d) apresentar torcicolo, plagiocefalia, pé metatarso varo ou calcâneo-valgo, contratura em extensão dos joelhos ou outras deformidades; e) ver apresentação pélvica (aumenta a probabilidade de luxação em mais de 14 vezes no lactente a termo)2 (FIG. 9.1.3). A flexão do quadril, durante os úl mos meses de gestação, nas posições pélvica ou cefálica, aliada à frouxidão ligamentar, pode evoluir para displasia residual ou subluxação, mostrando que essa posição é importante como causa de displasia do desenvolvimento do quadril. Na posição pélvica, o fêmur do feto em flexão e rotação externa pode ser forçado para fora do acetábulo, predispondo a criança a nascer com o quadril instável, subluxado ou luxado (FIG. 9.1.4). O quadril do neonato é uma ar culação rela vamente instável porque a musculatura não está desenvolvida, as super cies car laginosas são deformáveis com facilidade e os ligamentos são frouxos. É possível haver posicionamento exagerado em flexão aguda e adução do quadril na vida intrauterina, sobretudo em fetos com apresentação de nádegas. Essa situação pode causar es ramento excessivo da cápsula posterior do quadril, o que deixa a ar culação instável após o parto. A frouxidão pode refle r a história familiar ou a presença do hormônio materno relaxina na circulação fetal.3 Na instabilidade, o quadril está con do e reduzido, mas lasso, instável e, por conseguinte, passível de luxação, em decorrência da frouxidão capsuloligamentar. Pode haver displasia concomitante. Na displasia, ocorre desenvolvimento inadequado da ar culação do quadril, incluindo o acetábulo, a cabeça femoral ou ambos. No recém-nascido, a displasia, sem instabilidade ou luxação, é assintomá ca, e o exame sico énormal. O diagnós co é fortuito e possível apenas por ultrassonografia. Quando tal condição vem acompanhada de instabilidade ou luxação, as manobras de Barlow4 confirmam o diagnós co na avaliação por imagem. Por essa razão, o diagnós co isolado costuma ser estabelecido muito tarde, quando a evolução alcança subluxação e luxação, com sinais clínicos mais evidentes na criança maior, como a limitação da abdu-ção, o sinal de Galeazzi e o sinal de Trendelenburg na idade da marcha. Em certos casos, o diagnós co pode ser ainda mais tardio, aparecendo na idade adulta sob a forma de dor em consequência de artrose precoce do quadril. Conforme Barlow,4 60% dos casos de instabilidade isolada se estabilizam na primeira semana e 90% até o terceiro mês de vida. Os outros 10% tendem a evoluir para subluxação e luxação. Na experiência do autor, isso ocorre na instabilidade com displasia não diagnos cada e/ou não tratada de modo precoce. Na subluxação, existe perda parcial do contato ar cular. É o termo usado para descrever achados radiográficos que indicam hipoplasia do acetábulo e deslocamento parcial da cabeça do fêmur em relação ao seu encaixe no acetábulo. Na luxação, há perda total do contato ar cular entre a cabeça femoral e o acetábulo. Ambos os casos vêm acompanhados de maior ou menor displasia (FIG. 9.1.5). DIAGNÓSTICO CLÍNICO O diagnós co varia de acordo com a idade da criança, o grau de deslocamento da cabeça femoral (instável, subluxada ou luxada) e quanto à condição do deslocamento, se pré-natal, perinatal ou pós-natal. Do nascimento aos 6 meses No recém-nascido, o diagnós co clínico de luxação do quadril é feito pelo teste de Ortolani, e o de instabilidade, pelo teste de Barlow. Contudo, antes de aplicar esses testes, é preciso examinar com cuidado, além dos sinais de risco, o quadril e os membros inferiores, em busca de outros aspectos suges vos de DDQ, como: •Assimetria de pregas nas coxas e poplíteas. Costuma acontecer no recém-nascido pela obliquidade pélvica, com contratura no quadril em abdução de um lado e em adução do outro, o que poderá estar comprome do (FIG. 9.1.6 A-B). •Encurtamento aparente do fêmur (sinal de Galeazzi posi vo). Não é encontrado de modo habitual no recém-nascido, a não ser nos casos de deslocamento pré-natal (teratológica) ou no diagnós co tardio, quando de uma luxação franca. O exame deve ser feito com os quadris em posição simétrica. Quando o quadril es ver em abdução, o outro em adução parecerá mais sinal de hart= o lado afetado nao abduz muito=nao abre muito curto. O diagnós co de fêmur curto congênito, nesses casos, não pode ser esquecido (FIG. 9.1.6 C). •Assimetria das pregas inguinais. Em geral, as pregas são simétricas, mas, quando a cabeça femoral está deslocada em posição posterior e cranial, podem estar assimétricas. No lado afetado, a prega inguinal estende-se posterior e lateralmente em relação à abertura anal. Quando ambos os quadris estão deslocados, as pregas estão simétricas, mas estendem-se posterior e lateralmente à abertura anal (FIG. 9.1.6 D-G). •Teste de Ortolani. Coloca-se a criança em posição supina em mesa de exame firme. A criança precisa estar relaxada, não chorar nem resis r ao exame. Examina-se um lado do quadril de cada vez. Com uma mão, estabiliza-se a bacia; com a outra, colocam-se os dedos médio e o indicador no trocânter maior e abraça-se a coxa com a mão e o polegar sobre o joelho. Não se coloca o polegar no triângulo femoral, pois isso pode causar dor e reação da criança. A manobra é realizada com delicadeza. Não se pode comprimir demais os dedos sobre a coxa do bebê. Com o quadril fle do em 90°, abduz-se a coxa e, com o dedo indicador ou o médio, empurra-se, de baixo para cima e de fora para dentro, pelo trocânter maior, a cabeça femoral para dentro do acetábulo. O examinador sente o ressalto de redução do quadril. A seguir, aduz- se o quadril. A cabeça femoral irá se deslocar para fora do acetábulo com ressalto de saída. Não se pode esquecer que esse é um teste de sensibilidade e não de força. O ressalto é sen do nos dedos, não pelos ouvidos por meio de ruídos do po clunck, como descrito em muitas publicações. É importante não confundir o ressalto de entrada e saída da cabeça femoral com o roçar miofascial da banda ilio bial, ou dos glúteos no trocânter maior, ou, ainda, o fenômeno do vácuo ar cular no quadril. A subluxação da patela, durante o exame, também pode causar crepitação, confundindo o exame (FIG.9.1.7 A e B). •Teste de Barlow. Esse teste é feito para o diagnós co de instabilidade do quadril. A criança é colocada da mesma forma que para o teste de Ortolani. A extensão do quadril aumenta a sua instabilidade, enquanto a hiperflexão deixa-o mais estável. O quadril deve ser testado em 45° de flexão e 5 a 10° de adução, ou seja, em posição de instabilidade. Com os dedos indicador e médio por cima do trocânter maior e o polegar no terço médio da coxa (não em cima do trocânter menor), empurra-se a cabeça femoral, lateral e posteriormente, na tenta va de deslocar o quadril. Quando o quadril é instável, a cabeça femoral se desloca para fora do acetábulo, por meio do ressalto de saída. A seguir, desfaz-se a compressão lateroposterior e, de maneira delicada, abduz-se e flexiona-se o quadril. A cabeça femoral será reduzida para dentro do acetábulo, com o ressalto de entrada.4 Em caso de dúvida, testa-se o quadril em posição de maior instabilidade, ou seja, com maior extensão e adução. No quadril subluxado, a cabeça femoral não consegue ser empurrada para fora do acetábulo, não ocorre o ressalto de saída, somente um deslizamento, e uma leve telescopagem pode ser sen da, já que o quadril está parcialmente luxado (FIG. 9.1.7 C e D). Dos 6 aos 12 meses Com o progressivo deslocamento posterolateral e cranial da cabeça femoral, aumentam as alterações anatômicas na ar culação. •Contratura em adução do quadril: a abdução do quadril luxado é progressivamente limitada (FIG. 9.1.8 A). •Encurtamento aparente da coxa: sinal de Galeazzi posi vo (FIG. 9.1.8 B) Postura em rotação externa do membro inferior: com o quadril e o joelho em extensão, o membro inferior fica posicionado em rotação externa. •Assimetria das pregas glúteas: as pregas ficam assimétricas e são mais acentuadas na luxação unilateral. ATENÇÃO! O