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Artes Visuais Escultura Artes visuais - escultura Larissa Brum Leite G usmão Pinh eiro ISBN 978-65-5821-123-5 9 786558 211235 Código Logístico I000495 Larissa Brum Leite Gusmão Pinheiro Artes visuais – Escultura Larissa Brum Leite Gusmão Pinheiro IESDE BRASIL 2022 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2022 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Shutterstock/Cem Selvi - Envato/PixelSquid360 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P72a Pinheiro, Larissa Brum Leite Gusmão Artes visuais : escultura / Larissa Brum Leite Gusmão Pinheiro. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2022. 150 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-123-5 1. Escultura.- Técnica. I. Título. 22-76192 CDD: 731.4 CDU: 730 Larissa Brum Leite Gusmão Pinheiro Doutora e mestra em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em História, Arte e Cultura pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Licenciada em Artes Visuais pela Faculdade de Artes da Universidade Estadual do Paraná (Unespar/FAP). Bacharela em História pela UEPG. Entre 2011 e 2021, participou, como aluna-pesquisadora, do Núcleo de Artes Visuais (Navis). Idealizadora e organizadora da 1ª Mostra de Artes do 2º Seminário de Estudos Históricos da UFPR (2019). Também proferiu palestras para o ensino superior relacionadas à história da arte. Começou suas primeiras investigações artísticas na pintura em tela, em 2007. Atualmente, dedica-se à investigação em objetos, fotografia, videoarte, performance e seus desdobramentos. É coautora de um livro sobre a história da presença negra em Curitiba no século XX. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Raízes da escultura 9 1.1 O início 9 1.2 Ocupando o espaço 11 1.3 Escultura na arte popular 20 1.4 Modelagem em argila 22 2 Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 35 2.1 Egito 35 2.2 Grécia 42 2.3 Roma 51 2.4 Esculpir a pedra 54 3 Escultura no Renascimento e Barroco 64 3.1 Renascimento italiano 64 3.2 Barroco italiano 73 3.3 O Barroco no Brasil 77 3.4 A escultura em metal e o processo de moldagem 83 4 Escultura no modernismo e na arte contemporânea 92 4.1 Origens da arte moderna 92 4.2 As vanguardas artísticas europeias 97 4.3 Arte contemporânea 114 4.4 Técnicas de artistas contemporâneos 126 5 Disputas sobre a memória 135 5.1 Os monumentos públicos: o que contam? 135 5.2 A reivindicação da memória 138 5.3 As esculturas da cidade 144 Resolução das atividades 148 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! A arte existe porque a vida não basta Ferreira Gullar As imagens fazem parte de nosso cotidiano nas mais diversas formas. Dessa maneira, torna-se cada vez mais necessário aprendermos os seus códigos de leitura e de sua produção para que possamos compreendê-las. Uma dessas manifestações imagéticas é a escultura, que, devido ao seu aspecto tridimensional, traz novas camadas de leitura e de significado. Temos acesso a ela por meio da arte popular, dos museus e da arte pública. No entanto, muitas vezes, essas esculturas nos passam despercebidas devido à correria do dia a dia. Saber como ler uma obra de arte e/ou uma imagem é tão importante quanto aprender suas técnicas. Por isso, pautados na proposta triangular, de Ana Mae Barbosa (2014), apresentamos três aspectos em cada capítulo, ao menos de modo introdutório, relacionados ao ensino de artes, são elas: história da arte – compreender o aspecto social das obras de arte, o contexto em qual foi feita; a leitura de imagem em seu nível formal e semântico, ou seja, os significados que carrega consigo; e a produção artística em si, apresentando diferentes técnicas e materiais para o processo criativo na linguagem tridimensional. Com o desenvolvimento do nosso conhecimento, a percepção que temos sobre uma mesma imagem pode se alterar com o tempo. Assim, procuramos colaborar para a formação de um pensamento crítico, reflexivo e propositivo sobre a arte, que seja capaz de investigar diferentes códigos culturais. Esta obra está dividida em cinco capítulos, organizados de modo mais ou menos cronológico: Raízes da escultura; Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma; Escultura no Renascimento e Barroco; Escultura no modernismo e na arte contemporânea; e Disputas sobre a memória. No primeiro capítulo, discutimos a origem do termo escultura, o que a caracteriza como linguagem artística. Apontamos a arte APRESENTAÇÃOVídeo 8 Artes visuais - Escultura popular como um dos contatos iniciais que temos com a arte e apresentamos uma das técnicas mais comuns utilizadas pelos artistas populares: a argila e seu processo para a transformação em cerâmica. No segundo capítulo, apresentamos a escultura no Egito, na Grécia e na Roma antigos, pontuamos suas principais características, permanências e mudanças no estilo ao longo do tempo. A escultura em pedra – uma das mais tradicionais – é privilegiada em nossa análise, assim como sugestões para a adaptação da técnica do talhe para ser trabalhada em sala de aula. Já no terceiro capítulo, refletimos sobre a escultura no Renascimento italiano e no Barroco italiano e brasileiro. Mostramos como são retomados valores artísticos da Antiguidade Clássica e como são adaptadas e renovadas para as novas demandas sociais e artísticas. Também chamamos a atenção para como esses estilos influenciaram fortemente a produção artística durante séculos. A técnica apresentada é a da fundição, para o trabalho em sala de aula focamos uma das partes de seu processo: a moldagem. No quarto capítulo, discutimos obras escultóricas na arte moderna e contemporânea, vemos como a partir do século XX novos materiais, temas e técnicas ampliaram o repertório daquilo que é compreendido como escultura, além de apresentarmos exemplos de trabalhos e de artistas de diferentes movimentos do período. Por fim, no quinto capítulo, abordamos a escultura com relação à arte pública, como ela é utilizada e disputada na construção de determinadas narrativas e visões. Lembramos que a disciplina é um primeiro contato com a linguagem tridimensional, que pode e deve ser aprofundado por meio da pesquisa e da prática. Em sala de aula, você, futuro professor, deve atuar como mediador, estimulando o aluno a desenvolver o pensamento crítico e novas percepções sobre a arte. Para a avaliação de seus futuros alunos, leve em conta a dedicação, o acabamento e o seu processo. Bons estudos! Raízes da escultura 9 1 Raízes da escultura Neste capítulo, adentramos no universo da escultura. Abordamos as suas origens, o seu aspecto mágico durante a Pré-História e o que ela significa. Vemos também os fundamentos básicos e conceituais da lingua- gem escultórica e a sua relação com o espaço tridimensional. Discutimos ainda a escultura na arte popular e suas principais caracte- rísticas. O usoda argila e da cerâmica por esses artistas é o pontapé inicial para nosso estudo sobre esses materiais. Por fim, apresentamos técnicas de modelagem com argila, mostrando algumas maneiras de serem traba- lhadas em sala de aula. 1.1 O início Vídeo A escultura faz parte da atividade humana há milênios, é por meio dela, das pinturas, das ferramentas e das ossadas que pode- mos conhecer e compreender um pouco a vida de nossos ancestrais. Na Pré-História, a escultura estava presente desde as produções de objetos para uso cotidiano (os utensílios) até aqueles mais complexos, que aliavam diferentes relações, como os aspectos mágico e ritualísti- co, muitas vezes refletindo sobre a presença da vida e da morte, a idea- lização, entre outros aspectos (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012). A arte, como linguagem, é uma forma de organização do pensa- mento, uma maneira de compreender e interpretar o mundo, uma manifestação cultural. Nesse sentido, a história da arte pode ser vis- ta como uma história das ideias, assim, a produção de uma obra artística está relacionada a diferentes fatores, como a intenção de quem a realiza; o contexto de sua produção (as possibilidades mate- riais e sociais para a sua realização); e para o que e/ou para quem é destinada (GOMBRICH, 2012). É a partir do período Paleolítico Superior – ou Idade da Pedra Lascada – que encontramos as primeiras manifestações artísticas. Tanto nas pinturas quanto nas esculturas, os artistas inspiravam-se nas formas que viam e com as quais tinham contato: representavam Conhecer as raízes da escultura na Pré-História. Objetivo de aprendizagem 10 Artes visuais – Escultura a si, como a outros animais não humanos, que eram utilizados na caça. As imagens desses últimos serviam a um sentido mágico, de ca- ráter animalista – o entendimento de que todos os animais possuem alma –, e representá-los era uma forma de prender “os próprios se- res”, conseguindo, dessa maneira, capturá-los posteriormente; era uma atribuição de que as imagens tinham poder (BAUMGART, 1994; COOPER, 1999; GOMBRICH, 2012; KEMPER, 1978; PROENÇA, 2005). De acordo com Baumgart (1994, p. 6), “as representações significa- vam, portanto, a tentativa de organizar e dominar o mundo cujas forças amedrontadoras e benéficas se personificavam nos animais”. Na Figura 1 temos a escultura de um bisão, encontrada em uma caverna na França, que alia elementos totalmente tridimensionais no corpo do animal a elementos de baixo-relevo na construção da cabeça, voltada ao próprio corpo. Provavelmente essa composição tenha sido escolhida para se adequar à forma do material disponí- vel, mostrando domínio da técnica e da representação. Pelas inúme- ras imagens dessa espécie, notamos que esse era um animal comum durante o período, abatido para a alimentação, mas também apro- veitado ao máximo – utilizavam pele, tendões, gordura etc. Figura 1 Bisão, ou Bisão lambendo a picada de inseto (Paleolítico Superior) Fonte: Bisão. ca. 20.000 a.C. Chifre de rena. Museu Nacional Les Eyzies, Les Eyzies. Uma das figuras mais debatidas do período Paleolítico Superior é a Vênus de Willendorf (Figura 2), encontrada em 1908 na Áustria, uma escultura em talha feita em calcário de aproximadamente 27.000 a. C (MCDERMOTT, 1996; MIDGLEY, 1982). Assim como ela, outras estátuas No livro A história da arte, Gombrich faz um panorama geral da arte, enfatizando a produção pictórica e de esculturas no Ocidente, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Pensado para es- tudantes do Ensino Médio, o livro tem uma linguagem bastante acessível, pois tem como objetivo trazer familiaridade sobre o tema. É ricamente ilus- trado e comentado, com obras tradicionalmente utilizadas na história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012. Livro Acesse a reportagem Obra de arte mais antiga da humanidade é descober- ta na Indonésia, de Nuño Domíngues para o jornal El País. Como o próprio título indica, apresenta a mais antiga obra de arte conhecida até hoje, des- coberta em 2017. Trata-se de uma pintura feita em uma caverna. Saiba mais acessando o link a seguir. Disponível em: https://brasil.elpais. com/ciencia/2019-12-12/obra-de- arte-mais-antiga-da-humanidade-e- descoberta-na-indonesia.html. Acesso em: 9 dez. 2021. Saiba mais Jo ch en J ah nk e/ W iki m ed ia C om m on s https://brasil.elpais.com/ciencia/2019-12-12/obra-de-arte-mais-antiga-da-humanidade-e-descoberta-na-indonesia.html https://brasil.elpais.com/ciencia/2019-12-12/obra-de-arte-mais-antiga-da-humanidade-e-descoberta-na-indonesia.html https://brasil.elpais.com/ciencia/2019-12-12/obra-de-arte-mais-antiga-da-humanidade-e-descoberta-na-indonesia.html https://brasil.elpais.com/ciencia/2019-12-12/obra-de-arte-mais-antiga-da-humanidade-e-descoberta-na-indonesia.html Raízes da escultura 11 M at th ia sK ab el /W ik im ed ia C om m on s do mesmo período, semelhantes formalmente seja pelo tamanho ou por aquilo que enfatizam, são chamadas de Vênus. Observando a Figura 2, que cabe na palma da mão, vemos alguns aspectos salientados, como as ancas, o quadril e os seios, o que leva a crer que ela era uma espécie de objeto de culto à fertilidade, um amuleto, e que possivelmente teria algum caráter mágico e/ou reli- gioso. O tratamento dado à cabeça assemelha-se às representações de penteados, não dando feições ao rosto, aspecto também comum em outras Vênus. Ao mesmo tempo, algumas pesquisas – como a de McDermott (1996) – apontam que essa escultura, assim como outras, poderia se tratar de uma autorrepresentação feminina, pelas semelhanças formais observadas pelo olhar de uma mulher grávida sobre o próprio corpo e pela maneira como esses aspectos estão presentes nas estatuetas. Por exemplo, os seios e a barriga estão mais próximos do olhar, devido a isso, es- sas partes são representados de maneira um pouco maior que de costume, enquanto as pernas e os pés se afunilam na percepção do próprio corpo. Além disso, as mãos sobre os seios seriam facilmente vistas por quem vê a si. Até aqui entendemos que a escultura é uma das manifestações cul- turais e sociais mais antigas da humanidade e que se relacionava com aspectos da vida prática do cotidiano, tanto na utilização dos objetos quanto na escolha dos materiais e das formas e no seu caráter mágico e ritualístico ligado à sua percepção de mundo. Figura 2 Vênus de Willendorf Fonte: Vênus de Willendorf. 24.000-22.000 a.C. Escultura da calcário oolítico. 10,45 cm. Museu de História Natural, Viena. 1.2 Ocupando o espaço Vídeo Mas, afinal, o que é escultura? A palavra esculpir é formada pelo ver- bo latino sculpere, que significa esculpir, entalhar. Assim, a origem do termo está ligada ao ato de retirar matéria para criar novas formas. A escultura é uma linguagem artística diretamente relaciona- da às três dimensões, aos três eixos, criando volumes: (i.) largura; (ii.) altura e (iii.) profundidade. Sua principal característica é, portan- to, a espacialidade: “a definição de escultura dada por Michelangelo, e não somente ele, é que a escultura divide, ou em alguns casos muda, o espaço” (PETERSON, 1997, p. 18). Examinar e apreender os elementos plásticos que caracterizam a escultura: a relação com o espaço tridimensional, a massa, o volume e o equilíbrio. Objetivo de aprendizagem 12 Artes visuais – Escultura Dessa maneira, a escultura permite que nosso olhar percorra o entorno de toda a peça, fazendo, muitas vezes, com que tenhamos que percorrer corporalmente por ela, ainda que em alguns casos a sua grande dimensão possa ser um impeditivo para apreciá-la como um todo. Trata-se de uma maneira encontrada pelos artistas para que percebamos a espacialidade na qual vivemos de modo distinto. Enquanto a pintura projeta a simulação do espaço em duas di- mensões, criando-o de modo virtual – como no caso da perspectiva renascentista – na escultura, ele se dá de modo tridimensional, estando diretamente em relação com o espaço real e a sua ocupação(MIDGLEY, 1982). As esculturas podem trabalhar esses três aspectos de maneira mais homogênea ou enfatizar um deles. Há obras de “passagem” do bi- dimensional para uma obra completamente tridimensional 1 são elas: o baixo e o alto-relevo; o primeiro tem pouco aspecto ligado ao volume, já o segundo transmite maior sensação de tridimensionalidade. Figura 3 Baixo-relevo, Angkor Fonte: Batalha de Devas e Asuras. Baixo-relevo. Templo de Angkor Wat, província de Siem Reap, Camboja. Porém, o que se entende por escultura – assim como a arte – va- ria muito com relação ao contexto histórico em que é produzida ou lida. Como mencionado, muitas das obras que hoje vemos simples- Obras tridimensionais também são chamadas de volume redondo ou forma cheia. Vasari (2020) denomina de vulto uma escultura que pode ser vista de todos os lados. 1 PI ER RE A ND RE L EC LE RC Q/ W ik im ed ia C om m on s https://commons.wikimedia.org/wiki/User:PIERRE_ANDRE_LECLERCQ Raízes da escultura 13 mente como artísticas tinham funções específicas (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012). A arte na Pré-História estava ligada ao seu aspecto mágico; para os gregos – por exemplo – era a busca da beleza. Giorgio Vasari (1511-1574) acreditava que existiam maneiras corretas para se elaborar uma obra de arte, uma escultura; seu julgamento era pautado em valo- res hegemônicos do período no qual escreveu. Para o autor, uma boa escultura seria fiel àquilo que repre- sentasse e deveria levar em consideração a convenção da proporção das partes. Ao mesmo tempo, a cabeça precisaria ter tamanho maior que o natural, se a está- tua fosse muito grande ou ficasse em um lugar muito alto, justamente para parecer proporcional quando vista pelo público, amenizando o escorço; uniforme em relação ao tratamento, um rosto de um idoso não poderia ser colocado no corpo de um jovem; de as- pecto “natural”; e pensada em como as sombras se- riam formadas em relação ao local onde seria exposta (VASARI, 2020). O que você entendia por escultura? Escolha uma escultura para pensar nos termos explorados. Busque elencar com seus alunos algumas profissões que traba- lham diretamente com técnicas próprias da escultura, por exemplo, artistas, paneleiros, oleiros, protéticos, carna- valescos, louceiros etc. Desafio Figura 4 Alto-relevo Jo sé L ui s Fi lp o Ca ba na /W ik im ed ia C om m on s Fonte: O enigma das cidades perdidas, alto-relevo, século VII. A árvore do mundo. O deus Jaguar do submundo (Xibalbá) com cocar. Proveniência desconhecida. Museu Arqueológico de Alicante. A partir da modernidade, a incorporação de novas técnicas e novos materiais pelos artistas fez com que a noção de escultura se ampliasse significativamente. Existem quatro maneiras principais de trabalhar a escultura, va- riando processos, materiais etc., são elas: subtração, adição, cons- trução e moldagem/fundição. Esculpir, ou talhar, é a maneira mais usual da subtração, que pode ser feita em diferentes materiais, mas é mais comum em pe- dra e madeira. A dimensão do bloco ou do tronco original pode ser um limitador para o tamanho da obra. 14 Artes visuais – Escultura Figura 5 Processo de subtração A adição é feita na modelagem, geralmente realizada em argila e cera, e possui maior liberdade de criação devido à sua plasticidade, bem como mais possibilidade para “correções”. Figura 6 Processo de adição A construção pode ser feita de diferentes meios, como costura, sol- da, colagem, pregos, entre outros, unindo-os. A2 m 9/ W ik im ed ia C om m on s Pa ra na m ir/ Sh ut te rs to ck Raízes da escultura 15 Figura 7 Processo de construção A fundição está diretamente ligada à moldagem, pois ambas tra- tam da elaboração da peça final por meio da utilização de moldes, com a matriz inicial feita de material diferente (MIDGLEY, 1982). Figura 8 Processo de fundição Veremos a seguir os elementos que compõem a gramática tridi- mensional da escultura, todos abordados com base no trabalho de Fayga Ostrower (2013) e João Gomes Filho no livro Gestalt do objeto (2008). Fr ie nd s St oc k/ Sh ut te rs to ck sa fa kc ak ir/ Sh ut te rs to ck 16 Artes visuais – Escultura A linha, constituída da sucessão de pontos, pode ser uma das di- mensões privilegiadas pela escultura. Ela pode tanto ser explorada como linha mesmo, como nas obras de Tomie Ohtake (Figura 9), Lygia Pape e Eliane Prolik, ou pode ser aquilo que contorna a figura, as suas margens, por exemplo, em um bloco de concreto, as suas extremida- des podem ser lidas como linhas. Figura 9 Linhas Na obra, de Tomie Ohtake, podemos ver as linhas ocupando o espaço tridimensional. Ela traz movimento à escultura pelas formas orgânicas e leves em um material de metal. Os pontos formam uma linha; as junções de linhas, um plano; e a união de planos, o volume, isto é, o aspecto tridimensional. Em sala de aula a linha pode ser desenhada na lousa e – com o auxílio de uma cor- da (ou barbante) do mesmo tamanho da desenhada – deve ser segura- da no ar, criando movimentos. O professor, então, pede aos alunos que comentem as semelhanças e diferenças entre elas. O plano é formado pelas junções de linhas, em que são enfatizadas a largura e o comprimento. A lousa pode ser utilizada para exemplificar o plano. Imaginemos ela deslocada na sala, também exercendo uma nova configuração do espaço. Caso os alunos tenham dificuldade para compreender, a lousa pode ser substituída por uma folha sulfite ou cartolina, primeiro colada na parede e depois deslocada no espaço. O professor deve pedir para que os alunos descrevam o que observam No livro Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma, João Gomes Filho apresenta como a imagem é percebida e lida com base na teoria das formas elaboradas pela psicologia da percepção da Escola Gestalt. O livro é ricamente ilustrado e di- dático, com vários exem- plos de cada elemento visual abordado. São Paulo: Escrituras, 2013 Livro pa ul is so n m iu ra /W ik im ed ia C om m on s Raízes da escultura 17 e que constatem se há ou não diferença, como ela atua em relação ao contexto em que está inserida. Tapar um objeto ou uma imagem com a folha pode ajudar nessa percepção. Essas formas são encontradas em diversas obras, como nas de Richard Serra e Hélio Oiticica. Figura 10 Planos Fonte: SERRA, R. The hours of the day.1990. Aço. 513 cm. Museu Bonnefanten, Maastricht. Observemos como a disposição dos planos cria ritmo visual. Todas essas grandes placas de metal possuem mais de um metro e meio de altura. Essas duas primeiras formas – linha e plano – são bastante utiliza- das pela arte abstrata. Mesmo que se privilegie o aspecto de uma ou das duas dimensões, quando colocada no espaço, a obra sempre pos- suirá espessura, mesmo que seja mínima. A superfície da escultura pode assumir diferentes tipos de textura e acabamento (lisa, rugosa, polida, áspera, fria, quente, entre tantos outros). Dependendo do material e da maneira como é utilizado, pode transmitir maior ou menor leveza, acentuando o peso em estruturas que não o têm, ou ainda, transformando materiais pesados em apa- rentemente leves, como no caso da sensação que o metal polido ge- ralmente passa, mesmo com grandes dimensões, como nas obras de Anish Kapoor (Figura 11). Esculturas em metais com acabamento fosco tendem a parecer mais pesadas, como O pensador, de Auguste Rodin, feita em bronze. Os carnavalescos também criam esculturas que pare- Uma variação desse exer- cício pode ser realizada da seguinte maneira: cole uma folha sulfite ou cartolina no quadro e, em seguida, peça para que os alunos a descrevam. De- pois, pergunte: Como ela pode ser transformada em uma escultura? Como ocupar o espaço? Peça para que deem exemplos. Caso perguntem, diga que podem pegar na folha. A retirada do papel do suporte bidimensio- nal para o espaço é o primeiro passo para a sua compreensão, e qualquer curvaturaou dobradura pode deixar ainda mais explícito a sua transfor- mação do bidimensional para o tridimensional. Na aula de Arte Kl eo n3 /W ik im ed ia C om m on s É interessante trabalhar em sala de aula métodos comparativos e visuais para que os alunos possam chegar a algumas conclusões por meio das instigações proporciona- das pelos professores. Importante 18 Artes visuais – Escultura cem pesadas por meio de materiais leves, como a espuma e o isopor. Dessa maneira, o artista pode escolher se deixa a marca dos instru- mentos utilizados ou se a apaga, dependendo da sensação e do concei- to que se quer transmitir. Figura 11 Superfície Fonte: KAPOOR, A. A grande árvore e o olho. 2009. Escultura de aço. Museu Guggenheim, Bilbao. A forma de sobreposição das esferas com a superfície espelhada do aço polido faz com que a escultura pareça leve e fluida, lembrando bolhas de sabão. A cor está presente ao longo da história da escultura. Peças que hoje são brancas outrora foram cobertas de cores, por exemplo, as obras da Grécia Antiga. A escolha pela cor, assim como os demais ele- mentos, depende da intenção artística. Em alguns períodos históricos elas foram mais comuns, em outros caíram em desuso. O movimento na escultura se dá de duas formas: pelo sentido pro- duzido apenas pela sensação, como em O discóbolo, do grego Myron, ou pelo movimento de fato, como nas esculturas cinéticas, ativadas por fatores/estímulos externos, entre eles o vento, o mar e o toque. Os ga- J os é Lu is F ilp o Ca ba na /W ik im ed ia C om m on s Veja algumas imagens e algumas réplicas coloridas digitalmente pela revela- ção com o uso da luz ultra- violeta no link a seguir. Disponível em: https://www. hypeness.com.br/2016/07/ luz-ultravioleta-revela-cores- originais-de-estatuas-gregas-bem- diferente-do-que-imaginavamos/. Acesso em: 9 dez. 2021. Saiba mais https://www.hypeness.com.br/2016/07/luz-ultravioleta-revela-cores-originais-de-estatuas-gregas-bem-diferente-do-que-imaginavamos/ https://www.hypeness.com.br/2016/07/luz-ultravioleta-revela-cores-originais-de-estatuas-gregas-bem-diferente-do-que-imaginavamos/ https://www.hypeness.com.br/2016/07/luz-ultravioleta-revela-cores-originais-de-estatuas-gregas-bem-diferente-do-que-imaginavamos/ https://www.hypeness.com.br/2016/07/luz-ultravioleta-revela-cores-originais-de-estatuas-gregas-bem-diferente-do-que-imaginavamos/ https://www.hypeness.com.br/2016/07/luz-ultravioleta-revela-cores-originais-de-estatuas-gregas-bem-diferente-do-que-imaginavamos/ Raízes da escultura 19 los dos ventos (que costumavam ficar em cima das casas para apontar a direção do vento) são um exemplo disso. A escala de uma obra é feita em comparação com a altura média humana (170 cm) ou em relação ao contexto em que está situada. Assim, uma obra que representa um adulto de quatro metros dentro de uma sala expositiva parece gigante, mas, se deslocada para um cam- po muito espaçoso, pode parecer pequena. Os estudos das obras, ge- ralmente, são feitos em escala menor, funcionando como maquetes. Todos os elementos plásticos mencionados até agora estão relacio- nados entre si e ao espaço. Esse último pode ser observado e percebi- do de diferentes modos, a obra no espaço depende do contexto ou da relação no qual está inserida. Uma obra muito próxima de outra pode criar a sensação de tensão, de vazio – se estiverem muito afastadas –, de equilíbrio ou falta dele. Para a elaboração e exposição de uma escul- tura é necessário levar em conta a dimensão, o lugar em que ficará, a durabilidade e a relação dela com o entorno. O equilíbrio é necessário para que a escultura se mantenha tanto na posição desejada quanto em seu aspecto visual; está de uma manei- ra próxima relacionada à harmonia, assim como as proporções. Estas podem ser brincadas se a base e a fundação servirem como contra- posto para peças mais pesadas visualmente no topo do que na base, trabalhando com contrabalanço, compensação etc. Dessa maneira, es- tudos de engenharia e matemática são comuns para a sua elaboração. É necessário conhecer as proporções e o equilíbrio para que uma obra pare em pé e para que possa haver uma crítica/ruptura dela. Nesta seção apresentamos a definição de escultura com base nos elementos plásticos que a caracterizam. Todos atuam de maneira conjunta, ainda que em uma obra um deles possa ter mais destaque que outro, a depender das escolhas técnicas e estéticas de quem a realiza. Assim, compreendemos que sua característica principal é a tridimensionalidade, podendo ser realizada por meio de diferentes processos e materiais, como a escultura em mármore, a modelagem em argila, entre outros. Em Universos da arte, Fayga Ostrower descreve os métodos utilizados por ela em um de seus cursos ministrados para trabalhadores. A autora ensina os modos de ver, ler e interpretar uma imagem com relação aos fundamentos básicos das linguagens visuais. É um livro essencial para estudantes e professores de Arte. Campinas: Editora da Unicamp, 2013. Livro 20 Artes visuais – Escultura 1.3 Escultura na arte popular Vídeo Muitas vezes nem nos damos conta de que nosso primeiro contato com a escultura – ao menos o mais próximo – é com obras produzidas pela arte popular, seja porque temos alguma peça em casa, seja porque a vemos na casa de um parente ou conhecido, seja pelo contato nas feiras e em locais onde são vendidas. O Brasil é bastante rico nesse as- pecto, com obras de excelente qualidade em todas as regiões. Embora vista frequentemente como “menor”, a arte popular, aos poucos, está conquistando espaços nos circuitos oficiais de arte. Para Silva (2018), esse tipo de julgamento é pautado nas concepções hegemônicas, sobretudo, dos valores das classes mais abastadas e do sistema oficial institucionalizado, como museus e galerias de arte, que também são responsáveis por divulgar essa concepção. Nesse pensa- mento, há uma divisão entre aqueles vistos como “intelectuais” e os trabalhadores manuais. A arte popular, assim como as demais manifestações artísticas, é um modo de saber e saber fazer, mas alguns aspectos estão mais fortemente ligados nesse processo, entre eles a transmissão dos conhecimentos, das tradições e das técnicas entre as gerações, em uma relação entre mestres e aprendizes. Teixeira (2010, p. 16) nos chama a atenção para o aspecto da memória coletiva presente nesse fazer. Para a autora, é a “memória cole- tiva que evoca relações simbólicas que sustentam a história e as tradições locais”, constituindo um saber como herança. Ocorre uma perpetuação nas formas de fazer, bem como uma re- novação, adaptando-se com o passar do tempo às novas demandas de seus produtores ou mesmo de seus clientes. É uma importante fonte de renda para as famílias, de origem social mais baixa, frequen- temente envolvendo todos os seus membros nas diferentes etapas ne- cessárias para a confecção da obra, desde a retirada e preparação da matéria-prima, a elaboração dos fornos, passando pela realização da escultura, até a sua comercialização. A temática está fortemente relacionada a cada região, valorizan- do aspectos de sua comunidade, tendendo mostrar e não apagar sua identidade, sua cultura. O anonimato é algo comum, bem como as so- luções comunitárias, consistindo em utilizar formas, modelos já usados por outros artistas, ou mesmo a obra ser resolvida de maneira coletiva. Ter um breve panorama da arte popular brasileira. Objetivo de aprendizagem Renan Quevedo criou o projeto Novo para nós, em que busca divulgar a arte popular produzida no Brasil. Conheça mais no link a seguir. Disponível em: https:// novosparanos.com.br/. Acesso em: 9 dez. 2021. Saiba mais https://novosparanos.com.br/ https://novosparanos.com.br/ Raízes da escultura 21 No entanto, há aqueles conhecidos individualmente, que assinam seus trabalhos. Em muitos casos, os artistas populares unem-se por meio de associações, como exemplo disso temos o Vale do Jequitinhonha(LIMA, 2014; SILVA, 2018; TEIXEIRA, 2010; TIRAPELI, 2009). Há ainda especializações dentro da arte popular, pela temática ou pelo material empregado, como: os santeiros – também conhecidos como imaginários – que realizam peças voltadas à religiosidade e há entre eles aqueles que fazem apenas ex-votos; figureiros, artistas que trabalham com a construção de figuras humanas e outros animais em cenas do cotidiano, como as artistas do Vale do Jequitinhonha, que são co- nhecidas principalmente pelas bonecas em forma de noivas e namoradei- ras, ou ainda o polo de Caruaru, Pernambuco (SILVA, 2018; TEIXEIRA, 2010; TIRAPELI, 2009). Algumas dessas manifestações foram declaradas patri- mônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) , como é o caso das paneleiras, em 2002. Os artistas utilizam diversos tipos de materiais para a confecção de suas obras, como madeira, barro, sucata etc. Normalmente o material utilizado é aquele mais acessível ou tradicional do local. A escultura em madeira – realizada por meio da técnica do entalhe – como a produzida pelos artistas de Sergipe e Piauí, conta com uma longa tradição, datando ainda do período colonial, e é voltada, prin- cipalmente, para imagens sacras e decorações de igreja (Figura 12), perdurando ainda hoje na arte santeira (produção de santos e ex-votos), mas também nas imagens do cotidiano e da vida nesses lugares (LIMA; VIANNA, 2009; LIMA, 2010). Artista Nivaldo Gomes dos Santos, de Ibimirim, realizando o entalhe em uma de suas obras. Cl is th en ne s/ W ik im ed ia C om m on s Figura 12 Arte santeira No canal territoriodasmaos, no YouTube, você encon- tra vídeos de depoimentos de artistas populares do Nordeste. Acesse o link a seguir para conhecer mais. Disponível em: https://www. youtube.com/channel/ UCw3L8WPtR6tVPy3NHiy2Ceg. Acesso em: 9 dez. 2021. Dica https://www.youtube.com/channel/UCw3L8WPtR6tVPy3NHiy2Ceg https://www.youtube.com/channel/UCw3L8WPtR6tVPy3NHiy2Ceg https://www.youtube.com/channel/UCw3L8WPtR6tVPy3NHiy2Ceg 22 Artes visuais – Escultura Entre os artistas populares mais conhecidos está o figureiro Vitalino Pereira dos Santos (1909-1963), conhecido como Mestre Vitalino, de Caruaru, Pernambuco (TIRAPELI, 2009; WALDECK, 2009). Seu autorretrato (Figura 13) foi feito no material que lhe era íntimo desde criança: o barro. Sua mãe era louceira e foi daí que Vitalino teve seu primeiro contato com a matéria-prima, transformando o que sobrava em brinquedos para si e para vender (WALDECK, 2009). Figura 13 Autorretrato de Mestre Vitalino M us eu d o Ho m em d o No rd es te /F un da çã o Jo aq ui m N ab uc o/ W ik im ed ia C om m on s Fonte: VITALINO. Autorretrato de Mestre Vitalino. s.d. Escultura de cerâmica. 20,5 x 8 x 13 cm. Museu do Homem no Nordeste, Pernambuco. Na obra o artista fez questão de enfatizar a sua profissão pela pró- pria técnica, mas também por trazê-la aos seus pés, demonstrando o seu domínio sobre ela. A maneira como está sentado e apoiando as mãos sobre sua perna e seu pé colabora para a compreensão de que o artista molda o barro, ao mesmo tempo em que foi moldado por ele. 1.4 Modelagem em argila Vídeo A argila é um dos materiais mais empregados pelos artistas popu- lares. Isso se deve, em grande medida, por ser acessível, barata e de fácil manuseio, pela sua plasticidade e pelas tradições locais. Ela faz parte das brincadeiras comuns em cidades do interior e em zonas ru- rais, como brincar de fazer panelinhas, bolinhos e animais de barro, o que pode ser o início do aprendizado para a futura profissão de artista popular, como o caso do próprio Mestre Vitalino. Ex-votos são obras ou próteses dadas/ofere- cidas em promessa aos santos. Esses elementos representam a parte do corpo que foi alcançada com o milagre. Podem ser feitos em diferentes materiais e técnicas, como madeira, gesso, pe- dra, argila, entre outros. Para conhecer um pouco, assista ao vídeo Saiba mais sobre o ex-voto e onde encontrar em Par- naíba, do canal TV Costa Norte Paraíba- PI. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=jUMyC8Rhpeg&ab_chan nel=TVCostaNorteParna%C3%AD ba-PI. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo Assista ao documentário Vitalino para saber mais sobre a vida e a obra do artista. Produção: TV Senado, Brasil: 2009. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=NcNh5F N16uI&ab_channel=ESCOLAS% C3%83ODOMINGOS. Acesso em: 9 dez. 2021. Documentário Aprender técnicas de modelagem em argila. Objetivo de aprendizagem https://www.youtube.com/watch?v=jUMyC8Rhpeg&ab_channel=TVCostaNorteParna%C3%ADba-PI https://www.youtube.com/watch?v=jUMyC8Rhpeg&ab_channel=TVCostaNorteParna%C3%ADba-PI https://www.youtube.com/watch?v=jUMyC8Rhpeg&ab_channel=TVCostaNorteParna%C3%ADba-PI https://www.youtube.com/watch?v=jUMyC8Rhpeg&ab_channel=TVCostaNorteParna%C3%ADba-PI https://www.youtube.com/watch?v=jUMyC8Rhpeg&ab_channel=TVCostaNorteParna%C3%ADba-PI https://www.youtube.com/watch?v=NcNh5FN16uI&ab_channel=ESCOLAS%C3%83ODOMINGOS https://www.youtube.com/watch?v=NcNh5FN16uI&ab_channel=ESCOLAS%C3%83ODOMINGOS https://www.youtube.com/watch?v=NcNh5FN16uI&ab_channel=ESCOLAS%C3%83ODOMINGOS https://www.youtube.com/watch?v=NcNh5FN16uI&ab_channel=ESCOLAS%C3%83ODOMINGOS Raízes da escultura 23 Ela é um elemento de alta durabilidade e não perecível – se arma- zenada corretamente – além de possuir grandes variações, que podem ser usadas tanto para a modelagem em si quanto para a sua pintura (MIDGLEY, 1982; PETERSON, 1997). Atkin (2006, p. 14) explica que “a argi- la natural foi se formando ao longo de milhões de anos a partir de rochas feldspáticas ou granito, que foram se decompondo por ação dos fenô- menos atmosféricos e dos glaciais”. Existem dois tipos de argila (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006): 1. Primária ou residual: encontrada no seu local de formação, de onde se extrai o caulim, matéria-prima da porcelana; 2. Secundária ou sedimentar: encontrada afastada da rocha que lhe deu origem, movida pela água ou outros fatores ambientais, sendo mais maleável. A argila pode ser tanto o material para uma etapa quanto a obra finalizada. Quando ela é queimada, passa a ser denominada de cerâmica ou terracota, tornando-se resistente ao calor e à água, inso- lúvel, utilizada para os mais diversos fins: telhas, tijolos, filtros de bar- ro, panelas, azulejos, obras de arte etc. Tem origem no termo grego kéramos, que significa “terra queimada” (COOPER, 1999). Segundo Mattison (2006, p. 19), “o barro, para se fazer sólido, geralmente se queima a 700ºC”. A qualidade da cerâmica varia conforme a composi- ção da argila e da queima. As suas diferentes cores se devem à reação química entre os óxidos minerais presentes nela, bem como à temperatura (MIDGLEY, 1982; PETERSON, 1997). Assim, quanto mais alta a temperatura e maior o tempo de queima, maior a resistência da cerâmica, mas não são todos os tipos de argila que podem passar por esse processo (COOPER, 1999; MATTISON, 2006; MIDGLEY, 1982; PETERSON, 1997). A argila transfor- mada em cerâmica tem em si a presença dos quatros elementos da natureza: terra, água, fogo e ar (MATTISON, 2006). Peças antigas em cerâmica – de esculturas a utensílios – foram encon- tradas nos diferentes continentes. Algumas culturas tornaram-se conhe- cidas graças às essas peças, entre elas a Marajoara (ca. 400-1.400 d.C.), tribo indígena que habitava a Ilha de Marajós (norte do Brasil). Realizavam vasos, urnas funerárias e outras esculturas ricamente ornadas com ele- mentos gráficos. Hoje esses grafismos são retomados pelos artistas da região como uma forma de perpetuação e valorização da tradição local. No vídeo Cerâmica: extração de argila e seu preparo – arte educa- ção, o artista educador Fabio Marques mostra o processo manual para a retirada de argila em um barranco de açude e como fazer para que ela possa ser utilizada na confecção de peças em cerâmica. Disponível em:https:// www.youtube.com/ watch?v=GiUdx2gslt8&ab_ channel=FabioMarques- ArtistaEducador. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo O filtro de barro, invenção brasileira, é um dos mais eficientes para filtragem de água. Isso se deve à composição da vela e ao processo de gravidade, que faz com que a água passe lentamente pelo sistema. Para mais informações, acesse o link a seguir. Disponível em: http:// g1.globo.com/globo-reporter/ noticia/2017/06/filtro-de-barro- invencao-brasileira-e-um-dos- melhores-do-mundo.html. Acesso em: 9 dez. 2021. Curiosidade Os padrões gráficos da arte marajoara foram bastantes utilizados durante os anos 1920 na Art Déco brasileira, tanto na produção de ob- jetos utilitários quanto na decoração de ilustrações, pinturas e esculturas. Você pode observá-los em dese- nhos feitos por J. Carlos e Belmonte, artistas gráficos que trabalhavam em diversas revistas ilustradas populares na época, fazendo com que a arte marajoara se popularizasse nesse período. Curiosidade https://www.youtube.com/watch?v=GiUdx2gslt8&ab_channel=FabioMarques-ArtistaEducador https://www.youtube.com/watch?v=GiUdx2gslt8&ab_channel=FabioMarques-ArtistaEducador https://www.youtube.com/watch?v=GiUdx2gslt8&ab_channel=FabioMarques-ArtistaEducador https://www.youtube.com/watch?v=GiUdx2gslt8&ab_channel=FabioMarques-ArtistaEducador https://www.youtube.com/watch?v=GiUdx2gslt8&ab_channel=FabioMarques-ArtistaEducador http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2017/06/filtro-de-barro-invencao-brasileira-e-um-dos-melhores-do-mundo.html http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2017/06/filtro-de-barro-invencao-brasileira-e-um-dos-melhores-do-mundo.html http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2017/06/filtro-de-barro-invencao-brasileira-e-um-dos-melhores-do-mundo.html http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2017/06/filtro-de-barro-invencao-brasileira-e-um-dos-melhores-do-mundo.html http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2017/06/filtro-de-barro-invencao-brasileira-e-um-dos-melhores-do-mundo.html 24 Artes visuais – Escultura As origens da cerâmica são incertas. Ninguém pode afirmar, até o momento, como os humanos constataram que a argila se tornava ce- râmica. Existem várias hipóteses que convergem quanto ao entender esse primeiro contato como acidental, ao acaso, entre eles: deixando objetos feitos com o material perto do fogo ou cobrindo a fogueira com placas de argila (COOPER, 1999). De todo modo, a mais antiga forma de queima é por meio de fogueiras e piras. Assim como a sua origem, a datação também não é consen- sual, alguns autores apontam para ca. de 10.000-8.000 a.C. (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006) outros para aproximadamente 6.500 a.C, com suas primeiras peças encontradas em Anatólia, Ásia Menor (COOPER, 1999; MIDGLEY, 1982; ROS I FRIGOLA, 2006). O que se sabe é que a sua utilização mais sistemática começou quando as popula- ções se tornaram sedentárias, iniciaram a agricultura, bem como a domesticação de animais; nesse período também houve o desenvol- vimento de tecidos e metais e é possível encontrar urnas funerárias em cerâmica (BAUMGART, 1994; COOPER, 1999; PROENÇA, 2005; ROS I FRIGOLA, 2006). Porém, esses dados foram colocados em xeque quando em 2012 foi encontrada na China a cerâmica mais antiga do mundo (até o mo- mento), com cerca de 20.000 anos de idade. Já as primeiras peças es- maltadas foram encontradas no Egito, ca. 5.000 a.C. Foram também os egípcios que criaram a “pasta egípcia” (COOPER, 1999). Uma das principais características da argila é a sua plasticidade, de- finida tanto pela sua maleabilidade quanto pela sua capacidade de ab- sorção de água e de manter a forma dada (COOPER, 1999; MATTISON, 2006; MIDGLEY, 1982; ROS I FRIGOLA, 2006). O “barro gordo” é uma argila com boa plasticidade, que absorve mais água, por isso se retrai mais na secagem e durante a queima, uma vez que a água presente na argila evapora (MIDGLEY, 1982; ROS I FRIGOLA, 2006). É possível modi- ficar seu caráter plástico adicionando alguns elementos na sua massa, por exemplo: a bentonita – argila vulcânica –, usada na proporção de 3%, faz com que a argila absorva mais água; o chamote – cerâmica moí- da, torna a peça mais resistente; entre outros. Testar uma argila com relação à sua plasticidade é algo bastante simples, envolvendo uma ou mais etapas, vejamos: A presença da cerâmica também faz parte da cultura e construções das artes em forma das bonecas Ritxòkò, Karajás, elaboradas como brinque- dos, mas que também servem à fins sociocultu- rais de sua comunidade. Assista ao vídeo Cerâmica karajá ganha status de patrimônio imaterial, Jornal Futura, do Canal Futura e saiba mais. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=nVvxMVdHzDI. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo No 1º Fórum de Cerâmica de Vinhedo, Beth Righi, ceramista, palestra sobre a pasta egípcia, explicando seu surgimento, exemplos de como era utilizada e como realizar o material. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=KI17ERu9IxA&- t=291s&ab_channel=SouCer%- C3%A2mica. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo Para o trabalho em sala de aula, você pode fazer com que os alunos pes- quisem se na região em que estão foram encon- tradas peças cerâmicas antigas, da arte indígena, por exemplo. Dica https://www.youtube.com/watch?v=nVvxMVdHzDI https://www.youtube.com/watch?v=nVvxMVdHzDI https://www.youtube.com/watch?v=nVvxMVdHzDI https://www.youtube.com/watch?v=KI17ERu9IxA&t=291s&ab_channel=SouCer%C3%A2mica https://www.youtube.com/watch?v=KI17ERu9IxA&t=291s&ab_channel=SouCer%C3%A2mica https://www.youtube.com/watch?v=KI17ERu9IxA&t=291s&ab_channel=SouCer%C3%A2mica https://www.youtube.com/watch?v=KI17ERu9IxA&t=291s&ab_channel=SouCer%C3%A2mica Raízes da escultura 25 1. Secar, moer e deixar de molho na água para a formação de uma pasta homogênea. 2. Deixar secar em uma superfície absorvente, geralmente uma placa de gesso, até que possa ser modelada (manter em local protegido, coberto por plástico, que ajudará a manter a umidade). 3. Fazer rolos com a pasta e modelar arcos; se, durante a secagem, os arcos partirem ou racharem, é porque não possuem plasticidade suficiente (ROS I FRIGOLA, 2006). Das três etapas descritas, podemos fazer apenas a última para um teste mais rápido, mas ainda eficiente. Para argilas que não estão no ponto certo, recorremos a alguns procedimentos: caso ela esteja úmida demais, é necessário amassar sobre uma placa de gesso ou outra superfície absorvente e deixar descansar por um tempo; caso ela esteja seca demais, adicionamos água com cuidado e aos poucos a amassamos (ROS I FRIGOLA, 2006). Antes de iniciar a modelagem em si, é necessário amassá-la correta- mente, a fim de torná-la mais uniforme com relação à sua plasticidade e eliminar qualquer bolha de ar, que pode fazer com que a peça ra- che durante a secagem ou mesmo estoure durante a queima, pois, en- quanto a argila retrai, o ar expande-se (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; PETERSON, 1997; ROS I FRIGOLA, 2006). A principal forma de amassar a argila é por meio da técnica do amassado em espiral, muito semelhante ao modo de amassar pão: pressionando e enrolando a massa com as palmas das mãos até que ela se torne uma espiral, dessa maneira, o ar “gira” e sai das peças. O movimento é de cima para baixo e de fora para dentro, de- vendo ser feito várias vezes; para a finalização, a massa é batida na mesa (ATKIN, 2006; PETERSON, 1997; MATTISON, 2006). Para cons- tatar se está bem amassada ou não, devemos cortar a massa ao meio com um fio de nylon; caso não esteja, aparecerão bolhas de ar dentro dela (como se fossem furos), então, é preciso continuar com o amassado (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006). É nesse processo que podemos dar o efeito de marmorizado, mis- turando, mas não totalmente, duas argilas de cores distintas, que devem ter secagem e queima parecidas para que não partam ou estourem (PETERSON, 1997). O amassado é um pro- cesso muito importante. Explique aos alunos quesem ele as peças podem ser mais facilmente perdi- das durante a secagem ou a queima. Saber o risco pode ajudar a lidar com as frustrações caso as obras não fiquem inteiras. Atenção 26 Artes visuais – Escultura A argila deve ser guardada em um saco plástico bem vedado para manter a umidade e a sua plasticidade en- quanto não estiver sendo usada, além disso, deve ser mantida longe do sol, em local fresco e arejado (ATKIN, 2006). Para que se possa continuar a peça durante mais de uma sessão, é necessário cobri-la com um saco plásti- co, deixando-a bem vedada para impedir que seque du- rante a sua confecção (MATTISON, 2006; VASARI, 2020; ROS I FRIGOLA, 2006). Caso a sessão dure muitos dias ou semanas, devemos colocar um pano úmido sobre a massa e depois cobri-la com um saco plástico (ATKIN, 2006; VASARI, 2020; ROS I FRIGOLA, 2006). Durante a elaboração da obra é necessá- ria que a argila se mantenha úmida e, quan- do pronta, deve ter uma secagem lenta e uniforme, em temperatura ambiente; caso haja muito calor, devemos colocar um saco plástico, mas com aberturas para que o ar entre (PETERSON, 1997). A realização de testes para a retração da argila é algo bastante simples, e podem ser feitas medições com a secagem ao natural e após a queima. Esse é um procedimento in- teressante para fazer com os alunos em sala de aula, pois apresenta de modo material e visual o seu funcionamento. Após amassar a argila, fazemos tabletes de aproximadamen- te 15 cm. Com o auxílio da régua e de algo que sirva como um marcador, riscamos 10 cm e anotamos o nome da argila. Quando estiver em ponto de couro, anotamos em um caderno quantos centímetros está o risco feito anteriormente; após a queima, quando estiver biscoitada, anotamos novamente; por fim, com- paramos as marcações para saber o quanto ela diminuiu (MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006). Figura 14 Amassado em espiral Sv S ve tla na /S hu tte rs to ck Raízes da escultura 27 Biscoito: é primeira queima da peça cerâmica, feita sem a utilização de esmaltes; a peça possui os poros ainda abertos. Ponto/dureza de couro: quando as peças ainda podem ser manipuladas e unidas entre si (MATTISON, 2006), “diz-se da argila dura e úmida que já não é plástica” (ATKIN, 2006, p. 122). Ponto de osso: quando a argila está seca de modo natural, ponto ideal para ser levada ao forno, mas também quando se torna mais frágil. As mãos são as mais importantes ferramentas para se trabalhar a argila (algumas pessoas utilizam os pés), e todas as outras fer- ramentas – feitas de diversos materiais e formatos – devem atuar como extensões corporais (MIDGLEY, 1982; ROS I FRIGOLA, 2006). As ferramentas são utilizadas para fazer detalhes mais refina- dos, brunir e dar um acabamento selado, e outras servem para a retirada de matéria. A esponja e o borrifador de água podem fazer parte de todo o processo, da confecção da massa ao acabamento. As ferramentas podem tanto ser compradas, feitas especialmen- te para isso, quanto adaptadas de materiais de casa: de utensílios de cozinha, como colheres e facas, aos de escritório, como clipes, abridores de cartas e canetas vazias (PETERSON, 1997). Os pincéis servem para pintar ou tirar o pó da peça depois de seca e as escovi- nhas um pouco mais duras podem ter diversas funções (PETERSON, 1997). Para a construção de padrões e/ou pequenos relevos e tex- turas, podemos utilizar materiais que sirvam como uma espécie de carimbo, por exemplo, toalhas de crochê ou renda, sisal, gravetos, folhas e flores, brinquedos, bijuterias, e assim por diante. Devemos ter cuidado para não pressionar muito e deformar a peça. De modo geral, para a realização das esculturas, é indicado os ateliês, espaços adequados para a confecção de obras de arte, por possuírem boa iluminação e ventilação, tanques com águas corren- tes e tubulação com caixa sifonada para não entupir e por serem equipados com os materiais a serem utilizados, além de bancadas, estantes e prateleiras para se armazenar tanto as peças finalizadas quanto as em processo, fornos etc. (MIDGLEY, 1982). No vídeo Dica de cerâmica – processo com- pleto, do canal Ateliê do Quintal, a artista apresenta as transformações da ar- gila conforme cada etapa, mostrando como fica a maleabilidade e a dureza, conforme o processo de secagem e de queima. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=x7l3imaYNT8&ab_ channel=Ateli%C3%AAdoQuintal. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=x7l3imaYNT8&ab_channel=Ateli%C3%AAdoQuintal https://www.youtube.com/watch?v=x7l3imaYNT8&ab_channel=Ateli%C3%AAdoQuintal https://www.youtube.com/watch?v=x7l3imaYNT8&ab_channel=Ateli%C3%AAdoQuintal https://www.youtube.com/watch?v=x7l3imaYNT8&ab_channel=Ateli%C3%AAdoQuintal 28 Artes visuais – Escultura No entanto, sabemos que essa não é a realidade da maioria das escolas ou mesmo das próprias cidades. Por isso, é necessário adaptar as salas de aula para que as práticas artísticas fiquem mais confortáveis e fáceis, organizando-as antes de começar os trabalhos: empurre as mesas, se- pare estantes, destine baldes com água, forre as mesas com jornais ou outros papéis ou lonas (de tecido) e deixe as janelas abertas. É bom ter- mos disponíveis: esponja macia, pano, faquinhas (que não devem estar acessíveis aos alunos), papéis, sacolas, lixas, cabos de vassoura ou cano de PVC, ripas de madeira, pedras, colheres, agulhas de crochê, palitos e demais ferramentas que possam ser utilizadas para a confecção das pe- ças. Não podemos esquecer de reservar um tempo para que cada aluno limpe a sua área utilizada. A argila pode entupir os canos dos tanques ou das pias. Utilize um balde com água para retirar o excesso do material das mãos e dos utensílios para depois lavá-los nas torneiras. Atenção Durante a elaboração da obra, uma madeira envolta por tecido de lona é ideal para manusear a argila (ROS I FRIGOLA, 2006), mas ela tam- bém pode ser substituída por outra base absorvente, que facilite o trans- porte e aguente o peso da peça, como uma madeira coberta por jornal ou um piso coberto com o mesmo material. A quantidade de argila uti- lizada vai depender do tamanho de quem a manipula, quanto menores as crianças, menos material, algo que seja suficiente para que consiga manipular facilmente com as duas mãos ao mesmo tempo. A argila, por ser bastante maleável e não possuir elementos cortantes (a não ser por algumas ferramentas, que não precisam ser utilizadas), é um material in- dicado para trabalhar com alunos de baixa visão ou cegos, pois há mais domínio e controle sobre as ações de moldar. É interessante que os alunos desenvolvam desde o início um “diá- rio de artista”, pasta ou caderno em que façam reflexões sobre o que foi visto, anotações, esboços, relatos das experiências e projetos da própria poética. Dessa forma, tanto eles quanto o professor podem acompanhar o desenvolvimento com relação à linguagem artística. Os alunos podem fazer isso por meio de um blog ou outra página pessoal, caso haja interesse. Há três tipos principais de modelagem da argila: o modelado, o torno e o molde (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; MIDGLEY, 1982; PETERSON, 1997; ROS I FRIGOLA, 2006). Entre eles, nos deteremos com mais aten- ção ao primeiro, que também possuí três técnicas principais: o mode- lado por pressão manual, por acordelado e por placas (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; PETERSON, 1997; ROS I FRIGOLA, 2006). Esses três métodos são simples e podem ser ensinados facilmente aos alunos. Caso haja na sua cidade lugares para a queima de cerâmica, espere que to- dos os trabalhos estejam fi- nalizados antes de levá-los ao forno. Isso faz com que o valor para a cocção seja mais barato. Nem todas as cidades possuem locais para esse processo, mesmo assim não deixe de fazer a prática. Dica O torno, ou roda de olei- ro, foi inventado em ca. 4.000-3.000 a.C., na Me- sopotâmia – situava-se, em sua maior parte, no atual Iraque e Kuwait, re- gião quepercorre os rios Tigre e Eufrates (COOPER, 1999). Ele utiliza a roda e a velocidade para a elaboração de peças, que ficam mais simétricas (se assim for desejado) e uniformes. Há tornos manuais impulsionados com a mão ou o pé e elétricos. Para fazer uma obra com ele, é preciso de muito tempo de práti- ca, após isso ele se torna o método mais rápido para a criação (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006). Não abordaremos a sua técnica, por ela precisar de equipamento espe- cializado e mais tempo e espaço para a prática. Curiosidade Raízes da escultura 29 Com a prática ficará mais fácil compreender qual é o melhor deles a ser utilizado para a peça que se planeja fazer (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006), uma vez que “alguns métodos são mais apropriados para determi- nadas formas” (PETERSON, 1997, p. 18). Além disso, as diferentes técnicas podem ser usadas em conjunto (ROS I FRIGOLA, 2006), mas é importante em todos eles o controle da pressão exercida sobre o barro, pois – caso não ocorra – pode fazer com que uma parede fique mais fina, entorte etc. Com os alunos menores, de idade pré-escolar, é possível começar com atividades mais simples, como usar as mãos e os pés como ca- rimbos, para criar vestígios e dar o primeiro contato com o material. Devemos cuidar para que as crianças, principalmente as menores, não ingiram a argila. Antes de começar as atividades, pedimos para que experimentem o material e descrevam como se sentem e como ele é, para que possam entender na prática as qualidades plásticas da argila. O modelado por pinçamento ou beliscão é feito com a pressão das mãos e dos dedos, deixando o seu aspecto manual mais visí- vel, com a forma da bola como ponto de partida para a construção de utensílios, como potes e cuias (PETERSON, 1997; ROS I FRIGOLA, 2006). Além disso, pode ser feita uma base ou mesmo uma alça com a técnica do acordelado, promovendo novas formas (ROS I FRIGOLA, 2006). Essa é uma das primeiras técnicas ensinadas aos alunos ini- ciantes (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006) e é ideal para se trabalhar com as crianças em idade pré-escolar ou qualquer pessoa que nun- ca teve contato com o material. Nessa técnica a argila precisa ser bastante plástica e do tamanho que caiba na palma da mão (de quem faz), para que possa ser trabalha- da facilmente: pressionamos o dedo polegar no centro da bola – que deve ser segurada pela mão não predominante – utilizando os outros dedos para dar sustentação à peça e ir apertando na parte de fora dela, em todos os sentidos, de modo a deixar todos os lados com a mes- ma espessura (cerca de 2 cm), para que criemos uma parede uniforme e que seque por igual (ATKIN, 2006; PETERSON, 1997; ROS I FRIGOLA, 2006). Após estar pronta, pode ser grudada com uma forma semelhan- te a ela para a criação de uma esfera, para tanto, é necessário que ris- quemos as bordas que serão conectadas e usemos a barbotina para uni-las, fazendo o acabamento com os dedos ou o auxílio de outras ferramentas (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006). 30 Artes visuais – Escultura Barbotina: argila com consistência de iogurte, utilizada para fazer a união entre as peças. Sua confecção é feita com a trituração da argila seca mistu- rada em um pote com água; deve ser guardada vedada. Em algumas técni- cas acrescenta-se à barbotina papel higiênico batido no liquidificador. Ela é aplicada com pincéis. O seu uso é mais indicado quando as peças estão em ponto de couro ou no modelado por placas (MATTISON, 2006). Chamote: argila queimada transformada em pó – seu uso varia entre 20 a 30% do peso da argila. Como já foi transformada em cerâmica, não retrai mais durante a secagem ou a queima, pois não absorve água, conferindo mais resistência à peça (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; MIDGLEY, 1982; ROS I FRIGOLA, 2006). O modelado por acordelado também é chamado por vários outros nomes, como método das cobrinhas, cordas, rolinhos, pavio, churros (em espanhol), entre outros. Vários autores apontam que ele é, provavel- mente, o método mais antigo (ROS I FRIGOLA, 2006). Iniciamos fazendo rolinhos com as palmas das mãos e deixando o movimento ir até os dedos, para que o cordão não se achate, e repe- timos o movimento até estar na espessura desejada. A base é geral- mente feita com uma placa, na qual devemos fazer incisões, bem como nos cordões, que é por onde serão unidos (a utilização da barbotina ou de um pouco de água é opcional com a peça úmida). Pressionamos o suficiente para que as partes se unam, mas não tanto para que não se deformem; com os dedos ou outras ferramentas ligamos o interior e o exterior com movimentos de cima para baixo (ATKIN, 2006; MATTISON, 2006; PETERSON, 1997; ROS I FRIGOLA, 2006). Para peças com mais cordões, maiores e mais pesadas, é necessário que deixemos secar um pouco a base com os primeiros cordões, para que ela suporte todo o peso, depois recomeçamos o processo utilizan- do a barbotina (MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006). Lembre-se de que como os dois lados da peça (dentro e fora) serão unidos, os cor- dões devem ser mais grossos que a espessura final desejada, dando acabamento nas paredes com as mãos, ferramentas e, por fim, espon- jas. Para facilitar a montagem da peça, usamos um suporte que possa- mos girar facilmente (ROS I FRIGOLA, 2006). Essa é uma técnica bastante utilizada pelas ceramistas do Vale do Jequitinhonha, que costumam usar o sabugo de milho queimado para a união entre os cordões (TEIXEIRA, 2010). A maior parte da produção des- No vídeo Técnica de acor- delado | Aula de cerâmica, Monica Cristianie mostra o passo a passo para fazer a técnica de acordelado. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=9faXQQW7lKE&ab_ channel=MonicaCristianie. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=9faXQQW7lKE&ab_channel=MonicaCristianie https://www.youtube.com/watch?v=9faXQQW7lKE&ab_channel=MonicaCristianie https://www.youtube.com/watch?v=9faXQQW7lKE&ab_channel=MonicaCristianie https://www.youtube.com/watch?v=9faXQQW7lKE&ab_channel=MonicaCristianie Raízes da escultura 31 sa região é feita pelas mulheres (LIMA, 2014). Na Figura 15 a noiva é um exemplar da arte popular feita por meio dos rolinhos, o que mostra que, com a técnica, podemos criar as mais variadas formas, as quais vão depender do lugar em que unimos os rolinhos uns nos outros. Além disso, vemos a utilização de padrões para a decoração da roupa e o uso de tintas naturais. As tintas/pigmentos naturais são feitas com a pró- pria argila e denominadas de engobe ou terra sigillata (partículas finas obtidas pela decantação e suspensão). Esses dois tipos possuem tanto limites quanto vanta- gens, por exemplo, têm menos variedades de cores em relação aos vernizes, mas são pintados na argila crua, antes da queima, o que economiza tempo e material. O engobe é uma argila líquida, de consistência mais fluida que a barbotina, e suas cores são opacas depois da queima. Artistas populares costumam fazer “oleios”, uma série de processos para que a terra seja utilizada como tinta, envolvendo: peneiração para tirar as impurezas, imersão na água, decantação e fervura para engrossar o material, o que também dá o aspecto de brilho. Seja qual for a maneira ou a cor utilizada, se transformará com a queima (TEIXEIRA, 2010). A cada nova camada de engobe esperamos que a anterior esteja seca. O ideal é escolhermos argilas que sequem/encolham de formas próximas, mas atenção: a argila pode acabar se encharcando com o engobe e aumentando de tamanho, fazendo com que a peça rache. Depois de pintada, podemos raspar parte da tinta, para que a cor da obra original apareça, técnica conhecida como sgraffito. O modelado por placas, como o próprio nome indica, é feito por meio da construção de placas em argilas que podem ser feitas apenas com as mãos, pelo lançamento (mas é mais difícil deixá-las unifor- me) ou por estiramento com a ajuda de rolos de compressão e guias, deixando-as com a mesma espessura. Atkin (2006)sugere que faça- mos as placas sobre um plástico, mas que tenhamos cuidado, pois algumas superfícies, como as que não absorvem água, podem grudar na argila e deformá-la na hora de sua retirada (ROS I FRIGOLA, 2006). Para a realização apenas com as mãos, batemos na massa, dando a primeira forma mais plana, em seguida, fazemos com que ela caia Figura 15 Noiva de cerâmica do Vale do Jequitinhonha Para conhecer uma das artistas do Vale do Jequitinhonha, assista ao vídeo Arte do barro – Dona Isabel “A bonequeira do Vale”, do canal Instituto de Arte Tear. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=lhs_ OITpj7k. Acesso em: 9 dez. 2021. Vídeo Ca ss an dr a Cu ry /S hu tte rs to ck https://www.youtube.com/watch?v=lhs_OITpj7k https://www.youtube.com/watch?v=lhs_OITpj7k https://www.youtube.com/watch?v=lhs_OITpj7k 32 Artes visuais – Escultura sobre a mesa, ação repetida algumas vezes até que tenhamos a espes- sura desejada (PETERSON, 1997; MATTISON, 2006). Para o estiramento com os compressores, que podem ser feitos com rolos de cozinha ou cano de PVC, o auxílio de guias é essencial, já que a grossura das ripas determinará a espessura das placas. Nos dois casos, devemos ir viran- do a peça para que ela seja igualmente esticada em todas as direções. Precisamos tomar cuidado com as bolhas de ar; caso apareçam, fura- mos ou fazemos um pequeno corte para que em seguida as alisemos. A placa pode ser utilizada de diferentes maneiras, desde algo que lhe sirva de molde, podendo ser adaptada para algumas superfícies, até a construção de peças mais geométricas ou orgânicas (MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006). “Os melhores moldes são os realizados com gesso; têm a vantagem de absorver muito bem a umidade das argilas, de modo que, em pouco tempo, a peça endurece e está pronta para polir” (ROS I FRIGOLA, 2006, p. 54). Podemos desenhar em um molde de papel, para depois transferir para a placa, fazendo caixas ou outras formas mais complexas. Para unir as placas – que precisam estar em ponto de couro – é pre- ciso fazer as ranhuras dos dois lados que serão colados e utilizar a bar- botina, criando a sequência ranhura-barbotina-ranhura e pressionando as partes; caso elas ainda estejam úmidas, podemos apenas colocar um pouco de água com o auxílio de um borrifador ou uma esponja. A união entre as placas deve ser reforçada com cordões de argila pressionados sobre elas (MATTISON, 2006; ROS I FRIGOLA, 2006). As obras em cerâmica podem ser modeladas de maneira mais li- vre, tanto pelo uso da pressão das mãos quanto na retirada de ma- terial de blocos de argila. Em todo o caso, as peças devem ser ocadas quando firmes – utilizamos espumas grossas como apoio para não amassar a peça enquanto a ocamos, de modo a não partirem ou es- tourarem durante a queima 2 . As suas paredes não devem ser muito grossas, ainda mais em peças pequenas (ROS I FRIGOLA, 2006), já que podem fazer com que a água da argila se dilate na hora da queima e quebre a peça. Quanto mais grossa, mais lenta deve ser a queima, para evitar que a peça estoure. Dependendo da forma a ser feita, será necessária uma estrutura, que pode tanto ser retirada quanto manti- da a depender do material utilizado. A escrita cuneiforme ca. 4.000-3.000 a.C., um dos primeiros sistemas de escrita, foi elaborada em placas de argila na Mesopotâmia (MATTISON, 2006). Recentemente foi descoberto um sistema de escrita anterior, que pode ser o primeiro. Disponível em: https://www.bbc. com/portuguese/geral-38129750. Acesso em: 9 dez. 2021. Saiba mais Caso seja necessário, corte a peça para ocar, depois cole as partes com o auxílio das ranhu- ras e da barbotina. 2 https://www.bbc.com/portuguese/geral-38129750 https://www.bbc.com/portuguese/geral-38129750 Raízes da escultura 33 Os acabamentos dados, independentemente da técnica utilizada para a confecção da peça, podem variar de acordo com a intenção do artista: pode ser lisa, feita pelo processo de brunir com uma pedra, co- lher ou outro material que lhe dê polimento (o que é feito com ela em ponto de couro, pois confere o fechamento dos poros, tornando-a mais impermeável) (COOPER, 1999), ter aspectos naturais ou geométricos, o que a imaginação quiser. Para obter melhores resultados no acaba- mento, é importante não exagerar no uso da água (MATTISON, 2006). CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do capítulo pudemos compreender que a escultura perpassa questões formais, materiais e práticas e que cada material tem suas van- tagens e limitações. Algumas possuem mais facilidade em seu manejo, como a cerâmica, outras são mais difíceis de serem executadas, como as esculturas em pedra. As datações do que acreditamos ser a primeira escultura, uma peça de cerâmica, são revistas pelos avanços das investi- gações arqueológicas e de suas novas descobertas. A escultura em cerâmica é amplamente utilizada desde a Pré-História, desenvolvendo-se com o passar do tempo e ganhando processos que lhe conferem maior durabilidade, resistência, maleabilidade, cores, entre outros. Ela está presente nas mais diversas sociedades, dos gregos às culturas pré-colombianas, e até mesmo em componentes para compu- tadores. Existem inúmeras maneiras de trabalhar a argila, vimos algumas delas neste capítulo. ATIVIDADES Atividade 1 Quais são os tipos de processo que podem ser utilizados para a confecção de uma escultura? Atividade 2 O que se entende pela plasticidade da argila e como podemos modificá-la? 34 Artes visuais – Escultura Atividade 3 Todas as argilas comportam-se de modo igual durante o manu- seio e a queima? Explique. REFERÊNCIAS ATKIN, J. Cerámica: técnicas y proyectos. Trad. de Almudena Frutos Velasco. Barcelona: Blume, 2006. BAUMGART, F. Breve história da arte. Trad. de Marcos Holler. São Paulo: Martins Fontes, 1994. COOPER, E. Las primeras civilizaciones. In: COOPER, E. Historia de la cerámica. Barcelona: Ceac, 1999. GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2012. GOMES FILHO, J. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Escrituras, 2008. KEMPER, R. H. O homem, criador de imagens. In: KEMPER, R. 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A demonstração de seu domínio, poder político e divino e técnicas podem ser vistas em inúmeras obras de arte e arquitetura, entre as que mais se destacam estão as pirâmides. As primeiras pirâmides foram construídas em pedra, no século III, durante o Antigo Império (I-IV Dinastia), e estavam ligadas à arte mor- tuária. Elas foram erguidas como espécies de moradas e proteção dos monarcas na vida além da morte, quando estes retornariam ao seu Conhecer a história da escultura no Egito Antigo. Objetivo de aprendizagem Ao longo deste capítulo conhecemos um pouco sobre a história da es- cultura na Antiguidade de três civilizações: a egípcia, a grega e a romana. Além de terem interagido entre si e influenciado, de alguma maneira, umas às outras, elas também foram essenciais na formação artística de outras regiões e na arte elaborada posteriormente, sobretudo, no Ocidente. Nessas três culturas, a pedra era um dos elementos mais utilizados para a confecção de suas obras, seja pela sua acessibilidade, seja para atender aos interesses artísticos do período, que estavam relacionados diretamente a outros aspectos sociais. Considerando a importância da pedra, veremos neste capítulo a talha em pedra, seus principais materiais e características. Além disso, aborda- remos algumas adaptações ao material, que podem ser utilizadas em sala de aula, em especial, o gesso. 36 Artes visuais – Escultura lugar junto aos outros deuses. Essa questão, de início reservadas aos reis e as rainhas, passou a ser adaptada com o tempo para outras ca- madas sociais, como nobres e sacerdotes, criando tumbas conforme a sua condição social lhes permitia (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MANN, 1978; MIDGLEY, 1982; PROENÇA, 2005). Ainda para Midgley (1982), a preocupação do Egito com a vida pós-morte, e na manutenção dos privilégios, estaria vinculada à escolha dos materiais duradouros. Dessa maneira, grande parte das obras egípcias estavam direta- mente relacionadas à arte funerária, sendo feita para ser vista apenas por aqueles que estariam no pós-morte. Como forma de assegurar a vida nessa outra dimensão, os egípcios criaram um processo de mumi- ficação bastante avançado, preservando os corpos dos falecidos para que pudessem desfrutá-los no além. No entanto, isso não seria sufi- ciente para lhes garantir uma boa continuidade de sua vida terrena. Assim, em um primeiro momento, os mais ricos garantiam que seus súditos/escravos fossem sacrificados para que lhes acompanhas- sem e continuassem lhes servindo. Logo esse aspecto foi deixado de lado e substituído por imagens, em pintura e escultura, muitas em baixo-relevo, que faziam referência aos seus bens materiais em vida, aos seus gostos, alimentos, animais, suas atividades de lazer, sua fa- mília etc., que deveriam ser transferidos para a sua vida após a morte (Figura 1) (GOMBRICH, 2012; MANN, 1978). Figura 1 Baixo-relevo da tumba de Merymery, 18ª Dinastia, RMO Leiden, Egito ro b ko op m an /W ik im ed ia Co m m on s Nesta imagem em baixo-relevo, ainda com alguns resquícios de cor, vemos cenas referentes à agricultura do Egito Antigo, como várias ferramentas utilizadas para as diferentes etapas da agricultura, desde arados por tração animal até foices para o corte das plantas. https://www.flickr.com/people/38483926@N07 Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 37 Provavelmente, essa adoção foi o desdobramento de uma prática que já era realizada para além da mumificação: os mortos recebiam re- presentações de si, em pintura e escultura, para garantir um corpo na vida após a morte (GOMBRICH, 2012). De acordo com Gombrich (2012, p. 58): “um nome egípcio para designar o escultor era, de fato, ‘aquele que mantém vivo’”. As estátuas egípcias eram de diferentes tamanhos, desde as muito pequenas até as de tamanho monumental (BAUMGART, 1994). Embora de longa duração, a arte do Egito Antigo é caracterizada pela sua uni- dade estilística, elaborada por uma série de convenções, de regras de composição que foram seguidas pelos diferentes artistas, com peque- nas variações, sendo mais modificadas em períodos específicos, como veremos mais adiante (GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005). No período Pré-Dinástico, o Egito era dividido política e geografi- camente em Alto e Baixo Egito. Cerca de 3100 a.C., ocorreu a sua unificação e centralização política pelo imperador do Alto Império Narmer (MANN, 1978). Sua conquista foi marcada na Paleta de Narmer (Figura 2), elaborada para culto. Foi ela que trouxe os elementos que foram seguidos como regras durante a maior parte do Egito Antigo, entre elas estão, de acordo com Baumgart (1994), Gombrich (2012) e Mann (1978): a idealização das figuras; os tamanhos diferentes entre os personagens e os padrões; a ordenação e a orientação da composição; a lei da frontalidade. Baumgart (1994, p. 19-20) considera a Paleta de Narmer “como a primeira obra da arte egípcia” e como uma maneira de transmitir sim- bolicamente a sua organização social. Figura 2 Paleta de Narmer, (ca. 3100 a.C.) Un kn ow n, p er ha ps m or e th an o ne / W ik im id ia Co m m on s A pedra de Narmer representa a unificação do Alto e do Baixo Egito. Atualmente, encontra-se no Museu do Cairo, Egito. Muitas das estátuas egípcias, desde vultos a baixos-relevos, têm os narizes quebrados. Na reportagem A verdadeira razão pela qual as estátuas do Egito têm os narizes quebrados, de Dalia Ventura, descobrimos os motivos para isso. Disponível em: https:// www.bbc.com/portuguese/ internacional-56888750 . Acesso em: 4 jan. 2022. Saiba mais https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56888750 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56888750 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56888750 38 Artes visuais – Escultura Na Figura 2, podemos perceber as estratégias utilizadas pelo artis- ta para a representação do momento da vitória (que também foram utilizadas para outras situações). As figuras eram representadas de maneira idealizada por meio de várias abordagens; por exemplo, o ta- manho dos personagens denota posições hierárquicas dentro da so- ciedade. Percebemos que Narmer, tido como um deus, apresenta uma estatura muito maior que das outras pessoas, essa forma de represen- tação reforça sua posição privilegiada e de poder (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MANN, 1978). Um dos aspectos mais importantes encontrados nessa paleta é a lei da frontalidade, que consiste em uma perspectiva composta de dois ângulos de visão diferentes, da forma que são mais facilmente perce- bidas por nós: “tudo tinha que ser representado a partir de seu ângu- lo maiscaracterístico”. (GOMBRICH, 2012, p. 61). Assim, torso e olhos eram representados de frente, enquanto a cabeça, as mãos, os braços, as pernas e os pés eram lateralizados (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MANN, 1978; PROENÇA, 2005). Essas representações rígidas e idealizadas, de figuras em pé ou sen- tadas, eram voltadas aos faraós, à nobreza e aos sacerdotes (que eram altos funcionários do império). Já para a representação das demais ca- madas eram adotadas formas mais livres, com um “maior naturalis- mo”; em todo caso, elas demonstravam a posição social a qual faziam parte (BAUMGART, 1994; MANN, 1978). De acordo com Souza (2020): os escritos egípcios descrevem os corpos dos deuses em detalhes. Eles são feitos de materiais preciosos; sua carne é dourada, seus ossos são prateados e seus cabelos são lápis-lazúli. Eles exalam um perfume que os egípcios comparavam ao incenso usado nos rituais. Alguns textos apresentam descrições precisas de divinda- des específicas, incluindo altura e cor dos olhos. No entanto, essas características não são fixas; nos mitos, os deuses mudam sua aparência para se adequarem a seus próprios propósitos. A estátua do escriba sentado (Figura 3), segundo Mann (1978), teria sido adaptada das composições usualmente dadas aos deuses e aos faraós. Ao mesmo tempo, seria uma inovação do tema e de variação da pose, para uma figura importante da sociedade egípcia. Esculturas como esta, realizadas em pedras de baixa qualidade, eram usualmente pintadas (MANN, 1978). As obras do Egito Antigo utilizavam uma gran- de variedade de pedras, entre elas estão ardósia, diorito, calcário, ala- bastro, granito, xisto, lápis-lazúli etc. Fonte: Escriba sentado, cal- cário médio, quartzo e cobre, 53,7 x 44 x 35 cm. Egito Antigo, ca. 2600-2350 a.C., Quarta Di- nastia do Egito (2613-2498 a.C.). Museu do Louvre. Figura 3 Escriba sentado Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 39 Na Figura 2, podemos perceber as estratégias utilizadas pelo artis- ta para a representação do momento da vitória (que também foram utilizadas para outras situações). As figuras eram representadas de maneira idealizada por meio de várias abordagens; por exemplo, o ta- manho dos personagens denota posições hierárquicas dentro da so- ciedade. Percebemos que Narmer, tido como um deus, apresenta uma estatura muito maior que das outras pessoas, essa