teste de Ortolani pode ser nega- -vo nas luxações pré-natais ou teratológicas em função das deformidades e da adaptação precoce dos componentes ar culares, assim como nas de diag-nós co tardio, pela perda progressiva da frouxidão ligamentar e pelo aumento da força muscular, que mantém o quadril luxado, aumentando progressivamente as dificuldades de redução. Após a marcha Somando-se aos achados descritos, a criança anda com claudicação por conta da fraqueza do glúteo médio e do encurtamento aparente do membro afetado. Em ortosta smo, apresenta lordose lombar excessiva, rotação externa do membro inferior, trocânter maior proeminente e sinal de Trendelenburg posi vo (FIG. 9.1.9). Com o aumento da contratura em adução do quadril, ocorre geno valgo compensatório. Os diferentes achados nos grupos etários dis ntos estão resumidos no QUADRO 9.1.1. DIAGNÓSTICO POR IMAGEM Ultrassonografia. O quadril do recém-nascido é car laginoso, e a cabeça femoral não é visível ao raio X. Por isso, até os 6 meses de vida, é mais bem avaliado pela ultrassonografia, que iden fica as estruturas car lagíneas do acetábulo, da cabeça e do colo do fêmur.3 Dois métodos são usados para avaliar o quadril: o está co de Graf, que analisa o fêmur proximal e o contorno da pelve, e o dinâmico de Harcke, que emprega a ultrassonografia em tempo real, o que permite o exame dinâmico, com o quadril em movimento, fundamentando-se na reprodução das manobras de Barlow e Ortolani. O método de Graf mede a displasia car lagínea, e o de Harcke, a estabilidade do quadril. No método de Graf,uma imagem coronal de cada lado do quadril é feita com a criança deitada em decúbito lateral, com o quadril fle do em 35 a 45°, e rotação interna de 10 a 15°. Com isso, pode-se ter acesso à posição da cabeça femoral, ao aspecto do osso acetabular, à configuração do acetábulo, à posição do lábio car lagíneo e ao volume do teto car lagíneo. São traçadas três linhas – uma ver cal e paralela à parede lateral ossificada do íliaco (linha de referência) e as outras duas formando ângulos denominados alfa e beta, que passam pelo teto ósseo e car lagíneo, tangenciando o quadril (FIG. 9.1.10 A e B). O ângulo alfa é formado entre a linha 1 (de referência) e a 3, a do teto ósseo. No quadril normal, esse ângulo costuma ser maior do que 60°. Quanto menor for o ângulo, maior é a displasia do quadril. O ângulo beta é formado entre a linha 1 (de referência) e a 2, que passa pelo teto car lagíneo. Quando o ângulo beta é maior do que 77°, o quadril está subluxado e o lábio, ever do. Com base nesses achados, o método de Graf sugere o po de tratamento conforme sua classificação (FIG. 9.1.10 C). Os achados e a classificação de Graf promovem melhore avaliação e conduta, evitando até um tratamento desnecessário (QUADRO 9.1.2). No método de Harck, com a criança em posição supina, cada lado do quadril é analisado no plano transverso, com o examinador aplicando as manobras de Barlow e de Ortolani e testando a relação ar cular da cabeça do fêmur com o acetábulo. Esse método foi proposto para inves gar a estabilidade do quadril e a morfologia do acetábulo, produzindo quatro diferentes imagens do quadril: vista coronal em posição neutra, vista coronal em flexão, vista transversa em flexão e vista transversa em posição neutra. Harcke e Kumar6 descrevem três pos de anormalidades do quadril: subluxação, luxação lateral e luxação posterossuperior. Na luxação, a cabeça femoral está deslocada posterior e/ou lateralmente, e os tecidos moles aparecem entre o púbis, o ísquio e a cabeça femoral, a qual tem contato parcial com o acetábulo. Na luxação lateral, a cabeça femoral aparece mais deslocada do que na subluxação e não tem contato acetabular. Na luxação posterossuperior, o examinador vê a cabeça femoral, mas tem dificuldade para observar os limites do acetábulo ósseo (FIG. 9.1.11). Radiografia. As radiografias do quadril do recém-nascido são de di cil execução e interpretação. Nessa idade, a cabeça femoral não está calcificada, e grande parte do acetábulo é car lagíneo. Conforme Bertol e colaboradores7 e Chung,8 a radiografia da pelve em posição anteroposterior neutra pode ser adequada para traçar linhas de referência e obter medidas para o diagnós co de displasia do acetábulo, subluxação ou luxação do quadril no bebê (FIG. 9.1.12) Contudo, por volta dos 2 ou 3 meses de vida em diante, as radiografias passam a ser importantes para o diagnós co correto. Uma radiografia em anteroposterior da bacia com as ar culações coxofemorais em posição neutra permite o traçado de linhas como de Shenton, de Perkins e iliofemoral, além da avaliação do sinal da lágrima e da inclinação acetabular. A epífise femoral costuma estar menos desenvolvida por conta de hipoplasia ou retardo da ossificação endocondral, em comparação com o outro lado, nos casos de subluxação ou luxação unilateral, assim como ocorrem deformidades como rotação lateral da pelve e do acetábulo (FIG. 9.1.13). A rotação lateral do acetábulo produz uma aparente displasia que aumenta o ângulo acetabular. O sinal da lágrima está distorcido na subluxação e ausente na luxação completa. O crescimento do acetábulo é distorcido pela pressão anormal sobre o limbo ou pela inserção alta da cápsula ar cular. Quanto mais tarde, mais fácil fica a determinação da alteração dessas estruturas e seus ângulos. No entanto, o diagnós co tardio pode ser desastroso para o tratamento. É muito comum deixar sequelas (FIG. 9.1.14). Artrografia. A primeira tenta va de demonstrar o posicionamento de partes moles dentro da ar culação do quadril foi realizada por Gocht, em 1908, injetando ar em um quadril post- mortem e obtendo belos estudos artrográficos. Dorach e Goldhamer, em 1925, repe ram esse estudo injetando uma solução de iodeto de potássio, iden ficando o limbus e o rebordo acetabular. O primeiro estudo clínico com pacientes vivos foi realizado por Sievers e Bronner, em 1927, demonstrando os aspectos capsulares e do limbus, sendo o primeiro a apontar sua interposição entre a cabeça do fêmur e o acetábulo. Ortolani, pessoalmente, fez uso dessa técnica para diferenciar instabilidade, subluxação e luxação, mas chegou à conclusão de que essa não deveria ser uma inves gação usual nos estágios iniciais de instabilidade e deu preferência aos testes clínicos para diferenciar os casos de tratamento conservador dos cirúrgicos. Mais tarde, Ortolani usou a artrografia para determinar qual po de tratamento seria melhor e citou Faber, em 1938, que demonstrou que crianças com 1 mês de vida com displasia radiológica do quadril apresentavam, com fre-quência, o acetábulo car laginoso normal. Le Veuff, entre 1947 e 1948, tornou-se o mestre da artrografia na DDQ e, depois de longa experiência com centenas de pacientes, demonstrou que: •Na subluxação, o limbus está forçado para cima e para fora em direção à fossa ilíaca, a cápsula ar cular não está interposta entre a cabeça femoral e o acetábulo e o ligamento redondo costuma estar ausente em 50% dos casos. Existe certa incongruência entre a cabeça femoral mais alargada e o acetábulo menos desenvolvido e ovalado pela atrofia do teto. O colo femoral costuma estar em valgo e antever do. •Na luxação, o limbus está forçado para baixo e para dentro do acetábulo, a cápsula ar cular, com frequência, está interposta, e o ligamento redondo costuma estar presente. O acetábulo pode parecer normal, mas sua entrada está obstruída pelo limbus nos aspectos superior e inferior. A cabeça femoral parece normal, apesar da deformidade em valgo do colo, sendo que a anteversão aparece mais tarde com a persistência do deslocamento. Ortopedistas familiarizados com os intrincados aspectos da artrografia são muito conscientes da importância das partes moles, das deformidades e dos perigos de uma redução excêntrica no tratamento da DDQ, enquanto profissionais que minimizam seu significado raramente mudam sua conduta para explorar e lidar com as partes moles que impedem a redução. A artrografia vem sendo abandonada por alguns autores e subs tuída pela nova tecnologia de imagem, como a TC com reconstrução em 3D e a RM. Outros con nuam preferindo o procedimento artrográfico em virtude da definição do posicionamento das estruturas comprome das. Além disso, a TC e a RM são de alto custo e realizadas fora do centro cirúrgico, além de exigirem anestesia na criança. A artrografia apresenta as estruturas que estão impedindo a redução concêntrica, o limbo inver do ou não, o ligamento redondo hipertrofiado e interposto entre a cabeça femoral e o acetábulo ou ausente (em 50% dos casos), o pulvinar hipertrofiado e a constrição capsular em ampulheta (produzida pelo tendão do iliopsoas) (FIG. 9.1.15). Mostra, ainda, se a redução é concêntrica ou excêntrica e se não existem obstáculos intra- ar culares que impedem a redução incruenta concêntrica e estável (FIG. 9.1.16). Para considerar uma ar culação normal na artrografia: •A extremidade do limbo deve estar em contato com a linha traçada entre as car lagens em y. •A borda livre da fibrocar lagem co lóidea deve abraçar pelo menos a metade da cabeça femoral. •Não deve haver acúmulo de contraste entre a cabeça femoral e o centro do acetábulo. Le Veuf, entre 1947 e 1948, concluiu que dois achados artrográficos, quando presentes, indicam a intervenção cirúrgica: a redução excêntrica e a incongruência ar cular. Não deve haver acúmulo de contraste entre a cabeça femoral e o centro do acetábulo. Os autores que contestam aartrografia, hoje, têm como argumento o fato de o exame ser de di cil execução, invasivo e necessitar de anestesia geral. Nas palavras de Sir Harry Pla , em 1953, o conhecimento detalhado mais próximo da anatomia na luxação congênita do quadril é derivado dos estudos artrográficos, provando o que Guilleminet, em 1952, sabiamente disse, que cada luxação congênita tem sua própria morfologia. A artrografia é usada pelo autor desse capítulo, ocasionalmente, quando: a) durante a tenta va de redução incruenta em paciente sob anestesia geral e sob controle do intensificador de imagem, houver dúvida sobre o sucesso de uma redução concêntrica, congruente e estável; b) quando não é conseguida redução concêntrica e for preciso conhecer e eliminar os obstáculos por meio da artrotomia em cirurgia aberta. Esse procedimento não é adotado isoladamente como exame diagnós co complementar. ATENÇÃO! A artrografia não deve ser realizada fora do ambiente cirúrgico, mas acompanhada de todos os cuidados assép cos, pelo risco de infecção. Existe o risco de lesão da cabeça femoral e seu suprimento vascular, quando realizado por profissional inexperiente. Tomografia computadorizada. Também não é empregada com frequência como método diagnós co, mas usada quando se faz necessária a confirmação da manutenção de redução concêntrica durante o uso do aparelho gessado, que, por vezes, não dá uma imagem muito clara pela interposição do material gessado. A TC pode mostrar o grau de anteversão e a incon nência do acetábulo, assim como determinar a torção femoral nos casos tardios, além de auxiliar, com a reconstrução tridimensional, no estudo prévio à osteotomia de correção acetabular. Ressonância nuclear magné ca. É rara sua indicação, sendo feita apenas para o estudo da car lagem e dos tecidos moles, da qualidade da redução ou de algum processo isquêmico da cabeça ou do colo do fêmur, nos diagnós cos e tratamentos tardios. Além de ser um exame dispendioso, existe a necessidade de sedação em crianças, o que não jus fica a u lização do método como diagnós co. Alguns autores têm usado a RM em casos tardios e inveterados, no lugar da artrografia. Artroscopia. A artroscopia do quadril vem sendo usada para tratamento de alguns problemas ao nível do quadril da criança e do adolescente. A experiência com o método começa a ser formada aos poucos, trazendo grandes perspec vas para uma abordagem talvez menos agressiva, comparada à artrotomia. Facilita a desobstrução do acetábulo, a re rada de fragmentos intra-ar culares, a reparação e a reorientação do lábio, além da correção da síndrome do impacto osteocar laginoso ar cular (FIG. 9.1.17). TRATAMENTO O diagnós co e o tratamento precoces são fundamentais para o sucesso da resolução da DDQ, quando bem aplicados. Pacientes com DDQ não tratados costumam apresentar poucos sintomas durante o período da infância até a fase de adulto jovem. Anormalidades na marcha e redução da mobilidade do quadril podem estar presentes, mas a dor não costuma acontecer antes da fase adulta. Em compensação, indivíduos que apresentaram complicações durante o tratamento costumam ter problemas bem antes. O tratamento deve ser bem sucedido, com o mínimo de complicações. O sucesso passa pela restauração da anatomia ar cular do quadril e a manutenção da função. Adolf Lorenz9 foi o primeiro a defender a ideia do uso de aparelho ortopédico para o tratamento da luxação congênita do quadril (LCQ). Sua experiência com a redução cirúrgica levou-o a enunciar os princípios modernos do tratamento conservador, incluindo a retenção da cabeça femoral em posição fisiológica, que seria capaz de promover o desenvolvimento do acetábulo.10 Assim como Pu ,11 introduziu o conceito de diagnós co precoce da LCQ, propôs também o uso do travesseiro de Frejka ou um aparelho de abdução ajustável, para abdução dos quadris dos pacientes. Os obje vos dos aparelhos de abdução, conforme o autor, incluem: a) manutenção da redução concêntrica da cabeça femoral no acetábulo durante as primeiras 6 a 12 semanas de vida, levando em conta a laxidão ligamentar provocada pela descarga hormonal da mãe, responsável pela instabilidade temporária da ar culação; e b) o es mulo do crescimento ósseo e a remodelação dos componentes do acetábulo e da cabeça femoral, levando à congruência das super cies ar culares e à consequente estabilidade da ar culação. Alguns autores acreditam que o uso adequado do aparelho em abdução pode superar as contraturas das partes moles e qualquer impedimento à redução concêntrica causada pela interposição da cápsula ou do limbus, sem lesar os componentes osteocar laginosos, ao contrário do que afirmara Severin.12 O tratamento da DDQ varia dependendo do grau de deslocamento da cabeça femoral, da gravidade da displasia e da idade da criança.3 A falta de diagnós co, ou o diagnós co tardio, e a ausência ou a falha do tratamento geram mau resultado, com sequelas ar culares e consequente artrose precoce, entre outras condições. De 0 a 6 meses Exis a certa discordância entre alguns autores quanto à escolha do melhor tratamento no recém-nascido. Porém, quase todos concordavam com a necessidade do uso de um aparelho em abdução no caso de quadris instáveis, por um período suficiente para assegurar a sua estabilidade antes que a criança pudesse estender e fazer a rotação medial do quadril. No caso de abdução limitada do quadril, exis am variadas opiniões sobre ser ou não acertado o uso do aparelho de abdução. Pu 11 já propunha o uso do travesseiro de Frejka ou um aparelho para manter os quadris em abdução desses pacientes, mesmo quando houvesse dúvida quanto ao diagnós co. Pavlik13 introduziu o uso do “suspensório de Pavlik”, que veio a tornar-se o mais efe vo, sob o conceito de manter os quadris em flexão e abdução, e é usado até hoje como o preferido pela maioria dos ortopedistas. Palmem10 e Von Rosen14 acreditavam que a presença de contratura dos adutores ocorria durante o desenvolvimento pós-natal e indicava que a oportunidade para o sucesso do uso do aparelho não podia ser perdida, enquanto MacKenzie15 achava que a contratura em adução era a manifestação de uma luxação do quadril e indicava, também por essa razão, o uso do aparelho. Chung8 e Scoles16 relatavam que os melhores resultados são conseguidos quando o tratamento é iniciado nesse período. O uso do aparelho plás co de Frejka ou do suspensório de Pavlik é geralmente suficiente no caso de subluxação ou luxação, se a cabeça femoral reduz com as manobras de Barlow e