forma de represen- tação reforça sua posição privilegiada e de poder (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MANN, 1978). Um dos aspectos mais importantes encontrados nessa paleta é a lei da frontalidade, que consiste em uma perspectiva composta de dois ângulos de visão diferentes, da forma que são mais facilmente perce- bidas por nós: “tudo tinha que ser representado a partir de seu ângu- lo mais característico”. (GOMBRICH, 2012, p. 61). Assim, torso e olhos eram representados de frente, enquanto a cabeça, as mãos, os braços, as pernas e os pés eram lateralizados (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MANN, 1978; PROENÇA, 2005). Essas representações rígidas e idealizadas, de figuras em pé ou sen- tadas, eram voltadas aos faraós, à nobreza e aos sacerdotes (que eram altos funcionários do império). Já para a representação das demais ca- madas eram adotadas formas mais livres, com um “maior naturalis- mo”; em todo caso, elas demonstravam a posição social a qual faziam parte (BAUMGART, 1994; MANN, 1978). De acordo com Souza (2020): os escritos egípcios descrevem os corpos dos deuses em detalhes. Eles são feitos de materiais preciosos; sua carne é dourada, seus ossos são prateados e seus cabelos são lápis-lazúli. Eles exalam um perfume que os egípcios comparavam ao incenso usado nos rituais. Alguns textos apresentam descrições precisas de divinda- des específicas, incluindo altura e cor dos olhos. No entanto, essas características não são fixas; nos mitos, os deuses mudam sua aparência para se adequarem a seus próprios propósitos. A estátua do escriba sentado (Figura 3), segundo Mann (1978), teria sido adaptada das composições usualmente dadas aos deuses e aos faraós. Ao mesmo tempo, seria uma inovação do tema e de variação da pose, para uma figura importante da sociedade egípcia. Esculturas como esta, realizadas em pedras de baixa qualidade, eram usualmente pintadas (MANN, 1978). As obras do Egito Antigo utilizavam uma gran- de variedade de pedras, entre elas estão ardósia, diorito, calcário, ala- bastro, granito, xisto, lápis-lazúli etc. Fonte: Escriba sentado, cal- cário médio, quartzo e cobre, 53,7 x 44 x 35 cm. Egito Antigo, ca. 2600-2350 a.C., Quarta Di- nastia do Egito (2613-2498 a.C.). Museu do Louvre. Figura 3 Escriba sentado Nas esculturas dos mortos, os artistas buscavam trazer as suas prin- cipais características, sem colocar muitos detalhes, conferindo às for- mas humanas um aspecto geométrico (GOMBRICH, 2012). Além disso, de acordo com Gombrich (2012, p. 65): “as estátuas sentadas deviam ter as mãos sobre os joelhos; os homens eram sempre pintados com a pele mais escura do que as mulheres; a aparência de cada deus egípcio era rigorosamente estabelecida”. Nas decorações dos palácios e das tumbas, era comum o uso do baixo-relevo, os motivos eram inspirados nos aspectos co- tidianos, nos acontecimentos históricos, na flora e na fauna da região: as suas colunas eram ornamentadas com imagens de papiro, flores de lótus e palmeiras (BAUMGART, 1994; MANN, 1978; PROENÇA, 2005). O uso de adornos (joias e bijuterias, como colares, anéis, brincos e pulseiras) era parte do cotidiano dos egípcios, tanto pelos vivos quanto pelos mortos e servia, além da questão estética, como uma forma de proteção mágico-religio- sa. As suas formas e cores traziam diferentes significados. Os amuletos serviam para a proteção da vida, da força vital, como a ankh (traduzido como viver, vida, seres vivos), fertilidade, saúde, mau-olhado, contra afo- gamentos, entre outros (SOUZA, 2020). Figura 4 Amuletos de escaravelho Amuletos de escaravelhos, materiais diversos, diferentes períodos. Museu Metropolitano de Nova York, Estados Unidos. O escaravelho era utilizado como amuleto de proteção e de vida, simbolizava Khepri, deus do Sol, representando seu movimento. Th e M et /W ik im ed ia Co m m on s Ra m a/ W ik im ed ia Co m m on s 40 Artes visuais – Escultura Diferentes materiais eram utilizados para a sua confecção, pedras preciosas, metais, vidros, pasta egípcia, conchas, ossos, dentes, vidros etc., que faziam parte da rede de comércio estabelecida com outros lu- gares (SOUZA, 2020). Segundo Souza (2020): “todas as joias do final do Quinto e do Quarto Milênio a.C. que foram encontradas, eram originá- rias de tumbas”. Ainda de acordo com a autora, nas outras artes, como a pintura e a escultura, também era comum encontrar representações de adornos corporais, o próprio hieróglifo para o ouro era a forma de um colar de contas. A mudança mais significativa na arte egípcia se deu com Amenófis IV, o qual se nomeou Akhenaton (Aquenáton), rei da XVIII Dinastia. Ele buscou estabelecer o monoteísmo no Egito, com o culto a Aton, de onde originou seu novo nome. Aton era representado por um disco solar, emitindo seus raios que terminavam com pequenas mãos. Na Figura 5, podemos ver essas pequenas mãos abençoando o rei e a sua esposa, Nefertiti. Figura 5 Aquenáton e sua família Fonte: Altar doméstico, calcário, ca. 1340 a.C., XVIII Dinastia, reinado de Aquenáton. Tell el-Amarna, Egito. Museu egípcio de Berlim. No altar, vemos o faraó Aquenáton e Nefertiti sentados, cuidando de seus três filhos. Sua família é abençoada pelo toque direto de Aton, que também os traz as ankhs, usada como símbolo de proteção, eternidade, entre outras. An dr ea s Pr ae fc ke /S hu tte rs to ck Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 41 Esse período, conhecido como Amarna (derivado do nome da cida- de fundada pelo faraó), trouxe uma maior liberdade artística, mais na- turalista, como nas representações da rainha Tiye (mãe deAquenáton), com cenas do cotidiano do rei e sua família (Figura 5) (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MANN, 1978). Essa mudança teria sido motivada pela mudança do status do faraó com relação à sua própria divindade, não necessitando mais seguir os padrões estabelecidos pela arte até então (MANN, 1978). Também foram elaboradas obras de tamanho monumentais em espaços externos, o que as tornava acessíveis aos olhares de todas as pessoas, característica que continuou sob o governo de Ramsés II – em uma demonstração de poder por meio da arte e da arquitetura (MANN, 1978; PROENÇA, 2005). Figura 6 Estátua egípcia monumental Fonte: Estátua em pedra, Cairo, Egito. Na imagem, podemos ter a dimensão de uma das esculturas monumentais realizadas pelos egípcios. De acordo com Gombrich (2012), durante o reinado de Tutancâmon, filho e sucessor de Aquenáton, o politeísmo foi restaurado, bem como os ideais e padrões artísticos encontrados em períodos anteriores. No site do Museu Me- tropolitano de Arte (Met Museum), dos Estados Unidos, é possível acessar o seu acervo de arte egíp- cia e muitos outros. Disponível em: https://www. metmuseum.org/art/collection/ search#!/search?department=10. Acesso em: 4 jan. 2022. Site Ia n Sh er lo ck /W ik im ed ia Co m m on https://www.metmuseum.org/art/collection/search#!/search?department=10 https://www.metmuseum.org/art/collection/search#!/search?department=10 https://www.metmuseum.org/art/collection/search#!/search?department=10 42 Artes visuais – Escultura 2.2 Grécia Vídeo Atualmente, conhecemos as obras gregas, em grande medida, por meio das cópias (e suas variantes) romanas, produzidas em mármore e bronze durante o século IV, elas eram feitas para atender ao seu merca- do consumidor, que as utilizava como decorações de casas, jardins e ba- nhos públicos para constituição de coleções e estudos (GOMBRICH, 2012; MEDEIROS, 2011; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011; SILVA, 2010). São vários os fatores que levaram a maioria das esculturas gregas a se perder ao longo da história: muitas delas, que eram feitas em bronze – em especial as do período clássico – e adornadas com pedras preciosas, foram roubadas pelo seu valor, derretidas em períodos de escassez do material para a fabricação de armas e de outros objetos; outras foram destruídas pelos cristãos por serem consideradas pagãs (DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; MEDEIROS, 2011; SARTI, 2011). As esculturas estavam presentes em diferentes âmbitos da vida da pólis, não sendo voltadas exclusivamente para fins religiosos ou polí- ticos: elas decoravam os templos, frontões (parte situada logo abaixo do telhado de uma construção, em forma triangular), túmulos e casas (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005). Havia uma competição entre as cidades-estados da Grécia Antiga, referente às di- ferentes escolas de arte e de estilo, sendo Atenas, na Ática, uma de maior destaque na produção de esculturas (GOMBRICH, 2012). A arte da Grécia Antiga (ca. 1300-146 a.C.) é usualmente dividida em três grandes períodos: o arcaico, o clássico e o helenístico, que cos- tumam ser subdivididos (DAVIS, 1978). Essas divisões não devem ser pensadas como fixas ou limitadoras de um período: variam não só de acordo com as próprias características das obras, mas também de uma pesquisa para outra. Os períodos protogeométrico (de figuras abstratas muito sim- ples, como linhas e círculos) e, posteriormente, o geométrico (ca. 900-700 a.C.) são considerados antecessores do período arcaico (para alguns estudiosos, eles fariam parte desse último). No estilo geométrico, como o próprio nome indica, há a prevalência desse formato. Desenhos geométricos abstratos dividem a composição com as figuras humanas e de outros animais (como os cavalos), que Conhecer a história da escultura na Grécia Antiga e as diferenças de cada período (Arcaico, Clássico e Helênico). Objetivo de aprendizagem Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 43 são fortemente esquematizadas por meio da geome- trização, linhas e planos que demarcam as estruturas essenciais daquilo que representariam. Essas formas foram se tornando cada vez mais complexas com o tempo. As obras desse período são principalmente pe- ças de cerâmica pintadas e esculturas em pequenos formatos, geralmente em bronze (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; SARTI, 2011). Um aspecto em comum, em praticamente todos os estilos gregos – que já pode ser observado nas primei- ras imagens geometrizadas –, era a busca pela repre- sentação do corpo humano e de certa humanização dos deuses, o que possibilitou, entre outros fatores, maior liberdade para as suas criações artísticas (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Baumgart (1994) e Gombrich (2012) ainda apontam outro aspecto interessante de sua arte e da arte roma- na, mas que foi apagada com o tempo, é a de que suas esculturas costumavam ser pintadas. J as tro w (2 00 7) /W ik im ed ia Co m m on s Figura 7 Vaso em estilo geométrico Fonte: Lutadores, cerâmica, ca. 715-700 a.C., Tebas. Museu do Louvre. 2.2.1 Arcaica A arte grega do período arcaico se desenvolveu no fim do século VIII, marcada pela invenção dos Jogos Olímpicos, até o século V a.C. (Guerras Pérsicas). Nesse período, as narrativas mitológicas ganharam cada vez mais espaço (BAUMGART, 1994). Entre os séculos VIII-VI a.C. (ca. 725-660 a.C.), os gregos passaram a ter contato com culturas orientais, como o Egito e a Mesopotâmia, por meio de sua expansão colonial e comercial para costa do mediterrâneo, influenciando diretamente a sua produção artística, tanto nas técnicas quanto no aspecto formal, conhecida como orientalizante ou dedálico. Para alguns autores, seria a primeira fase do período arcaico, enquanto para outros consistiria em uma fase anterior (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; SARTI, 2011). O termo dedálico deriva de Dédalo, artista que ficou conhecido na Grécia por suas esculturas em grandes dimensões. Aliás, o esti- lo orientalizante é marcado pelo aumento significativo do tamanho das esculturas, aparecendo as estátuas monumentais em pedra e 44 Artes visuais – Escultura as em proporções mais naturais; templos em mármore; pelo uso de materiais preciosos, como ouro e marfim; pelo desenvolvimento das formas figurativas e do aspecto narrativo (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; SARTI, 2011). A arte arcaica, ainda que continuasse sob a influência oriental e do Egito, nas técnicas e na visualidade, como na utilização das pedras, na rigidez, nas formas esquematizadas, o que conferia um aspecto mais geométrico, simplificado e com menos detalhes, construiu sua pró- pria estética, não sendo marcada por regras rígidas, como a presente na cultura egípcia (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). O que possibilitou, segundo Medeiros (2011), “a vivência de novas técnicas e busca de novas formas”. Nesse período, as obras cerâmicas passaram a ser assinadas, apon- tando para uma nova relação e concepção sobre arte, autoria, sua cria- ção e mercado consumidor (BAUMGART, 1994; SARTI, 2011). As cerâmicas faziam parte de manifestações re- ligiosas, ritualísticas, artísticas e cotidiana; eram utilizadas para bebidas e alimentos, entre eles o vinho e o azeite de oliva, que gozavam de amplo prestígio na sociedade grega, como as denomina- das panatenaicas, ânforas decoradas com cenas de esportes e repletas de azeite de oliva, dadas como prêmios aos ganhadores dos Jogos Olímpicos (Figura 8) (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Com o tempo, as cerâmicas foram se tornando cada vez mais elaboradas em suas formas e em sua decoração, com desenhos e pinturas que traziam cenas diversas (mitológicas, históricas, da fauna e da flora, entre outras) (PROENÇA, 2005). A fabrica- ção dos vasos, o que também incluía as suas pin- turas, constituiu-se em Atenas como uma espécie de “indústria”, visto o seu processo de fabricação (GOMBRICH, 2012). As primeirassilhuetas eram feitas sob um fundo claro, com tinta preta, conhecidas como pinturas ne- gras, foram inventadas em Corinto, tendo Exéquias J os é Lu is F ilp o Ca ba na /W ik im ed ia Co m m on s Na ânfora panatenaica, com figuras negras, atletas praticam boxe. Podemos notar as transformações pictóricas com relação às figuras vistas na imagem anterior. O corpo humano ganha mais formas para a sua definição. Fonte: Ânfora panatenaica (c. 480-460 a. C.), cerâmica, Ática, encontrada em Nola. Museu Britânico. Figura 8 Panatenaica Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 45 como um de seus representantes (BAUMGART, 1994; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Clítias, um de seus discípulos, realizou a inversão do es- quema de cores, no fim do século VI (BAUMGART, 1994). Segundo Gra- ça Proença (2005, p. 33), essa inversão “deixou as figuras na cor natural do barro cozido e pintou o fundo de negro, dando início à série de figu- ras vermelhas”. As estátuas que marcam esse período são os kouroi (jovens rapazes; no singular, kouros) e as korai (jovens moças; no singular, koré) – que podem ser vistos nas Figuras 9 e 10. Esses dois tipos de estátuas fo- ram criados no período Dedálico; com o tempo, ganharam formas me- nos simplificadas, além de serem produzidas em diferentes materiais, passando a ser mais conhecidos em pedra. Consistem, então, em esculturas idealizadas e esquematizadas de jovens, feitas como obras tumulares em memória dos jovens mortos e/ou para santuários, como oferenda aos deuses; também podem ser vistos, nesse sentido, como ex-votos. Enquanto os kouroi são sempre nus, as korai estão representadas sempre vestidas e adornadas, mas com a pose dos braços um pouco menos rígidas. Esses aspectos nos revelam concepções diferentes de valores morais e de beleza sobre homens e mulheres. O belo, na Antiguidade Clássica, era associado à bondade e à su- perioridade. Assim, a nudez dos primeiros mostra que ela era aceita e valorizada, sendo de maior interesse nas investigações artísticas e ana- tômicas; já a beleza das mulheres estaria relacionada à sua ornamen- tação, algo externo a elas (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011; WITTKOWER, 2002). O kouros (Figura 9) tem a postura ereta e rígida, com punhos cerra- dos sobre a coxa, leve movimento das pernas, como se fosse dar um passo, os seus braços são mais livres do bloco de pedra do que as fi- guras das esculturas egípcias. A koré (Figura 10) utiliza um vestido que não marca as formas do corpo (com exceção dos seios), um leve movi- mento é transmitido pela posição de ambas as mãos, uma que segura parte do vestido, e outra que segura um broto de flor de lótus, tendo, como a anterior, “quatro vistas bem delimitadas”, com mais destaque para a sua frontalidade. Notamos que, nessas esculturas, a distribuição do peso se dá de maneira simétrica, sobre as duas pernas (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011; WITTKOWER, 2002). O apagamento das cores das estátuas gregas é motivado por uma série de fatores, entre eles o político e o da construção dos gostos. Ele é explica- do detalhadamente na reportagem Como mito de estátuas gregas brancas alimentou falsa ideia de superioridade europeia, de Elisa Kriesis. Saiba mais acessando o link a seguir. Disponível em: https://www.bbc. com/portuguese/geral-56723825. Acesso em: 5 jan. 2022. Saiba mais https://www.bbc.com/portuguese/geral-56723825 https://www.bbc.com/portuguese/geral-56723825 46 Artes visuais – Escultura Figura 9 Kouros Figura 10 Korai Kouros, mármore, 193 cm de altura, ca. 590-580 a.C. Museu Metropolitano de Arte de Nova York. De acordo com Wittkower (2002), essa estátua teria sido realizada com o uso de ponteiros. Fonte: Autoria desconhecida. Ariston de Paros, Kore Phrasikleia, mármore, 211 cm altura, ca. 550-540 a.C. Mirhinous, Ática. A escultura foi encontrada na sepultura de Phrasikleia. Museu Arqueológico Nacional de Atenas. Reconstituição das cores originais de Phrasikleia Kore, feito pelo time liderado por Vinzenz Brinkmann, realizada para a exposição Bunte Götter, Pergamonmuseum, Berlim, 2010. de z/ W ik im ed ia Co m m on s M ar cu s Cy ro n/ W ik im ed ia Co m m on s Essa estética era, assim como as posteriores, pautada pela busca da beleza e de uma representação mais naturalística do corpo e do movimento. Ela originou o estilo Severo ou Pré-Classicismo (fim do século VI a.C., ca. 447-433 a.C.), um estilo de transição entre o perío- do Arcaico e o Clássico. Esse estilo é caracterizado por maior naturalismo em termos de anatomia, por meio da suavização entre as transições de uma área a outra, e por ser um pouco mais próximo das pessoas retra- tadas, aumento de vistas privilegiadas sobre os vultos, o que possi- bilita um aumento na dramaticidade, pela decoração de templos, com esculturas de temas diversos (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; PROENÇA, 2005). Percebemos uma mudança significativa entre as formas dos kouros, mencionada anteriormente, com as do Efebo de Crítio (Figura 11). No entanto, a sua principal característica é a in- venção do contraposto, encontrada pela primeira vez na escultura Efebo de Crítio (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; PROENÇA, 2005). Figura 11 Efebo de Crítio Fonte: Efebo de Crítio, obra atribuída a Crítio e Nesiotes, mármore, 116, 7 cm de altura, ca. 480 a.C., Museu da Acrópole de Atenas. Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 47 Como podemos observar na Figura 9, essa posição consiste na ilusão de distribuição desigual do peso do corpo sobre uma das per- nas, que serve como apoio e parece tensionada, enquanto a outra está relaxada e livre. Para Baumgart (1994), Davis (1978) e Proença (2005), essa relação das pernas também é refletida na forma como os ombros se posicionam, um mais levantado e outro mais pesado. O contraposto apresenta, então, uma maior sensação de movimen- to, alcançada por uma menor rigidez nas posições dos membros. 2.2.2 Clássica A arte clássica grega se estende entre o V ao IV século a.C., pe- ríodo marcado pela vitória das Guerras Pérsicas, em que houve a reconstrução de Atenas por Péricles, após esta ter sido destruí- da durante a guerra, bem como o florescimento da filosofia grega e do teatro como parte importante de sua sociabilidade e cultura (GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). O período clássico, comumente referenciado como o grande mar- co da arte grega, é caracterizado pelo antropocentrismo, centrado na figura do ser humano; pela leveza e harmonia das composições, na busca da perfeição das formas, ainda que estas sejam mais livres; maior dinamicidade; pelas expressões dos sentimentos, de maneira suave e contida; obras mais naturalistas, detalhistas e, ao mesmo tempo, imagens idealizadas, em que as identidades são apagadas em nome de um ideal de representação – no entanto, ao final do classicis- mo, seria possível reconhecer os retratados, muitos dos quais eram elaborados com base em moldes (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011; WITTKOWER, 2002). De acordo com Baumgart (1994, p. 62), “o que se esboçara leve- mente por volta do final do séc. V impôs-se no séc. IV: a humaniza- ção, trazendo consigo uma modificação do divino, que perdeu sua grandeza estabelecedora das normas”. Assim, mesmo que a religião ainda fosse um assunto recorrente e muitas produções fossem fei- tas para os templos, ela passava a ser abordada de outras manei- ras. Temas como esportes, filosofia, arte funerária, heróis e suas batalhas foram ganhando cada vez mais espaço nas representações (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012; MEDEIROS, 2011; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). 48 Artes visuais – Escultura Esses “novos” temas também aparecem nos baixos-relevos – comuns nos adornos de estelas funerárias 1 e nos templos – que se apresentam com os “contornos perspectivados”: sobreposição de imagens em que os mais à frente, queaparecem em primeiro plano, são mais volumosos, e os mais distantes, em mais baixo-relevo (DAVIS, 1978, p. 59). Nas esculturas em pedra, os cinzéis são cada vez mais utilizados, assim como os estudos ou mesmo de modelos (em argila) para a con- fecção da peça final (WITTKOWER, 2002). Figura 12 Discóbolo de Míron Fonte: Discóbolo de Míron, mármore, ca. 460-450 a.C. Discóbolo Lancellotti, estátua feita com base no fragmento de uma cópia romana, do original grego de Míron. Uma das obras iniciais do período é o Discóbolo, de Míron, realizada originalmente em bronze (alguns autores a situam como uma transição entre o estilo severo e o classicismo). No Discóbolo (Figura 12), que te- ria partido da observação de um modelo vivo, o atleta está a ponto de arremessar o disco. O artista cria movimentos, por meio da contorção do corpo do jovem e do estiramento de um de seus braços, dos quais podemos ver seus músculos e suas veias. Ao mesmo tempo, a obra que parece ter tanto movimento estaria ancorada, em certo sentido, na pose utilizada pela arte egípcia, uma vez que seu tronco é visto de fren- te e seus braços, suas pernas e seus pés de perfil (GOMBRICH, 2012). Míron, Fídias, Praxiteles e Policleto são alguns dos escultores do estilo. São formas de lápides em pedra adornadas com relevos e/ou textos. 1 Ca ro le R ad da to /W ik im ed ia Co m m on s Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 49 Praxiteles foi o primeiro escultor a esculpir uma mulher completa- mente nua, em tamanho natural, trata-se da obra Afrodite de Cnidos. Outra escultura reconhecida do artista é Hermes com o jovem Dionisio (MEDEIROS, 2011; SARTI, 2011). Doríforo (Lanceiro ou Jovem segurando uma lança), de Policleto, que foi bastante copiada pelos romanos, teria sido realizada pelo artista para ilustrar sua obra Cânone (ca. 450 a.C.) – no livro, o autor escreve sobre o corpo humano em termos de medidas matemática; infelizmente, essa obra é considerada perdida –, servindo como escultura de referência à noção de contraposto e de beleza gre- ga (DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; MEDEIROS, 2011; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Gombrich (2012), Medeiros (2011) e Sarti (2011) apontam que a busca pela beleza continua, ela agora se associa mais diretamente às propor- ções matemáticas, na simetria, ritmo, ordem, equilíbrio e a harmonia, refletindo nas elaborações dos corpos e, de um modo geral, nas com- posições como um todo, construindo o que é chamado de belo clássico. 2.2.3 Helênica O último período da Grécia Antiga, o helenismo, situado entre os séculos IV a I a.C., apresenta a difusão da arte e da cultura grega para várias regiões, entre elas a Índia e o Egito, por intermédio do Impé- rio da Macedônia – que havia sido liderado, no primeiro momento, por Felipe II e, posteriormente, por Alexandre, o Grande, seu filho –, dividido entre os seus vários reinos (DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). No entanto, antes mesmo da morte de Alexandre Magno, a arte grega já havia adentrado a cultura da macedônia pelo próprio impera- dor. Alexandre foi um entusiasta da cultura grega; seu retratista, Lisipo, era da Grécia – os retratos gregos mais fiéis àqueles que eram repre- sentados surgiram somente fim do século IV a.C.; assim como ele, ou- tros artistas gregos também passaram a trabalhar para esse império (GOMBRICH, 2012; SARTI, 2011, p. 67). De acordo com Gombrich (2012, p. 111), “foi nessa época, e nessa atmosfera, que as pessoas ricas começaram a colecionar obras de arte, mandando fazer as cópias das mais famosas se não pudessem obter as originais, e pagando preços fabulosos pelos originais que pudessem 50 Artes visuais – Escultura adquirir”. Ainda de acordo com Gombrich (2012), há, portanto, um au- mento pelo interesse na arte, que se desenvolve com o colecionismo, e com textos cada vez mais comuns sobre ela e seus artistas. O helenismo é marcado pelo seu ecletismo, novas demandas apa- recem, entre elas a busca por obras mais luxuosas e decorativas, que podem ser encontradas em sua arquitetura monumental e nas escultu- ras. Nestas, a teatralidade dos personagens e da composição ganham cada vez mais espaço, resultando em obras com cenas diferentes para a composição de uma mesma narrativa, que trabalham mais com os jogos de luz e sombra e que evidenciam as emoções das figuras por meio de expressões exageradas, nomeadas de sensacionalismo, ge- rando uma dramaticidade não encontrada no período anterior; com maior dinamismo, em que todos os ângulos da escultura são impor- tantes para perceber a cena, bem como na criação de grupos em uma única escultura, o que causa a sensação de “desordem” e “obras tumul- tuadas” (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Características que podem ser vistas nas obras Laocoonte e seus filhos (ca. 175-50 a.C.) e em Vitória de Samotrácia (ca. 1980-180 a.C.) (Figura 13): “a Vitória foi representada no mo- mento em que pousa sobre a proa de um na- vio, para comemorar o triunfo de uma batalha naval” (DAVIS, 1978, p. 64, grifo do original). Assim, segundo diferentes autores, como Baumgart (1994), Davis (1978), Gombrich (2012), Proença (2005) e Sarti (2011), essa obra é valorizada em suas diferentes vistas, trazen- do sensação de movimento, pelas suas for- mas mais livres, como se realmente estivesse na proa de um navio, fazendo com que a sua roupa module sobre o vento. Mesmo com as asas, seu corpo parece mais naturalista em termos de anatomia, que é outra característi- ca marcante do período. Figura 13 Vitória de Samotrácia Fonte: Vitória de Samotrácia ou Nice de Samotrácia, mármore, 245 cm de altura, século II a. C., c. 190-180 a.C. Museu do Louvre. M bz t/ W ik im ed ia Co m m on s Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 51 2.3 Roma Vídeo A Roma Antiga, fundada em 753 a.C., manteve uma profunda re- lação com a cultura grega. Em um primeiro momento, esta se deu de meio indireto, pelo contato com os etruscos e, em seguida, por meio da expansão grega com colônias no sul da Itália. Posteriormente, esse contato foi ocasionado pela conquista de vastos territórios por Roma, entre eles os reinos helenísticos, os quais foram saqueados. Essa interação se manifestou intensamente na sua produção artís- tica (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Como mencionado, os romanos se tornaram ávidos consumido- res da arte grega, tanto por meio de obras roubadas e compradas diretamente da Grécia quanto também pelas cópias realizadas por eles. Além disso, muitos artistas gregos se estabeleceram em Roma, para atender a demandas feitas por colecionadores (o colecionis- mo havia se tornado moda) e compradores eventuais (BAUMGART, 1994; GOMBRICH, 2012). Do mesmo modo que os gregos e os egípcios, os romanos uti- lizavam as esculturas em espaços públicos, entre essas obras estão arcos, colunas, painéis, bustos, relevos, retratos, esculturas equestres etc. Essas obras promoviam uma pedagogia visual 2 , transmitindo mensagens sobre diferentes aspectos da sociedade romana – seja de maneira mais direta, seja alegórica –, como religião, história, pro- paganda política e demonstração de poder, valores morais, padrões de beleza, entre outros (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; SARTI, 2011). Uma dessas formas, pelas quais os romanos se destacaram, foi o relevo histórico. Como o próprio nome indica, utilizavam-no para narrar suas próprias histórias, em especial suas conquistas militares. Um exemplo desse tipo é a Coluna de Trajano (Figura 14), feita no início do século II. Ela apresenta, por meio de vários relevos agrupados em uma coluna, uma narrativa contínua da vitória romana sobre os dácios (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; SARTI, 2011). Conforme Davis (1978), fazer desfi- les públicos, exibindo painéis contando sobre seus triunfos, era uma prática comum entre os romanos. Conhecer a história da escultura na Roma Antiga. Objetivo deaprendizagem É uma forma de ensinar, aprender e codificar por meio das imagens. 2 52 Artes visuais – Escultura Fonte: Coluna de Trajano, mármore, 38 m de altura, 106-113 d.C., Roma. Figura 14 Coluna de Trajano Ca ro le R ad da to /W ik im ed ia Co m m on s Detalhe da coluna de Trajano, onde é possível ver parte dos relevos que narram a vitória romana sobre os dácios. Os arcos de triunfos, que formam espécies de pórticos comemo- rativos e de demonstração de poder, podem ser vistos como mais um exemplo de relevo histórico (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Para Davis (1978, p. 71), o último monumento romano construído na Antiguidade teria sido o Arco do Triunfo, carregado de simbolismo, “destinado a glorificar um imperador que utilizou os monumentos do passado para afirmar as tradições ancestrais já existentes e estabele- cer as bases para o seu recomeço”. A coluna e os arcos triunfais se aproximam de uma outra manifesta- ção artística, a arquitetura; esta, por sua vez, da engenharia civil. Suas construções, voltadas à vida social, religião e política, influenciaram rapidamente outras sociedades. Os romanos criaram os anfiteatros, como o Coliseu, em Roma; utilizaram os arcos, para obter maior espa- ço entre as colunas; fizeram um complexo sistema de aquedutos, entre outros (BAUMGART, 1994; PROENÇA, 2005; SARTI, 2011). Além desses tipos de obras, os romanos também se destacaram pe- los retratos, feitos em formas de bustos, de “cabeças avulsas” ou, ainda, de corpo inteiro. Essas esculturas buscavam se assemelhar ao máximo com as pessoas que eram retratadas, portanto era comum que os rostos tivessem as marcas de expressões próprias, como as ocasionadas pelas rugas, prevalecendo a identidade sob qualquer ideal de beleza (Figura 15) (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978; GOMBRICH, 2012; PROENÇA, 2005). M et M us eu m /W ik im ed ia Co m m on s A deterioração das estátuas da Antiguidade é algo comum, isso se deve pela forma e/ou local de como foram encontradas, pela ação do tempo, entre outros fatores. Fonte: Retrato de homem desconhecido, mármore, 31,5 x 19,7 x 19,7 cm, fim do século I a.C., Roma. Museu Metropolitano de Arte, Nova York. Figura 15 Retrato romano A origem para esse naturalismo seria a sua tradição na arte fú- nebre, em que moldes da cabeça dos mortos eram feitos em cera, elaborando máscaras para preservar as almas e tornar presente um ausente (GOMBRICH, 2012; BAUMGART, 1994). Já com relação aos corpos, estes permaneciam idea- lizados, seguindo os padrões encontrados na Grécia, mes- mo pessoas mais velhas eram colocadas em corpos jovens (DAVIS, 1978; PROENÇA, 2005). Há uma retomada ainda maior dos padrões de beleza grega no governo imperial de Augusto, imitando a idea- lização dos rostos do período clássico, para a composi- ção de seus próprios retratos, como podemos ver na Figura 16 (BAUMGART, 1994; DAVIS, 1978). Nos estudos de Davis (1978) e Sarti (2011), sabemos ainda que, no fim do império romano, a sua arte se tor- nou menos preocupada com o naturalismo, estabelecen- do a prevalência da frontalidade e figuras hierarquizadas por meio de seus tamanhos. Figura 16 Imperador Augusto Fonte: Imperador Augusto, mármore, 208 x 12 x 130cm, ca. 20 a.C., Roma. Museu do Vaticano. Ti ll Ni er m an n/ W ik im ed ia Co m m on s Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e RomaEscultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 5353 54 Artes visuais – Escultura 2.4 Esculpir a pedra Vídeo A escultura em pedra, presente desde o período pré-histórico, foi uma das técnicas mais empregadas na Antiguidade – encontra- da em diferentes civilizações, sendo aperfeiçoada pelos egípcios e, em seguida, pelos gregos –, atravessando milênios e permanecendo ainda hoje. As pedras são extraídas das pedreiras, as mais antigas encontra- das até hoje datam do século XXVI a.C., no Egito (SILVA, 2010). A Roma Antiga já tinha uma “indústria altamente organizada” sobre o már- more (MIDGLEY, 1982). Uma das mais conhecidas é a de Carrara, na Itália, sendo as qualidades de suas pedras descritas por Vasari, no Renascimento. Aprender a técnica da escultura em pedra. Objetivo de aprendizagem Figura 17 Pedreira em Carrara Na imagem, podemos ter uma noção geral sobre a dimensão da pedreira de Carrara, na Itália. Perceba os tamanhos dos tratores em relação a ela. Com o passar do tempo, suas formas vão mudando consideravelmente à medida que avança sua exploração. Essa fotografia é de setembro de 2006. ge rri c/ W ik im ed ia Co m m on s A extração do mármore se manteve praticamente a mesma da realizada no Egito Antigo até o século XIX, quando os trabalhadores começaram a utilizar a pólvora negra para esse processo. No entan- to, essa técnica era muito imprevisível, o que fazia com boa parte da matéria-prima se perdesse. Mesmo tendo sido aperfeiçoada com o passar do tempo, ainda representava danos ao material (SILVA, 2010). No século XIX, também foi inventado por Eugène Chevalier o fio he- licoidal, conhecido como corte a fio, posteriormente aprimorado pelo engenheiro A. Monticolo, sendo utilizado mais consistentemente a par- tir de 1897 – ele permitia maior precisão dos cortes e, com isso, menos perda de material (SILVA, 2010). Em 1978, foi substituído pela máquina de fio diamantado. De acordo com Silva (2010, p. 33), é sabido que durante a construção das pirâmides os operários das pedreiras egípcias utilizaram guilhos de metal e madeira para remover os blocos das bancadas de mármore e granito. Os guilhos de ma- deira eram inseridos nas furações sob pressão e, posteriormente, forçados a absorver água para que expandissem”. Saiba mais Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 55 O seu tamanho, peso e fragilidade dificultam o processo de translado dos blocos de pedra e, consequentemente, da escultura. Além disso, al- guns tipos de pedra se sujam facilmente, por exemplo, com a gordura presente nas próprias mãos, ou mesmo com água. Assim, o uso das luvas protege tanto o escultor quanto o próprio material (SILVA, 2010). A elaboração da escultura em pedra começa com a escolha do ma- terial: cores, dureza, durabilidade em relação ao local em que será exposta, ou mesmo pela acessibilidade. Muitas vezes, essa escolha é realizada diretamente nas pedreiras, sob a supervisão direta dos ar- tistas ou com as designações deixadas aos encarregados, como fazia Michelangelo (durante o Renascimento), na busca para evitar pro- blemas, como blocos fissurados ou ocos por dentro (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010; WITTKOWER, 2002). As pedras apresentam diferentes cores e durezas, algumas são mais “moles” e outras mais duras, essas características são dadas pelas suas composições e origens. De acordo com Midgley (1982) e Silva (2010), há três grupos de rochas, que são identificadas conforme a sua formação: • ígneas: como o granito e o basalto, sua origem é da “solidificação de material fundido”, ou seja, são formadas pelo contato com o fogo, sendo muito duras, o que permite um maior polimento; • sedimentares: são formadas pela água, com o “assentamento das partículas”, em grande medida de cálcio, provenientes de se- res mortos, como corais, esqueletos, entre outros, o que faz com que sejam porosas e tenham um acabamento mais texturizado, mas é necessário cuidado, pois a poeira dessas pedras é muito perigosa à saúde. Entre elas, estão os calcários e arenitos; • metamórfica: pedras que passaram por transformações, de íg- neas para sedimentares ou vice-versa, por meio de diferentes fa- tores, como “a pressão, o calor e as reações químicas”. São ainda mais porosas, o que faz com que absorvam mais facilmente a umidade, como o mármore e a piçarra. Os tipos mais comumente utilizados na escultura são o mármore, que tem diversos tons e foi amplamente utilizado na Grécia e Roma Antiga, também recorrente durante o Renascimento e Barroco; o gra- nito, bastante utilizado no Egito, assimcomo o calcário, com cores do branco ao preto, a Esfinge de Gizé (de corpo de leão e cabeça humana) foi construída com esse material; a esteatita, mais conhecida como pe- Você pode levar peque- nos pedaços de mármore e granito para a sala de aula, para os alunos observarem o material, as suas semelhanças e diferenças e poderem manuseá-los. Dica 56 Artes visuais – Escultura dra-sabão ou pedra de talco, sendo considerada uma rocha mole (bran- da), utilizada no barroco brasileiro; também há as pedras artificiais, como o concreto celular, criado no século XX. No Brasil, temos poucas variedades de mármore, mas uma variedade maior de granito. As rochas, apesar de serem um dos materiais mais resistentes para a escultura, também podem sofrer degradações. Cada pedra é impac- tada de maneira diferente, de acordo com a sua composição, fatores intrínsecos – quanto menos porosas forem, menos serão agredidas –, e as interações, fatores extrínsecos, “físico, químico ou biológico”, como a erosão causada pela ação do tempo, da chuva, sobretudo a ácida causada pela poluição, do vento, vibrações sonoras, mudanças de tem- peratura, principalmente bruscas, dilatação no calor e retração no frio, o descuido humano (SILVA, 2010). A escultura em pedra se dá por meio da talha, em um processo de subtração da matéria. Muitas das ferramentas utilizadas para a sua confecção continuam as mesmas utilizadas desde a Antiguidade, como martelo ou maceta, bojarda (martelo quadrado), ponteiro, os cinzéis plano ou dentado, escacilhador, pua, picão e os abrasivos, como esme- ril, lixas e pedra-pomes, cada época e artista dão preferência mais a um meio que a outro (SILVA, 2010; WITTKOWER, 2002). A mais antiga ma- ceta de formato coniforme, encontrada até hoje, data do século XV a.C. Quando o trabalho é manual, requer muita força e prática. O uso de materiais elétricos e pneumáticos, para ajudar no processo, expandiu- -se durante a década de 1970 (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010). Entre os métodos mais antigos estão “talhar uma pedra com ou- tra”, o processo de abrasão com areia ou outros materiais. Os egípcios fizeram os primeiros instrumentos de metal em bronze para a realiza- ção da escultura em pedra, os gregos as adaptaram (ca. de 5000 a.C.) para ferramentas em ferro, que tinham como vantagens serem mais resistentes e não perderem as pontas com facilidade (SILVA, 2010; WITTKOWER, 2002). O ponteiro, conhecido como ferramenta de desbaste, é usado para retirar o excesso de material, uma de suas extremidades fica direto no local a ser batido, enquanto no outro lado é batido com o martelo, sendo necessária a utilização de força. Por ser um instrumento mais grosseiro, não é comumente utilizado para os acabamentos; já o cinzel plano permite maior controle e precisão sobre o material que será re- Em sua dissertação Técni- ca da escultura em pedra: algumas reflexões sobre o talhe directo, Fernando Silva (2010) apresenta as diferentes fases para a sua elaboração, desde a retirada do material nas pedreiras até o seu acabamento. Disponível em: https://repositorio. ul.pt/bitstream/10451/3608/2/ ULFBA_TES393.pdf. Acesso em: 5 jan. 2022. Leitura https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/3608/2/ULFBA_TES393.pdf https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/3608/2/ULFBA_TES393.pdf https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/3608/2/ULFBA_TES393.pdf Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 57 tirado (SILVA, 2010). De acordo com Wittkower (2002, p. 33), “até certo ponto, o cinzel plano substituiu ao ponteiro já na Antiguidade, sendo amplamente utilizado pelos escultores romanos e também durante longos período da história posterior da escultura”. Essa troca se daria segundo o mesmo autor, por ser uma ferramenta de mais fácil utiliza- ção e “mais versátil” (WITTKOWER, 2002). Figura 18 Ferramentas para entalhe 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Bojarda Martelo de ponta ou de desbastar Cinzel plano Cinzel cabeça de touro Cinzel dentado Ponta ou ponteiro Furadeira de arco ou trépano Broca de trépano Árvore de trépano, furadeira manual ou arco de pua Grosas 6 7 8 9 10 Fonte: Iesde Brasil S.A. Ferramentas para escultura em pedra. Os ângulos de incidência das ferramentas, como o ponteiro, os cin- zeis e as goivas, bem como a pressão utilizada, modificam o formato do talhe, fazendo com que ele seja mais ou menos aberto, mais ou menos profundo (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010). Igualmente, cada fer- ramenta produz um tipo de textura na superfície da pedra (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010; WITTKOWER, 2002). A talha pode ser direta, quando é produzida diretamente no bloco, sem outros meios – foi a primeira forma de se talhar os materiais –, ou indireta – quando se usa transposições das formas e medidas de uma outra escultura que serve como modelo (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010; VASARI, 2020). 