Ortolani. Quadris rígidos, que não reduzem mais com essas manobras – porque o diagnós co precoce não foi realizado e as alterações ar culares já não permitem ou em função de luxação teratológica –, necessitam de tratamento cirúrgico. De acordo com Rab,3 “[...] um quadril luxado nessa idade pode ser reduzido espontaneamente em duas ou três semanas se for deixado em posição de flexão. Essa é a melhor conquista com o suspensório de Pavlik, um disposi vo que abraça os quadris em flexão de 100° e evita a adução sem limitar a flexão”. Uma minoria de recém-nascidos com DDQ apresenta pregueamento da cápsula posterior do quadril. Isso cria um impedimento para a redução concêntrica da cabeça femoral, tornando o diagnós co e o tratamento di ceis, já que o sinal de Ortolani, nesse caso, será nega vo. Nesses poucos casos, o tratamento com aparelho de abdução pode resultar em deformidade iatrogênica causada pela compressão mecânica dos componentes ósteoar culares, que, dos 6 aos 10 meses de vida, são mais frágeis e facilmente deformáveis do que as partes moles que impedem a redução. ATENÇÃO! Até o aparecimento radiológico da epífise proximal do fêmur, a estrutura e o suprimento vascular da cabeça femoral são extremamente susce veis à compressão. Se a limitação da abdução era evidência de uma redução excêntrica, persistente, em função da interposição de partes moles entre a cabeça dofêmur e o acetábulo, então a abdução forçada do aparelho poderia causar necrose avascular, em consequência da pressão sobre a cabeça car laginosa do fêmur. Isso persuadiu Salter e colaboradores17 a abandonarem a abdução forçada, mesmo com o risco de perder parte da estabilidade, e recomendarem a posição humana com os quadris flexionados a mais de 90°, mas apenas um pouco abduzidos. Pu ,11 originalmente, defendia a aplicação de aparelho de abdução para a displasia diagnos cada pela radiografia do quadril e, hoje, alguns autores ainda seguem esse princípio em casos de dúvida do diagnós co clínico. Ortolani18 propunha o uso precoce no recém-nascido quando detectava instabilidade, mas acreditava que almofadas de diferentes tamanhos e formas eram suficientes para impedir a progressão da displasia durante o primeiro mês de vida. Se a instabilidade persis sse, Ortolani usava a imobilização com gesso. Conforme Barlow,4 60% dos casos de instabilidade estabilizam-se de forma natural na primeira semana, e 90%, até o terceiro mês de vida. Os outros 10% tendem a evoluir para subluxação e luxação. Na experiência do autor deste capítulo, esses 10% são casos de instabilidade acompanhada de displasia do acetábulo, com ângulo acetabular aumentado, o que favorece a perda da congruência ar cular e a consequente subluxação e luxação. MacKenzie15 publicou um dos estudos mais extensos, na época, sobre a DDQ no recém- nascido, em que incluiu quadris instáveis e com limitação da abdução com ou sem instabilidade. Constatou que 50% dos bebês nasciam com quadris anormais, sendo que dois terços eram instáveis e um terço, rígido. A metade de todos eles normalizava de modo espontâneo dentro das três primeiras semanas de vida. Por isso, o autor retardava o uso do aparelho de abdução até depois desse período, caso não houvesse a resolução espontânea. A mesma experiência foi feita por Noble, em 1978, que alerta para o fato de que o tratamento de ro na para os casos de instabilidade simples do quadril no recém-nascido (quando muitos desses casos poderiam corrigir-se espontaneamente), pode, por si só, causar lesão isquêmica da cabeça femoral se não for corretamente aplicado. Ortolani, em carta endereçada à revista The Lancet, em 1978, talvez tenha dado a úl ma palavra quando escreveu, entre outras coisas: [...] na minha experiência, um teste (de Ortolani) nega vo ao nascimento, acompanhado de uma abdução normal das coxas, reflete quadril normal ou leve displasia que pode regredir espontaneamente. Por outro lado, um teste nega vo com limitação significa va da abdução dos quadris pode representar deformidade pélvica congênita ou provável luxação severa do quadril, e sugere a necessidade de um raio X”. A instabilidade sem displasia é seguida apenas com acompanhamento e avaliações clínicas e radiográficas, até que haja estabilização e certeza de não haver displasia. Caso não ocorra resolução nos primeiros 2 meses de vida ou exista tendência à subluxação, emprega-se o aparelho de abdução po Frejka, de plás co, mais rígido do que a almofada de tecido, a qual não parece adequada, pois não é suficiente para manter a abdução desejada dos quadris, por deformar-se facilmente por causa da pressão da adução das coxas. A maioria dos bebês com instabilidade apresenta ligamentos capsulares apenas alongados pela laxidão ar cular e pelo posicionamento intrauterino e costuma recuperar-se de modo espontâneo. A instabilidade com displasia é abordada com aparelho plás co de abdução do po Frejka ou suspensório de Pavlik por quatro a seis meses, até que, em ambos, clínico e radiográfico, o quadril esteja normal. Após a re rada do aparelho, os pacientes precisam ser acompanhados até o completo desenvolvimento do quadril, com exames clínicos e radiográficos a cada quatro ou seis meses, e, depois, uma vez ao ano ou quando necessário. Recomenda-se o acompanhamento clínico até o final do crescimento, tendo em vista que indivíduos assintomá cos podem apresentar, de forma precoce na idade adulta, dor e artrose no quadril displásico não diagnos cado ou resultante de tratamento inadequado. O tratamento da subluxação e da luxação é feito, nessa faixa etária, por meio do suspensório de Pavlik por seis meses, com acompanhamento clínico rígido, ecográfico ou radiográfico mensal. Trata-se de um aparelho de uso di cil, mo vo pelo qual só deve ser manipulado por profissional treinado e sob o amparo de familiares bem esclarecidos e coopera vos. É um tratamento que exige muito cuidado, experiência e revisões frequentes para que possa ser modificado sempre que necessário e antes de produzir lesões iatrogênicas. Os resultados do tratamento correto costumam ser bons. Quando não se observa boa evolução, é necessário revisar os procedimentos adotados. O suspensório de Pavlik é formado por ras que envolvem os membros inferiores, conectadas a um cinto torácico sustentado por suspensórios que se cruzam na região interescapular. Tem como função: 1) manter os quadris em posição de flexão e abdução; 2) evitar a extensão e a adução; 3) desenvolver o acetábulo pela presença da cabeça femoral; e 4) promover a redução espontânea do quadril luxado. Suas contraindicações são: 1) desequilíbrio muscular (mielomeningocele, paralisia cerebral, doenças neuromusculares); 2) rigidez ar cular (artrogripose); e 3) frouxidão ligamentar (síndrome de Ehlers-Danlos). Quanto ao uso, é importante saber que as ras anteriores limitam a extensão, e as posteriores, a abdução. O quadril deve permanecer em torno de 100° de flexão, e a abdução deve ser livre, dentro da zona de segurança de Ramsey, que vai da posição de conforto até a do limite capaz de produzir nova luxação. Ramsey e colaboradores19 definiram a zona de segurança da redução como sendo o arco entre o ângulo de abdução máximo e o limite máximo da adução antes de provocar a reluxação (FIG. 9.1.18) A abdução deverá acontecer pelo próprio peso dos membros inferiores do bebê, quando es ver em decúbito dorsal horizontal, ou pelo peso do próprio corpo quando em decúbito ventral. O suspensório deve ter seu uso con nuado, diretamente sobre o corpo da criança, sem ser re rado para banho ou troca de roupa, sobretudo durante as primeiras quatro a seis semanas de uso, período fundamental em que se espera a redução (FIG. 9.1.19) Por não ser rígido, o suspensório permite certos graus de movimento em extensão e adução limitados do quadril. A posição correta do aparelho e a evolução do quadril são verificadas pela ultrassonografia ou pela radiografia, logo após os primeiros 15 dias de uso. Estando em boa posição, sem necessidade de reajuste das ras, repetem-se os exames clínico e radiográfico após um mês. Se a redução for ob da, mantém-se o tratamento com seus controles mensais, reajustando o suspensório sempre que necessário, até a cura vista em âmbitos clínico e radiográfico. Nesse caso, re ra-se o Pavlik durante seis horas por dia e, depois de duas semanas, durante 12 horas, por mais duas semanas. O aparelho não deve ser u lizado por crianças após os 6 meses de vida (FIGS. 9.1.20 a 9.1.22). De 6 a 12 meses Nessa faixa etária, alguns autores indicam a cirurgia primária, aberta, por acreditarem que já existam alterações capsulares, ligamentares e ósseas, incompa veis de serem resolvidas sem cirurgia aberta, e alertam para os riscos de insucesso ou iatrogenia com o tratamento conservador. Outros, assim como o autor, acreditam que a subluxação e a luxação do quadril na DDQ costumam fazer parte da evolução da instabilidade com displasia ao nascimento, que não involuiu de forma espontânea e que deveria ter sido diagnos cada e tratada de maneira correta e precoce. Recomendam também a tenta va da redução incruenta, sempre que possível e segura.3 Nessa faixa etária, quando o diagnós co já é tardio ou quando o tratamento até então ins tuído não obteve sucesso, recorre-se à redução sob narcose e aparelho gessado. KotziasNeto e colaboradores21 relatam: “[...] à medida que a criança cresce, aumentam as alterações anatômicas, tornando o tratamento mais di cil. Após os seis meses de idade, o Pavlik perde a eficácia, e o tratamento preconizado passa a ser a redução incruenta com imobilização gessada”. Quando a redução é suave, com o quadril em flexão e abdução, sem trauma ou pressão exagerada, concêntrica e estável, coloca-se o aparelho gessado em posição de redução e estabilização – flexão de 100 a 110° e abdução de 60°, dentro da zona de segurança de Ramsey. A imobilização gessada é man da por dois a três meses, quando é subs tuída pelo aparelho de abdução do po Milgram, Atlanta ou Hilgenreiner (FIG. 9.1.27). Se, durante o procedimento, não for possível a redução nesses moldes e com a criança ainda sob narcose, procede-se à artrografia dinâmica sob controle do intensificador de imagem, que pode esclarecer a respeito dos obstáculos à redução e mostrar a qualidade da redução: a) concêntrica e estável, b) excêntrica e instável, e c) concêntrica, porém instável (FIG. 9.1.28). Na existência de interposição de partes moles ou afrontamento da cabeça femoral e redução excêntrica, há necessidade de redução cirúrgica, com artrotomia, para desobstrução das estruturas que estão impedindo a redução. Se a contratura dos adutores limita a abdução e dificulta a redução ou restringe o ângulo de estabilização da zona de segurança de Ramsey, a tenotomia dos adutores pode ser suficiente para facilitar a redução e sua estabilização. Para avaliar a congruência da redução do quadril e prognos car os resultados do tratamento conservador, Forlin e colaboradores22 reportaram oito formas diferentes de limbus representando “a obstrução progressiva da cabeça do fêmur”. A conclusão desse estudo, com 72 quadris luxados de 61 pacientes, em que todos foram classificados como grau III ou IV de Tönnis, é que o formato do limbus é um indicador de resultado da redução. O formato do po I ao IV de Tönnis é associado aos bons resultados, e os pos IV ao VIII, aos maus resultados. Baseados no conceito da redução progressiva, alguns autores acreditam que a interposição das partes moles desaparecerá gradualmente se a cabeça do fêmur for man da afrontada ao acetábulo. Bowen e Kotzias Neto,23 assim como o autor deste capítulo e outros tantos, não seguem esse princípio e preferem a redução concêntrica. O critério de prognós co de Bowen para determinar a eficácia da redução fechada parece mais adequado à realidade da evolução e ao prognós co da DDQ: a) a metáfise femoral proximal deve estar abaixo da linha de Hilgenreiner; b) dois terços da cabeça femoral car laginosa devem estar mediais à linha de Perkins; e c) a cabeça femoral deve estar reduzida sob a margem lateral do limbus. A artrografia na redução fechada deve mostrar uma redução concêntrica com a cabeça femoral posicionada abaixo do lábrum e medializada dentro do acetábulo, com o quadril posicionado dentro da zona de Ramsey (com flexão de 110° e não mais do que 65° de abdução); caso contrário, estará indicada a redução aberta. No período dos 6 aos 12 meses de vida, as osteotomias são evitadas, pois a redução e a manutenção concêntrica da cabeça femoral no acetábulo costumam ser suficientes para, por meio da restauração das forças biomecânicas, promover o desenvolvimento do acetábulo e do terço superior do fêmur. No entanto, após a redução aberta ou fechada, o acetábulo poderá não responder de forma adequada ao es mulo da cabeça femoral, gerando um procedimento cirúrgico complementar. O tratamento cirúrgico exige colocação de aparelho gessado no pós-operatório por seis semanas, passando-se então para o aparelho de abdução por mais quatro a seis semanas. Quando a redução for incruenta, mesmo com tenotomia dos adutores, o tempo de imobilização deve ser mais prolongado, pelo risco de perda da redução e displasia acetabular residual. Recomenda-se seis a oito semanas de gesso e mais seis semanas com aparelho de abdução ( Hilgenreiner, Atlanta, Milgram), que poderá ser re rado de forma completa ou gradual, dependendo da evolução do quadril. Em contrapar da, quando a redução for cirúrgica, com artrotomia e desobstrução da ar culação, o tempo de imobilização deve ser o menor possível, evitando-se o risco de rigidez ar cular. Após a marcha No período de deambulação, a maioria dos autores é favorável ao tratamento cirúrgico imediato. Ca erall,24 nos anos 1980, indicava a redução cirúrgica aberta apenas quando: a) a contratura dos tecidos moles em volta do quadril não corrigia com a tração (u lizada na época, mas hoje pra camente abandonada); b) a tenta va de redução fechada não ob vesse sucesso; c) em crianças acima de 2 anos e meio; e d) quando a luxação da ar culação do quadril está associada a condições como artrogripose, e a contratura é marcante. Autores como Weinstein,25 Ferguson,26 Rab,3 Ca erall,24 Staheli,20 Scoles,16 Zionts27 e McEwen indicam primariamente a redução incruenta e imobilização gessada até os 2 anos de vida. O limite de idade até o qual a redução fechada pode ser tentada não está estabelecido com clareza. A necessidade de redução cirúrgica aberta não depende da idade do paciente, mas do grau de deslocamento, da deformidade do terço superior do fêmur, do acetábulo e da interposição de partes moles, que costumam impedir a redução e a estabilidade do quadril. O autor tem ob do bons resultados com a abordagem conservadora, mesmo nessa idade, sempre que possível, à semelhança do que já foi descrito, e u lizando-se da artrografia dinâmica quando necessária (FIG. 9.1.30). Quando a redução e a estabilização não forem confiáveis, a artrografia dinâmica, durante o procedimento, pode orientar quanto à necessidade do tratamento cirúrgico ou não. Em crianças com mais de 18 meses de vida, o tratamento varia de redução incruenta e gesso até a necessidade de redução cirúrgica associada ou não à osteotomia. A redução aberta da ar culação promove limpeza do fundo do acetábulo (geralmente preenchido por tecido neoformado que completa o fundo do acetábulo não habitado, pulvinar), ressecção do ligamento redondo (anômalo e aumentado), secção transversa e reposicionamento do limbo car lagíneo interposto ou inver do (não ressecar o limbo), secção do ligamento transverso do acetábulo (sem o qual não é ob da a redução congruente da cabeça femoral) e capsulorrafia cuidadosa e eficiente (estabilizando firmemente a cabeça femoral reduzida). O quadril, então, é man do em aparelho gessado, na posição de estabilidade. O pós-operatório segue como descrito antes. Em crianças logo após o início da marcha, as deformidades do acetábulo e a hipoplasia da cabeça femoral poderão