58 Artes visuais – Escultura Para Silva (2010), o talhe direto permite maior liberdade artística e estética para a confecção de uma escultura em pedra, uma vez que a obra teria relação mais direta com o seu artista, “sem intermediários”, feita de maneira mais livre. Embora a obra possa partir de estudos em outros materiais e técnicas, como o desenho, estes não são usados como objetos para cópias, mas sim como ideia geral para a compreen- são das formas (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010). Ainda, segundo os autores , o talhe direto é dividido em quatro fa- ses, são elas: 1. Preparação do bloco: a forma como vai estar posicionado, levando em conta a posição do artista, como dos estratos da pedra. 2. Desbaste: retirada do material, dando formas mais gerais, auxiliada pelo desenho sobre a pedra e por diferentes ferramentas, como a esmerilhadora – instrumento elétrico para cortes em pedras – e técnicas. 3. Definição da forma: requer maior cuidado para que não se perca ou estrague a pedra, é o momento que se usa ferramentas mais leves e delicadas e se elabora a forma final. 4. Acabamento: definição da(s) textura(s) que a escultura terá, pode ser deixado com as marcas das ferramentas mais grosseiras, como o cinzel dentado, ou mesmo ser completamente lixada e/ou pintada, dando aspecto de polida/encerada. O processo do talhe indireto esteve bastante presente na escultura romana, com cópias das esculturas gregas. No Renascimento, a técnica já estava bem consolidada e era realizada com alta precisão. Durante esse período, no século XVI, a atividade artística passou a ser associada à coisa mental, a um trabalho intelectual. O talhe indireto assume, as- sim, um papel de destaque: enquanto os artistas fariam as esculturas originais, que serviriam como modelos, em materiais em que o trabalho braçal era considerado menor, como a argila, cera ou gesso, os técnicos fariam a transladação das formas para a pedra. Michelangelo aparece como uma contraposição a essa forma de pensamento (RAMOS, 2011; SILVA, 2010). No século XX, essa concepção sobre a autoria das peças passou a ser questionada pelos próprios artistas, que compreendiam que no processo técnico também havia criação de quem o realizava. Além Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 59 disso, alguns artistas começaram a se questionar sobre o modelo de reprodução das obras e de esboços, como elementos que diminuem a potencialidade da exploração do material e de suas formas, a “perda da aura”, defendendo o talhe direto (SILVA, 2010). O talhe indireto é feito com auxílio de ferramentas que permitem que a escultura que serve como modelo (podendo ser de material di- verso) seja transpassada em tamanho igual, maior ou menor, propor- cionalmente por meio de medidas (escalas) e marcações (sistema de pontos), auxiliadas por esquadros em posição vertical e horizontal e ponteiros: marcam-se os pontos principais, começando com os me- nos profundos, para a peça final, realizada em pedra (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010; VASARI, 2020). Teriam sido os gregos a criarem o método do “ponteado”, primeiro método de transferência de medidas e formas entreuma escultura e outra (SILVA, 2010). Silva (2010) ainda afirma que o método mais atual é feito por meio da digitalização em 3D do modelo (que pode ser feito também comple- tamente de modo digital), o computador “esculpe digitalmente” pela máquina CNC – computerized numerical control. Midgley (1982, p. 129) explica que: “a altura mais conveniente para tra- balhar uma pedra é da cintura aos cotovelos, e nunca deve estar situada a altura dos joelhos ou por debaixo desta”, de onde será retirado o material, a base da pedra deve ser protegida por uma superfície que minimize os impactos feitos sobre ela, enquanto os pés do escultor também devem ser bem protegidos para evitar danos, caso caia alguma parte da peça. A escultura em pedra apresenta alguns perigos, são eles: a inalação da sílica, em forma do pó do material, presente em granitos e arenitos, que causa a silicose, os primeiros sintomas aparecem após 15 ou 20 anos; de- sabamento do material, caso ele não esteja bem seguro; estilhaços do ma- terial e das ferramentas, que podem acertar os olhos ou outras partes do corpo; barulhos, provocados pelas ferramentas em si e em contato com a pedra, que podem lesionar o ouvido; perigo de enroscar cabelos ou peças de roupas nos equipamentos (MIDGLEY, 1982; SILVA, 2010). Devido aos perigos e às dificuldades em se trabalhar em sala de aula com a escultura em pedra, ela pode ser adaptada para um dos materiais provenientes dela: o gesso, material acessível e barato. O gesso é originalmente uma pedra (presente comumente em ro- chas sedimentares), a gipsita, que tem como característica a sua maciez. O artista Stijepo Gavric utiliza o talhe indire- to com ferramentas manuais, como processo para a criação de suas esculturas. Conheça mais no vídeo The Making of a Marble Sculpture, publi- cado pelo canal jesenko gavric. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=gyWeksAo- 8VM&ab_channel=jesenkogavric. Acesso em: 5 jan. 2022. Vídeo Uma escultura feita pela máquina CNC pode ser vista no vídeo Beautiful Lady statue carved by Robotic Sculpture Making Machine, publicado pelo canal Grind Master. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=zWG6ZtKv8Ww&ab_ channel=GrindMaster. Acesso em: 5 jan. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=gyWeksAo8VM&ab_channel=jesenkogavric https://www.youtube.com/watch?v=gyWeksAo8VM&ab_channel=jesenkogavric https://www.youtube.com/watch?v=gyWeksAo8VM&ab_channel=jesenkogavric https://www.youtube.com/watch?v=zWG6ZtKv8Ww&ab_channel=GrindMaster https://www.youtube.com/watch?v=zWG6ZtKv8Ww&ab_channel=GrindMaster https://www.youtube.com/watch?v=zWG6ZtKv8Ww&ab_channel=GrindMaster https://www.youtube.com/watch?v=zWG6ZtKv8Ww&ab_channel=GrindMaster 60 Artes visuais – Escultura Quando transformada em pó e misturada à água, sofre uma reação química, em que gera calor, assim “a mistura começa a empastar até endurecer e arrefecer”, a sua secagem e dureza pode ser modificada com a adição de determinados elementos (RAMOS, 2011, p. 14). Ela é encontrada em diferentes regiões do mundo, sendo utilizada, ao menos na construção, desde o neolítico. Algumas pedras de gesso ao natural, como o alabastro, podem servir como material para talhe direto (RAMOS, 2011). Foi um material bastante utilizado na Antiguidade, na arquitetura, na confecção de moldes do corpo humano e de objetos e na elabora- ção de esculturas diretas. Seu uso, junto ao linho, na mumificação, teria originado, no Egito Antigo, as máscaras funerárias. Na Grécia Antiga, Teofrasto escreveu sobre ela em seu Tratado da pedra, século IV a.C. Os romanos popularizaram as esculturam por meio das cópias em gesso, bem como pelas máscaras mortuárias (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). A forma mais comum a qual temos acesso ao gesso é a sua versão em pó. Para tanto, ele passa pelo processo de calcinação: é partido em pequenos pedaços, assado à 117-160ºC em fornos abertos (tipo os de pão), perdendo a maior parte da sua água e, por último, é moído e conservado em local seco e arejado para que não estrague (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). O gesso utilizado para a elaboração de peças artísticas, pela modelação ou moldagem, é chamado de gesso plástico, também co- nhecido como gesso de Paris ou gesso de dentista (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). Em sala de aula, prepare com os alunos blocos de gesso que serão talhados. Para a sua preparação, deve-se polvilhar o gesso sobre a água (e nunca ao contrário), formando o que parece “ilhas desertas”. As vasilhas de plástico são os recipientes mais adequados para o seu preparo. Após essa etapa, é necessário misturar os ingredientes, mas com cuidado para que não for- mem bolhas de ar, estas devem ser eliminadas no processo (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). De acordo com Ramos (2011, p. 22): “em geral, a quantidade de água necessária para hidratar o gesso está entre os 50% e os 70%, con- forme se pretende uma pasta mais espessa ou mais líquida”. Seu uso como pedra para a escultura, pode ser feito adicionando cola (proporção de 25 Na aula de Arte (Continua) Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 61 gramas por litro de água, o que retarda o processo de endurecimento) e um pouco de areia ou pó de mármore, sendo ingredientes opcionais (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). Quando limparem o material, não esqueçam que o gesso pode entupir os encanamentos. O gesso pode ser colorido, colocando um pouco de pigmento em pó na sua preparação, mas também pode ser pintado após pronto (MIDGLEY, 1982). A construção dos blocos pode ser feita despejando o material em caixas longa vida, untadas com vaselina, ou em caixas de papelão cobertas com plástico, que também deve ser untado. A vaselina serve como desmoldan- te, impedindo que o gesso grude no molde, porém deve ser aplicada com cuidado para que o excesso não o marque (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). O bloco não deve ser muito grande, para que o peso não a destrua. Em peças moldadas, são utilizadas estruturas, armações, que suportem sua carga e, dessa maneira, não quebrem: o uso de madeira é desaconselhado porque ela absorve água, e o ferro só deve ser utilizado após um tratamento antifer- rugem, para que não manche a peça (MIDGLEY, 1982; RAMOS, 2011). Sua secagem é bastante rápida, cerca de 15 a 20 minutos. Para deixar mais rápido o processo de secagem, adicione sal, “10 gramas para um litro de água”, ou acrescente água quente (MIDGLEY, 1982, p. 144). Após pronto, podem ser traçadas as linhas que guiarão a escultura, e a cada etapa, ela pode ser retraçada (MIDGLEY, 1982; WITTKOWER, 2002). Quando não se utiliza cola na mistura, as partes trabalhadas no bloco devem ser mantidas úmidas, “porque isto ajuda a absorver o impacto, evitando as fra- turas que podem ser produzidas”, pois quando está completamente seca, é muito fácil produzir lascas em esculturas por subtração (MIDGLEY, 1982, p. 147). Alguns instrumentos de modelação podem ser utilizados para desbastar, quando o gesso não está completamente seco; também podem ser utiliza- das ferramentas para talhar madeira (MIDGLEY, 1982). Durante o entalhe e o acabamento com lixas, utilize máscaras de proteção. Caso não possa trabalhar com o gesso, você pode adaptar o exercício de talha, para que os alunos percebam o processo de subtração em outros materiais, como o sabonete ou a parafina (instrumentos como faquinhas ou utensílios utilizados para fazer a unha são suficientes). Ambos os materiais podem ser reaproveitados depois, mesmo as sobras (as lascas). Eles podem ser derretidos e enformados novamente. No caso do sabonete, pode ser ainda mais moído e diluído com água para que se torne líquido e possa ser usado pelos alunos. No entanto, ambos são materiais que partem facilmen- te, dependendo do golpe utilizado. Atenção: não utilize sabão caseiro, o alto grau de soda caustica em sua composição pode queimar a pele com o tempo de exposição prolongado. Atualmente a técnica de talha é utilizada tanto em materiais convencionais na história da escultura,como o mármore e a madeira, mas também em suportes, como grafites de lápis e papéis. Saiba mais no vídeo Camaro- te.21 - Esculturas milimé- tricas na ponta do lápis, do canal DW Brasil. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=KYMkjmV52N0 . Acesso em: 17 dez. 2021. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=KYMkjmV52N0 https://www.youtube.com/watch?v=KYMkjmV52N0 https://www.youtube.com/watch?v=KYMkjmV52N0 62 Artes visuais – Escultura CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, aprendemos as principais características da escultu- ra do Egito, da Grécia e da Roma Antiga. No Egito, a arte mantinha es- treita relação com a religião, o que ajudou na consolidação de seu estilo por meio de padrões rígidos. Na Grécia e na Roma, que bebeu muito da cultura grega, essa ligação era feita de maneira mais livre, possibilitando explorações de técnicas e formas, que buscavam a valorização da figu- ra humana, cada período a seu modo. Os valores artísticos presentes na arte greco-romana são retomados por diferentes períodos, entre eles o Renascimento, o Barroco e o Neoclassicismo. A escultura em pedra, técnica comum aos três períodos, envolve uma série de etapas que dificultam o acesso a ela: desde a sua retirada das pedreiras, passando pelo transporte até a chegada do ateliê e a confecção da obra em si. O gesso aparece, então, como forma de praticar o talhe em sala de aula, fazendo com que percebamos como ele e as ferramentas se com- portam durante o processo de subtração, cada forma de batida, ângulo e força gera um resultado diferente. No entanto, o gesso é um material bastante versátil, não se limitando a essa aplicação. ATIVIDADES Atividade 1 Explique o que consiste a lei da frontalidade na arte egípcia. Atividade 2 O que são os kouroi e as korai, e quais são suas principais características? Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 63 Atividade 3 Para que serviam os relevos históricos da arte romana? REFERÊNCIAS BAUMGART, F. Breve história da arte. Trad. de Marcos Holler. São Paulo: Martins Fontes, 1994. DAVIS, E. O ideal clássico. In: KEMPER, R. H. et al. Escultura. Trad. de Maria da Graça Lopes Santinho. Lisboa, São Paulo: Editorial Verbo, 1978. GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2012. MANN, V. Para maior glória de reis e faraós. In: KEMPER, R. H. et al. Escultura. Trad. de Maria da Graça Lopes Santinho. Lisboa, São Paulo: Editorial Verbo, 1978. MEDEIROS, A. C. O ideal de beleza na escultura grega: reflexões sobre as acepções formais construídas pela sociedade grega. 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A fundição em metal, técnica amplamente utilizada – ao lado do ta- lhe em pedra – na Antiguidade Clássica e retomada pelos artistas renas- centistas e barrocos, é demonstrada por meio de seus múltiplos passos. Abordaremos maneiras de adaptar o processo – ao menos parte dele – para se trabalhar em sala de aula. 3.1 Renascimento italiano Vídeo Para compreender a arte no Renascimento, apoiamo-nos nos tex- tos de Fritz Baumgart (1994), Ernst Gombrich (2012) e José d’Assunção Barros (2008). Para aspectos pontuais de artistas, também foi utilizado Giorgio Vasari (2020). O Renascimento surgiu na Itália ao final do século XIV, perdurando até meados do XVII, sendo o século XVI considerado o seu ápice. No entanto, muitas pesquisas apontam o ano de 1401 como seu marco inicial. A esco- lha da data advém do concurso público para a confecção das portas do Batistério de Florença, promovida pela Guilda dos Mercadores de Lã. A prova teria duração de um ano e consistia na elaboração de um relevo em bronze com o tema sacrifício de Isaac. Seu ganhador foi Lorenzo (di Cione) Ghiberti – também conhecido como Bartoluccio (1378-1455, Florença) –, o qual havia conseguido fundir seu trabalho em uma única peça (Figura 1). Provavelmente tal feito se deva a sua forma- ção em ourivesaria, sendo considerado um mestre no processo de fun- dição. Segundo depoimento do próprio Ghiberti, os outros concorrentes eram: Filippo Brunelleschi, Simone da Colle, Niccolò d’Arezzo, Jacopo della Quercia, Francesco di Valdambrino, Nicolò Lamberti. Conhecer a histó- ria da escultura no Renascimento italiano, seus principais artistas e suas características. Objetivo de aprendizagem Escultura no Renascimento e Barroco 65 O artista conclui a primeira porta em 1424. Agradou tanto que foi convidado para fazer mais uma porta do mesmo edifício, As portas ou portões do Paraíso (Figura 2), as quais são formadas por dez painéis com cenas bíblicas do Antigo Testamento, divididas em: Adão e Eva; Caim e Abel; Noé; Abraão; Isaac, Esaú e Jacó; Joseph; Moisés; Joshua; David; Salomão e a Rainha de Sabá. Em uma das laterais, que emoldu- ram as imagens principais, o artista chegou a fazer um autorretrato (Figura 3). Figura 1 Sacrifício de Isaac Lo re nz o Gh ib er ti/ W iki m ed ia C om m on s Fonte: GHIBERTI, L. Sacrifício de Isaac. 1401. Bronze. Batistério de Florença. Figura 3 Autorretrato de Lorenzo Ghiberti Ri ch ar df ab i/W iki m ed ia C om m on s Fonte: GHIBERTI, L. Autorretrato Portas ou Portões do Paraíso. 1425-1452. Bronze. Museu de Arte e Escultura do Duomo, Florença. Figura 2 Portões do Paraíso Sa ilk o/ W iki m ed ia C om m on s Fonte: GHIBERTI, L. Portas ou Portões do Paraíso. 1425-1452. Bronze. Museu de Arte e Escultura do Duomo, Florença. As portas originais estão em um museu para sua melhor conservação. As que estão no Batistério são réplicas. Seu trabalho ainda mantinha influência do Gótico Tardio 1 Estilo marcado pelas esculturas voltadas à arquitetura das igrejas, assimilando a sua verti- calidade nas suas formasalongadas e em blocos únicos. Como o corpo hu- mano aparecia como uma figura devocional, os ar- tistas apagavam qualquer aspecto que apontasse para a sexualidade. 1, mas também trazia algumas inovações, como: o tratamento dado às figuras e ao cenário com o uso da perspectiva linear e a valorização de elemen- tos da cultura greco-romana. De fato, o termo Renascimento está intimamente relacionado à reto- mada de padrões artísticos da Antiguidade Clássica, da valorização da própria história e de seus saberes: “a ideia de um renascimento asso- ciava-se, na mente dos romanos, à ideia de uma ressurreição da ‘gran- deza de Roma’” (GOMBRICH, 2012, p. 223). Vale lembrar que a Itália foi o berço dessa antiga civilização, a qual teve uma profunda ligação com a cultura grega, com obras de ambas encontradas na vida pública de muitas de suas cidades. 66 Artes visuais – Escultura Foi especialmente em Florença – impulsionada por artistas como Brunelleschi, Donatello e Masaccio – que floresceu a nova concepção de se pensar a arte, em suas mais diversas manifestações, passando pela pintura, escultura, arquitetura e literatura. Era o contexto de desenvolvimento das cidades, do mercado com a intensificação de atividades comerciais, das trocas culturais e da organização dos artistas em corporações, as guildas, o que gerou a fragmentação em “escolas” (especificidades de estilo de cada cidade, formadas, em grande medida, pelo ensinamento de seus mestres, ou seja, dos seus principais artistas). O próprio Lorenzo Ghiberti fez parte de três corporações, sendo elas: a dos Ourives, a da Companhia dos Pintores e a dos Escultores. Nelas, os alunos começavam com tarefas muito simples, e somente com tempo e dedicação podiam treinar técnicas mais avançadas, até que chegassem a ser eles mesmos mestres. O conceito de autoria era impulsionado pelo reconhecimento dos estilos pessoais, ao passo que a individualidade de cada artista era reforçada por meio das assinaturas. Todos esses aspectos geravam certas rivalidades entre as cidades, incentivando a produção de artes e a tentativa de se obter os traba- lhos dos artistas mais disputados do momento. Os patronos também disputavam pelos serviços artísticos, muitas vezes para a elaboração de obras doadas para igrejas, para a demonstração de seu poder e a busca por prestígio. Quanto mais populares eram os artistas, mais liberdade tinham para a escolha da encomenda e da parte criativa, mas isso não quer dizer que não atendiam a determinadas escolhas de seus incentivadores. Os mecenas tiveram papel importante para que os artistas con- seguissem alcançar o seu desejo de adquirir um novo status social – distanciando-se daquele dado aos trabalhos manuais e árduos –, mostrando a via de mão dupla na relação entre ambos. Para isso, ela- boraram a concepção de que a arte era antes uma questão mental/ intelectual, junto à construção do dom artístico e da genialidade. Uma das famílias que mais contribuiu para o mecenato foi a dos Médicis 2 Família formada por ban- queiros e comerciantes que utilizavam seu dinhei- ro e prestígio para atuar politicamente em várias frentes, entre elas a reli- giosa. Além de patrocinar artistas e seus trabalhos, também colecionavam obras artísticas. 2 . Escultura no Renascimento e Barroco 67 Leonardo da Vinci, que acreditava que a pintura seria superior à escul- tura, teria dito que “a arte é coisa mental”. Com isso, o artista humanista afirmava que ela era uma atividade feita não apenas de modo manual: era necessário um processo de reflexão sobre ela, assim como para compreendê-la. Para saber mais sobre esse aspecto, leia o artigo Arte é coisa mental: reflexões sobre o pensamento de Leonardo da Vinci sobre a arte, de José D’Assunção Barros, publicado na Revista Poiésis. Acesso em: 12 jan. 2022. http://www.poiesis.uff.br/PDF/poiesis11/Poiesis_11_artecoisamental.pdf Artigo Desse modo, os métodos de transferência de um modelo elaborado por modelagem para a obra final em outro material – que necessitasse de trabalho mais pesado, geralmente feito por terceiros –, eram uma maneira de adequação do pensamento do trabalho mental à concep- ção de arte no período. O Renascimento mescla elementos da arte, da filosofia e da política da Antiguidade, com a experimentação artística aliada ao espírito racio- nalista, cientificista e humanista do momento. Esses aspectos se asso- ciam entre si e a outros derivados deles: individualismo, secularismo e naturalismo científico. Há, assim, a valorização do homem como ponto central para o pen- samento, contrapondo-se ao aspecto divino e/ou sobrenatural. Com isso, o corpo humano, principalmente o nu, ganha cada vez mais espaço. O interesse pela nudez reassume um aspecto positivo, motivado, em parte, pela retomada do uso de modelos vivos, culminando na dis- secação de cadáveres para estudos de anatomia. Os artistas se con- centraram também na observação de como o corpo se modificava de acordo com a postura, o movimento e o repouso, o que foi refletido em obras que demonstravam o conhecimento do funcionamento dos mús- culos, como o célebre caso da estátua de Moisés, em que um músculo do braço, extensor do dedo mínimo, só é visível quando se estende o dedo (Figura 4). Desse modo, a beleza renascentista era associada ao mesmo tempo ao naturalismo e à idealização. http://www.poiesis.uff.br/PDF/poiesis11/Poiesis_11_artecoisamental.pdf 68 Artes visuais – Escultura Figura 4 Moisés de Michelangelo Jö rg B itt ne r U nn a/ W iki m ed ia C om m on s A B Fonte: MICHELANGELO. Moisés, Tumba para Júlio II. 1505-1545. Mármore. Basílica de São Pedro Acorrentado, Roma. Na imagem A temos a obra Moisés na íntegra. Já na imagem B podemos ver os detalhes da obra. Os estudos matemáticos estavam presentes na busca por harmonia, controle, organização e proporção (tanto do corpo humano quanto do espaço), ocasionando a invenção, por Filippo Brunelleschi (1377-1446, Florença), da perspectiva – regra matemática que gera a noção de tri- dimensionalidade por meio de linhas que convergem para um mesmo ponto de fuga e a diminuição proporcional das figuras à medida que se afastam do olhar –, tão característica do período, a qual revolucionou o modo de fazer e compreender a produção artística a partir de então, do- minando a nossa forma da construção do olhar e influenciando lingua- gens que só surgiriam séculos depois, como a fotografia e o cinema. Outras características do período são: simplicidade; moderação; leveza; equilíbrio; ordem; composições simétricas; estudos da natu- reza, que, entre outras coisas, são demonstrados no tratamento na- turalista dado às peles, nos detalhes da fauna e da flora, numa visão cientificista sobre elas; humanização das figuras mesmo em temas religiosos; esculturas não mais atreladas obrigatoriamente ao espa- ço arquitetônico, como no caso das góticas; emoções contidas das personagens; tranquilidade; sobriedade; mitologia greco-romana re- tomada como um tema comum; obras da antiguidade vistas como referências, mas não como cópias. Escultura no Renascimento e Barroco 69 Os materiais utilizados para a confecção de esculturas eram diver- sos, por exemplo, mármore, bronze, madeira, gesso, cera, cerâmica es- maltada (como nas obras de Andrea della Robbia (Figura 5) e marfim. É interessante observar que os artistas do período passaram a valorizar o mármore por ele mesmo, não os pintando, como antes era feito nas obras greco-romanas. Figura 5 Cerâmica esmaltada e vitrificada M at ta na /W iki m ed ia C om m on s Fonte: ROBBIA, A. Batismo de Jesus. 1485. Cerâmica esmaltada e vitrificada. Santa Fiora, província de Grosseto, Toscana. Vejamos agora a comparação do tratamento dado ao mesmo tema por três escultores diferentes: Donatello, Andrea de Verrocchio e Michelangelo. Todos eles buscam representar a história de David contra o gigante Golias. Figura 6 David de Donatello Pa tri ck A . R od ge rs /W ikim ed ia C om m on s Fonte: DONATELLO. David. ca. 1432-1440. Bronze. 158 cm. Museu Nacional do Bargello, Florença. Cabeça de Golias sob os pés de David, após este ter vencido a luta. Figura 7 David de Andrea del Verrocchio M ig ue l H er m os o Cu es ta /W iki m ed ia C om m on s Fonte: VERROCCHIO, A. David. ca. 1476. Bronze com douramento. 126 cm. Bargello, Florença. Figura 8 David de Michelangelo Ri co H ei l/W iki m ed ia C om m on s Fonte: MICHELANGELO. David. 1501-1504. Mármore. 517 cm. Museu da Academia, Florença. 70 Artes visuais – Escultura Donatello (Donato di Niccolè di Betto Bardi – 1386-1466, Florença), que havia sido ajudante de Ghiberti, foi o responsável pelo primeiro nu em tamanho natural desde a Antiguidade, ao confeccionar David, em 1430. A estátua foi, provavelmente, encomenda pelos Médicis. O artista apresenta um David (Figura 6) bastante jovem, de cabelos médios e enrolados, magro e com poucos músculos, o que nos dá a sensação de agilidade. Seu olhar é voltado para baixo, como se estives- se distante dali. Em uma das mãos segura uma pedra, e na outra des- cansa uma espada, que direciona o nosso olhar até os seus pés, onde está situada, a cabeça de Golias, que é pisada. Já o David de Andrea Verrocchio (Figura 7) parece um pouco mais velho, mas ainda assim um adolescente. Como o anterior, também é ágil e franzino. Sua fisionomia – um leve sorriso, olhos voltados para a frente – e a forma como se posiciona – tronco aberto, com a espada ainda em punho – conferem-lhe altivez – parece estar satisfeito com sua façanha. A cabeça de Golias, posicionada entre as pernas do jovem, é mostrada claramente. Diferentemente das outras duas estátuas, está vestida. Ela havia sido encomendada pelos Médicis. Verrocchio (Andrea di Michele de’ Cioni – 1435-1488, Florença), que havia sido mestre de Leonardo da Vinci, foi também pintor e ourives. Tanto ele quanto Donatello ficaram conhecidos pelos monumentos equestres em bronze, que serviram como modelos para outros artis- tas. O primeiro ficou conhecido pela estátua de Colleoni; o segundo, pela de Gattamelata. A última das três estátuas de David (Figura 8) é de Michelangelo (Mi- chelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni – 1475, Caprese-1564, Roma). O artista faz parte da Alta Renascença ou cinquecento italiano, que vai do final século XV até as primeiras décadas do século XVI, momento em que há a mudança de Florença como centro cultural mais importante para Roma, bem como as características do período já consolidadas, entre elas: o individualismo e o formalismo. Como os demais, Miche- langelo foi financiado pelos Médicis em Florença, e já era reconhecido e popular aos trinta anos de idade. Apesar de ter sido aluno do mestre Domenico Ghirlandaio (1449-1494), suas principais referências eram os renascentistas Giotto, Masaccio e Donatello e os “escultores gregos e romanos cujas obras pôde ver na coleção dos Medici” (GOMBRICH, 2012, p. 304). Escultura no Renascimento e Barroco 71 Michelangelo elaborou a escultura de David em uma obra iniciada décadas antes, mas que havia sido abandonada pelo primeiro escultor. A imagem criada pelo artista possui várias diferenças com as figuras anteriores, a começar pelo material em mármore e por sua altura mo- numental, de mais de quatro metros. Além disso, ele escolheu repre- sentar o futuro rei como um adulto jovem e forte, antes da luta, numa espécie de “suspensão” momentânea da ação. O personagem observa o cenário com atenção, o que é demonstrado pelo cenho franzido e a força do olhar. É como se ele estivesse calculando o que faria. Em comum, todas as estátuas estão em contraposto (com o peso apoiado em uma das pernas, enquanto há o relaxamento da outra) e nos dão a sensação de que não participamos da cena, somente a observamos. Figura 9 Pietà St an is la v T ra yk ov /W iki m ed ia C om m on s Fonte: Michelangelo. Pietà. 1498–99. Mármore. 174 x 195 x 69 cm. Basílica de São Pedro, Roma. 72 Artes visuais – Escultura A obra Pietà (Figura 9), de Michelangelo, encomendada por um car- deal francês, apresenta Jesus morto no colo de Maria. A mãe parece grande perante o seu filho, que está quase completamente despido, enfatizando o aspecto de sua vulnerabilidade. Mesmo com um tema triste, Maria aparece com suas emoções contidas. O artista criou uma composição piramidal, que confere maior harmo- nia e simetria, em que a cabeça da virgem aparece como o ponto central. Essa imagem sintetiza os valores e as características discutidas durante o Renascimento, como a simetria promovida pela composição triangular, a simplicidade e o comedimento das emoções. Quando comparada a estilos posteriores, essas características ficam ainda mais evidentes. O Maneirismo (1520-1590) se situa como o estilo de transição entre a arte renascentista e a barroca, sendo considerado, muitas vezes, um desdobramento da primeira. É caracterizado pelo estilo exacerbado e, de certo modo, de imitação do Alto Renascimento. O escultor e ourives Benvenuto Cellini (1500-1571, Florença) foi um dos seus representantes. Figura 10 Benvenuto Cellini Je rz y S trz el ec ki (1 99 4) / W iki m ed ia C om m on s Fonte: CELLINI, B. Saleiro. 1540-1543. Ouro cinzelado, esmalte sobre base de ébano. 26 x 33,5 cm. Coleção de Escultura e Artes Decorativas, Museu de História da Arte, Viena. Na Figura 10 vemos o saleiro feito por ele para Francisco I – os perso- nagens em maiores dimensões são a Terra e o Mar. Segundo Gombrich (2012, p. 364), as posições das pernas dos personagens Terra e Mar são uma metáfora para falar sobre a “interpenetração” entre eles. O filme Michelangelo – Infinito mescla elementos documentais e dramáticos para apresentar a vida do artista Michelangelo Buonarroti, tanto pelo próprio personagem como por seu amigo Giorgio Vasari. O filme narra a trajetória de Michelangelo no mundo da arte desde sua infância, passando pelo seu desenvolvimento e amadurecimento e trazen- do as suas principais obras em escultura e pintura, bem como suas principais características. Direção: Emanuele Imbucci. Itália: Sky Itália; Magnitudo, 2018. Filme Escultura no Renascimento e Barroco 73 Esse exemplo apresenta algumas das características do estilo, como: ideais de beleza pautados em corpos magros e longilíneos; leveza; pos- turas complicadas; busca pelo novo e por invenções; demonstração de virtuosismo; composições de harmonia menos simétricas; elegância, sofisticação e luxo; emoções mais enfatizadas. Ainda que se voltasse à temática da mitologia greco-romana, distanciava-se dela nas formas das composições das figuras. Alguns desses aspectos são ainda mais intensificados no período posterior. 3.2 Barroco italiano Vídeo Abordaremos agora as esculturas do Barroco da Itália, local de ori- gem do estilo, que surgiu no final do século XVI e logo se difundiu em vários países, inclusive no Brasil, adquirindo características próprias. Nesta seção, pautamo-nos nas obras de Fritz Baumgart (1994), Ernst Gombrich (2012), Graça Proença (2005), Eleanor Pearson (1978) e Madeleine e Rowland Mainstone (1984) para refletir sobre o tema. O contexto é marcado pelo desenvolvimento dos estados nacionais, dos governos absolutistas e da Contrarreforma, que, entre outras coi- sas, criou as companhias religiosas, como a jesuítica. O fator religioso foi essencial para a criação e consolidação do Bar- raco. A Igreja Católica compreendia a arte e a arquitetura como im- portantes mecanismos para divulgar seus valores, conquistar fiéis por meio do arrebatamento, catequizar e afirmar seu poder perante ou- tras religiões. Desse modo, a Igreja continuou como uma das principais patrocinadoras da produção artística – muitas vezes, mesmo as enco- mendas particulares eram feitas por homens do clero –, transforman- do Roma, sede do catolicismo e do papado, na principal cidade e centro cultural e artístico do período. Madeleine e RowlandMainstone (1984, p. 75) afirmam que “a Igre- ja Católica – que era responsável por quase toda construção de novas igrejas – queria proclamar o triunfo da fé católica”. Por isso vemos tan- tas igrejas de tamanho monumental e ostentatórias – elas eram feitas para impressionar, como é o caso da Basílica de São Pedro. Essa lógica foi apropriada por outras religiões e é utilizada ainda hoje para a cons- trução de templos e igrejas. Conhecer a história da escultura no Barroco italiano de Bernini e suas principais características. Objetivo de aprendizagem 74 Artes visuais – Escultura Em Roma os artistas mantinham cotidianamente o contato direto com obras da Antiguidade Clássica e do Renascimento, as quais ser- viam como referências, embora muitos de seus valores fossem suplan- tados por novos interesses artísticos, que caracterizam o estilo Barroco. Inclusive, o termo que dá origem ao estilo foi dado posteriormente pelos seus críticos e era usado de maneira pejorativa, por não apresen- tar os mesmos padrões estéticos das normas da Antiguidade Clássica. O Barroco é associado a uma série de qualidades que contrastam com aquelas encontradas no Renascimento, entre elas estão: uma maior dramaticidade, sendo que as emoções são exploradas de manei- ra intensa nas fisionomias e nos gestos, apelando para o sentimenta- lismo e o devocional; a ostentação por meio do requinte e/ou exagero, culminando muitas vezes no rebuscamento; formas curvas e sinuosas, como as espirais; o dualismo; fortes contrastes. A busca pelo equilíbrio e por composições mais complexas, valorizando a diagonal, a assime- tria e os jogos acentuados de luz e sombra, junto ao movimento dos personagens, conferem maior dinamicidade às cenas. Esses aspectos colaboram para a percepção de uma teatralização. O baldaquino (Figura 11) encomendado a Bernini pelo papa Urbano VIII (Maffeo Barberini) para a decoração do altar da Igreja de São Pedro traz muitas dessas características. Na Figura 11 vemos como as colunas decoradas em formas espirais e o teto decorado servem como moldura para o altar. Observamos o forte contraste entre claro e escuro, promovido pela luz natural e pelo próprio bronze. Nela há ainda outro aspecto que caracterizou o Barroco italiano: a aproximação entre as diferentes linguagens artísticas – pintu- ra, escultura e arquitetura. Estudos das esculturas em outros materiais serviam para teste de luz e sombra, do jogo cênico, para a realização das obras finais, possibilitando a observação de como elas se relacionariam com o espaço que ocupariam e entre si (quando se tratava de grupos). Gian Lorenzo Bernini (1598, Nápoles-1680, Roma) foi um dos princi- pais escultores do Barroco italiano – além disso, foi arquiteto, urbanista, pintor, cenógrafo e dramaturgo. Filho de um escultor, pôde aprender a profissão desde cedo. Para a sua formação, também estudou obras da Antiguidade Clássica. Bernini realizou inúmeras obras para a Igreja e para nobres. Para atender a toda essa demanda, também trabalhou com ajudantes. De Figura 11 Baldaquino da Igreja de São Pedro Ri ca rd o An dr é Fr an tz /W iki m ed ia C om m on s Fonte: BERNINI, G. L. Baldaquino. 