melhorar na presença de quadril concentricamente reduzido e estável. Quando essa recuperação não ocorrer, será necessário, em um momento posterior, realizar a osteotomia do fêmur ou do acetábulo, dependendo do caso. No entanto, a experiência mostra que o acetábulo tende à recuperação, pela presença da cabeça femoral con da, que es mula a car lagem trirradiada do fundo do acetábulo, cujo desenvolvimento propicia a cobertura e a estabilização da cabeça femoral. Quando, durante o ato cirúrgico, após efe va redução, o quadril con nuar instável (o que costuma acontecer em crianças a par r dos 2 anos), é provável que a deformidade do acetábulo ou do terço superior do fêmur ou de ambos seja a causa da instabilidade. Nesse caso, a cirurgia segue até que se consiga a estabilização. Para isso, poderá ser necessária a osteotomia, quando, após a redução cirúrgica e a capsulorrafia: •O quadril estabilizar na posição de flexão, abdução e rotação interna (são recomendadas a osteotomia do ilíaco e a femoral); •Estabilizar apenas em flexão (recomenda-se então a osteotomia do ilíaco); •A estabilização ocorrer somente em abdução e rotação interna (indica-se osteotomia varizante e derrotadora do fêmur). Em algumassituações, são necessárias cirurgias complementares depois de algum tempo de pós-operatório e recuperação funcional do quadril. A osteotomia do ilíaco, técnica de Salter, Pemberton ou outra são necessárias, quando não há cobertura suficiente para a cabeça femoral, para aumento do índice acetabular e estabilização mecânica da ar culação. A osteotomia de Salter está indicada até os 8 a 10 anos, sempre que o quadril es ver reduzido e o colo femoral não for valgo (FIG. 9.1.31). A osteotomia femoral corrige a anteversão e o valgo do colo. Em alguns casos, é possível obter- se bons resultados, com remodelação completa do acetábulo apenas com a osteo-tomia varizante e derrotatória do fêmur, sempre que a car lagem trirradiada ainda apresentar capacidade de crescimento (FIG. 9.1.32). Caso não haja boa cobertura da cabeça femoral e o teto acetabular permanecer displásico, pode-se completar com acetabuloplas a. A displasia residual é uma complicação frequente e, por vezes, tardia. Costuma ocorrer em crianças não tratadas ou apesar da redução bem sucedida realizada por método fechado ou cruento.3 Definições A DDQ é uma condição anormal do quadril ao nas cimento, em que ocorre: g Perda total da relação ar cular entre a cabeça feômoral e o acetábulo; ou, g Apesar da relação anatômica descrita estar man da, ela pode ser facilmente alterada. Quando totalmente, define-se o quadril luxável ou, quando parcialmente, o quadril subluxável. A terminologia aqui adotada e proposta é “displasia do desenvolvimento do quadril – DDQ” em subs tuição à “luxação congênita do quadril – LCQ”, pois essa nova denominação descreve com mais precisão o espectro de alterações possíveis na afecção. Epidemiologia Incidência A incidência absoluta está situada na faixa de 1 a 2:1.000 RN. Nos Estados Unidos, está descrita como sen do de, aproximadamente, 10 casos por 100 RN, segundo Howorth1 e Coleman2 . Em nosso meio, espera-se uma incidência de, apro ximadamente, 5:1.000 quanto à posi vidade do sinal de Ortolani, que é o sinal clínico precoce de detecção da patologia, como será posteriormente estudado. Alguns valores da incidência descritos na literatura estão referidos na Tabela I. Sexo A afecção é mais frequente nas meninas, na propor ção de 3 a 5/1. No Brasil, a relação observada é de 4/1. Etnia É mais frequente na branca que na negra. No país, há a seguinte distribuição: g Raça branca = 76%. g Raça parda = 13%. g Raça negra = 8%. g Raça amarela = 2%. Lateralidade Nos EUA, a distribuição aproximada é: g Unilateral: 80%. g Bilateral: 20%. g Lado esquerdo: 60%. g Lado direito: 20%. No Brasil, a distribuição aproximada é: g Bilateral: 23,9%. g Lado direito: 47,8%. g Lado esquerdo: 28,2%. Associação com outras deformidades g Torcicolo congênito: 20% apresentam DDQ. g Pé metatarso varo: 10% apresentam DDQ. g Pé plano valgo: 10% apresentam DDQ. No Brasil: g Peso médio do RN: 3.245 g. g Altura média do RN: 48,6 cm. g Idade materna média: 24 anos. g Apresentação fetal cefálica: 95,66%. g Apresentação fetal pélvica: 4,35%. Na Tabela II são descritos os resultados publicados pelos diferentes autores sobre a incidência da DDQ no Brasil e no mundo. E opatogenia Várias teorias tentam explicar a e ologia da DDQ. Algumas delas serão descritas a seguir. Gené ca Apoiada pela distribuição geográfica e pela existência em familiares. Um trabalho realizado na Unicamp3 mostra que uma alta porcentagem de parentes próximos dos pacientes com DDQ apresentavam alterações no ângulo CE de Wiberg nos quadris examinados. Ortolani4 , após acom panhar cerca de 4 mil casos de DDQ, acredita ser este o fator mais importante. Posição intrauterina Há maior incidência nos RN que, ao nascimento, estavam em apresentação pélvica (15,7%) comparados aos que estavam em apresentação cefálica. Fatores hormonais Há maior frequência em mulheres que sofreriam auômento da lassitude ar cular e ligamentar por influência hormonal materna na gravidez. Posição após o nascimento A forma de ves r a criança, envolvendo-a em man tas que forçam a posição de adução do quadril, poderia causar DDQ. Classificação Instabilidade do quadril – pica É o quadro mais frequente. Podem-se dis nguir qua País A Classificação Instabilidade do quadril – pica É o quadro mais frequente. Podem-se dis nguir quaôtro pos: g Luxação. g Subluxação. g Quadril “luxável”. g Quadril “subluxável”. Luxação teratológica Produzida nos primeiros meses da vida intrauterina e, então, ao nascimento, não só a luxação é reconhecida, como também existem outras alterações morfológicas de tal grau que tornam a redução muito di cil, senão imposôsível. Aqui se incluem as luxações associadas à artrogripose, à síndrome de Larsen e à deficência femoral proximal (com todas as suas variantes). Nesse grupo, encontram-se pra ôcamente só quadris luxados, sendo inexistentes os quadros de subluxação, quadril “luxável” ou “subluxável”. Instabilidade neuromuscular Até poderia ser incluída no grupo anterior. Aqui se situam as instabilidades e luxações do quadril associadas à mielomeningocele e, sobretudo, à agenesia sacral. Nesse grupo, pode-se evidenciar, também, alterações morfoôlógicas significa vas já ao nascimento, decorrentes da luxação intrauterina, dificultando, portanto, a redução. Neste capítulo, serão descritas as luxações e as insta bilidades denominadas picas. Segundo Barlow5 , a instabilidade pode ser classificada em três pos: g Quadril luxado. g Quadril “luxável”. g Quadril “subluxável”. Diagnós co Exame sico e diagnós co precoce Os métodos para o diagnós co precoce da DDQ são descritos na literatura há mais de 50 anos. Na Itália, Pu iniciou um programa pioneiro de diagnós co precoce e tratamento da afecção e publicou seus resultados em 19286 . Nos Estados Unidos, Howorth, em 19327 , realizou o trabaôlho pioneiro de diagnós co precoce no Babies Hospital de Nova York. Outros autores aparecem na literatura, mas foi na década de 1940, após a 2a Guerra Mundial, que os tra balhos com maior abrangência de crianças foram descritos nos Estados Unidos, na Suécia e na Inglaterra. O diagnós co precoce pode ser considerado como rela vamente simples, seguro e proporciona um traôtamento geralmente eficaz. Resultados ob dos com o diagnós co precoce e classificados como bons e exce lentes são referidos tanto na área ortopédica como na área pediátrica1,2,8-13. O diagnós co e o tratamento precoces proporcionam níveis de, aproximadamente, 96% bons resultados. O exame do quadril do RN deve, portanto, ser ro na e enfa zado ainda no berçário e também no acompa nhamento ambulatorial da criança, nos primeiros meses de vida. No RN e nos bebês, o diagnós co da DDQ é eminentemente clínico e realizado com as manobras de Ortolani e Barlow. Esses testes tomam muito pouco temôpo dentro da ro na do exame sico do RN. O sinal de Ortolani é um teste de redução do quadril, ou seja, quando um RN com a ar culação coxofemoral luxada é examinado, a cabeça femoral é reduzida no acetáôbulo com a manobra, demonstrando-se, assim, a luxação. A manobra é realizada com a criança em decúbito dor sal com os quadris e os joelhos em posição de flexão de 90°, com as coxas em adução e com rotação medial leves. Ao efetuar um movimento de abdução dos quadris, po dendo ser acompanhado por uma leve rotação lateral das coxas, tem-se a sensação de um “ressalto” na ar culação patológica (às vezes, é possível até ouvir esse “ressalto”). O sinal é dito, então, Ortolani posi vo (Figuras 1 e 2). Cada quadril é examinado separadamente e com muita atenção. A manobra de Ortolani não deve ser executada com esforço, mas com delicadeza e com a criança perfeitamente calma, pois é uma redução do quadril luxado. Uma criança que está chorando muito ou que está agita da dificultará e atrapalhará sobremaneira a realização e a conclusão do exame. O sinal de Barlow é exatamente o oposto, ou seja, é uma manobra provoca va da luxação deum quadril ins tável. O teste de Barlow determina o potencial para a luxa ção do quadril examinado. A coxa do paciente é man da em ângulo reto, com o tronco em uma posição de adução; a força será exercida pelo joelho da criança em direção ver cal ao quadril, em um esforço para deslocar a cabeça femoral do interior do acetábulo. O examinador procura um sinal de “pistonagem” no quadril em exame, que pode ou não ser acompanhado por “ressalto”. Se o quadril é reduzido pela manobra de Ortolani, a cabeça femoral fica perfeitamente alojada na cavidade acetabular; entretanto, com a flexão do quadril e levando-se a coxa para a posição de adução, a cabeça femoral luxa, podendo ser deslocada posteriormente em relação ao acetábulo, caracterizando, então, o quadril instável. No teste de Barlow, a parte supeôrior do fêmur é man da entre os dedos indicador e médio sobre o trocânter maior, e o polegar na região inguinal. A cabeça femoral pode ser alavancada para dentro e para fora da ar culação, confirmando a instabilidade. Em poucas semanas, se o quadril permanecer luxaôdo, a limitação da abdução da ar culação será evidente e um sinal clínico importante (Figura 3). Com o cresci mento da criança e o quadril luxado, os sinais clínicos se tornam mais óbvios. Com o passar do tempo, torna-se mais di cil e impossível reduzir a luxação pela manobra de Ortolani, de modo que esse sinal passa a ser, então, nega vo. A limitação da abdução se torna maior. Exame sico e diagnós co tardio Entre os 3 e os 6 meses de vida, a redução do quadril de uma criança acordada é impossível; por isso, nessa faixa etária, é muito di cil encontrar crianças com o sinal de Ortolani posi vo. Portanto, nesse grupo, a manobra de Ortolani perde o seu valor diagnós co O examinador deve considerar também o fato de a criança apresentar outros estalidos quando da realização do exame fisico que podem não ser do quadril instável ou luxado. Geralmente são estalidos dos joelhos. Outro sinal mais tardio é o de Galeazzi ou de Allis: com a criança deitada e com os joelhos fle dos, eles não estarão na mesma altura, denotando já a diferença de comprimento entre os membros inferiores. Evidentemen te, esse sinal será mais claro nos casos unilaterais (Figura 4). Pode ocorrer, também, assimetria nas pregas glúteas cutâneas, mas isso não é uma constante (Figura 5). De qualquer forma, acredita-se que o médico ber çarista ou o neonatologista deva enviar a criança para o ortopedista nas seguintes eventualidades: g Achados clínicos de instabilidade ou de luxação do quadril. g Casos de dúvida. g Os pacientes de alto risco: parto pélvico, primeira gestação, mãe jovem, antecedentes familiares, indepen dentemente do resultado do exame sico efetuado. O “quadril de risco” pode ser definido diante de: g Antecedente familiar de DDQ. g Apresentação pélvica do feto. g Outras deformidades ao nascimento, como o tor cicolo. g Limitação da abdução (inferior à 60°). g Abdução di cil (hipertonia dos adutores). g Abdução assimétrica. Diagnós co por imagens Ultrassonografia A u lização da ultrassonografia (USG) do quadril no neonato tem um potencial óbvio, pois, nesse exame, há uma evidenciação bem clara das estruturas car lagiônosas que são precariamente delineadas pela radiografia simples. A USG do quadril do RN é um exame rela vamente fácil de realizar, de baixo custo, não invasivo e dinâmico, no qual se pode evidenciar a melhor posição de redução da região coxofemoral, servindo também para o controle do tratamento. Acredita-se que a USG tem valor prognós co na DDQ, ou seja, nos pacientes em que esse exame for franôcamente posi vo, é possível encontrar dificuldade para a redução do quadril. A USG atualmente pode ser considerada como um método para a triagem dos casos nos RN, pois o exa me pode detectar luxação e subluxação. Também pode evidenciar a redução do quadril e sua estabilidade. O exame pode ser realizado com o paciente usando o sus pensório de Pavlik ou até mesmo quando imobilizado em aparelho gessado, desde que seja feita uma “janela” nesse aparelho. Pode ser realizada a denominada USG dinâmica do quadril, preconizada por Harcke, em que o radiologista in forma a posição, ou não, de redução do quadril luxado. A metodologia indicada por Graf é a USG está ca e envolve a determinação de dois ângulos, alfa e beta (Tabela III). Exame radiológico O exame radiológico da bacia não é indicado como ro na no RN para o diagnós co precoce. A radiografia pode não revelar um quadril luxado nessa fase da vida da criança, mesmo se a posição do membro inferior for, deliberadamente, de luxação à realização do exame. Isso se deve ao fato de os pontos referenciais para a interpreta ção dos achados da radiografia não serem perfeitamente evidenciáveis nessa faixa etária, pois a estrutura pélvica é essencialmente car laginosa. Assim, uma radiografia neôga va nessa idade não exclui a possibilidade de a criança ter a luxação do quadril. A radiografia da bacia começa a ser ú l para a confirômação da DDQ após a 6a semana de vida da criança. Vale ressaltar que o núcleo de ossificação da cabeça femoral somente está visível na radiografia a par r do 4o ou 6o mês de vida da criança. Na avaliação radiográfica para o diagnós co da DDQ nos primeiros meses de vida, há de se lançar mão de me didas e sinais indiretos, tais como linha dos quadrantes (linha de Hilgenreiner, linha ou arco de Shenton) e índice g acetabular (Figura 6) Artrografia do quadril A artrografia do quadril é o estudo radiográfico que permite visualizar as estruturas car laginosas e as partes moles adjacentes que não são evidenciáveis em uma raôdiografia comum da região coxofemoral. Contudo, para a sua realização, há a necessidade de injeção ar cular de meio de contraste e de anestesia da criança. Indica-se a artrografia para os pacientes em que o diagnós co for feito tardiamente e que se apresentam para o tratamento acima dos 18 meses de idade. Esse exame fornece informações sobre o estado da cabeça femoral e do acetábulo, da forma da cabeça do fêmur, do estado dos ligamentos redondo e transverso, da cápsula ar cular, do limbo e do pulvinar (Figuras 7 e 8). Em um estudo da casuís ca do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP (DOT/FMUSP), publicado em 198614, compro vou-se que a artrografia do quadril é o método ideal para a iden ficação das estruturas anatômicas. Esse exame pas sou a fazer parte do protocolo de tratamento do Grupo de Patologia do Quadril na Criança, a par r de 1982. No trabalho, são apresentados os resultados de artrografias do quadril em 25 pacientes portadores de luxação congê nita, com idades acima de 4 meses e que se apresentaram tardiamente para o início do tratamento. Os resultados mostraram que a artrografia pode ajudar na indicação da redução cruenta e, em alguns pacientes, pode ser a única maneira de se obter uma imagem clara do estado da ar culação