1624-1633. Bronze. 29 m. Igreja de São Pedro, Vaticano. Escultura no Renascimento e Barroco 75 acordo com Madeleine e Rowland Mainstone (1984, p. 13), “ele fornecia as ideias, desenvolvidas em esboços, pequenos modelos em barro e modelos maiores em gesso. Os ajudantes encarregavam-se então da maior parte do trabalho de esculpir o mármore. As primeiras obras, como o Davi, foram, porém, exclusivamente suas”. Comparemos seu David (Figura 12) com as estátuas vistas ante- riormente (Figuras 6 a 8): a de Bernini traz muito mais a sensação de movimento – parece que a figura vai arremessar a pedra a qualquer mo- mento. Esse efeito é conseguido por meio da contorção do corpo do jo- vem – que causa uma série de linhas curvas e ágeis –, da posição do seu pé esquerdo – quase se desprendendo do chão – e da própria expressão de seu rosto – testa franzida, lábios pressionados para dentro. Enquanto nas outras esculturas parecemos ser um simples observador, na de Ber- nini temos a sensação de que somos participantes da cena e de que nós mesmos podemos receber o golpe. Figura 12 David de Bernini Jk 16 77 /W iki m ed ia C om m on s Fonte: BERNINI, G. L. David. 1623-1624. Mármore. 170 cm. Villa Borghese, Roma. A sua obra mais conhecida é O êxtase de Santa Teresa (Figura 13), rea- lizada para a Capela Cornaro. Nela o artista traz a cena da experiência mística da reformadora da Ordem das Carmelitas, posteriormente ca- nonizada, narrada por ela mesma: um anjo flechou seu coração várias vezes com uma flecha em chamas, enchendo-o de dor e amor divino. Explore mais esculturas de Gian Bernini no site Google Arts & Culture. Nele, você também pode acessar obras de muitos outros artistas e períodos. • Para o acessar o traba- lho de Bernini acesse o link a seguir. Disponível em: https://artsandcul- ture.google.com/entity/m039x- t?hl=pt. Acesso em: 18 jan. 2022. • Para outros artistas, basta digitar o nome que procura no link a seguir. Disponível em: https://artsandcul- ture.google.com/. Acesso em: 18 jan. 2022. Saiba mais https://artsandculture.google.com/entity/m039xt?hl=pt https://artsandculture.google.com/entity/m039xt?hl=pt https://artsandculture.google.com/entity/m039xt?hl=pt https://artsandculture.google.com/ https://artsandculture.google.com/ 76 Artes visuais – Escultura O conjunto escultórico em mármore – banhado por raios dourados, que simbolizam, provavelmente, a presen- ça do Espírito Santo – apresenta a santa deitada em uma nuvem, enfatizando mais uma vez a experiência divina, enquanto o anjo está a ponto de dar mais uma flechada. A narrativa exprime a representação do amor espiritual e de uma experiência mística. A criação de toda a cena foi pensada em relação ao local em que ficaria na capela, com a arquitetura e elementos decorativos: ela emoldura a escultura com o nicho em que foi instaurada e é iluminada pela claraboia escondida no alto. Essas características fazem com que a vista privilegia- da sobre ela seja a frente, ainda que todos os lados sejam interessantes. Bernini também realizou o busto para Luís XIV, rei da França, em 1665. Bernini teria feito três bustos do rei, si- multaneamente, para ver qual lhe daria o melhor resultado. Figura 14 Luís XIV Lo ui s le G ra nd /W iki m ed ia C om m on s Fonte: BERNINI, G. L. Luís XIV. 1665. Mármore. 105 x 99 x 46 cm. Salão de Diane, apartamento do rei, Palácio de Versalhes. Vemos por meio das obras de Bernini que o Barroco é marcado pelo movimento, pelo ritmo e, em alguns casos, também pela leveza, sendo associado ora ao poder da Igreja, ora ao poder estatal. Mesmo em ima- gens mais solenes, como a de Luís XIV, percebemos que o Barroco tam- bém apresenta dramaticidade, por meio do movimento do panejamento. Be nj am ín N úñ ez G on zá le z/ W iki m ed ia C om m on s Figura 13 O êxtase de Santa Teresa Fonte: BERNINI, G. L. O êxtase de Santa Teresa. 1645-1652. Mármore. 350 cm. Capela Cornaro, Igreja Santa Maria della Vittoria, Roma. Bernini também produziu várias obras com a temática da mitologia greco-romana. Saiba mais Escultura no Renascimento e Barroco 77 3.3 O Barroco no Brasil Vídeo Para esta seção, utilizamos os textos de P. M. Bardi (1989), Myriam Oliveira (1995, 2006), Edwilson Andrade (2020), Maria Flexor (2005, 2008) e Renata Homem (2014) para pensar sobre o Barroco no Brasil. No Brasil, o Barroco se desenvolveu no século XVII, conhecido como Tardo-Barroco (fase final do período) (OLIVEIRA, 1995, p. 58), adquirin- do características próprias, entre elas apropriações de elementos do Rococó. No geral, o Barroco brasileiro é caracterizado, assim como o italiano, por sua ligação com a igreja, curvas, ornamentos sinuosos, dinamismo composição, dramaticidade, ostentação, difusão e valorizaçãodo cato- licismo. Do Rococó francês, toma referências para a ornamentação em conchas, fundos claros das pinturas presentes nos interiores da igreja e, em Minas Gerais, nas decorações das fachadas, como algumas feitas por Aleijadinho. Além disso, existem diferenças regionais pautadas no seu enrique- cimento econômico: as regiões mais ricas, como algumas cidades do Nordeste (entre elas a então capital Salvador), Minas Gerais e poste- riormente Rio de Janeiro – em consequência da exploração do trabalho escravo na produção de açúcar e na extração de minério –, possuíam obras de talha em madeira revestida por folhas de ouro, conhecida como talha dourada, e esculturas ornamentais em pedra no exterior, além de artistas mais (re)conhecidos, enquanto as regiões menos de- senvolvidas economicamente possuíam obras mais simples e de me- nor ostentação. Muitas delas não tinham autoria identificada individualmente, ainda que pelo estilo seja possível saber a sua região ou mesmo a oficina da qual partiam. Isso se deve em parte pelo fato de o trabalho ser feito usualmente de maneira coletiva por meio das oficinas, com os mestres encarregados pelas obras principais e pelo reconhecimento, enquanto os ajudantes faziam os segmentos considerados menos valorizados e importantes. Essa função era desempenhada, frequentemente, por es- cravizados que traziam habilidades relacionadas ao manejo da madeira e do ferro. Assim, desde muito cedo na nossa história da arte, contamos com a contribuição afro-brasileira para a construção artística nacional. Compreender o Barroco no Brasil, suas aproxima- ções e diferenças com o Barroco italiano e seus principais representantes. Objetivo de aprendizagem O Rococó é um estilo artístico desenvolvido na França durante o século XVIII. Caracteriza-se por ornamentação em formas de conchas, cores e formas mais leves e vivas, temática voltada ao prazer aristocrático e da burguesia abastada. Saiba mais No vídeo Em Veneza, o último batedor de ouro ainda dá suas marreta- das, do canal Metrópoles, é possível saber mais sobre a produção de folhas de ouro. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=3xYrD9mD04Q&ab_ channel=Metr%C3%B3poles. Acesso em: 19 jan. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=3xYrD9mD04Q&ab_channel=Metr%C3%B3poles https://www.youtube.com/watch?v=3xYrD9mD04Q&ab_channel=Metr%C3%B3poles https://www.youtube.com/watch?v=3xYrD9mD04Q&ab_channel=Metr%C3%B3poles https://www.youtube.com/watch?v=3xYrD9mD04Q&ab_channel=Metr%C3%B3poles 78 Artes visuais – Escultura As esculturas eram produzidas em diferentes ma- teriais: pedras (sendo a mais utilizada a pedra-sabão), metais e cerâmica e madeira em cores naturais ou po- licromadas. A talha policromada em madeira era reco- berta com uma fina camada de gesso e depois pintada. Eram produzidos diversos tipos de imagens sacras, como os ex-votos e os populares santos de roca ou de vestir (Figura 15): como são vestidos com tecidos, seus corpos possuem formas simplificadas, com exce- ção das extremidades (cabeça, mãos e pés), sendo que muitos têm membros articulados, o que possibilita as- sumir diferentes posturas. Eram comumente utilizados em procissões. Essas imagens eram frequentemente associadas a intercessoras entre a terra e o divino, o que fez com que se popularizassem cada vez mais. Com o desenvolvimento de Minas Gerais, motivado pela descoberta de ouro, a capital do Brasil se mudou para o Rio de Janeiro em 1763, pois seu porto servia como local de escoamento para o minério. Esse enrique- cimento, assim como a complexa formação da sociedade brasileira – os dois artistas mais renomados do período, Aleijadinho e Mestre Valentim, eram filhos de pais portu- gueses com mães africanas posteriormente alforriadas –, refletiu na produção artística de ambas as cidades. Pa ul R . B ur le y/ W iki m ed ia C om m on s Figura 15 Santos de roca Conjunto de imagens de roca feitas em madeira. Centro Cultural Palácio da Sé, Salvador. Antônio Francisco Lisboa, popularizado como Aleijadinho (ca. 1730/1739-1814, Vila Rica/Ouro Preto-MG), tornou-se o nome mais co- nhecido do Barroco brasileiro. Foi escultor, arquiteto e decorador. Aprendeu boa parte de sua profissão com o pai, que era arquiteto e mestre de obras. Em cerca de 1777, começou a apresentar sintomas de uma doença degenerativa, o que fez com que seus pés e mãos ficas- sem atrofiados. Em Congonhas, o artista elaborou uma série de obras cênicas para a igreja de Bom Jesus do Matosinhos: doze profetas (Figuras 16 e 17) e sessenta e seis esculturas para os Passos da Paixão de Cristo, obras que foram acompanhadas de perto pelos padres. De acordo com Oliveira (2006, p. 58-59), “Congonhas seria, com efeito, a última obra importan- te na carreira do Aleijadinho, cuja atividade nos dez anos que prece- Na reportagem Barroco mineiro e Aleijadinho – Expedições, da TV Brasil, historiadores comentam as principais característi- cas do Barroco mineiro e da obra de Aleijadinho. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=AxZsqSVhX0c. Acesso em: 19 jan. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=AxZsqSVhX0c https://www.youtube.com/watch?v=AxZsqSVhX0c https://www.youtube.com/watch?v=AxZsqSVhX0c Escultura no Renascimento e Barroco 79 deram sua morte, em 1814, reduziu-se praticamente à supervisão do trabalho de seus discípulos”. A igreja havia sido construída em 1757 em cumprimento de promessa realizada por Feliciano Mendes, após ter se curado, sendo até hoje um lugar que recebe ex-votos. Figura 16 Átrio com as doze estátuas dos profetas Pe dr o Ca rri lh o/ Sh ut te rs to ck Fonte: ALEIJADINHO. Doze profetas. ca. 1794-1805. Pedra-sabão. Átrio, Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, Minas Gerais. Figura 17 Vista parcial do átrio Pe dr o Ca rri lh o/ Sh ut te rs to ck Fonte: ALEIJADINHO. Doze profetas. ca. 1794-1805. Pedra-sabão. Átrio, Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, Minas Gerais. 80 Artes visuais – Escultura Aleijadinho criou, com o auxílio de oficiais (artistas ajudantes), doze dos profetas do Antigo Testamento: Isaías, Jeremias, Baruque, Ezequiel, Daniel, Oseias, Jonas, Joel, Abdias, Habacuque, Amós, Naum. Todos es- tão vestidos “à moda turca”, representação comum dos profetas na arte europeia cristã desde o século XVI. A visão que temos dos profetas, esculpidos em pedra-sabão, foi pensada pelo artista para ser vista em conjunto. Cada personagem é colocado em relação ao outro, em uma espécie de coreografia. Já as esculturas de os Passos da Paixão de Cristo ficam em um con- junto de seis capelas, na ladeira que dá para a igreja. Originalmente seriam construídas sete, mas uma nunca foi construída. A criação para a construção das capelas e dos conjuntos escultóricos teve influência portuguesa, mais especificamente do Santuário do Bom Jesus do Monte. Era uma forma para que os fiéis tivessem mais pro- ximidade com a história bíblica dos últimos passos de Jesus: as sete estações da Via Crucis. Figura 18 Cristo carregando a cruz Ri ca rd o An dr é Fr an tz /W iki m ed ia C om m on s Fonte: ALEIJADINHO. Passos da Paixão de Cristo. 1796-1799. Cedro policromado. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, Minas Gerais. As obras são em talha de madeira, com olhos de vidro. A policromia era realizada apenas quando as capelas estavam prontas (o que levou décadas), sendo feita por outros artistas, entre eles Manuel da Costa Ataíde. A pintura não foi a única participação de terceiros – Aleijadinho também contou com seus oficiais nessa empreitada. Escultura no Renascimento e Barroco 81 Os “passos” seguem no sentido da primeira capela antes de chegar à igreja e assim sucessivamente: a cena da ceia, quando Jesus afirma que será traído; o horto – a agonia no jardim das oliveiras; a prisão, quando Jesus é traído por Judas e é preso; a flagelação e a coroação de espinhos, situadas na mesma capela; a cruz às costas; e porúltimo a crucificação, situada na capela mais perto da igreja. Podemos ver na Figura 18 um dos passos de Jesus. Nessa cena, assim como nas demais, predomina o aspecto teatral, como se Aleijadinho, além de escultor, fosse também diretor teatral, organizando a ação dos personagens. A cena é comovente tanto pela temática quanto pelo tra- tamento dado às feições e aos gestos das esculturas. No Rio de Janeiro o escultor mais popular do período era Mestre Valentim (Valentim da Fonseca e Silva – ca. 1744/1745, Serro, Minas Gerais-1813, Rio de Janeiro). Um pouco depois de chegar ao Rio de Ja- neiro, como uma forma construir laços e obter reconhecimento social, tornou-se membro da Irmandade dos Pardos de Nossa Senhora do Ro- sário e de São Benedito. O artista produziu obras para as igrejas e para espaços públicos, sendo o responsável pela construção e elaboração do Passeio Público do Rio de Janeiro, o primeiro do tipo na América Latina. Figura 19 Escultura pública de Mestre Valentim Zi m br es /W iki m ed ia C om m on s Fonte: MESTRE VALENTIM. Chafariz dos Jacarés ou Fonte dos Amores. 1783. Bronze. Rio de Janeiro. No vídeo Passeio pelo Rio revela obras de Mestre Valentim – Repórter Rio, do canal TV Brasil, é possível conhecer algumas das obras públicas criadas pelo Mestre Valentim para o Rio de Janeiro. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=- IutNbBxcU8. Acesso em: 19 jan. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=-IutNbBxcU8 https://www.youtube.com/watch?v=-IutNbBxcU8 https://www.youtube.com/watch?v=-IutNbBxcU8 82 Artes visuais – Escultura Figura 20 Escultura sacra de Mestre Valentim Do rn ic ke /W iki m ed ia C om m on s Fonte: MESTRE VALENTIM. Anjo. Século XVIII. Madeira policromada. 65 cm. Proveniente da Igreja de São Pedro dos Clérigos, Rio de Janeiro. Acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Na Bahia, o Barroco perdurou ainda no começo do século XX, convi- vendo ao longo dos séculos com a chegada de outros estilos em moda, como nas obras do escultor Pedro Ferreira (1896-1970, Bahia), que exe- cutava obras em talhe e policromia, molde e reproduções em gesso para as igrejas. Podemos dizer que o estilo, de algum modo, é vigente ainda hoje, como em produções de imaginária da arte popular, bem como da arte contemporânea. Figura 21 Barroco contemporâneo Al va ro m el ch or /W iki m ed ia C om m on s Fonte: VAREJÃO, A. Azulejaria “De Tapete” em Carne Viva. 1999. Pintura expandida e espuma polietileno. 149,9 x 200,7 x 24,9 cm. Museu de Arte Contemporânea, San Diego. No trabalho original, as partes amareladas, do que seria o azulejo (visto na Figura 21), são bran- cas. Essa e outras obras podem ser vistas no link a seguir. Disponível em: https://www. lehmannmaupin.com/exhibitions/ adriana-varejao. Acesso em: 19 jan. 2022. Saiba mais https://www.lehmannmaupin.com/exhibitions/adriana-varejao https://www.lehmannmaupin.com/exhibitions/adriana-varejao https://www.lehmannmaupin.com/exhibitions/adriana-varejao Escultura no Renascimento e Barroco 83 O Barroco brasileiro é ponto de partida para muitas obras da artista plástica Adriana Varejão. A autora mescla, de maneira crítica, os ele- mentos da história da arte com questões políticas do período em que foram feitas, bem como combina pintura com formas tridimensionais, como em suas séries Charques, Línguas e cortes, Irezumis, entre outras. Em seu trabalho, os azulejos típicos do Barroco são postos em carne viva, e suas entranhas podem ser vistas como metáforas para o aspec- to violento de formação do Brasil e de suas “feridas históricas”. 3.4 A escultura em metal e o processo de moldagem Vídeo Nesta seção, para a parte teórica acerca dos processos de fundição em metal e construção de moldes de gesso, utilizamos os textos de Giorgio Vasari (2020), Barry Midgley (1982) e José Giuliano (2008), Ma- riana Ramos (2011) e Maria Ros I Frigola (2006). A escultura em metal, amplamente utilizada durante a Antiguidade Clássica, foi retomada pelos artistas do Renascimento e do Barroco ita- liano. A fundição em metal, que havia sido essencial para a formação das sociedades desde a pré-história, atingiu nos três primeiros perío- dos mencionados um alto grau de desenvolvimento e refinamento. Um exemplo disso é a estátua monumental em bronze, de cerca de trinta e dois metros de altura, construída em 282 a.C.: o Colosso de Rodes, a qual foi criada pelo escultor grego Carés de Lindos e represen- tava o deus Sol Hélio. Foi nomeada como uma das setes maravilhas do mundo antigo, mesmo durando apenas sessenta anos, uma vez que foi destruída por um terremoto. Escritos sobre a fundição foram feitos na Antiguidade por Fídias (490-430 a.C.) e posteriormente por Benvenuto Cellini (1500-1571). Tra- ta-se de um método bastante complexo – o mais popular deles ainda é o da cera perdida. A técnica da cera perdida exige várias etapas para a sua elabora- ção. Em resumo, consiste na construção de um modelo em cera que, após ser coberto por um material refratário, será aquecido e derretido – daí a origem do seu nome –, gerando um molde perfeito, o qual será preenchido com o metal em estado líquido. Conhecer a técnica da escultura em metal e o processo de moldagem. Objetivo de aprendizagem 84 Artes visuais – Escultura Como a cera possui uma boa plasticidade, a forma que deixa no molde é exatamente como foi feita, nos mínimos detalhes, o que per- mite a criação de formas mais complexas. Para se trabalhar com a cera, é necessário untar as mãos e o local de apoio com óleo. Ela tem di- ferentes origens, que podem ser mescladas entre si: vegetal, animal (a mais comum e mais utilizada ao longo da história é a cera de abelha) e derivada do petróleo. Diferentes técnicas também podem ser utilizadas antes de se iniciar a escultura em sua forma final, como a utilização de desenhos e ma- quetes (essenciais para perceber como as formas funcionam no espa- ço). A cera também foi utilizada como matéria para obra final, sem ser apenas uma etapa de outra escultura. Vejamos as etapas para a fundição por cera perdida feitas na contemporaneidade. Construção do modelo original, que pode ser perdido, dependendo do material em que foi feito.1 Elaboração de moldes em silicone.2 Preenchimento dos moldes de silicone com cera, feita por várias camadas antes de ser preenchida completamente.3 Nos moldes de cera, devem ser colocados metais, como pregos, para que segurem a parte de dentro do molde na posição desejada. 4 Construção dos dutos para diversas finalidades, os quais também são chamados de árvore: o bebedouro ou canal de ataque funciona como um funil por onde será vertido o metal fundido e de onde saem os canais de vazamento ou vasos comunicantes para que o preenchimento da peça seja completo e uniforme; e os respiradores, por onde sairão os gases gerados, são voltados para cima. Os canais feitos em cera devem ser unidos e selados com peças de metal quente, sobre as partes côncavas da escultura. 5 Marie Tussaud (1760-1850) foi responsável pela criação de estátuas de cera que se tornaram muito populares. Apren- deu sua profissão com Philippe Curtis, médico e criador de modelagem e moldagem em cera para estudos de anatomia. Na reportagem “Recebia cabeças direto da guilhoti- na”: a vida inacreditável de Madame Tussaud, adapta- da do documentário Ma- dame Tussaud: uma lenda em cera, conhecemos um pouco sobre a vida e a obra da artista, bem como sobre seu museu, que continua ganhando novas estátuas. Disponível em: https:// www.bbc.com/portuguese/ curiosidades-53621514. Acesso em: 19 jan. 2022. Saiba mais https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-53621514 https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-53621514 https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-53621514 Escultura no Renascimento e Barroco 85 O molde deve ser passado em uma lama ou pasta refratária feita com sílica ou zirconita misturada com aglomerante. Depois, é passado sobre materialgranulado mais grosso. Essa etapa é repetida várias vezes. Para que a peça não seja maciça, é preciso que o molde preencha a parte interna da escultura, por isso a necessidade de elementos que a segurem. 6 Aquecimento da peça em alta temperatura para que a cera derreta e o molde fique completamente seco. Segundo Giuliano (2008, p. 43), “após a moldagem e remoção do modelo, os moldes devem ser aquecidos a uma temperatura entre 160 ºC a 380 ºC, para a remoção total da água livre ou combinada quimicamente, por um período de até 72 horas”. 7 Preparação do local onde o molde será enterrado: areia compactada molhada.8 Os metais são colocados em cadinhos (um tipo de pote refratário) e derretidos em fornos de alta temperatura, até um ponto mais alto do que o de sua fusão, para que fiquem líquidos por tempo suficiente. Em seguida, são despejados no bebedouro da escultura de maneira lenta e gradual, para não formar bolhas de ar. Deixar esfriar naturalmente antes de desmoldar. Diferentes metais podem ser utilizados – na escultura, o bronze é o mais comum, devido a sua boa durabilidade e suas cores. O material passa, dessa forma, pelos diferentes estados físicos. 9 Após o esfriamento, deve-se partir o molde. Esse processo, geralmente feito com o uso de cinzel e martelo, é chamado de cinzeladura. Após a retirada da escultura, ela passa pelo processo de desbarbado: a retirada dos vasos comunicantes, cortando-os com cuidado. Às vezes é necessário fazer pequenos furos, preencher com peças do mesmo material, soldar e dar o acabamento. 10 Por fim, o artista pode dar o acabamento desejado, como a pátina feita com o uso de fogo ou vinagre, criando os tons esverdeados no bronze. 11 Após mostrar o processo da moldagem, peça para que seus alu- nos citem alguns objetos do nosso cotidiano que são feitos a partir de moldes. A fundição em metal não deve ser feita em casa ou em sala de aula, pelos inúmeros perigos que oferece. Ela só pode ser realizada em ateliês e fábricas especializadas. Atenção 86 Artes visuais – Escultura O escritor e artista do Renascimento Giorgio Vasari (2020) explica como o método era utilizado no período, com alguns detalhes curio- sos aos dias de hoje: depois que as camadas de cera estavam secas, a parte interna do molde era preenchida com uma mistura de argila, esterco de cavalo e borra de lã. Essa estrutura era nomeada de alma, a qual recebia os pinos de ferro. Já ao molde em gesso era adicionado terebentina e sebo. O modelo em cera, como vimos, é perdido, mas por meio do molde em silicone ele pode ser reproduzido inúmeras vezes. Quaisquer defei- tos das peças finais podem ser gerados por vários fatores, como: pro- blemas no modelo e nos moldes, ou decorridos do não preenchimento total desse último. Tanto o modelo como os moldes podem ser criados pela computadorização. Para o processo de fundição, é necessária a criação de moldes. Essa é uma das etapas que podem ser realizadas com os alunos em sala de aula, tanto com o gesso quanto com outros materiais. Os moldes, assim como os modelos, são classificados em: 1. perdidos ou diretos, em que há a destruição do original durante o processo de remoção dos moldes, por exemplo, argila, cera, massa plástica. 2. permanentes ou indiretos, que são resistentes ao processo, sendo geralmente feitos em materiais duros, como metal, gesso etc. O primeiro tipo é capaz de reproduzir uma única peça, pois ao final do processo o molde será destruído. Já o segundo tipo permite a repro- dução em série, podendo ser um molde maleável – como os de silicone – ou rígido – como os de gesso ou de metal, que são divididos em várias partes (os tasselos) para que nada se prenda ao molde. Para a sua construção, a partir do modelo, é necessário que o molde se adeque às formas do original, ou seja, ele é segmentado para que te- nha todos os ângulos de saída, tornando possível sua retirada. No caso do molde rígido, quanto mais complexo o modelo, mais divisões ele terá. Os tasselos devem ser bem vedados para que o material utilizado para a construção do objeto não vaze. • Imagens do passo a passo da técnica da cera perdida podem ser vistas no slide Técnica de la cera perdida. Disponível em: https://pt.slideshare. net/salfermar/tcnica-de-la-cera- -perdida/9. Acesso em: 19 jan. 2022. • O vídeo Creación de esculturas: Fundición a la cera perdida, produzido pela Millennium Liber, mostra o processo desde a criação dos primeiros moldes até a sua finalização. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=beCDcTMsaok. Acesso em: 19 jan. 2022. • Veja também o curta em stop motion Fundição em bronze com técnica de cera perdida. Apesar de as legendas serem em inglês, o passo a passo é compreendido pelas imagens bastantes didáticas. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=cR4PKV- cSIoo&ab_channel=AnaBrendel. Acesso em: 19 jan. 2022. Saiba mais https://pt.slideshare.net/salfermar/tcnica-de-la-cera-perdida/9 https://pt.slideshare.net/salfermar/tcnica-de-la-cera-perdida/9 https://pt.slideshare.net/salfermar/tcnica-de-la-cera-perdida/9 https://www.youtube.com/watch?v=beCDcTMsaok. https://www.youtube.com/watch?v=beCDcTMsaok. https://www.youtube.com/watch?v=cR4PKVcSIoo&ab_channel=AnaBrendel https://www.youtube.com/watch?v=cR4PKVcSIoo&ab_channel=AnaBrendel https://www.youtube.com/watch?v=cR4PKVcSIoo&ab_channel=AnaBrendel Escultura no Renascimento e Barroco 87 A partir de um modelo positivo, que pode ser feito em diferentes materiais (massinha, argila, madeira), utilizando objetos já existentes, como um brinquedo ou mesmo o nosso próprio corpo, construímos moldes em formas negativas. O material utilizado para preenchê-los dá origem a uma peça positiva, como a original. Para demonstração do que se trata de formas positivas e negativas, você pode preparar uma pequena prática em sala de aula. Para isso, será necessário levar um pequeno objeto, como uma concha, um pe- daço de argila, areia molhada em um pote ou massinha de modelar. Pressione o objeto sobre um desses materiais e peça para que seus alunos cometem as diferenças. Teste antes a forma e o material a ser pressionado, pois dependendo do que você escolher, ele pode grudar, então é necessário um desmoldante, como vaselina ou óleo de cozinha, que deve ser aplicado na peça que será utilizada como original. Você também pode mostrar outras formas de positivo e negativo, como pegadas de dinossauros, ou fazer com que os alunos caminhem pela areia ou pela argila, por exemplo. Desde a Antiguidade, o gesso é um dos materiais mais utilizados para a confecção de molde, devido à sua qualidade plástica, mas tam- bém ao seu baixo custo. O gesso voltou a ser popular no Renascimento e no Barroco, assim como os moldes feitos das cabeças dos falecidos, chamados de máscaras mortuárias. Andrea Verrocchio, do Renascimento, Bernini e seu assistente Antonio Raggi, do Barroco, foram artistas que faziam amplo uso do ges- so, tanto para moldagem a partir dos corpos que queriam como mo- delos quanto para outros tipos de moldes. Durante o período, houve a retomada e popularização de réplicas das esculturas em gesso, assim como na Roma Antiga. Essas cópias eram feitas para servirem como modelos de estudos no ensino das artes. Para a preparação dos moldes de gesso, use luvas durante o processo. 1. Pode ser feita a mistura sugerida por Giuliano (2008, p. 68), “mistura de gesso pedra 60%, calcário 28%, caulin 12% e uma Barry Midgley apresenta em seu Guía completa de escultura, modelado y cerámica: tecnicas y materiales os materiais, fer- ramentas e técnicas para a elaboração de esculturas. O livro é ricamente ilustra- do com o passo a passo dos principais métodos. MIDGLEY, B. Madri: Hermann Blume,1982. Livro 88 Artes visuais – Escultura pequena quantidade de grafite em pó”, a mistura usual ou ainda a mistura de chamote e/ou areia. 2. Polvilha-se aos poucos o gesso na água. 3. Mexer para retirar todasas bolhas de ar, com cuidado para não acrescentar mais. Ao final, bata o fundo do recipiente com cuidado, para que as bolhas de ar subam e saiam. A mistura está pronta para ser despejada no molde; enquanto ela estiver secando, não mexa (ROS i FRIGOLA, 2006). Os moldes em gesso costumam ser feitos por camadas. A primei- ra, que estará em contato mais direto com a peça original, é mais lí- quida, geralmente tingida com uma cor que torne sua identificação mais fácil, para então ser aplicada uma camada mais espessa que dê suporte ao molde. Nessas camadas, devem ser acrescentadas jutas ou telas de metal (para a utilização do ferro, é necessário passar um produto antiferru- gem, para que ele não manche o molde e, consequentemente, a peça final), para lhe dar resistência. Para a construção dos tasselos, as seções devem ser separadas por uma tira metálica – principalmente quando se trata de muitas divisões, uma vez que essas tiras permitem que diversos lados possam ser feitos ao mesmo tempo – ou por argila – utilizada com mais frequência para moldes bipartidos. Os moldes em gesso oferecem múltiplas possibilidades para a constru- ção de objetos simples e complexos. Eles são ideais para a confecção de cerâmica, pois, de acordo com Ros i Frigola (2006, p. 54), “têm a vantagem de absorver muito bem a umidade das argilas, de modo que, em pouco tempo, a peça endurece e está pronta para polir”. Além disso, permitem a criação em série, construindo objetos idênticos de maneira rápida. Para os moldes feitos a partir das próprias pessoas, é necessário que elas sejam cobertas com vaselina, para que o gesso não queime a pele. Essa técnica pode ser feita tanto pelas ligaduras de gesso (encon- tradas em farmácia) como pelo gesso preparado. Um método mais simples pode ser feito com o uso de outro mate- rial: o alginato. É um produto moderno, de secagem rápida. A mistura deve ser preparada rapidamente, sendo que a mão deve ser colocada dentro dela, aguardando até que ela mude de cor. No vídeo Mão de gesso utilizando alginato, do canal Advanced Vacuum Hi-Tech Composites, você pode ver como se realiza um molde perdido por meio de um modelo natu- ral, construindo uma peça maciça em gesso. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=TaTWHztFw_k. Acesso em: 19 jan. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=TaTWHztFw_k https://www.youtube.com/watch?v=TaTWHztFw_k https://www.youtube.com/watch?v=TaTWHztFw_k Escultura no Renascimento e Barroco 89 A partir do século XIX, novos materiais começaram a ser utilizados para a confecção dos moldes, como a gelatina. Já no século XX foram incorporadas as borrachas vinílicas, os silicones, entre outros. Os moldes flexíveis podem ser feitos em silicone e são mais duráveis, porém são caros. Em sala de aula, o modelo original pode ser feito em massinha. Para facilitar, podem ser utilizados potes de margarina, sendo que a peça original deve caber facilmente dentro desse pote. Em segui- da, deve ser colocado o silicone com o catalisador. É necessário utilizar equipamentos de proteção para a sua manipulação (máscara, luvas, ócu- los de proteção). Esse processo é mais adequado para a manipulação dos professores ou de alunos mais velhos, a partir do Ensino Médio. O silicone pode ser trocado por gesso para que seja mais acessí- vel. É necessário dividir o original em duas partes, e essa segmentação pode ser feita com chapas de alumínio recortadas de latas de refrige- rante. Para evitar cortes, coloque fita isolante em três das bordas, dei- xando a parte afiada para atravessar o modelo. Deve-se untar as partes das bordas do metal com uma fina camada de vaselina. Uma adaptação para os moldes de silicone preparados na escola e em casa é a compra de formas prontas. Você pode levar uma forma de sili- cone e derreter algo que seja utilizado pelos alunos posteriormente, por exemplo: fazer sabonete de glicerina vegetal, fazer pequenos chocolates ou balas de caramelo, fazer giz de cera multicor etc. O derretimento dos materiais deve ser feito por um adulto ou por adolescentes acompanha- dos da supervisão de alguém responsável. Para o preenchimento das formas, podem ser utilizados diversos mate- riais, a depender do tipo de molde feito, por exemplo: gesso, argila líquida, cera, sabonete, chocolate, água, cimento, plástico, resina, entre outros. Na aula de Arte A confecção do molde em silicone de maneiras mais complexas é explicada detalhadamente no vídeo Como fazer molde de silico- ne 2 – partes para resinas ou gesso?, do canal Álvaro Díaz · Escultor e criador de imagens. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=3Afzt0DqqlY. Acesso em: 19 jan. 2022. Vídeo CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, vimos as principais características da escultura no Re- nascimento e no Barroco italiano e brasileiro. No Renascimento, houve uma retomada e uma revalorização da cultura greco-romana, que foi incorporada aos estudos sistemáticos do corpo humano e do espaço. Os artistas então elaboraram o seu ideal de beleza pautado tanto na Antiguidade Clássica como também nas novas descobertas. No Barroco, embora os artistas tivessem como referência artística obras da Antigui- https://www.youtube.com/watch?v=3Afzt0DqqlY https://www.youtube.com/watch?v=3Afzt0DqqlY https://www.youtube.com/watch?v=3Afzt0DqqlY 90 Artes visuais – Escultura dade, eles se afastaram de muitos dos seus ideais, entre eles a percep- ção da composição simétrica e de harmonias mais suaves. Já o Barroco brasileiro utilizou tanto características do Barroco italiano, como a dra- maticidade, quanto incorporou aspectos próprios, como a utilização do Rococó para a produção de obras sacras. A escultura em metal, produzida pela fundição, mostrou-se um méto- do bastante complexo, constituído por diversas etapas que só podem ser feitas em espaços apropriados, como ateliês e indústrias. A impossibilidade de se trabalhar com a fundição em metal em sala de aula faz com que tenhamos que utilizar somente parte do seu processo. Trata-se da confecção de moldes em gesso ou outros materiais, como o alginato. A depender do material utilizado, podemos ainda fazer uma ou- tra adaptação: preencher os moldes com elementos derretidos, como giz de cera, velas, sabonetes, chocolates etc. ATIVIDADES Atividade 1 O que é a perspectiva linear? Atividade 2 Quais as aproximações entre o Barroco italiano e o brasileiro? Quais são as especificidades desse último? Atividade 3 Como funciona o processo de cera perdida? Escultura no Renascimento e Barroco 91 REFERÊNCIAS ANDRADE, E. S. Valentim da Fonseca e Silva, um mestre no jardim. Revista África e Africanidades, ed. 36, suplemento n. 1, v. 1, p. 45-50, 2020. BARDI, P. M. Em torno da escultura no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris Brasil, 1989. BARROS, J. Arte é coisa mental: reflexões sobre pensamento de Leonardo da Vinci sobre a arte. Revista Poiésis, n. 11, p. 71-82, 2008. Disponível em: http://www.poiesis.uff.br/PDF/ poiesis11/Poiesis_11_artecoisamental.pdf. Acesso em: 17 jan. 2022. BAUMGART, F. Breve história da arte. Trad. de Marcos Holler. São Paulo: Martins Fontes, 1994. FLEXOR, M. H. O. Imagens de roca e de vestir na Bahia. Revista Ohun, ano 2, n. 2, 2005. Disponível: http://www.revistaohun.ufba.br/pdf/Maria_Helena.pdf. Acesso em: 17 jan. 2022. FLEXOR, M. H. O. Pedro Ferreira, um escultor baiano desconhecido. Varia Historia, v. 24, n. 40, p. 497-510, 2008. 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A arte contemporânea será explorada por meio de quatro movimentos centrados nos Estados Unidos – a pop art, o minimalismo, a arte concei- tual, a land art – e um brasileiro – o neoconcretismo. Também apontare- mos para seus artistas e suas características principais. Por fim, por meio de entrevistas realizadas com dois artistas contem- porâneos, traçamos discussões sobre o movimento da arte ética italiana e a produção artística pensada com base nos desdobramentos do cotidia- no. Levantaremos – ao longo do capítulo – possibilidades de se trabalhar conceitualmente e/ou de maneira prática esses diferentes movimentos artísticos. 4.1 Origens da arte moderna Vídeo Para abordar a arte moderna e as vanguardas artísticas europeias, recorremos aos textos de Rosalind Krauss (1984, 2001), Ellen Kavier (1972), Graça Proença (2005), Michael Archer (2013) e José D’Assunção Barros (2008, 2018). Também utilizamos os manifestos referentes a cada movimento. Ainda que não haja consenso sobre a origem da escultura mo- derna, muitos apontam Auguste Rodin (François-Auguste-René Rodin – 1840-1917, Paris) como um dos seus precursores, mais especifica- mente a partir do seu projeto A porta do inferno (Figura 1), baseado no poema A divina comédia (século XIV), de Dante Alighieri, em que retrata as passagens pelo Inferno, pelo Purgatório e pelo Paraíso. Conhecer um panorama geral da arte moderna na Europa e seus principais representantes. Objetivo de aprendizagem Escultura no modernismo e na arte contemporânea 93 De acordo com Krauss (2001, p. 18), a obra de Rodin “é um relevo, uma decoração esculpida para um conjunto monumental de portas que serviriam de entrada a um futuro museu”. Muitas das imagens pre- sentes na “porta” ganharam destaque ao serem feitas separadamen- te em grandes dimensões. Entre elas estão: “O pensador”, uma das obras mais conhecidas do artista; “O beijo” – que só esteve presente nos estudos da porta –, referente ao relacionamento entre os amantes Francesca e Paolo Rimini; e “As três sombras”. Embora a ideia inicial para a narrativa tenha sido inspirada pela Porta do paraíso, de Ghiberti, logo ela foi abandonada para uma narra- tiva mais aberta e difusa, que rompia – de acordo com Krauss (2001) – com a “narrativa lógica”, fazendo com que várias coisas acontecessem ao mesmo tempo. Figura 1 Auguste Rodin, A porta do inferno Figura 2 Detalhe de A porta do inferno Ao contrário das “portas” de Ghiberti, em que a narrativa é separada por delimitações de quadros, transmitindo uma organização cronológica dos acontecimentos, em A porta do inferno, de Rodin, as narrativas são difusas, fazendo com que as várias cenas sejam percebidas simultaneamente. Auguste Rodin – “O pensador” (detalhe) de A porta do inferno. Ro la nd z h/ W ik im ed ia C om m on s Ro la nd z h/ W ik im ed ia C om m on s Fonte: RODIN, A. A porta do inferno. 