coxofemoral. Tomografia axial computadorizada do quadril Em virutde de seu poder de resolução e da possibi lidade de realizar cortes transversais, a tomografia axial computadorizada (TAC) no estudo da DDQ permite ob servar a interposição do tendão do músculo ileopsoas e da hipertrofia do pulvinar, mesmo sem a contrastação da cápsula e do interior da cavidade ar cular. Permite tam bém evidenciar subluxações femorais e medir o ângulo de anteversão acetabular. Esse exame pode ser realizado com a criança usando aparelho gessado e é ú l, portanto, para informar a exata posição de redução (Figura 9). Em trabalho realizado no HC-FMUSP e publicado em 199015, foram estudados 9 pacientes com 11 quadris luxados subme dos à redução incruenta e à imobilização em aparelho gessado, e foi feito o controle dessa redução com a TAC. Esse estudo permi u concluir que a TAC é um bom método na avaliação da redução incruenta da DDQ, sendo ú l na maioria dos casos em que a radiografia simôples deixadúvidas. O ângulo de anteversão acetabular nem sempre está aumentado na DDQ, como foi comprovado pela medição realizada no trabalho, e o pulvinar hipertro fiado pode muito bem ser detectado pela TAC. Tratamento Tratamento precoce (RN/diagnós co precoce) O tratamento ideal da DDQ é: g Diagnós co precoce no período neonatal. g Redução concêntrica sem trauma smos à epífise femoral. g Manutenção da redução ob da até a estabilidade da ar culação coxofemoral. Nos primeiros meses de vida, a criança deve ser exaôminada repe das vezes para a confirmação diagnós ca, ou não, da DDQ. Uma vez estabelecido o diagnós co de instabilidade ou de luxação do quadril, o tratamento é iniciado visando a redução da cabeça femoral na cavidade acetabular e a sua manutenção até a certeza da estabilidade ar cular. De acordo com Ferguson16, o obje vo do tratamento da DDQ é a correta centração e a estabilização da cabeça femoral no acetábulo. Para o autor, o problema é de que modo esse obje vo pode ser melhor a ngido e, de preôferência, sem métodos cirúrgicos. Inúmeros aparelhos ortopédicos estão disponíveis nos dias de hoje para cumprir o obje vo do tratamen to. Atualmente, a órtese mais usada é o suspensório de Pavlik (Figura 10). Ele proporciona a simultânea flexão e abdução da ar culação coxofemoral graças às ras que se unem com rela va facilidade. Segundo Tachdjian17, o uso do suspensório diminui o risco da necessidade de redução cirúrgica. Ramsey et al.11 descrevem a forma apropriada do uso do suspensório de Pavlik, cuja ação está baseada no princípio de redução em flexão, evitando uma posição de abdução forçada da ar culação. Esse trabalho mostra que 89% de quadris luxados em crianças menores de 6 meses de vida foram reduzidos com sucesso e apresentaram um desenvolvimento normal com o uso dessa órtese; apenas um quadril apresentou alterações leves, po osteocon drite. Em dois pacientes, a falha na obtenção da redução ocorreu em virtude do não posicionamento em flexão de 90°. Os autores recomendam o uso do suspensório de Pavlik no período de RN até os 9 meses de idade, não referindo necrose avascular da epífise femoral, o que está de acordo com autores como Suzuki e Yamamuro18 e Kalamchi e MacFarlane19. No entanto, se a redução conôcêntrica não é ob da nas primeiras 2 a 3 semanas de uso do suspensório, essa conduta será abandonada em favor da tração seguida pelas técnicas clássicas de redução do quadril. As falhas de redução com o uso do suspensório de Pavlik geralmente decorrem de um mau acompanhamen to da criança pelo médico no ambulatório. Quando a opção é de uso do suspensório, é necessário que a crian ça seja examinada com frequência para avaliar a correta aplicação do disposi vo, geralmente a cada semana. Em linhas gerais, a criança permanece de 6 a 8 se manas usando o aparelho, ou, como regra prá ca, aproôximadamente 2 vezes o valor da idade em que iniciou o uso do suspensório de Pavlik. Em caso de falha com o uso do suspensório, a opção é a redução incruenta e a imobilização em aparelho ges sado (precedida ou não por um período de tração) para essa faixa etária, RN até 2 a 3 meses de vida. Tratamento antes do início da marcha O protocolo adotado na faixa etária de 3 a 6 meses de idade é a redução incruenta, com tenotomia percutâ nea dos músculos adutores do quadril e a imobilização em aparelho gessado pelvipodálico. O aparelho gessado é confeccionado na denominada “posição humana de Sal ter”, com os quadris em flexão de 90° e abdução de 50° ou 60° (Figura 11). A troca do aparelho gessado é realizada após 6 a 8 semanas e testa-se a estabilidade da redução. Para os pacientes cujos quadris já estão estáveis, pode-se iniciar o uso de órtese de abdução, po Milgram, por um período nunca inferior a 2 meses. Para os pacientes cujos quadris ainda sejam instáveis, prossegue-se o tratamento com a imobilização gessada por mais 3 a 4 semanas. Uma vez ob da a estabilização, passa-se para o uso da órtese. De Rosa e Feller, em 198720, apresentaram os resulta dos do tratamento em um grupo de 66 pacientes com o diagnós co de luxação congênita do quadril antes da idaôde da marcha. Nesse grupo, o total de quadris tratados foi de 85, pois 19 pacientes apresentavam luxação bilateral. O protocolo adotado foi o seguinte: tração pré-redução e redução incruenta e imobilização em aparelho gessado, sempre que possível. Durante o período de tração, radio grafias da bacia eram realizadas com intervalos de 5 dias. Quando, à radiografia, a cabeça femoral encontrava-se abaixo da linha de Hilgenreiner, o paciente era subme do a um exame sob anestesia, quando, então, era testada a redução. Se esta ainda não ocorrera, era realizada uma redução incruenta sem manobras forçadas. Se o quadril não era redu vel com essa sequência, era considerado irredu vel e, portanto, a redução cruenta era necessária. Após a redução, quer pela tração ou pela manipulação incruenta sob anestesia, usava-se a imobilização em um aparelho gessado na denominada “posição humana de Salter”, com os quadris em flexão de 90° e abdução de 50° ou 60°. A troca do aparelho gessado era realizada após 6 a 8 semanas e os autores testavam a estabilidade da redução. Então, os pacientes cujos quadris já estavam estáveis passavam para o uso de órtese de abdução, po Ilfed, por um período nunca inferior a 9 meses. Os pa cientes cujos quadris ainda eram instáveis prosseguiam o tratamento com a imobilização gessada ou eram subôme dos a redução cruenta, segundo a gravidade do caso, após realização de artrografia. O s resultados mostraram que 60 dos 66 pacientes evoluíram para redução, seja com a tração somente ou por manipulação, mas ainda por via incruenta. Em 6 pacientes (10 quadris), foi realizada a redução cruenta por falha no protocolo descrito. Tratamento após o início da marcha Segundo MacEwen e Ramsey21, a criança portadora de DDQ não diagos cada e tratada antes do início da marcha não evolui para um quadril normal, qualquer que seja o método de tratamento empregado. Alguma lesão residual sempre estará presente em suas radiografias. Porôtanto, o obje vo do tratamento nessa faixa etária deve ser o restabelecimento das melhores condições biomecânicas da ar culação do quadril, no sen do de evitar a ocorrênôcia de alterações degenera vas po osteoartrose e o apaôrecimento de complicações como a necrose avascular. Redução do quadril Há controvérsias quanto à melhor maneira de obter a redução do quadril de uma criança que já a ngiu a idade da marcha. Para alguns autores, antes das tenta vas de redução, é obrigatório um período de tração. Um proôgrama de tração domiciliar pode ser ú l e ajuda a reduzir os custos do tratamento. Redução incruenta Realizada sob anestesia geral. As manobras devem ser suaves, de posicionamento, e não para forçar a redução. Se os músculos adutores es verem tensos, realiza-se a tenotomia percutânea deles (nessa faixa etária, tal proôcedimento é pra camente obrigatório). Se o arco de moôvimento entre a redução e a luxação for menor que 2