1880-1917. Bronze. Kunsthaus, Zurique. Fonte: RODIN, A. A porta do inferno. 1880-1917. Bronze. Kunsthaus, Zurique. 94 Artes visuais – Escultura Se antes – ao longo da história da arte – as figuras diferentes eram colocadas em grupos e seus corpos eram rotacionados para dar a co- nhecer todos os ângulos possíveis, Rodin aciona uma nova estratégia: a de repetir personagens e seus corpos, trazendo diversos pontos de vista sobre a mesma figura simultaneamente, exemplo que pode ser observa- do em “As três sombras”, que ficam logo acima do portal (figuras 1 e 3). Uma nova abordagem também é dada em relação à figura/fundo. Se outrora o fundo de um relevo era utilizado como um espaço virtual (próximo daquele feito na pintura), Rodin rompe com essa tradição, uma vez que o relevo não transmite a ideia de continuidade espacial. Além disso, as figuras do artista não obedecem a outros esquemas tradicionais na escultura, como o funcionamento do peso e contrapeso das ações corporais dos personagens, associados aos seus contornos difusos e fundidos, que podem gerar a sensação de corpos sem susten- tação, bem como acarretam uma ambivalência gestual, e a inexistência de ângulo de visão “correto” para se observar as obras. Figura 3 Auguste Rodin, As três sombras Sh ad ow ga te /W iki m ed ia C om m on s Fonte: RODIN, A. As três sombras. c.. 1899-1902. Bronze. Museu Rodin, Paris. A artista Camille Claudel (Camille Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper, 1864–1943, França) teve formação artística na Académie Colarossi e no ateliê de Auguste Rodin, em cerca de 1884, com quem viria a ter um Camille Claudel tem um museu dedicado a sua obra e vida. No site do museu você encontra imagens da artista e de suas esculturas. Para conhecer, acesse o link a seguir. Disponível em: http://www. museecamilleclaudel.fr/fr. Acesso em: 21 fev. 2022. Site Escultura no modernismo e na arte contemporânea 95 relacionamento abusivo. Acredita-se que muitas obras que foram re- conhecidas como de Rodin tenham sido, de fato, criadas pela artista, a qual não levou créditos. Com exceção de seu pai, sua família não a apoiava e, com a morte dele, Claudel foi internada à força em um hos- pital psiquiátrico. Figura 4 Camille Claudel em seu ateliê Figura 5 Camille Claudel, A valsa Camille Claudel está em destaque. Ao fundo está sua colega Jessie Lipscomb. A escultura foi modelada em 1889, mas fundida apenas em 1905, pela fundição Eugene Blot. O fotógrafo, ao desfocar o fundo, buscou acentuar a sensação de movimento presente na obra de Claudel, que também é enfatizado pelo próprio título. W ill ia m E lb or ne /W ik im ed ia C om m on s S co tt La np he re Fonte: ELBORNE, W. Camille Claudel e Jessie Lipscomb no ateliê n. 117, na rua Notre-Dame-des-Champs, Paris. ca. 1885-1887. Fonte: Claudel,C. A valsa. 1905. Bronze. Museu Camille Claudel, Paris. Constantin Brâncuși (1876, Romênia-1957, Paris) é considerado um dos primeiros artistas modernos de fato. De acordo com Kavier (1972), era o próprio artista que cinzelava e dava acabamento às suas obras. Formou-se na Escola de Belas Artes de Bucareste – “tendo concluído os estudos com distinção em 1902” (KAVIER, 1972, p. 135) – e na Escola de Belas Artes de Paris, tendo sido convidado por Rodin para trabalhar com ele em seu estúdio. 96 Artes visuais – Escultura Figura 6 Constantin Brâncusi, O beijo Fonte: BRÂNCUȘI, C. O beijo. 1913. Gesso. 27,9 x 26 x 21,6 cm. Biblioteca do Congresso, Washington D. C. O artista simplifica os corpos dos amantes que se beijam em um bloco geometrizado, delimitando as formas com linhas simples, como os braços que se cruzam e os lábios que se tocam. Na imagem, vemos uma cópia em gesso. O original foi feito em pedra entre 1907 e 1908. Li br ar y o f C on gr es s/ W iki m ed ia C om m on s Figura 7 Constantin Brâncusi, Coluna infinita Fonte: BRÂNCUȘI, C. Coluna infinita. 1937-1938. Ferro fundido coberto com latão dourado. 29,33 m. Târgu Jiu. De acordo com Batchelor (2001), Brâncuși foi o único escultor modernista a trabalhar com a repetição de um mesmo padrão modular. Io n Gh eb an /W iki m ed ia C om m on s Na escultura A musa adormecida, de Brâncuși, podemos ver a sua busca pelas formas essenciais. O artista confere o rosto da baronesa Renée-Irana Frachon de maneira simplificada, enfatizando o seu aspecto oval. O acabamento polido faz com que a pessoa que a vê se veja refle- tida na obra. Ambas as características formais – o formato oval e o aca- bamento polido – podem ser vistas em muitas das produções do artista. Brâncuși ressalta o aspecto tátil de suas esculturas por meio do aca- bamento dado aos materiais. Os seus bronzes polidos levam a uma aproximação dos objetos industrializados. Em seu trabalho buscou, segundo Krauss (2001, p. 106), a “geometria ideal”, ou seja, a estrutura mínima necessária para que ainda houvesse o reconhecimento das for- mas, fazendo com que suas obras não sejam vistas como fragmentárias. Entre outras características importantes na sua obra, que reverbe- ram ao longo da arte moderna e rompem com o trabalho de Rodin, estão: a perda do pedestal – a escultura passa a ser lida de um novo modo, com o contato direto de onde é exposta; a incorporação dos “es- paços vazios” como importantes para a composição da obra, sendo uti- Escultura no modernismo e na arte contemporânea 97 lizados na criação de volume; a simplificação e a abstração das formas; e a busca pela forma ideal, o que levou o artista a refazer com variações a mesma obra por muitos anos. Uma de suas primeiras esculturas de destaque é O beijo (Figura 6), em que já podemos ver algumas dessas características. O artista acabou doando muitos de seus trabalhos ao Museu de Arte Moderna de Paris. 4.2 As vanguardas artísticas europeias Vídeo O termo vanguarda, de origem militar, é referente àqueles que es- tão à frente da tropa nas batalhas. No campo das artes, é voltado aos grupos e movimentos que eram vistos como inovadores para a época. As vanguardas artísticas europeias se desenvolveram a partir dos pri- meiros anos do século XX, em um contexto marcado por várias transfor- mações tecnológicas, sociais, políticas e culturais, entre as quais estão: a invenção da bicicleta, do telefone e do avião; o movimento feminista e os movimentos sindicais; e a Primeira Guerra Mundial. Nesse período, Paris já havia se consolidado como centro cultural e artístico, recebendo ondas de imigrantes que buscavam sua formação nessas áreas. A seguir, abordaremos cinco dessas vanguardas: cubismo, futuris- mo, dadaísmo, surrealismo e construtivismo. Alguns artistas fizeram parte de vários desses movimentos, o que torna mais complexo o en- quadramento de suas obras. Outros, embora façam parte da arte mo- derna, não se vincularam a nenhum deles. A arte moderna estabeleceu uma série de rupturas com a tradição es- cultórica. Segundo Krauss (1984, p. 132), ela estava relacionada, entre ou- tros fatores à “perda do local”, ou seja, as esculturas não estariam mais ligadas a um lugar específico e passariam a ser “autorreferenciadas”. Há ainda a perda do pedestal ou a incorporação dele, que passa a fazer parte da escultura, e não simplesmente sustentá-la. Além disso, passam a ser utilizados novos materiais, muitas vezes encontrados no cotidiano. 4.2.1 Cubismo O início do cubismo é usualmente demarcado a partir do quadro Les demoiselles d’Avignon (1907), de Pablo Picasso. O pintor Paul Cézanne (1839-1906, França) é considerado um dos seus precursores. Além dele, • Analisar os tipos de escultura produzidos nas vanguardas artísticas cubismo, futurismo, da- daísmo e surrealismo. • Conhecer os princi- pais artistas de cada movimento. • Assimilar o conceito de ready-made. Objetivos de aprendizagem O documentário Arquite- tura da destruição aborda como a arte foi utilizada politicamente durante o governo nazista, que valo- rizava o que considerava a “boa arte”, pautada em ideais hegemônicos como a crença na superioridade ariana. Essas manifes- tações artísticas eram usadas como propaganda, enquanto a arte moderna era perseguida e associa- da à arte degenerada. Direção: Peter Cohen. Suécia: Sandrews, 1989. Documentário 98 Artes visuais – Escultura o contato dos artistas europeus com a arte pré-histórica e as obras de arte africana, em especial as máscaras, foi importante para a elabora- ção do movimento. Figura 8 Picasso em seu estúdio Fr an ck G el et t B ur ge ss /W iki m ed ia C om m on s Pablo Picasso em seu estúdio em Montmartre com sua coleção de arte africana, 1908. Os artistas cubistas buscavam apresentar de uma só vez as dife- rentes perspectivas que sabemos que existem sobre o mesmo objeto. Para a simultaneidade desses planos, recorriam à planificação com- plexa das formas, uma decomposição feita a partir da geometrização, como se estivessem, segundo Kavier (1972, p. 137), “abrindo a massa do objeto”, o que podia levar à quase perda do referente, ainda que ele fosse mantido. Isso representou um rompimento com a perspectiva renascentista dominante durante séculos. A presença da produção artística e cultural africana na Europa se deu, em grande medida, de ma- neira violenta, a partir do imperialismo. Há anos os países que se benefi- ciaram desses saques – como França, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos – são cobrados por diferentes nações da África para que devolvam parte de sua história e sua memória. Após essa pressão, alguns museus começaram, ainda que aos poucos, a encaminhar as obras para os seus países de origem. Saiba mais no link a seguir. Disponível em: https://www. cnnbrasil.com.br/estilo/ museu-metropolitano-de-nova- york-vai-devolver-obras-de-arte- africana-a-nigeria/. Acesso em: 21 fev. 2022. Saiba mais https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/museu-metropolitano-de-nova-york-vai-devolver-obras-de-arte-africana-a-nigeria/ https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/museu-metropolitano-de-nova-york-vai-devolver-obras-de-arte-africana-a-nigeria/ https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/museu-metropolitano-de-nova-york-vai-devolver-obras-de-arte-africana-a-nigeria/ https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/museu-metropolitano-de-nova-york-vai-devolver-obras-de-arte-africana-a-nigeria/ https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/museu-metropolitano-de-nova-york-vai-devolver-obras-de-arte-africana-a-nigeria/ Escultura no modernismo e na arte contemporânea 99 Figura 9 Pablo Picasso, Cabeça de mulher W m pe ar l/W iki m ed ia C om m on s Fonte: PICASSO, P. Cabeça de mulher (Fernande). 1909. Gesso. Tate Modern, Londres. Figura 10 Alexander Archipenko, Mulher caminhando Ar ch ip en ko Á lb um /W iki m ed ia C om m on s Fonte: ARCHIPENKO, A. Mulher caminhando. 1912. s.l. ca. 67 cm de altura. Alexander Archipenko(1887, Ucrânia-1964, Nova York) foi um dos escultores do cubismo. De acordo com Kavier (1972, p. 138), “Archipenko conferiu às suas obras um sentido de movimento e de ritmo, contrapon- do planos sólidos, lisos, a volumes abertos”, utilizando os “espaços va- zios para definir o que, normalmente, deveriam ser áreas sólidas”. Essa estratégia também foi adotada por outros artistas. Archipenko conferia um aspecto geometrizado e fragmentado às suas figuras: o aspecto va- zado de suas obras possibilitava que o dentro e o fora fossem vistos simultaneamente, o que é uma das características da arte cubista. 4.2.2. Futurismo O futurismo teve como uma de suas referências iniciais o cubismo, tanto por meio de notícias quanto pela visita dos artistas italianos aos cubistas em Paris. Essa aproximação se deu em termos de composi- ção, como a geometrização das figuras, principalmente na pintura. Ao mesmo tempo, esse aspecto formal era baseado em ideais diferentes: enquanto o primeiro visava à percepção da simultaneidade de diferen- tes ângulos, o segundo buscava demonstrar o desenvolvimento das formas no espaço, ou seja, o movimento. 100 Artes visuais – Escultura O manifesto do futurismo foi lançado no jornal Le Figaro (Paris), em 1909, por Filippo Tommaso Marinetti (1876, Alexandria, Egito-1944, Itália). No manifesto ficam claros os valores defendidos pelo movimen- to, não somente na arte, mas também de uma forma mais ampla, po- lítica e social. No futurismo há a exaltação: do movimento, em especial o ligado à velocidade; do futuro; da mecanização; da eletricidade; da industrializa- ção e dos demais avanços tecnológicos. Com isso, suas obras são carac- terizadas pela simplificação das formas, por linhas retas e curvas e por formas e cores que expressassem movimento. Essa última característi- ca é apenas representada, pois as obras ainda permaneciam estáticas. No manifesto da escultura futurista, de 1912, os artistas propunham que os limites entre o dentro e o fora da escultura não fossem claros, mas sim fluídos, aspectos aos quais não conseguiram chegar formalmente. Figura 11 Umberto Boccioni, Formas únicas de continuidade no espaço W m pe ar l/W iki m ed ia C om m on s Fonte: BOCCIONI, U. Formas únicas de continuidade no espaço. 1913. Bronze. 111,2 x 88,5 x 40 cm. Museu de Arte Moderna de Nova York, Nova York. Em Formas únicas de continuidade no espaço, Umberto Boccioni (1882-1916, Itália) apresenta a figura de um homem ao caminhar, como se o seu deslocamento deixasse rastros no espaço. A obra original é em argila. Já as fundições foram feitas após a morte do artista. Escultura no modernismo e na arte contemporânea 101 Embora nos aspectos formais o futurismo fosse moderno, a sua concepção social era bastante conservadora, posicionando-se à direita politicamente, dialogando com valores essenciais àquilo que caracte- rizaria o fascismo. Nos pontos nove e dez do manifesto, podemos ter uma ideia melhor sobre o que se tratava: 9. Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher. 10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as acade- mias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária. (MARINETTI, 1909) A violência é glorificada e dirigida a diversas frentes: às mulheres e a todas as instituições que representam a salvaguarda da história e da tradição. Assim, museus, bibliotecas, arquivos e universidades são comparados aos cemitérios, à estagnação, e deveriam, segundo os fu- turistas, ser destruídos e apagados pelo fogo ou pela água. Em sala de aula, discuta sobre como os valores defendidos pelos futuristas foram utilizados posteriormente em discursos fascistas. Proponha que os alunos pensem em medidas de combate contra ideias preconceituosas e fascistas. Na aula de Arte 4.2.3 Dadaísmo Durante a Primeira Guerra Mundial a Suíça se manteve neutra, estabe- lecendo-se como refúgio para as pessoas que eram contrárias à guerra, entre elas estavam os artistas que fundariam o dadaísmo. Em Zurique, em fevereiro de 1916, Emmy Hennings (1885, Alemanha-1948, Suíça) e seu marido Hugo Ball (1886, Alemanha-1927, Suíça) fundaram o Cabaré Voltaire, o qual era voltado a práticas artísti- cas experimentais e à crítica política. Foi nesse ambiente que nasceu o dadaísmo, por meio dos escritores e artistas Tristan Tzara (Samuel ou Samy Rosenstock – 1893, Romênia-1963, Paris), Hugo Ball e Hans Arp (1886, França-1966, Suíça). Na matéria Futurismo, a beleza da violência, Ángeles García aborda a exposição retrospec- tiva do movimento no Museu Guggenheim, em Nova York. Nela, a autora também explora a forte adesão dos artistas italianos ao movimento. Para acessar a matéria na íntegra, acesse o link a seguir. Disponível em: https://brasil. elpais.com/brasil/2014/03/23/ cultura/1395598225_356558.html. Acesso em: 21 fev. 2022. Saiba mais https://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/23/cultura/1395598225_356558.html https://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/23/cultura/1395598225_356558.html https://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/23/cultura/1395598225_356558.html 102 Artes visuais – Escultura Esses artistas, ao contrário dos futuristas, criticavam não só a guer- ra, mas tudo aquilo que ela significava, como os valores burgueses. De acordo com Tzara (1918): “assim nasceu Dadá de uma necessidade de independência, de uma desconfiança em relação à comunidade”. Em o manifesto dadá (ou manifesto dadaísta), de 1918, Tristan Tzara anun- cia tudo aquilo a que o movimento era contrário, como também o que defendia. A própria escolha do nome, sorteado ao acaso no dicionário, dei- xava clara a proposta do movimento: “DADÁ NÃO SIGNIFICA NADA”. A palavra tem diferentes significados de acordo com o país em que é utilizada, podendo ser referente tanto a “cavalinho de pau” como a um balbuciar infantil, ao rabo da vaca, e assim por diante. Essa era uma forma de criticar a racionalidade, a objetividade, a harmonia, a ordem, lógica e a hierarquia, que eram considerados valores burgueses, res- ponsáveis por levarem à guerra. O manifesto é repleto de ambiguidades, como: “escrevo um mani- festo e nada quero, digo, porém, certas coisas e sou em princípio contra os manifestos, como sou também contra os princípios” (Tzara, 1918). As contradições são constantemente aproximadas. O caos e o acaso são defendidos não só no manifesto, mas também em outros textos e obras de seus membros, como é o caso da receita criada por Tzara para a confecção de um poema. A experiência motivada pelo acaso se estabelece, então, como um dos recursos para a criação artística. Com ela também se alinha o uso da ironia, do automatismo psíquico, do choque, do caos, da simplicida- de e da diversão. O poema “Receita para fazer um poema dadaís- ta”, de Tristan Tzara, pode ser lido na íntegra no link a seguir. Disponível em: https://www. jessicaiancoski.com/post/tristan- tzara-receita-para-fazer-um- poema-dadaista. Acesso em: 21 fev. 2022. Leitura Em sala de aula você pode utilizar a receita criada por Tzara para traba- lhar com os alunos. Eles podem fazer isso de maneira tanto individual como coletiva. Outro exercício que pode ser realizado tomando como ponto de partida essas diretrizes é pedir para que cada aluno escreva uma palavra (que pode ter tema pré-definido ou não) em um pedaço de papel que deverá ser dobrado e colocado em um lugar para ser sortea- do. A ordem do sorteio definirá a construção do poema. Na aula de Arte (Continua) https://www.jessicaiancoski.com/post/tristan-tzara-receita-para-fazer-um-poema-dadaista https://www.jessicaiancoski.com/post/tristan-tzara-receita-para-fazer-um-poema-dadaista https://www.jessicaiancoski.com/post/tristan-tzara-receita-para-fazer-um-poema-dadaista https://www.jessicaiancoski.com/post/tristan-tzara-receita-para-fazer-um-poema-dadaista Escultura no modernismoe na arte contemporânea 103 O dadaísmo e o surrealismo foram as vanguardas que mais tive- ram representantes mulheres, principalmente na pintura e na cola- gem. Sophie Taeuber-Arp (1889-1943, Suíça) foi uma delas. Dançarina, performer, escultora, pintora, professora, editora de revistas, ilustrado- ra e formada em design têxtil, também atuou como criadora de cená- rios, arquiteta e designer de interiores. Além disso, dedicou-se às “artes aplicadas”, produziu peças de tape- çaria, joias, acessórios como bolsas e outros objetos. No entanto, essas últimas formas de criação foram pouco valorizadas pela arte, pela críti- ca e até mesmo pelo museus, sendo retomadas a partir dos anos 1970 pelas artistas e historiadoras da arte feminista, como as pesquisado- ras Anne Umland e Walburga Krupp (2021). Essas autoras afirmam que Sophie, ao casar, adotou o sobrenome do marido – o também artista Hans Arp –, como era o costume, porém, como uma maneira de manter a sua identidade, passou a assinar artisticamente com o seu sobreno- me de solteira por último, tornando-se Sophie Arp-Taeuber. Essa construção pode ser feita como um exercício final, mas também pode servir como disparador para a criação imagética, por meio de desenhos e esculturas (ou projetos de como seriam). De maneira parecida com os poemas dadaístas em que palavras são re- cortadas, misturadas e tiradas para sua confecção, pode ser criado um exercício com objetos para a construção de uma escultura. Divida a turma em grupos de seis alunos, cada um deles deve retirar aleatoriamente um objeto levado por você ou trazido de casa pelos próprios alunos. O material deve ser agrupado para formar uma obra que será efêmera. Fotografe os trabalhos para que os alunos tenham registro da atividade. Cada grupo pode montar, desmontar e refazer a escultura várias vezes durante a aula. Peça para que selecionem o melhor resultado e expliquem essa escolha. Outra proposta que pode ser feita é a do “desenho cadáver”, que se iniciou originalmente no poema. Nessa técnica, uma pessoa faz um desenho em um pedaço da folha e a dobra, deixando ver apenas uma pequena parte das linhas para que o participante seguinte dê continuidade ao desenho, e assim por diante. Para ver o resultado, basta desdobrar a folha. Esse tipo de traba- lho pode ser pensado como um projeto para a realização de uma escultura. Para tanto, é necessário definir em que tipo de material ela será realizada depois (argila, objetos encontrados em casa etc.), para que se torne viável de ser feita pelos alunos. 104 Artes visuais – Escultura Figura 12 Sophie Arp-Taeuber, Cabeça dada Sa ilk o/ W iki m ed ia C om m on s Fonte: ARP-TAEUBER, S. Cabeça dadá. 1920. Óleo e pintura metálica sobre madeira. 29,4 x 14cm, Centre Georges Pompidou, Paris. A cabeça criada por Sophie Arp-Taeuber é reduzida a uma forma bastante simples, remetendo à cabeça de um palito de fósforos. O nariz é indicado por um plano geométrico, e olho, boca e cabelos são estilizados. A boca ganha toda a dimensão do final da cabeça ao ser pintada de vermelho. Na altura da testa vemos os escritos 1920 e dada, que reforçam o próprio título da obra. É uma cabeça que pouco se assemelha aos retratos convencionais encontrados ao longo da história da arte, marcando características da arte dadá, como o choque e a combinação de pintura e escultura. Figura 13 O primeiro readymade Da de ro t/W iki m ed ia C om m on s Fonte: DUCHAMP, M. Roda de bicicleta. 1964. Roda de bicicleta e banco de cozinha. Galeria Nacional de Arte Moderna, Roma. A versão da imagem é de 1964, enquanto a versão original é de 1913. Embora não tenha participado da fundação da vanguarda, um dos artistas mais importantes para o dadaísmo, e também para a arte que se seguiria, foi Marcel Duchamp (1887-1968, França). Entre 1913-1914, Duchamp criou suas primeiras es- culturas por meio de objetos prontos, industrializados. Tal técnica foi nomeada por ele como readymade (o ter- mo também é encontrado na bibliografia consultada com outras grafias: ready-made, ready made). Essas peças são consideradas as precursoras da arte conceitual. Nesse tipo de obra, o artista não estava somente interessado no aspecto formal do trabalho, mas sim em pensar o que o tornava obra de arte. De acordo com Krauss (2001, p. 98), “seu trabalho não pretende expor o objeto para que seja examina- do, mas sim esmiuçar o próprio ato da transformação estética”. Os objetos “pré-fabricados” ou totalmente Escultura no modernismo e na arte contemporânea 105 prontos eram assinados e retirados de seus usos cotidianos para es- paços institucionalizados da arte. Esse deslocamento de contexto e de nome promovia uma nova forma de conceber a arte, ampliando-a como questionamento, como conceito e como seleção, acrescentando um novo sentido ao objeto, ao mesmo tempo que rompe com a lógica convencional funcional que o objeto tinha. Dessa maneira, a arte, enquanto um trabalho manual, associada ao processo de fazer uma pintura ou uma escultura é posta em xeque. Os suportes já não são mais aqueles tradicionais. Isso aponta para uma nova relação entre obra e público, que já não é mais visto apenas como alguém passivo diante do trabalho, sendo, antes, responsável pela in- terpretação ativa. Tal dialogismo entre esses dois personagens será ainda mais aprofundado com a produção artística contemporânea. Figura 14 R. Mutt, A fonte Al fre d St ie gl itz /W iki m ed ia C om m on s A obra original foi perdida ou destruída, assim como o negativo da fotografia de Alfred Stieglitz. Fonte: MUTT, R. A fonte. 1917. Exposição na Art Gallery, Nova York. Na Figura 14 vemos uma das obras mais conhecidas do século XX: A fonte (1917). Trata-se de um urinol invertido e assinado sob o pseudôni- mo R. Mutt, tendo sido enviado para a exposição Sociedade Americana de Artistas Independentes de 1917, em Nova York. Desde o início o trabalho foi tido como de Duchamp – o próprio artista afirmava ter sido o criador. Porém, a descoberta de novos do- 106 Artes visuais – Escultura cumentos, entre eles a correspondência de Duchamp com sua irmã, na qual o artista afirmava que uma amiga, que costumava assinar sob o pseudônimo R. Mutt (Richard Mutt) e vivia nos Estados Unidos no período, havia encaminhado a peça para a exposição. Possivelmen- te, essa amiga, era a baronesa Elsa von Freytag-Loringhoven (1874, Alemanha-1927, Paris). Mesmo assim, as discussões sobre a autoria da obra continuam, com base na interpretação da carta. Ainda que Elsa von Freytag-Loringhoven tenha sido uma das primei- ras criadoras do que ficou conhecido como readymade, ela só teve seu trabalho reconhecido há poucas décadas. Muitos dos artistas dadaístas também fizeram parte do surrealismo, entre eles Jean Arp (Hans Arp) e Man Ray (Emanuel Radnitzky – 1890, EUA- 1976, Paris). Além disso, muitas das concepções presentes no movimen- to dadá também estariam presentes e renovadas na nova vanguarda. 4.2.4 Surrealismo O surrealismo estava intimamente ligado com a busca e a manifes- tação do inconsciente. Suas pesquisas tinham como uma de suas prin- cipais referências o trabalho de Sigmund Freud sobre o inconsciente e o desenvolvimento da psicanálise. O termo surrealista havia sido cria- do pelo escritor e crítico de arte Apollinaire (que também havia sido o responsável pelo manifesto da pintura cubista) em 1917 e foi pos- teriormente incorporado pelo artista André Breton, responsável pelo primeiro manifesto surrealista, em 1924. Figura 15 Man Ray, Preto e branco M an R ay /W iki m ed ia C om m on s Fonte: RAY, M. Preto e branco. 1926. Fotografia em impressão de gelatina de prata. 17,5 x 21 cm. Na fotografia Preto e branco, a modelo e artista Kiki de Montparnasse – a qual colaborou em inúmeros trabalhos de Man Ray – segura uma máscara africana em pé, enquanto apoia o seu rosto deitado sobre a mesa. O artista faz uma homenagem ao trabalho de Brâncuși A musa adormecida e àprópria arte africana, como também ao cubismo, o qual a tomou como referência. Você pode conhe- cer um pouco mais sobre a artista Elsa von Freytag-Loringhoven e a questão da autoria de A fonte na matéria de Andrea García Elsa von Freytag-Loringhoven, la primera artista del dadá y performer de la historia. Disponível em: https://vein.es/ elsa-von-freytag-loringhoven- la-primera-artista-del-dada-y- performer-de-la-historia/. Acesso em: 21 fev. 2022. Saiba mais https://vein.es/elsa-von-freytag-loringhoven-la-primera-artista-del-dada-y-performer-de-la-historia/ https://vein.es/elsa-von-freytag-loringhoven-la-primera-artista-del-dada-y-performer-de-la-historia/ https://vein.es/elsa-von-freytag-loringhoven-la-primera-artista-del-dada-y-performer-de-la-historia/ https://vein.es/elsa-von-freytag-loringhoven-la-primera-artista-del-dada-y-performer-de-la-historia/ Escultura no modernismo e na arte contemporânea 107 Breton havia atuado como enfermeiro durante os conflitos da Primeira Guerra Mundial, no hospital de Nantes. Como um modo de tentar ajudar os pacientes, atuava, apoiado no livro de Freud In- terpretação dos sonhos, para a percepção do inconsciente e a análise dos sonhos dos internados. Com base nessa experiência, ele conclui no manifesto surrealista que o sonho: “1.º nos limites onde exerce sua ação (supõe-se que a exerce) o sonho, ao que tudo indica, é con- tínuo, e possui traços de organização. A memória arroga-se o direito de nele fazer cortes, de não levar em conta as transições, e de nos apresentar antes uma série de sonhos do o sonho” (BRETON, 1924, grifo do original). Assim, explorar o inconsciente era uma forma de trazer à tona essas brechas deixadas pela memória ou por aquilo que é recalcado em nossos pensamentos quando estamos despertos. Enquanto para Duchamp as escolhas ao acaso era algo que não levava em conta seu gosto ou inconsciente, apontando – de acordo com Krauss (2001, p. 132) – para uma “despersonalização do objeto”, para os surrealistas o acaso era “objetivo”. Segundo Breton, as es- colhas feitas por meio do acaso eram motivadas pelo inconsciente, o que tornaria pessoal toda escolha. No surrealismo, o acaso era visto como algo esperado e desejado, inconsciente e irracional. Dessa maneira, para os surrealistas o tema e o aspecto formal das obras eram carregados de simbolismo e atuavam como manifesta- ções dos desejos e/ou do medo do inconsciente. Várias das práticas do movimento eram feitas para libertar a imaginação, o pensamento e o próprio inconsciente. Entre elas, estavam as associações – feitas de maneira rápida com as primeiras coisas que vinham à mente –, o automatismo – o que gerava resultados e efeitos diversos, imprevi- síveis – e o uso de metáforas. Por meio dessas técnicas e temas ligados, na maioria das vezes, à sexualidade explícita ou não, bem como à violência que poderia estar diretamente relacionada à primeira, os surrealistas criticavam o racionalismo e o conservadorismo burguês. Essas questões po- dem ser observadas nas Figuras 16 e 17. 108 Artes visuais – Escultura Figura 16 Salvador Dalí, Telefone Lagosta M ile st on ed /W iki m ed ia C om m on s Fonte: DALÍ, S. Telefone lagosta. 1936. Telefone comum e lagosta em gesso. 15 x 30 x 17 cm. s.l. A peça também é conhecida como Telefone afrodisíaco. De acordo com Krauss (2001), em um jantar de Dalí com um amigo, ao jogarem as cascas das lagostas aleatoriamente, uma teria caído sobre o telefone, gerando a ideia de Dalí para a escultura que alia dois elementos tão distantes entre si. Além disso, para Duchamp, ambos, telefone e lagosta, eram associados à sexualidade. Figura 17 Man Ray, Presente W m pearl/W ikim edia Com m ons Fonte: RAY, M. Presente. 1972. Ferro de passar e pregos. Tate Modern, Londres. O readymade Presente, feito por Man Ray, faz referência à violência e à sexualidade, incorporando elementos tanto do dadaísmo como do surrealismo. O novo objeto, se usado, poderia rasgar as roupas, mas também outros materiais, como a própria pessoa. Escultura no modernismo e na arte contemporânea 109 Breton (1924) sugeria o seguinte: “escreva de- pressa, sem assunto preconcebido, bastante depres- sa para não reprimir, e para fugir à tentação de se reler”. Tal processo de escrita pode ser desdobrado para outras linguagens, como o desenho, a pintura e a modelagem. Outros exercícios podem ser feitos pensando na questão da associação. Fale uma palavra inicial simples e peça para que seus alunos anotem dez pa- lavras de associação a partir daí. O exercício pode ser feito de maneira coletiva, o que o aproxima tam- bém das experimentações dadaístas: cada um diz uma palavra associando-a com a que foi dita ante- riormente. Essas palavras devem ser anotadas. Com elas, podem ser criadas imagens. Figura 18 Meret Oppenheim, Café da manhã em pele M er et O pp en he im /W iki m ed ia C om m on s Fonte: OPPENHEIM, M. Café da manhã em pele. 1936. Xícara, pires e colher cobertos com pelo de gazela chinesa. Museu de Arte Moderna, Nova York. Meret Oppenheim (1913, Berlim-1985, Bâle, Suíça) foi a primeira ar- tista mulher a fazer parte da coleção do MoMA de Nova York, com a sua obra Déjeuner en fourrure (café da manhã em pele – 1936), a qual consiste em três peças – colher, xícara, e pires – recobertas com pele de gazela chinesa (Figura 18). Esse aspecto é lido usualmente como uma referência erótica e sexual. A associação de objetos feitos para conter elementos quentes e usados na boca com a pele associada ao corpo e ao tato transforma a experiência usual em algo estranho: o contato com a boca, os lábios e a língua já não se torna mais agradável, ainda que passe a ser mais sensível ao toque das mãos. Essa (Figura 18) é uma das obras mais conhecidas do surrealismo. A artista faz com que o objeto perca a sua funcionalidade, pois já não conteria o líquido – ao contrário, o absorveria. A pele também é asso- ciada, geralmente, à feminilidade e a sua sexualidade (vide os casacos de pele que eram moda na época). Pelos, quando associados à comida, possuem usualmente sentido de nojo. A ideia para cobrir as peças veio em uma conversa com Pablo Picasso e Dora Maar. Oppenheim estava com a sua pulseira coberta de pele, vendida para Elsa Schiaparelli. Picasso teria dito que tudo poderia ser coberto com o material, ao que Meret teria respondido: “até as xícaras que estavam ali”. O título foi dado por seu amigo Breton em referência à célebre pintura de Manet: Le déjeuner sur l’herbe (almoço sobre a relva). 110 Artes visuais – Escultura Figura 19 Meret Oppenheim, Mesa com Pés de Pássaro S ai lko /W iki m ed ia C om m on s Fonte: OPPENHEIM, M. Mesa com pés de pássaro. 1972. Exposição Mulheres no Design Italiano, Milão, 2016. A artista teve uma forte ligação com o psicanalista Carl Jung, o que a levou a explorar cada vez mais seu inconsciente, por meio dos sonhos. Poucos anos depois, aproximou-se dos artistas do surrealismo. O surrealismo também esteve presente no trabalho de Louise Bourgeois (1911, Paris-2010, Nova York). A artista abordava questões do inconsciente, adotando elementos simbólicos para falar de temas ligados à sua própria história. Figura 20 Louise Bourgeois, Maman Di di er D es co ue ns /W ik im ed ia Co m m on s Há muitas versões, de diferentes formatos e tamanhos, para a escultura Maman. Elas estão presentes em diversos museus de arte espalhados por várias cidades no mundo, como Bilbao, Canadá e São Paulo (no MAM).Fonte: BOURGEOIS, L. Maman. 1999, fundida em 2001, bronze, mármore e aço inoxidável, 895 x 980 x 1160cm, edição 2/6. Museu Guggenheim, Bilbao. O surrealismo e as formas abstratas do cubismo e do construtivismo também influenciaram a produção artística nos Estados Unidos, como Elsa Schiaparelli (1890, Roma-1973, Paris) foi uma das estilistas mais influentes do século XX. Ela produziu suas roupas dialogando com outras artes, entre elas a pintura e aescultura. Seu estilo é marcado pela irreverên- cia, humor e surrealismo. Foi a criadora do que conhecemos hoje como rosa-choque. A estilista-ar- tista criou parcerias com vários artistas, entre eles, Andy Warhol e Alberto Giacometti. No entanto, aquela que se tornou mais célebre foi a com o surrealista Salvador Dalí. Entre as várias peças cria- das em colaboração com ele, estão o chapéu-sapa- to, o vestido esqueleto, entre outras. No site da Maison Schiaparelli há uma série de fotografias das colabo- rações e criações de Elsa Schiaparelli. Disponível em: https://www. schiaparelli.com/en/21-place- vendome/schiaparelli-and-the- artists/. Acesso em: 22 fev. 2022. Na página a seguir, você encontra um pouco sobre a vida de Schiaparelli e sua relação com a arte. No link também há um curta de animação que ilustra sua história. Dispónível em: https:// aventurasnahistoria.uol.com. br/noticias/reportagem/ vestido-esqueleto-e-bolsa- telefone-quando-a-moda-de-elsa- schiaparelli-se-conectou-com-a- mente-de-salvador-dali.phtml. Acesso em: 22 fev. 2022. Saiba mais https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/ https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/ https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/ https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/ https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/vestido-esqueleto-e-bolsa-telefone-quando-a-moda-de-elsa-schiaparelli-se-conectou-com-a-mente-de-salvador-dali.phtml Escultura no modernismo e na arte contemporânea 111 é o caso de David Smith (1906-1965, EUA). Suas obras eram produzidas em metal, trabalhando com formas de figuras humanas simplificadas ou mesmo com a própria abstração, por meio de noções de objetos má- gicos, totens e tabus, tendo como referência o livro de Sigmund Freud Totem e tabu. Sua técnica de soldagem havia sido aprendida no trabalho em linha de montagem na indústria, de onde provavelmente surgiu a ideia para o nome de sua oficina: Terminal de Siderurgia. 4.2.5 Construtivismo O construtivismo surgiu na Rússia em 1913, mas ganhou esse nome apenas alguns anos depois. Seus artistas estavam preocupados com a questão formal e com a sua relação com os novos materiais indus- trializados, o que os levou à investigação da abstração por meio da geometrização. Figura 21 Vladimir Tatlin, Contrarrelevo de canto sh ak ko /W iki m ed ia C om m on s Fonte: TATLIN, V. Contrarrelevo de canto. 1914. Ferro, cobre, madeira, cabos. 71 x 118 cm. Museu Estatal Russo, São Petersburgo. O construtivismo estava diretamente, como o próprio nome indica, relacionado ao concreto, à ra- cionalização, bem como à função social – a arte de- veria servir à sociedade, e não ser considerada uma atividade além dela. Vladimir Tatlin (1885-1953, Moscou) foi um dos precursores do construtivismo. Os seus contrarrele- vos eram esculturas feitas especialmente para serem colocadas nos cantos dos ambientes, no encontro en- tre duas paredes, como pode ser visto na Figura 21. O artista utiliza materiais industrializados, comumente usados em construções, como uma forma de aproxi- mar a arte do cotidiano. Para o artista, a arte também deveria ser engaja- da social e politicamente, aproximando a sociedade da arte. A escolha pelos materiais modernos e indus- trializados, como na Figura 21, aponta para a própria industrialização e trabalho do país. Essa sua posição pode ser vista de maneira mais explícita no seu pro- jeto do Monumento à Terceira Internacional (Figura 22), que nunca foi construído. 112 Artes visuais – Escultura Figura 22 Maquete do Monumento à Terceira Internacional Ca rl Há /W iki m ed ia C om m on s Fonte: Vladimir Tatlin e seu assistente em frente à maquete do Monumento à Terceira Internacional. Fotografia de Nikolai Punin, 1921. Os irmãos Naum Gabo e Antoine Pevsner elaboraram o manifesto realista, que ficou conhecido como manifesto construtivista, em 1920. Ainda que estabelecessem um construtivismo diferente daquele de Tatlin – afirmando que a arte poderia ser motivada por questões ine- rentes a ela mesma, ou mesmo considerando termos formais, com o uso de materiais diferentes e outras buscas de composições –, chama- vam suas esculturas de construções. Enquanto Tatlin trabalhava com o “espaço real e materiais reais” (KRAUSS, 2001, p. 76), Gabo e Pevsner abordavam o espaço transpa- rente, livre, a visão simultânea entre o interior e exterior, em uma vi- são mais idealista sobre a arte, ao mesmo tempo que cientificamente orientada (KAVIER, 1972). Eles elaboravam suas construções abstratas em diferentes materiais, como vidro, acrílico, fios de nylon e chapas de alumínio. A Internacional Co- munista foi criada por Vladimir Lenin e pelo Par- tido Comunista da União Soviética (bolchevique) em 1919. Ela visava organizar membros do Partido Comunista de diferentes países na luta contra o sistema capitalista e na implementação do comunismo. O hino da Internacional Comunista apresenta os valores defendidos por seus integrantes, entre eles a eliminação da desigualda- de social. Veja o hino da Interna- cional Comunista no link a seguir. Disponível em: http://sindpdce.org. br/wp-content/uploads/2019/08/ INTERNACIONAL_COMUNISTA.pdf. Acesso em: 22 fev. 2022. A banda de punk rock Garotos Podres fez uma versão do hino em 2003. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=vYHSHY0r1is. Acesso em: 22 fev. 2022. Saiba mais http://sindpdce.org.br/wp-content/uploads/2019/08/INTERNACIONAL_COMUNISTA.pdf http://sindpdce.org.br/wp-content/uploads/2019/08/INTERNACIONAL_COMUNISTA.pdf http://sindpdce.org.br/wp-content/uploads/2019/08/INTERNACIONAL_COMUNISTA.pdf https://www.youtube.com/watch?v=vYHSHY0r1is https://www.youtube.com/watch?v=vYHSHY0r1is https://www.youtube.com/watch?v=vYHSHY0r1is Escultura no modernismo e na arte contemporânea 113 Figura 23 Naum Gabo, Monumento Bijenkorf He rb er t B eh re ns /A ne fo /W ik im ed ia C om m on s Fonte: GABO, N. Monumento Bijenkorf (montagem). 1958. Roterdã. Na Figura 23, podemos ver como as tramas projetadas por Naum Gabo fazem com que a sua escultura pareça leve, apesar da grande dimensão. É interessante levar para a sala de aula os manifestos artísticos para serem discutidos com os alunos. Para alunos mais novos, selecione alguns tre- chos; para os mais velhos, os textos podem ser trabalhados na íntegra (os mais longos devem ser lidos em casa e discutidos em sala). Para as atividades em sala de aula, escolha alguns trechos dos manifes- tos para serem trabalhados. Leia em voz alta e peça para que os alunos expliquem o que entenderam. Algumas questões podem ser levantadas, como: o que defendem? O que criticam? Com base no manifesto, é possível identificar os aspectos formais que caracterizariam as suas obras (cores, formas etc.)? Dialogam com quaiseventos sociais, culturais e/ou políticos? Na aula de Arte (Continua) 114 Artes visuais – Escultura Em seguida, considerando as leituras, peça para que elaborem uma obra com base no que apreenderam. Após esse exercício, explique as características das vanguardas trabalhadas e os contextos em que estavam situadas. Peça para que criem uma obra, agora levando em conta tanto os trechos lidos anterior- mente como as explicações e os exemplos trazidos. Dê um tempo curto para a execução de cada escultura e/ou desenho. Peça para que os alunos comentem o que mudou para eles na hora de montar os trabalhos. É importante que com- parem o antes e o depois, percebendo o que foi incorporado ou descartado na produção e que avaliem como compreenderam os movimentos. 4.3 Arte contemporânea Vídeo Como embasamento teórico para a confecção desta seção, utiliza- mos os textos de Rosalind Krauss (1984; 2001), Michael Archer (2013), Ellen Kavier (1972) e Batchelor (2001). A arte contemporânea se estabelece após a Segunda Guerra Mun- dial. Ainda que mantenha diálogos com a arte anterior, a moderna, apresenta-se enquanto uma ruptura com ela. A destruição da Europa causada pela Segunda Guerra Mundial acabou mudando o cenário po- lítico, econômico e cultural. Os Estados Unidos passam a ser a nova potência mundial e Nova York, o novo polo artístico. A partir da arte contemporânea, o conceito de escultura foi amplia- do, sobretudo pelos críticos estadunidenses, para se adequar aos no- vos materiais e composições criadas pelos artistas. O público passa a ser compreendido de uma nova forma, não somente como um espec- tador passivo das obras de arte, mas como seu ativador, essencial para que o trabalho tivesse sentido. A noção de escultura ampliada se intensificou nos anos 1960/1970. Assim, ao englobar inúmeros materiais e formas de ocupação do es- paço, o que era colocado como uma maneira de perpetuar a tradição escultórica acabou a desmontando. Ela acabou sendo associada com base naquilo que não é: não é pintura nem paisagem, tampouco arqui- tetura. Ao mesmo tempo, pode se estabelecer a partir delas, por exem- plo: demarcações de locais, interferências que mudam a paisagem. O campo expandido se caracteriza pela relação mais fluída entre as diferentes linguagens artísticas. As fronteiras entre o que é escultura, • Examinar esculturas produzidas em vários movimentos artísticos contemporâneos e seus principais representantes. • Compreender a noção de campo ampliado. Objetivos de aprendizagem O documentário Women Art Revolution, de Lynn Hershman Leeson, abor- da o movimento de arte feminista estadunidense a partir dos anos 1970. O vídeo apresenta como as artistas feministas se organizaram no cenário artístico dos Estados Unidos, que, assim como em outros países, era marcado pelo machismo institucionalizado no campo da arte. Direção: Lynn Hershman Leeson. EUA: Hotwire Productions, 2010. Documentário Escultura no modernismo e na arte contemporânea 115 pintura, performance etc. são borradas, mescladas. Segundo Donald Judd (1965 apud BATCHELOR, 2001, p. 14), “mais da metade dos me- lhores trabalhos novos dos últimos anos não foi nem pintura, nem es- cultura”. As obras se estabelecem entre as fronteiras, podendo utilizar mais de duas linguagens simultaneamente. Desse modo, a arte con- temporânea questionava os limites tradicionais da arte. 4.3.1 Pop art No começo dos anos 1960 a pop art se estabeleceu como movimento artístico nos Estados Unidos. Ela dia- logava de modo crítico com a comunicação e o consumo de massa – como a publicidade, a televisão, os noticiá- rios, o cinema –, adotando técnicas e materiais oriundos deles, por exemplo: a repetição, a produção de objetos em série, o aspecto industrializado, a simulação de um material e/ou técnica usando outro, a escolha de temas banais. A pop art estava fortemente vinculada ao modo de vida dos EUA e à sociedade capitalista. O humor e a ironia eram frequentemente utilizados nos trabalhos de seus artistas. Andy Warhol (Andrew Warhola, 1928-1987, EUA) e Claes Oldenburg (1929-, Suécia) foram dois dos seus principais representantes nos Estados Unidos. Com suas caixas de Brillo (Figura 24), Andy Warhol reforçava a noção de que a arte também é uma mer- cadoria. O seu estúdio, que contava com uma linha de produção, foi nomeado por ele de A Fábrica, ressaltan- Figura 24 Andy Warhol, Brillo M la ng .F in n/ W ik im ed ia C om m on s Andy Warhol em frente às suas caixas de Brillo. Museu Moderno de Estocolmo. Fotografia realizada por Lasse Olsson/Pressens Bild, em 9 de fevereiro de 1968, antes da abertura de sua exposição retrospectiva. do esse aspecto. Segundo Archer (2013, p. 117), “o tipo de arte pro- duzida pela Fábrica de Andy Warhol – despersonalizada, mecanizada, utilizando processos de produção de múltiplas unidades – caracterizou a ideologia da maior parte da Pop Art”. A arte passava a ser lida como mais um tipo de mercadoria produzida no sistema capitalista. Claes Oldenburg utilizava o repertório da cultura de massas para a criação de suas esculturas feitas em grandes dimensões, como o seu fa- moso hambúrguer (Figura 25). A escolha pelo uso de materiais macios seria uma referência, segundo Krauss (2001), ao próprio corpo do artista. 116 Artes visuais – Escultura Figura 25 Claes Oldenburg Be rt Ve rh oe ff/ An ef o/ W ik im ed ia C om m on s Exposição do trabalho de Claes Oldenburg (EUA) no Museu Urbano de Amsterdã. Fotografia de Verhoeff, Bert/Anefo, de 16 de janeiro de 1970. A obra em destaque é um hambúrguer feito de tecido e estofado e costurado por Patty Mucha, que era casada com o artista na época. A escolha pelas formas de comidas junk food (alimentos de baixa qualidade nutricional, mas preparados industrialmente e rapidamen- te), em grandes e macios formatos, refletia de modo irônico e agres- sivo sobre a própria sociedade de consumo estadunidense: torna aconchegante aquilo que faria mal. Como o material utilizado por Claes Oldenburg era mole, seu formato final era ajustado à sedimentação de seu preenchimento, aliado ao local em que era exposto. 4.3.2 Minimalismo A partir dos anos 1960 diferentes artistas foram chamados de mi- nimalistas, ainda que não formassem um movimento e tampouco se denominassem como tais. Esse agrupamento involuntário foi feito com base nas aproximações formais das obras de diferentes artistas, entre eles: Donald Judd, Dan Flavin e Sol LeWitt. Apesar de manterem suas próprias especificidades, tinham em comum: a abstração geométrica; a negação da ornamentação, a re- O Museu MoMA de Nova York realizou um pequeno vídeo sobre a exposição que traz os primeiros trabalhos de Claes Oldenburg, enfatizando a sua obra The store (A loja – 1961-1964), a qual envol- via instalação e esculturas, que eram vendidas. Disponível em: https://www.moma. org/multimedia/video/269/1288. Acesso em: 23 fev. 2022. Vídeo No livro Minimalismo, David Batchelor concentra em oitenta páginas as principais características, artistas e obras do mini- malismo desenvolvido nos Estados Unidos. Seu livro possui uma linguagem acessível e conta com muitas ilustrações. BATCHELOR, D. 2. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. Livro https://www.moma.org/multimedia/video/269/1288 https://www.moma.org/multimedia/video/269/1288 Escultura no modernismo e na arte contemporânea 117 dução ao mínimo considerado necessário e as formas simples, sendo que o cubo era uma das figuras mais utilizadas; a não utilização de pedestais – as esculturas eram presas na parede ou colocadas dire- tamente no chão; o trabalho com unidades modulares que muitas vezes eram repetidos, construindo padrões, negando a arte enquan- to singular; cor chapada feita com acabamento industrial; o uso de materiais industrializados, como lâmpadas, blocos de cimento, blocos prontos, placas de madeira e espelhos – os materiais eram utilizados por eles mesmos, e não como uma maneira desimular um material distinto, negando, assim, o ilusionismo presente em boa parte da his- tória da arte. A obra era o que era, em sua materialidade, e não fazia referência a outra coisa a não ser a ela mesma. Além disso, segundo Batchelor (2001, p. 13), “a maioria foi feita du- rante a segunda metade dos anos 60; todos em Nova York; todos por homens – todos com pouco mais de trinta anos e todos brancos”. Por todas essas características, é fácil compreender a crítica das ar- tistas feministas estadunidenses ao minimalismo. Para elas, esse tipo de arte se alienava de questões políticas e sociais do período – temas amplamente discutidos por elas em seus trabalhos –, em parte porque se tratava de um grupo formado por homens brancos, o que por si já lhes garantia muitos privilégios. Além disso, um dos seus escultores que mais ganhou destaque, Carl Andre, foi acusado de ter matado a artista Ana Mendieta, com quem era casado. No documentário Women Art Revolution (2010), muitas dessas artistas apontam para como fize- ram ações em represália ao artista. Apesar disso, Batchelor (2001, p. 7) afirma que a arte minimalista “mudou substancialmente o aspecto que a arte poderia ter, como po- deria ser feita e do que poderia ser feita”, reverberando nas técnicas e materiais utilizados por artistas posteriores. Destacamos alguns dos seus principais artistas: • Dan Flavin (1933-1996, EUA) ficou conhecido pelos seus traba- lhos com lâmpadas fluorescentes, o que gerava, além do aspecto industrial, uma percepção distinta do espaço pelo uso da luz, bor- rando as fronteiras entre ele e a obra. 118 Artes visuais – Escultura Figura 26 Dan Flavin, Estrutura e claridade M ed iu m 69 /W iki m ed ia C om m on s Fonte: FLAVIN, D. Estrutura e claridade. 1987. Neon. Tate Modern Museun, Londres. • As obras escultóricas de Sol LeWitt (1928-2007, EUA) dialogavam com os desenhos, devido a suas linhas e planos bem marcados. O artista elaborou desde esculturas formadas apenas pelas es- truturas (Figura 27), o que deixava a parte interna visível, até aquelas completamente fechadas, “sólidas”, ainda que ocas. Figura 27 Sol LeWitt, Cubo modular Ri no P or ro ve cc hi o/ W iki m ed ia C om m on s Fonte: LEWITT, S. Cubo modular. 1979. Museu de Arte Moderna, Nova Galeria Nacional, Berlim. https://commons.wikimedia.org/wiki/User:Medium69 Escultura no modernismo e na arte contemporânea 119 • Donald Judd (Donald Clarence Judd – 1928-1994, EUA) explorava uma repetição quase mecânica de unidades modulares. O artista buscava apagar qualquer hierarquia formal dentro do seu traba- lho (figuras 28 e 29). Figura 28 Donald Judd, sem título Re pt 0n 1x /W ik im ed ia C om m on s Fonte: JUDD, D. Sem título. 1973. Cobre. Tate Liverpool, Liverpool. Figura 29 Donald Judd, sem título Ca ro l M . H ig hs m ith /W ik im ed ia C om m on s Fonte: JUDD, D. Sem título. 1980-1984. Concreto. Fundação Chinati, Marfa. De acordo com informações do site da Fundação Chinati, a fundação foi criada por Donald Judd em 1986, contando com instalações permanentes, como essa obra do próprio artista. 120 Artes visuais – Escultura • Robert Morris (1931-2018, EUA), ao contrário da maioria dos ar- tistas do período, defendia a separação entre escultura e pintura, criticando o uso de cor pela primeira: o cinza, o branco e o preto, tão presentes em sua obra, não eram vistos por ele como cores. Em Vigas em L (1965), Morris explora como formas iguais, quando colocadas de modos diferente em um ambiente, alteram a per- cepção sobre elas. A estrutura interna da forma é, desse modo, questionada. Esse efeito já tinha sido explorado pelo artista em Coluna, um trabalho que aproximava suas experiências no teatro, na dança e na performance: a obra consistia na apresentação de um coluna em um palco de teatro, a qual após ficar três minutos e meio em pé tombava e ficava mais outros três minutos e meio nessa nova posição. Ao mudar o sentido da coluna, também se mudava a sensação causada e a interpretação sobre ela. Os minimalistas, ao incorporarem elementos cotidianos e indus- trializados, demonstraram interesse pelo readymade (referenciado por esses artistas por meio da utilização de produtos industrializados, como as lâmpadas e os espelhos) e pela repetição das unidades, apro- ximando-se da arte pop. O aspecto industrializado dos trabalhos era uma forma de questionar a tradição artística voltada ao objeto único, produzido manualmente. Ao mesmo tempo, mantinham um distancia- mento considerável do tipo de material do qual se apropriavam: os mi- nimalistas, segundo Krauss (2001, p. 298), “se valiam de elementos aos quais nenhum tipo específico de conteúdo fora conferido”, enquanto na pop art ocorria justamente o contrário: escolhiam imagens consu- midas em massa. 4.3.3 Arte conceitual Nos anos 1960, a arte conceitual se torna um campo consolidado. As suas raízes estão presentes nos readymades de Marcel Duchamp e em René Magritte (1898-1967, Bélgica), em especial em A traição das imagens (1929). A obra é mais conhecida pela legenda que a acompa- nha, Ceci n’est pas une pipe (isto não é um cachimbo), em referência à pintura de um cachimbo logo acima dela. A frase nos lembra que a figura é apenas uma imagem de um cachimbo, uma representação, e não o objeto em si. Escultura no modernismo e na arte contemporânea 121 Como o próprio nome indica, a arte conceitual é um movimento voltado à ideia, aos conceitos da obra, enquanto os aspectos formais ficam relegados em segundo plano, ou mesmo podem não ser realiza- dos. Assim, a ideia que levou à elaboração da obra de arte é vista como primordial e é também uma concepção artística. A realização ou não da ideia poderia ser feita por outras pessoas com base em instruções. Joseph Kosuth (1945-, EUA), levanta questões sobre o que é arte, utilizando a tautologia – reforço da mesma ideia (no caso do artista, por meio de palavras e imagens) –, o humor e a ironia como disparadores para a realização de seus trabalhos. Uma de suas obras mais conhecidas é Uma e três cadeiras (1965), a qual é formada pela definição de cadeira, a fotografia de uma cadeira e a ca- deira em si. Alguns anos depois, na série Arte e ideia como ideia (Figura 30), o artista explora apenas as palavras por meio de suas definições. Figura 30 Joseph Kosuth, Arte e ideia como ideia M au ríc io P es ce /W iki m ed ia C om m on s Fonte: KOSUTH, J. Arte e ideia como ideia: a palavra definição. 1966-1968. s.l. Os escritos e as obras do minimalista Donald Judd são uma das princi- pais referências para Joseph Kosuth (1975, p. 34 apud BARROS, 2018, p. 8): uma obra de arte é uma tautologia na medida em que é uma apresentação da intenção do artista, isto é, ela está dizendo que aquela obra de arte particular é arte, o que significa que ela é uma definição de arte. Assim, o fato de ela ser arte é verdadeiro a priori (é o que Judd quer dizer quando afirma que “se alguém chama algo de arte, isso é arte”). No vídeo Joseph Kosuth, do canal Beatriz Lagoa, pode- mos conhecer um pouco da trajetória do artista e de suas obras em neon e como a sua concepção de arte está intimamente ligada à ideia, ao conceito. O vídeo ainda conta um depoimento do artista, que explica o porquê da escolha do material. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=ovHw8GpuAzI&ab_ channel=BeatrizLagoa. Acesso em: 22 fev. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=ovHw8GpuAzI&ab_channel=BeatrizLagoa https://www.youtube.com/watch?v=ovHw8GpuAzI&ab_channel=BeatrizLagoa https://www.youtube.com/watch?v=ovHw8GpuAzI&ab_channel=BeatrizLagoa https://www.youtube.com/watch?v=ovHw8GpuAzI&ab_channel=BeatrizLagoa 122 Artes visuais – Escultura Tal afirmação ajuda na compreensão sobre as figuras 30 e 31. Elas se estabelecem com base na própria definição e nas ideias conceituais por trás de suas confecções. Figura 31 Joseph Kosuth, Neon Fl or en t D ar ra ul t/W iki med ia C om m on s Fonte: KOSUTH, J. Neon. 1965. Tubos de neon. La Maison Rouge, Paris. O aspecto tautológico também é evidente na obra Neon. Nela, Kosuth reafirma aquilo que é o trabalho pela forma e pelo material: nesse caso, um neon que diz ser um neon. 4.3.4 Land art A land art está intimamente ligada ao meio ambiente, interagindo e interferindo na paisagem. Robert Smithson (1938-1973, EUA), um dos artistas mais conhecidos desse tipo de arte, estava interessado não só em modificar a natureza, mas também na própria mudança gerada por ela em suas obras: as intempéries pelas quais passariam ao longo do tempo fariam com que se transformassem. Para Krauss (2001) e Archer (2013), a land art se constituía por meio da dupla negação: não é arquitetura, mas também não é paisagem. Muitas vezes, a documentação sobre ela, fotografias e vídeos são apre- sentados como derivações dos trabalhos feitos nos lugares específicos, como é o caso do Quebra-mar espiral (Figura 32). Em Quebra-mar espiral (1970), de Robert Smithson, toneladas de ba- salto e areia foram depositadas em forma de espiral no Grande Lago Escultura no modernismo e na arte contemporânea 123 Salgado. A obra inteira só pode ser vista do alto e à distância, mas pode ser experimentada ao percor- rermos o caminho deixado por ela. Christo (Christo Vladimirov Javacheff – 1935, Bulgária-2020, EUA) e Jeanne-Claude (Jeanne-Claude Denat de Guillebon – 1935, Marrocos-2009, EUA) produziram inúmeros projetos de empacotamen- to de construções e paisagens inteiras. Essas obras eram, e ainda são, realizadas por equipes gigantes e especializadas – em boa parte dos casos, em rapel. Figura 32 Robert Smithson, Quebra-mar espiral So re n. ha rw ar d/ W iki m ed ia C om m on s Fonte: SMITHSON, R. Quebra-mar espiral. 1970. Basalto e areia. 45 m em espiral x 4,5 m de largura. Grande Lago Salgado, Utah. Figura 33 Christo e Jeanne-Claude, Os cais flutuantes na ilha de San Paolo Ne wt on Co ur t/W iki m ed ia C om m on s CHRISTO; JEANNE-CLAUDE. Os cais flutuantes na ilha de San Paolo vistos de Rocca di Monte Isola. 2016. Ilha de San Paolo. CHRISTO; JEANNE-CLAUDE. Empacotamento do Arco do Triunfo (obra póstuma). 2021. Paris. S ch aw an n M ic ha ël /W iki m ed ia C om m on s Figura 34 Christo e Jeanne-Claude, Arco do triunfo recoberto Na matéria Arco do Triunfo é “empacotado” em obra póstuma dos artistas Christo e Jeanne-Claude, podemos ter uma noção geral de como os seus trabalhos eram realizados, do planejamento por meio de desenhos até a construção das obras finais. A matéria também explora rapidamente a trajetória dos artistas e a sua parceria. Disponível em: https:// www.rfi.fr/br/podcasts/ cultura/20210917-arco-do-triunfo- %C3%A9-empacotado-em-obra- p%C3%B3stuma-dos-artistas- christo-e-jeanne-claude. Acesso em: 22 fev. 2022. Saiba mais https://www.rfi.fr/br/podcasts/cultura/20210917-arco-do-triunfo-%C3%A9-empacotado-em-obra-p%C3%B3stuma-dos-artistas-christo-e-jeanne-claude https://www.rfi.fr/br/podcasts/cultura/20210917-arco-do-triunfo-%C3%A9-empacotado-em-obra-p%C3%B3stuma-dos-artistas-christo-e-jeanne-claude https://www.rfi.fr/br/podcasts/cultura/20210917-arco-do-triunfo-%C3%A9-empacotado-em-obra-p%C3%B3stuma-dos-artistas-christo-e-jeanne-claude https://www.rfi.fr/br/podcasts/cultura/20210917-arco-do-triunfo-%C3%A9-empacotado-em-obra-p%C3%B3stuma-dos-artistas-christo-e-jeanne-claude https://www.rfi.fr/br/podcasts/cultura/20210917-arco-do-triunfo-%C3%A9-empacotado-em-obra-p%C3%B3stuma-dos-artistas-christo-e-jeanne-claude https://www.rfi.fr/br/podcasts/cultura/20210917-arco-do-triunfo-%C3%A9-empacotado-em-obra-p%C3%B3stuma-dos-artistas-christo-e-jeanne-claude 124 Artes visuais – Escultura O casal de artistas elaborava obras temporárias e defendia “a liber- dade total da arte”. Para Christo e Jeanne-Claude, o seu trabalho tam- bém estava associado à arte conceitual. 4.3.5 Neoconcretismo Para a elaboração desta seção, utilizamos os textos de Ferreira Gullar (1959, 1960) e de Otavio Leonidio (2013). Os artistas neoconcretos, por meio do manifesto neoconcreto (es- crito por Ferreira Gullar e assinado pelos também artistas Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis), propunham uma retomada da arte abstrata geomé- trica, feita por diferentes movimentos, entre eles o construtivismo (ape- sar de alguns artistas serem acusados de ver o homem como máquina), mas a partir não mais de uma “exacerbação racionalista” e mecanicista da pintura e da escultura, mas sim de uma relação mais próxima com o público, pensando na experiência e no rompimento do aspecto con- templativo das obras tradicionais, bem como na ruptura entre as dife- rentes linguagens artísticas. Os neoconcretistas se preocupavam com a expressão e a experi- mentação dos participantes com as obras, que eram pensadas como “organismos vivos”. Eles propunham tomá-las a partir de um “olho-cor- po”, e não um “olho-máquina”, em referência ao aspecto relacional e participativo das obras/público. Do rn ic ke /W iki m ed ia C om m on s Escultura de Amílcar de Castro em frente ao anexo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Figura 35 Escultura de Amilcar de Castro O concretismo brasileiro foi elaborado nos anos 1950 como uma crítica ao modernismo nacional feito até então, por compreender que ele, ao buscar uma unidade (no caso, a brasilidade), pouco avançou em termos plásti- cos em relação ao que os concretistas prometiam da “antropofagia” do modernismo europeu. Saiba mais Escultura no modernismo e na arte contemporânea 125 Com base na obra de Amilcar de Castro, pode ser feito um exercício de “corte e dobra” bastante simples em sala de aula: devem ser distribuí- dos pedaços de cartolina em formato quadrado, redondo, retangular e triangular aos alunos. Instrua para que façam, no primeiro momento, apenas um corte no papel. A partir daí, eles devem fazer dobras para a confecção de esculturas. No segundo momento, eles podem adicionar mais um corte e fazer novas dobraduras. Uma atividade semelhante, mas um pouco mais complexa, pode ser fei- ta com base nos “bichos” de Lygia Clark: distribua pedaços de cartolina ou outro papel firme aos alunos. Eles podem cortá-los em diferentes tamanhos e formatos. Com as diferentes peças, eles devem montar uma escultura articulável. As articulações podem ser feitas por meio de pedaços de papel e cola ou fita crepe – lembrando sempre de deixar um espaço entre uma peça e outra para que ela possa ser movimentada. Na aula de Arte Figura 36 Lygia Clark, Bicho linear Ie du fe rre ira /W ik im ed ia C om m on s Fonte: CLARK, L. Bicho linear. 1960. Alumínio e articulações dobráveis. Dimensões variáveis. Associação Cultural Lygia Clark, Rio de Janeiro. Os “bichos” são obras que criam vida por meio da manipulação do público, ganhando várias formas, sem ter uma ideal. Em 1960, no texto para a II Exposição Neoconcreta, Ferreira Gullar apresenta a noção de “não objeto”, um tipo de “objeto especial”, como aquilo que borra as fronteiras entre pintura/escultura/instalação, em que há a projeção para o espaço real, e não virtual (como fazem as pinturas tradicionais, com o uso da perspectiva e de outros elementos). 126 Artes visuais – Escultura Figura 37 Hélio Oiticica, Penetrável Ot áv io N og ue ira /W ik im ed ia Co m m on s Fonte: OITICICA, H. Penetrável. 1978. Nove paredes em alvenaria, tinta acrílica, tela de arame e cobertura com estrutura de metal e vidro. Instituto Inhotim, Brumadinho. Muitas das obras de Hélio Oiticica – como os seus famosos paran- golés – podem ser compreendidas sob o termo não objeto proposto por Gullar. O artista utilizava a cor em suas obras tridimensionais, como pode ser visto em Penetrável (Figura 37). Essa questão era pen- sada como uma maneira de dar uma nova vida à pintura, fazendo com que ocupasse o espaço real (em três dimensões)como uma ex- pansão da pintura. A cor também era compreendida enquanto um elemento de percepção relacional, estabelecendo um novo modo de experimentar o tridimensional. As obras só estariam completas a par- tir da interação do público com elas. 4.4 Técnicas de artistas contemporâneos Vídeo Nesta última seção apresentamos o trabalho de dois artistas con- temporâneos: Alberto Salvetti e Mônica Lóss. Para tanto, realizamos entrevistas exclusivas com ambos e utilizamos o texto de Lóss (2021) e o manifesto ético ANIMA’ANIMAL, escrito por Salvetti. Os dois têm em comum uma pesquisa poética que envolve diferentes linguagens, entre elas a relação entre escultura e performance. Inhotim é considerado o maior museu a céu aberto do mundo. Ele conta com um grande acervo de arte contemporânea e também com jardins com plantas de diversas partes do planeta. Penetrável, de Hélio Oiticica, fica nesse museu. Visite o site para mais informações. Disponível em: https://www.inhotim. org.br/. Acesso em: 22 fev. 2022. Site Ampliar o panorama sobre materiais e técnicas para a escultura utilizando a obra de artistas contem- porâneos como exemplo. Objetivo de aprendizagem https://www.inhotim.org.br/ https://www.inhotim.org.br/ Escultura no modernismo e na arte contemporânea 127 4.4.1 A arte ética de Alberto Salvetti Alberto Salvetti (1974-, Itália) é um dos onze artistas do movimento de Arte Ética. Sua pesquisa poética se concentra nas questões sociais e ambientais de seu país, bem como dos países que visita. Em 2019 desenvolveu na Bienal de Curitiba várias ações que ti- nham como premissa trazer esses temas para as ruas e os museus da cidade. Entre essas ações, estava a proposta para que a Bienal plantasse, em todas as edições, árvores nativas em lugares devasta- dos. A ideia surgiu da pesquisa sobre a situação ambiental do Brasil, destacando-se no período as reportagens sobre as queimadas. Plantar árvores seria uma forma de marcar a passagem dos artistas pela Bienal, mas também um posicionamento político e ético. Para Salvetti, o mais importante é que esse projeto seja símbolo de uma ação com o público do lugar e que movimente a sociedade e em es- pecial as crianças, por meio da educação ambiental. Essa proposta demonstra sua preocupação social e ambiental. Para ele, todos os artistas possuem responsabilidade ética, que precisa estar presen- te tanto no seu pensamento como em suas ações. Assim, segundo ele, a arte deve apontar para novas formas de olhar o mundo e para ações éticas. Nessa mesma Bienal, Salvetti também realizou a obra Conquistado- res do exterior, e é sobre ela que nos deteremos agora. Para o artista, o fazer arte está diretamente relacionado à pesquisa e à busca artística. Tendo a biodiversidade como seu tema central, começou sua pesquisa sobre o assunto no Brasil. Em reportagens on-line, pôde ver como os ja- valis, animais exóticos à fauna brasileira, estavam sendo responsáveis pela destruição direta e indireta do meio ambiente. Segundo o artista, os javalis, que já foram considerados deuses em algumas sociedades europeias, ao serem trazidos para o Brasil, atuam da mesma maneira que os primeiros “conquistadores”: colonizam por meio da destruição, tornando-se praga. Ao mesmo tempo, a forma como é “controlado” no país acaba geran- do mais desequilíbrio ambiental e social, pois, de acordo com Salvetti, os caçadores costumam matar a fêmea líder da vara, aquela que man- tém o controle sobre os demais animais do bando. Quando ela é morta, as demais fêmeas procriam e se tornam as novas chefas, fazendo com que o número de javalis aumente descontroladamente. Você pode conhecer mais do trabalho do artista acessando o link a seguir. Disponível em: http://www. albertosalvetti.com/. Acesso em: 23 fev. 2022. Site http://www.albertosalvetti.com/ http://www.albertosalvetti.com/ Para que os fazendeiros possam controlar esses animais, o governo permite a compra de até doze armas automáticas. No entanto, esse porte facilitado pelo próprio número “incontrolável” dos javalis acaba sendo utilizado para outras finalidades, como a matança de outros animais selvagens e o assassinato de ambientalistas, indígenas e qui- lombolas, que são constantemente expulsos de suas terras para a ocu- pação de madeireiras ilegais, criação de gado etc. Para a Bienal de Curitiba de 2019, Salvetti realizou um grupo escul- tórico formado por uma família de javalis. A obra foi feita com materiais leves (Figura 38), entre eles jornais e arames, por uma escolha tanto simbólica e formal – o próprio uso do papel é uma forma de reciclá-lo – quanto prática, uma vez que leva suas esculturas nos ombros enquan- to caminha pela cidade. Suas performances são uma forma de levar os animais para dentro dos espaços urbanos, mostrando como se movem nos diferentes espa- ços. Com isso, busca levantar questionamento, curiosidade e interesse do público, que o vê passando, sobre o tema. Alberto Salvetti traz diferentes símbolos para a confecção de suas obras, que funcionam, segundo o artista, como coisas mágicas. Para a confecção dos javalis, o artista utilizou jornais com matérias sobre a destruição do meio ambiente no Brasil – uma vez que não havia encon-Figura 38 Performance de Alberto Salvetti em Curitiba Gi oS ea m /W ik im ed ia C om m on s Fonte: SALVETTI, A. Performance na 14ª Bienal de Curitiba. 2019. Curitiba. 128128 Artes visuais – EsculturaArtes visuais – Escultura Escultura no modernismo e na arte contemporânea 129 trado no período em que esteve aqui notícias sobre javalis. Assim, as notícias se transformam em objetos. Para a confecção das esculturas, o artista utilizou os seguintes ma- teriais: jornais que continham notícias sobre a situação ambiental no Brasil; fios de arames; alicates para arame; fita-crepe; betume; aguarás; pedra de vidro. Salvetti cria o desenho da escultura a ser realizada e, em seguida, elabora a estrutura necessária em metal, que é preenchida com o pa- pel, utilizando a fita para ajudar na modelagem da peça e para segurar o material. O acabamento é feito com pedras de vidro (para os olhos) e pintura de betume. A técnica de Salvetti pode ser adaptada para ser trabalhada em sala. Levando em conta a proposta do artista, peça para que os alunos reco- lham matérias sobre a situação social e ambiental do país e/ou de sua região. Com base nelas, é possível observar quais temas são recorrentes e quais formas podem ser modeladas pelos alunos. Após essa etapa, deve ser montada uma estrutura em metal com arames maleáveis (é necessário usar óculos de proteção). Como o arame pode ser perigoso para alunos menores, a estrutura pode ser feita por meio de outros materiais, como garrafas PET ou mesmo papel amassado, para esculturas em pequeno formato. O acabamento pode ser feito com fita-crepe e tinta escolar não tóxica ou ainda com folhas de árvore recolhidas do chão. Na aula de Arte Como bem apontou Salvetti, o cuidado com o meio ambiente e a relação ética que devemos ter como animais são assuntos importantes para se trabalhar em sala de aula. 4.4.2 A escultura têxtil de Mônica Lóss A artista Mônica Lóss (1978-, Soledade, RS, Brasil) participou de di- versas exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior, sendo que as mais recentes estão nos Estados Unidos, onde vive atualmente. Em seu trabalho, desenvolve construções por meio de linhas, borda- dos, costuras, tecidos e outros elementos encontrados no cotidiano. Com eles, elabora uma poética que aborda o próprio fazer artísti- co, a noção de refúgio/abrigo, o sentido de (não) pertencimento, o dentro e o fora, as relações entre humano/animal/natureza. A artista desloca o O professor e pesquisa- dor Luiz Marques aponta para como o aquecimento global e a destruição ambiental aceleram a propagação de novas doenças, fazendo com que as pandemias – como a de Covid-19 – tornem-se cada vez mais comuns. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp /noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante- da-historia-da-humanidade-serao- proximas?fbclid=IwAR0jqts 4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_ Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA. Acesso em: 18 fev. 2022. Saiba mais Você pode conhecer mais do trabalho da artista acessando o link a seguir. Disponível em: https://www. monicaloss.com/. Acesso em: 23 fev. 2022. Site https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/05/05/pandemia-incide-no-ano-mais-importante-da-historia-da-humanidade-serao-proximas?fbclid=IwAR0jqts4oNR6zFmvxF3XAihV1CO7LuH_Xga35_sXtllRjztzzyrmt69BIDA https://www.monicaloss.com/ https://www.monicaloss.com/ 130 Artes visuais – Escultura material e o fazer tradicionalmente associados ao feminino e ao doméstico ao construir formas disformes e seres híbridos e ocupar espaços externos. Conversamos com a artista para compreender um pouco mais da sua trajetória e de seu processo poético. Ao utilizar materiais têxteis, aliados a objetos encontrados comu- mente em casa, a artista busca desromantizar a ideia de que para a confecção de uma obra de arte é necessário comprar materiais em lo- jas especializadas. O cotidiano não é somente o lugar para se encontrar os materiais, mas é também visto por Mônica Lóss como estímulo para a produção de arte. Assim, faz um convite para que as pequenas ações diárias se- jam observadas com mais atenção, como potenciais para o despertar do fazer artístico. As atividades manuais ligadas às linhas e às agulhas fazem parte da sua memória familiar: sua avó materna fazia bordados e crochês para o espaço doméstico, enquanto seu avô e seu pai teciam/tecem rede de pesca. No entanto, Lóss só foi aprender as técnicas da arte têxtil mais tarde, de maneira autodidata. Até hoje não trabalha com receitas (como são chamadas as formas pré-definidas para a con- fecção de uma peça). Em sua poética a artista afirma que lhe inte- ressa os caminhos do desfazer, a elaboração de um processo livre, experimental e intuitivo. Assim, suas obras são construídas, muitas vezes, sem projetos prévios, e suas formas vão sendo descobertas no próprio fazer e na experimentação. Todavia, essas técnicas são deslocadas da sua finalidade conven- cional, confrontando concepções estereotipadas sobre a prática: seus bordados, crochês e costuras não são feitos para serem enfeites, para serem bonitos; são antes elaborados para desestabilizar tais noções e colocar o saber a favor de formas disformes, que podem estar asso- ciadas tanto às formas orgânicas, que lembram entranhas, fungos e insetos, quanto aos refúgios, caracterizados pelo acolhimento daquilo que é estranho. Desse modo, se o bordado esteve historicamente relacionado ao feminino, e foi percebido como algo que estimulava a docilidade, a ar- tista cria um deslocamento de sentidos com as suas obras, elaborando Escultura no modernismo e na arte contemporânea 131 uma crítica à domesticação. Ao mesmo tempo, a artista nos lembra que o bordado pode(ria) ser utilizado como um lugar em que as mulheres puderem/podem expressar sua criatividade, funcionando como um es- paço de liberdade dentro de tantas limitações encontradas por elas. Ao ser questionada sobre a relação do seu trabalho com os rituais, a artista compreende que ela está presente em seu processo em dife- rentes etapas e de modo distinto. Para Mônica Lóss, o fazer artístico por meio de linhas, agulhas e tecidos a leva a um estado meditativo, um ritual, que pode transformar desde os pequenos períodos de es- pera até aqueles de longas horas seguidas dedicadas somente a ela- borações de suas obras, em um olhar sobre o instante e o momento presente, dando materialidade ao tempo. O tempo longo leva, ainda, à repetição do mesmo movimento, um “te- cer expandido”, nas palavras da artista, criando um ritmo e uma cadência que promovem um estado de quase transe. Além disso, o ritual também está na confecção do próprio material, por exemplo: no rasgar de tecidos para fazer fios, rasga-se algo da própria intimidade, como os lençóis. Assim, a artista tece o ritual por meio da elaboração da matéria-prima, passando pela confecção de suas construções, chegando às performan- ces propriamente ditas, feitas com base nessas duas etapas anteriores. Suas construções ou coisas (aquilo que pode ser tudo, ao mesmo tempo que é inexplicável) – como chama suas obras tridimensionais – podem ser percebidas de diferentes ângulos e pontos de vista. O cará- ter maleável de muitas delas tem como referência o aspecto relacional proposto por Lygia Clark em trabalhos como Bichos, levando em consi- deração o outro, aquele que vivência a obra. Esse aspecto é ressaltado pela escolha dos títulos, que buscam estabelecer uma ponte entre a obra e o público. Parte do seu processo artístico é descobrir os outros modos de existir de suas obras. Assim, seus trabalhos podem se desdobrar em videoarte, per- formance, fotografia, site specific (sítio específico ou arte in situ – designação de uma obra de arte que foi pensada especificamente para um lugar). Esse aspecto pode ser observado em seu Projeto Cabeças, o qual surgiu durante o isolamento social da covid-19. O projeto foi inicial- mente motivado pela percepção da máscara, peça fundamental no contexto atual, e logo se ampliou para construções vestíveis de cabeça, feitas com materiais disponíveis em casa. 132 Artes visuais – Escultura “Entre o mostrar-se e o esconder-se” é uma das séries que com- põem o Projeto Cabeças. Ela e uma de suas obras, O que se passa aqui dentro, indicam alguns caminhos para a compreensão da obra. A cabeça vestível atua como elemento que esconde e mostra ao mesmo tempo. Ao longo da história, as cabeças foram utilizadas como símbolos de poder – vide as inúmeras imagens em que inimigos eram retratados com as cabeças decepadas. Ao mesmo tempo, segundo Lóss (2022), a cabeça vestível traz poder àquela que a veste, pois gera um deslocamento do olhar sobre o corpo feminino para a sua cabeça indefinida e monstruosa. Para a artista, usar a cabeça é “incorporar um outro que não sou eu, mas que ao mesmo tempo sou” (LÓSS, 2022), pois ela está em seu corpo. Essa forma de conceber o trabalho a aproxima das religiosidades em que há a incorporação de espíritos/entidades, as cabeças, em “cavalos”, aqueles que os recebem. Nesse sentido, a cabeça pode ser percebida como uma forma de abrigo mental. A característica do próprio material têxtil pode funcionar como um lugar para proteção também física. Tomando como ponto de partida o trabalho Ficções cartográficas, você pode desenvolver em sala de aula uma atividade semelhante com os alu- nos. Utilizando um mapa, peça para que os alunos mapeiem as suas casas e a escola. Essas marcações devem ser transferidas para um papelão re- sistente que servirá como base (também pode ser utilizado o próprio chão de terra,mas haverá a necessidade de ganchos mais profundos ou mesmo madeira e pregos). Utilize um lápis afiado para isso (o mapa deve ser des- cartado com cuidado). Em cada marca, adicione uma tachinha. Após essa etapa, os alunos podem criar com linhas novas cartografias e trajetórias entre as próprias casas e a escola. Essa atividade pode ser feita levando em conta outros pontos de referência, como os lugares que promovem ativida- des culturais e artísticas na cidade e os pontos históricos. Na aula de Arte CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos que a escultura moderna se caracteriza tanto pelo uso de técnicas antigas, já consagradas, como a escultura em bronze, pedra e madeira, quanto pela utilização de novas maneiras de confecção: Em Ficções cartográficas, Mônica Lóss tece ma- peamentos por meio da localização geográfica das pessoas com quem se en- contra de maneira virtual durante o dia, fazendo com que as fronteiras e o território passem a ter uma nova dimensão. Disponível em: https://www. monicaloss.com/cartographic- fictions-territory. Acesso em: 23 fev. 2022. Saiba mais https://www.monicaloss.com/cartographic-fictions-territory https://www.monicaloss.com/cartographic-fictions-territory https://www.monicaloss.com/cartographic-fictions-territory Escultura no modernismo e na arte contemporânea 133 a construção, incorporando novos elementos, entre eles o concreto, materiais perecíveis etc. Ela representa, desse modo, uma ruptura com a tradição escultórica. A arte contemporânea, por sua vez, rompe com a moderna, ao ampliar o seu campo, apagando as fronteiras entre cada linguagem que era vista anteriormente como autônoma. Ao mesmo tempo, estabelece uma nova relação com o público. Os artistas da atualidade podem escolher os mais diversos materiais e técnicas para trabalhar e tomar como referência ou crítica uma série de estilos, movimentos e artistas anteriores. ATIVIDADES Atividade 1 Explique em que consiste o readymade e como ele repercutiu na história da arte. Atividade 2 Quais são as principais características da arte moderna? Atividade 3 Quais as principais características da arte contemporânea? REFERÊNCIAS ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. Trad. de Alexandre Krug; Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2012. BARROS, J. D’A. Arte e conceito em Marcel Duchamp: uma redefinição do espaço, do objeto e do sujeito artísticos. Domínios da Imagem, v. 1, n. 2, p. 73-88, 2008. Disponível em: http://www. uel.br/revistas/uel/index.php/dominiosdaimagem/article/view/19298/0. Acesso em: 18 fev. 2022. http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/dominiosdaimagem/article/view/19298/0 http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/dominiosdaimagem/article/view/19298/0 134 Artes visuais – Escultura BARROS, J. D’A. O encontro entre arte e conceito: as propostas de Joseph Kosuth. arteciencia.com, ano XI, n. 22-23, p. 1-9, 2018. Disponível em: https://artciencia.com/article/ view/12533/13069. Acesso em: 18 fev. 2022. BATCHELOR, D. Minimalismo. Trad. de Célia Euvaldo. 2. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. 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Analisamos como elas estiveram relacionadas por muito tempo a uma história única, voltada aos valores hegemônicos. Além disso, observamos como ações políticas de diferentes grupos sociais contribuíram para a sua problematização e a renovação do seu re- pertório. Também apresentamos alguns artistas contemporâneos que trabalham com as noções de antimonumentos. Por fim, exploramos alguns exercícios práticos e teóricos que podem ser feitos com os alunos em sala de aula e junto aos monumentos públicos. 5.1 Os monumentos públicos: o que contam? Vídeo Para refletirmos acerca das questões levantadas neste capítulo, tomamos como referência as pesquisas de Françoise Choay (1999), Chimamanda Ngozi Adichie (2009), Paulo Knauss (2003; 2010), Marcio Seligmann-Silva (2016), Anna Rahme (2021), Leila Danziger (2003), Thais Waldman (2019), Marcos Tupã (2013) e DuarteEncarnação (2012). Em O perigo da história única, Adichie (2009) nos dá um alerta sobre conhecer apenas uma versão de algo. O título da obra é útil para re- fletirmos sobre as estátuas públicas e o que elas representam. Assim, podemos compreender as camadas de narrativas e contextos que as atravessam, levantando questões como: quais são os nossos pontos de referência sobre as estátuas públicas? Como problematizá-las? Quem tem poder para contar ou não as narrativas? Com quais esculturas públi- cas nos identificamos ou não? Como elas interferem no modo como nos percebemos e percebemos o mundo? Os monumentos são obras escultóricas e/ou arquitetônicas que têm como finalidade reavivar a memória sobre a história e os valores de determinados grupos sociais, ao mesmo tempo que podem levar ao apagamento e à invisibilidade de outros. Podem ser monumentos históricos e artísticos, produzidos exclusivamente para esse fim, ou identificados posteriormente como tais, por exemplo, “túmulo, templo, • Refletir sobre os perigos da história única. • Analisar como se narra a história e como se mo- difica a percepção sobre o passado. Objetivos de aprendizagem 136 Artes visuais – Escultura coluna, arco de triunfo, estela, obelisco, totem” e esculturas propria- mente ditas (CHOAY, 1999, p. 18). De acordo com Choay (1999, p. 17), a origem do termo monumento vem “do latim monumentum, ele próprio derivado de monere (advertir, recordar), o que interpela a memória”. Portanto, visa criar uma memória sobre a atualidade ou o passado no tempo presente e para a posteridade. Os monumentos da maneira como os conhecemos hoje começa- ram a se delinear no século XIX (expandindo sua concepção durante os séculos XX e XXI, bem como sua conservação ou destruição), período do desenvolvimento dos Estados Nacionais, os quais buscavam criar histórias e símbolos que os unificassem como nação, estabelecendo sua identidade nacional. Os lugares na cidade ocupados por esses mo- numentos colaboravam para fortalecer essa visão. Tradicionalmente os monumentos estão associados aos valores e à história das classes dominantes, pois são estas que detêm o poder e o dinheiro para a escolha e o financiamento dessas obras. De acordo com Adichie (2009), “é impossível falar em história única sem falar do poder”. Esse aspecto está ligado às narrativas sobre os “vencedores” em relação àqueles considerados os “outros”, construindo uma visão única e apagando ou invisibilizando as demais. De um modo geral, os monumentos são construídos com a finalida- de celebrar, rememorar e perpetuar determinada identidade, narrativa e valor de maneira pública, constituindo-se como seus símbolos. Ainda hoje muitos deles acabam se centrando em si mesmos, não dialogando com valores que presam sobre a diversidade e a comunidade. Dessa maneira, o monumento pode ser compreendido como uma operação política de lembrar e esquecer. Ao longo da nossa história, quem tem direito à memória? A primeira escultura pública brasileira foi uma equestre de Dom Pedro I (Figura 1), inaugurada em 30 de março de 1862, no Rio de Janeiro. A partir de então, foi construída uma tradição dos monumentos públicos no país, com a valorização da história oficial e motivo para a sociabilida- de e as celebrações públicas, além da relação direta com as artes. A escolha do local não era por acaso, dando-se em uma zona de convergência para ruas e locais de prestígio – alguns deles liga- dos à própria monarquia – como a Rua da Imperatriz, a Academia Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana que iniciou suas primeiras histórias ainda criança, quando ditava para que a mãe escrevesse o que depois ilustraria. Em seus livros de ficção e não ficção, a autora tem o feminismo como um dos seus temas principais, como nas obras Sejamos todos feministas e Para educar crianças feministas: um manifesto. Sl ow ki ng 4/ W ik im ed ia C om m on s Biografia Disputas sobre a memória 137 Imperial das Belas-Artes e a Rua 7 de setembro, estabelecendo, se- gundo Knauss (2010), “a ligação com a antigo largo do Paço, onde se localizava a sede de governo e a região mais frequentada da cidade”. O monumento dava uma nova visão àquilo que representava, bem como à própria cidade. Figura 1 Primeira escultura pública do Brasil Ca rlo s Lu is M C d a Cr uz /W iki m ed ia C om m on s Fonte: ROCHET, L. Estátua equestre de Dom Pedro I. 1862. Bronze e granito. Praça Tiradentes, Rio de Janeiro. De acordo com Knauss (2003), uma das formas de compreender a cidade é por meio das suas esculturas públicas. Essas imagens não se dão de maneira neutra e constituem-se como “território simbólico”, ou seja, afirmam um posicionamento político, social, de contexto histórico e de sua percepção. Para Napolitano (2021), as estátuas e os monu- mentos são construídos em espaços públicos para a afirmação e con- tinuidade de determinada memória, assim, são uma importante fonte de pesquisa de seus valores e história. Como vimos na Figura 1, os locais ocupados pelas esculturas na ci- dade não são ao acaso, mas sim escolhidos por um ou mais fatores, como: por ter uma relação direta com aquilo que é representado na es- cultura ou por ser um espaço de prestígio e boa visibilidade na cidade; o contrário também ocorre, e a escolha pode se dar com base na sua Os monumentos públicos também podem ser utili- zados como escoadouros do dinheiro público, como aconteceu em 2020, em Curitiba, na gestão do prefeito Rafael Greca. Este não esperou poucos meses para que os direitos das obras do artista João Turin entrassem em do- mínio público, o que pos- sibilitaria licitações para a confecção de esculturas em bronze. Como resul- tado, a prefeitura pagou R$ 1.842,00 o quilo do ma- terial para a produção das peças, preço muito acima do praticado por empre- sas especializadas nesse tipo de trabalho, que, em um levantamento feito pelo jornal The Intercept, cobrariam R$ 80,00 o qui- lo. Saiba mais acessando o link a seguir. Disponível em: https:// theintercept.com/2020/01/02/ greca-curitiba-esculturas-turin/. Acesso em: 22 fev. 2022. Saiba mais https://theintercept.com/2020/01/02/greca-curitiba-esculturas-turin/ https://theintercept.com/2020/01/02/greca-curitiba-esculturas-turin/ https://theintercept.com/2020/01/02/greca-curitiba-esculturas-turin/ 138 Artes visuais – Escultura inacessibilidade e nas relações que estabelece com o entorno (ruas, avenidas, praças etc.) ou mesmo com outras estátuas próximas. As aproximações e os distanciamentos ajudam o público a perceber narrativas sobre os monumentos, elaborando desde uma narrativa li- near, ordenada – por exemplo, colocando estátuas próximas umas das outras que façam parte de um mesmo acontecimento e/ou de modo que a história possa ser percebida cronologicamente –, até uma mais complexa, que questione esse tipo de proposta tradicional. Após a Segunda Guerra Mundial, novas discussões sobre as es- culturas públicas passaram a tomar espaço, vindas de um amplo de- bate da sociedade, dos artistas e das políticas públicas. Espaços para além das áreas centrais passam a ser privilegiados, novas figuras são homenageadas e o debate e as ações sobre a destruição ou a remoção de determinadas estátuas trazem uma maior dinamicidade e aproximação ao público. 5.2 A reivindicação da memória Vídeo Ao longo do tempo, inúmeras estátuas públicas foram derrubadas, destruídas e deslocadas como forma de simbolizar a subversão aos va- lores associados a elas. Assim, vemos a derrubada das imagens de reis durante a Revolução Francesa; o cineasta Sergei Eisenstein utilizando a destruição de monumentos ligados ao Czar Nicolau II e ao seu governo como um modo de enfatizar a Revolução Russa; e outros tantos exem- plos que lembramos na história contemporânea. Uma obra que vem sendo debatida por diferentes grupos so- ciais é o Monumento às Bandeiras (Figura 2). De acordo com Waldman (2019, p. 8), o conjunto escultóricoé representado “como se partisse rumo ao Jaraguá, ponto focal das antigas bandeiras, localiza- do entre as atuais rodovias dos Bandeirantes e Anhanguera”. A obra foi elaborada conceitualmente e com estudos de sua composição em 1920, para o centenário de Independência do Brasil em 1922, mas só foi inaugurada em 1953. Posteriormente, foi criada por Júlio Guerra a obra Borba Gato, em 1963, para o quarto centenário de Santo Amaro, outro bandeirante es- colhido como um dos símbolos do estado de São Paulo. Analisar as discussões contemporâneas sobre as derrubadas de escul- turas públicas. Objetivo de aprendizagem Disputas sobre a memória 139 Ambas as obras têm em comum – além do tema – o aspecto monu- mental. A grande escala é utilizada como uma forma de conferir heroici- dade às figuras e visibilidade à transmissão de uma história tradicional. Dessa maneira, apresentam os bandeirantes como “desbravadores” responsáveis pela expansão do projeto colonizador no país, verdadei- ros mitos. Ao colocar esses homens apenas como “líderes”, apaga-se todos os aspectos negativos associados a eles, como o extermínio e a escravização de indígenas e negros. Figura 2 Monumento às Bandeiras com intervenção em 2016 Ro ve na R os a/ Ag ên ci a Br as il/ W ik im ed ia C om m on s Fonte: BRECHERET, V. Monumento às Bandeiras. 1953. Granito. 45 m. Praça Armando de Sales Oliveira, São Paulo. Em 2016 foi realizada uma intervenção na obra Monumento às Bandeiras, que foi pintada com tinta vermelha, amarela e verde (Figura 2). As escolhas das cores podem ser lidas como uma me- táfora para o processo de violência presente na formação do Brasil (re- presentado pelas cores da bandeira nacional). Em 2013 um grupo de manifestantes tinha feito uma ação parecida, jogando baldes de tinta vermelha sobre a estátua – o vermelho remetia ao sangue das pessoas escravizadas e exterminadas, sendo reforçado pelas palavras de protesto pichadas sobre o monumento: “bandeiran- tes assassinos”. A manifestação fez parte do protesto dos indígenas e de seus apoiadores contra um projeto que trata das mudanças nas de- marcações de terras indígenas. Serguei Mikhailovitch Eisenstein foi um cineasta russo da extinta União Soviética, também conhecido pelas teorias acerca dos processos de montagem para a elabora- ção fílmica. Junto a Grigori Aleksandrov, criaram o filme Outubro, no qual abordam a Revolução Russa de 1917 até o mês de outubro, quando os bolcheviques assumiram o poder. Logo no início do filme, é possível ver a cena em que homens e mulheres se juntam para a derrubada da estátua do czar, que logo se desman- cha, simbolizando a queda do antigo regime político. Direção: Serguei Eisenstein e Grigori Aleksandrov. URSS: Sovkino, 1928. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=LF1n3mxTMTI. Acesso em: 22 fev. 2022. Filme https://www.youtube.com/watch?v=LF1n3mxTMTI https://www.youtube.com/watch?v=LF1n3mxTMTI 140 Artes visuais – Escultura Tupã (2013), coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa, redigiu uma carta sobre essa pintura. Entre os pontos levantados por ele, afirma que – embora não tenha sido o responsável pela ação – con- corda com ela. A ideia da intervenção teria surgido após alguns ma- nifestantes verem os panos vermelhos carregados e colocados pelos indígenas no monumento, como símbolo de seu sangue. Segundo Tupã (2013), “para nós, povos indígenas, a pintura não é uma agres- são ao corpo, mas uma forma de transformá-lo”. Desse modo, pintar um símbolo dos que os “massacraram no passado” é uma maneira de falar da história da dizimação dos povos indígenas, tanto pelos bandeirantes quanto pelas políticas públicas atuais. “Ela deixou de ser pedra e sangrou”, tornando-se símbolo, mesmo que momentâ- neo, da resistência dos povos indígenas. Ainda de acordo com o líder indígena Tupã (2013), “foi apenas nesse momento que esta estátua se tornou um verdadeiro patrimônio públi- co, pois deixou de servir apenas ao simbolismo colonizador das elites para dar voz a nós indígenas, que somos a parcela originária da socie- dade brasileira”. Assim, vemos o papel político e social que as escultu- ras públicas possuem. Em 1979 o conjunto escultórico e outras estátuas da cidade tive- ram suas cabeças ensacadas pelo coletivo artístico 3NÓS3, formado pelos artistas Mário Ramiro (1957-), Hudinilson Jr. (1957-2013) e Rafael França (1957-1991), como uma crítica ao regime militar e uma referência a uma das técnicas de tortura aplicadas no período ditatorial, em que se cobriam as cabeças das vítimas com saco para causar sufocamento, ao mesmo tempo que as impossibilitava ver quem eram seus algozes. Desde o início, o monumento Borba Gato foi criticado pelo aspecto histórico e social, mas também pela sua estética, pois foi considerado feio por muitas pessoas. Assim, a estátua passou por inúmeras intervenções e críticas ao longo do tempo, entre elas o “julgamento popular” em 19 de abril de 2007. O júri, formado por diferentes coletivos de arte e ativistas políticos – de acordo com WALDMAN (2019, p. 10) – considerou Borba Gato culpado pelos cri- mes de “homicídio qualificado de negros, índios e brancos; promo- ção de trabalho escravo de negros e índios; estupro de mulheres negras e índias; apropriação indébita de riquezas e poder; e porte indevido e ofensivo de armamento pesado em espaço público”. A figura foi condenada de maneira simbólica à prisão por toda a vida. Disputas sobre a memória 141 Também houve reivindicações para que outras estátuas ocupassem o seu lugar, como uma que homenageasse o indígena Galdino Pataxó, bru- talmente assassinado – queimado vivo –, em 1997, enquanto dormia. Em julho de 2021, a estátua foi por fim queimada pelo grupo Revo- lução Periférica, convergindo com outras ações que aconteciam pelo mundo desde 2020. O estopim para as inúmeras manifestações antirracistas – apoiadas pelo movimento Black Lives Matter (em tradução literal, Vidas negras importam), que visa combater a violência e a morte contra a popula- ção negra –, entre elas o derrubamento de estátuas pelo mundo, foi o assassinato, em 2020, do afro-americano George Floyd por um policial branco, nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos foram derrubadas esculturas dos fundadores do país, como George Washington e Thomas Jefferson (ambos escrava- gistas); dos confederados, que lutaram a favor da perpetuação da es- cravidão no país; e de Cristóvão Colombo, figura presente e derrubada também em outros países, como Colômbia. O “ataque” a essas estátuas é antes um ataque aos símbolos racis- tas, da escravidão e do colonialismo, é a busca por uma nova forma de escrever a história, é uma reparação simbólica das vítimas. Outra forma de responder aos monumentos são os antimonumentos. O conceito foi proposto por James E. Young, para refletir sobre a memó- ria do Holocausto judeu, mas logo se expandiu para outras situações. Os antimonumentos não são memoriais, eles consistem em ações artísticas, políticas e sociais. Constituíram-se como uma resposta ao poder do Esta- do e, desse modo, aos monumentos tradicionais. Se estes últimos estão ligados à rememoração, à consagração da história tradicional, oficial e hegemônica voltada ao “progresso” e ao culto à personalidade, os antimonumentos atuam como respostas à violência do Estado e à negação às personalidades e aos “heróis”. Se antes os monumentos ficavam em centros e praças, hoje se espalham para áreas diversas da cidade. Os antimonumentos são uma manifestação artística contemporâ- nea elaborada após a Segunda Guerra Mundial como uma forma de lidar com a violência do Estado e da sociedade e de buscar a memória, o não apagamento e o não esquecimento das vítimas, o protesto e a denúncia. Também não são celebrativos no mesmo modelo proposto Assista ao vídeo Slave trader statue thrown into river in Bristol during protests sobre a ação contra a estátua do comerciante de escravi- zados Edward Colston, derrubada e jogada norio pelos ativistas em 7 de junho de 2021, em Bristol, na Inglaterra. Antes disso, a população já lutava para que a obra fosse retirada do espaço público. Como resposta, o artista Marc Quinn criou uma estátua da ativista negra Jen Reid para colocar no espaço antes ocupado pela escultura de Colston. No entanto, a nova escultura só ficou algumas horas sobre o pedestal, sendo retirada após isso. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=_G1eXBi_ Atk. Acesso em: 22 fev. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=_G1eXBi_Atk https://www.youtube.com/watch?v=_G1eXBi_Atk https://www.youtube.com/watch?v=_G1eXBi_Atk 142 Artes visuais – Escultura pelos monumentos. De acordo com o livro ANTImonumentos: memoria, verdad y justicia (ANTIMONUMENTOS..., 2020, p. 10-13), eles são feitos para não deixar esquecer, “são antigloriosos e anti-heroícos, são feri- das abertas e perfurantes que não podem cicatrizar”, são uma forma de lidar com as marcas de dor. Assim, “memória, verdade e justiça são os eixos orientadores dos antimonumentos”, com base nos quais cons- truímos uma ação política coletiva de resistência. O antimonumento levanta questionamentos e novas formas de acesso à memória. Seus artistas estão preocupados com a responsabi- lidade social, buscando uma relação mais próxima ao público. É nesse sentido que a obra Entidades, de Jaider Esbell, e a série Mínimos (Figura 3), de Néle Azevedo, podem ser lidas. Ambas adotam posturas críticas com relação aos valores ligados aos monumentos. Jaider Esbell (1979-2021) – indígena pertencente à terra Raposa Serra do Sol, da etnia Macuxi, em Normandia, Roraima – identificava-se como um “artevista”, artista envolvido diretamente no ativismo político e artístico. Sua postura pode ser vista na obra Entidades, a qual apre- sentou na XXXIV Bienal de São Paulo (o artista já havia a apresentado em outros formatos e locações). As duas formas de serpentes foram colocadas no lago do Parque Ibirapuera, em frente à estátua pública de Pedro Álvares Cabral. De acordo com a líder indígena Sonia Guajajara (apud MEDEIROS, 2021), “chamada Entidades, a obra representa o ser fantástico îkiimi, que atravessa vários mundos e não tem começo e nem fim”. Nas palavras do próprio Esbell, em entrevista a Roberto de Carvalho Magalhães (2021), as serpentes “estão prontas para dar um bote” no colonizador, invasor, que ainda é referenciado pela história e pelos monumentos oficiais. Enquanto as ações contra obras que homenageiam símbolos e personagens ligados à violenta dizimação de povos indígenas e ne- gros são constantemente criticadas, os ataques contra essas popula- ções perpetuam-se. As Entidades, de Esbell, são elaboradas com base em um posicionamento decolonial, como uma crítica à perpetuação da violência simbólica e física contra os indígenas. Néle Azevedo (1950-) criou a obra Mínimos, que consiste em esculturas em gelo, de pequena dimensão, de figuras humanas, instaladas em locais públicos de grande circulação, em diferentes países. Em entrevista a Lu- ciana Tonelli (2013), a artista nos explica que as escolhas poéticas estão: O livro ANTImonumentos: memoria, verdad y justicia, disponibilizado gratuita- mente, apresenta os dife- rentes antimonumentos do México, elaborados para a lembrança de vítimas da violência do Estado. Cidade do México: Heinrich Böll Stiftung, 2020. [e-book]. Disponível em: https://mx.boell. org/sites/default/files/2020-11/ Antimonumentos.pdf. Acesso em: 22 fev. 2022. Livro A obra Entidades e de- mais trabalhos de Jaider Esbell podem ser vistos no site Galeria Jaider Esbell, no link a seguir. Disponível em: http://www. jaideresbell.com.br/. Acesso em: 22 fev. 2022. Site https://mx.boell.org/sites/default/files/2020-11/Antimonumentos.pdf https://mx.boell.org/sites/default/files/2020-11/Antimonumentos.pdf https://mx.boell.org/sites/default/files/2020-11/Antimonumentos.pdf http://www.jaideresbell.com.br/ http://www.jaideresbell.com.br/ Disputas sobre a memória 143 subvertendo uma a uma as características dos monumentos ofi- ciais. No lugar da escala grandiosa, largamente utilizada como ostentação de grandeza e poder, propus uma escala mínima. No lugar do rosto do herói da história oficial, uma homenagem ao observador anônimo, ao transeunte, numa espécie de celebra- ção da vida, do reconhecimento do trágico, do heroico que há em cada trajetória humana. E no lugar de materiais duradouros, propus as esculturas em gelo que duram cerca de trinta minutos. Elas não cristalizam a memória, nem separam a morte da vida, mas ganham fluidez, movimento, e resgatam uma função origi- nal do monumento: lembrar que morremos. Figura 3 Mínimos Xt in ac 75 /W ik im ed ia C om m on s Fonte: AZEVEDO, N. Mínimos. Gelo. 2014. Praça Chamberlain, Birmingham. O apagamento da obra levanta questões políticas e sociais. O derretimento das esculturas pode ser interpretado de diferentes mo- dos, de acordo com o contexto em que são instaladas. Dessa maneira, a série Mínimos pode ser vista como uma metáfora para o aquecimento global, a invisibilidade das pessoas marginalizadas, uma homenagem aos mortos de guerra, o passado ausente ou esquecido etc. Vimos que as esculturas públicas transmitem mensagens e colabo- ram para a formação de uma memória coletiva. Elas são locais de dis- 144 Artes visuais – Escultura putas de narrativas, imaginário e memória e podem ser utilizadas tanto como símbolos da história oficial quanto como uma crítica a essa história. 5.3 As esculturas da cidade Vídeo Como vimos, os monumentos são importantes fontes de demo- cratização da arte, construção de uma identidade comum, manuten- ção ou questionamento de determinadas visões acerca da história e espaço para a discussão sobre as memórias coletivas e também a disputa delas. Desse modo, apresentamos algumas reflexões e atividades que podem ser feitas com os alunos para se pensar nas esculturas públicas das nossas cidades. Imprima um mapa da cidade e peça para que os alunos localizem onde ficam as estátuas públicas e como elas se relacionam com o entorno. Leve a turma para conhecer as estátuas da cidade. Em uma cidade grande, pode ser escolhida uma obra que fique mais acessível. Algumas cidades possuem poucos monumentos, muitas vezes si- tuados próximo às rodovias, logo evite esses lugares pelo risco de acidentes aos alunos. Questões que podem ser feitas sobre as esculturas: • Quem ou o que são representados? • Quais narrativas as perpassam? • Em qual período foram pensadas e construídas? • De que modo são significativas para a identidade da comunidade? • Quais símbolos apresentam? • Por que estão situadas neste local e não em outro? • Compreendendo que os espaços são marcados por questões de poderes, há uma diferenciação entre o tipo de escultura ou a pes- soa retratada e o local onde estão situadas as esculturas? • São espaços centrais ou periféricos da cidade? O que levou à es- colha do lugar? • São imagens de pessoas? Se sim, quantas delas representam alguma figura específica e quantas representam uma ideia geral? • Quantas são mulheres, homens, negras, indígenas e LGBTQIA+? Na aula de Arte (Continua) Conhecer atividades que podem ser feitas por meio da análise das esculturas presentes nas cidades. Objetivo de aprendizagem Disputas sobre a memória 145 • Quais as técnicas e os materiais utilizados? • Há placas explicativas sobre as obras? Quais informações elas trazem? Como atividade prática, proponha aos alunos que pensem em projetos para elaborar um monumento público que simbolize a cidade. Peça para explicarem os motivos da escolha do símbolo (animal, objeto, personagem etc.) e os lugares que ocupariam. A atividade pode englobar várias etapas, tanto a parte da discussão teórica acerca do novo monumento quanto o planejamento, os esboços iniciais e o desenho final, que servirá para que a turma execute uma maquete com algumas das técnicas aprendidas em sala. O trabalho pode ser individualou coletivo. Para a proposta de atividade, também pode ser solicitado que os alunos pesquisem diferentes monumentos e escolham um para criar uma réplica em escala menor, utilizando materiais diversos em rela- ção ao empregado na obra original (os alunos devem justificar a sua escolha). É interessante que apresentem os trabalhos para toda a sala, contemplando a maquete e os motivos da escolha do modelo original e do material empregado. Outra proposta de atividade possível é discutir em sala sobre mo- numentos públicos problemáticos, como o Monumento às Bandeiras e Borba Gato, ou ruas, praças e lugares com nomes de ditadores. Leve matérias de jornais sobre as estátuas e ações que as questionam e faça com que os alunos investiguem em que contexto foram derruba- das. Peça para que respondam às seguintes questões: • Quais políticas públicas devem ser feitas sobre os monumentos históricos com problemas? • O que fazer com esculturas que carregam em si símbolos escravo- cratas, de genocídio e misoginia? Em seguida, peça para que defendam suas propostas. Algumas possíveis são: a musealização (preservação e mostra em museus), o uso de placas explicativas, a retirada, os novos significados dados pela permanência das intervenções, a destruição, entre outras. Na aula de Arte Como visto, há inúmeras possibilidades para trabalharmos com o tema da escultura pública em sala de aula. A escritora Chimamanda Ngozi Adichie palestra com base em suas expe- riências em O perigo da história única. Ela demons- tra como o fato de termos pouco repertório sobre determinado assunto faz com que criemos uma visão estereotipada de pessoas, lugares e suas próprias histórias, negan- do sua complexidade. Disponível em: https:// www.ted.com/talks/ chimamanda_ngozi_adichie_ the_danger_of_a_single_story/ transcript?language=pt. Acesso em: 22 fev. 2022. Vídeo https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt 146 Artes visuais – Escultura CONSIDERAÇÕES FINAIS As esculturas públicas são utilizadas como uma forma de manifesta- ção da memória, que pode ser construída, apagada e renovada, de acor- do com os interesses sociais, políticos, culturais, artísticos e históricos de determinado período. Quando os monumentos são questionados e/ou destruídos por gru- pos sociais, elaboramos uma reflexão sobre o que eles representam e a quem eles atendem e reivindicamos o direito à memória e aos espaços públicos na cidade. ATIVIDADES Atividade 1 Qual é o papel social das esculturas públicas? Atividade 2 O que são os antimonumentos? Atividade 3 Quais discussões podem ser feitas sobre as estátuas públicas? REFERÊNCIAS ADICHIE, C. N. O perigo da história única. 2009. 1 vídeo (18 min. e 49 seg.). TED Talk. Disponível em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_ single_story/transcript?language=pt. Acesso em: 22 fev. 2022. https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt Disputas sobre a memória 147 ANTIMONUMENTOS: memoria, verdad y justicia. Introducción. Cidade do México: Heinrich Böll Stiftung, 2020. 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Quais são os tipos de processo que podem ser utilizados para a confecção de uma escultura? A subtração, a adição, a construção e a moldagem/fundição são as principais formas de trabalhar a escultura. A elas estão ligadas técnicas específicas, como o cinzelamento e a modelagem. 2. O que se entende pela plasticidade da argila e como podemos modificá-la? A plasticidade da argila é a qualidade que ela possui para manter a forma dada. Podemos modificá-la acrescentando ou retirando água, misturando outras argilas, colocando chamote (cerâmica em pó), entre outros. 3. Todas as argilas comportam-se de modo igual durante o manuseio e a queima? Explique. Não, as argilas comportam-se conforme a sua composição, a qualidade e a plasticidade. Durante a queima, os elementos químicos presentes na argila fazem com que ela mude de cor e torne-se um material duro e resistente. 2 Escultura na Antiguidade: Egito, Grécia e Roma 1. Explique o que consiste a lei da frontalidade na arte egípcia. A lei da frontalidade era uma forma padronizada de representação das figuras, que consistia em desenhar as formas do corpo, da maneira que lhe eram mais características: os olhos e o torso eram desenhados de frente; e de lado, as mãos, os braços, as pernas e os pés. 2. O que são os kouroi e as korai, e quais são suas principais características? São estátuas de homens e mulheres jovens, produzidas de maneira idealizada, representando o ideal físico, de beleza e da moral de ambos. Os kouroi estão sempre nus; e as korai estão sempre vestidas e adornadas. Eram encontradas em templos e túmulos. 148 Artes visuais – Escultura 3. Para que serviam os relevos históricos da arte romana? Os relevos históricos eram utilizados como forma de perpetuar e valorizar as suas histórias, em especial a militar e a política, demonstrando o seu poder. Eram criadas narrativas por meio de baixos e altos-relevos, colocadas em diferentes superfícies, como colunas e painéis, situadas, geralmente, em espaços públicos. 3 Escultura no Renascimento e Barroco 1. O que é a perspectiva linear? A perspectiva linear é uma regra matemática criada durante o Renascimento que gera a noção de tridimensionalidade por meio de linhas que convergem para o mesmo ponto de fuga, colaborando, além da criação do espaço, para a percepção de volume das figuras. Esse modo de percepção e construção imagética impactou o modo de fazer arte por séculos e ainda é utilizado. 2. Quais as aproximações entre o Barroco italiano e o brasileiro. Quais são as especificidades desse último? Ambos os estilos estão fortemente associados à religiosidade, ao arrebatamento dos fiéis e à criação de dramaticidade, teatralização e movimento. Além disso, o Barroco brasileiro é caracterizado pela sua aproximação com o Rococó. 3. Como funciona o processo de cera perdida? A cera perdida é uma técnica utilizada para a confecção de esculturas e outros objetos em metal. Para a sua realização, é necessário uma série de etapas. Resumidamente: um modelo em cera deve ser revestido com um material refratário, para que em seguida seja levado ao forno e derretido (daí a origem do nome). Esse derretimento gera o espaço que será ocupado pelo metal fundido, gerando uma escultura idêntica ao original. 4 Escultura no modernismo e na arte contemporânea 1. Explique em que consiste o readymade e como ele repercutiu na história da arte. O readymade foi criado por Marcel Duchamp em 1913. A técnica consiste em utilizar materiais e objetos prontos enquanto trabalho artístico, o qual pode ser feito acoplando objetos distintos ou mesmo Resolução das atividades 149 utilizando-os da forma como são. O seu deslocamento de contexto, da vida cotidiana para o museu, aliado à assinatura (ou não) coloca o procedimento como precursor da arte conceitual, pois ela se estabelece a partir da ação e da ideia do artista. 2. Quais são as principais características da arte moderna? A arte moderna se estabelece pela ruptura e pela crítica à tradição da arte. Com base nela, a linguagem artística passa a assumir autonomia em termos formais (cor, formas e materiais) e temáticos, e os artistas começam a levantar novas questões sobre o que é arte. Os artistas passam a utilizar materiais prontos, industrializados, e abandonam (em muitos casos) o pedestal da escultura. A arte moderna possui diferentes vanguardas artísticas, como: cubismo, futurismo, dadaísmo, surrealismo, entre outras. 3. Quais as principais características da arte contemporânea? A arte contemporânea é marcada pelas fronteiras muitas vezes borradas entre os diferentes campos e linguagens artísticas. Por exemplo, a pintura passa incorporar elementos da escultura, e vice-versa. Novos suportes e técnicas são explorados. Esses aspectos formam o campo expandido da arte contemporânea. 5 Disputas sobre a memória 1. Qual é o papel social das esculturas públicas? Ao longo do tempo, as esculturas públicas tiveram diferentes papéis sociais. Primeiro, estavam ligadas à construção de uma identidade nacional voltada aos valores da história oficial, pensada por meio do culto à personalidade. Na contemporaneidade, visam dar espaços para o debate público sobre essas construções e elaborar memórias sobre grupos invisibilizados em nossa sociedade. 2. O que são os antimonumentos? Os antimonumentos são manifestações artísticas, sociais e políticas elaboradas como uma maneira de lembrar das pessoas vítimas de ataques promovidos pelo Estado e/ou por outras parcelas da sociedade. 3. Quais discussões podem ser feitas sobre as estátuas públicas? Inúmeros debates podem ser levantados com base nos monumentos públicos, entre eles o questionamento sobre quais histórias e valores simbolizam, o que ou quem é (in)visibilizado etc. 150 Artes visuais – Escultura Artes Visuais Escultura Artes visuais - escultura Larissa Brum Leite G usmão Pinh eiro ISBN 978-65-5821-123-5 9 786558 211235 Código Logístico I000495 Página em branco Página em branco