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AULA 5 NEUROCIÊNCIA DAS EMOÇÕES Prof. Débora Berger Schmidt 2 TEMA 1 – A RELAÇÃO ENTRE A APRENDIZAGEM, AS EMOÇÕES E O DESENVOLVIMENTO Apesar de uma parte importante de aprendizagem acontecer sem a ajuda do neocórtex, como vimos em conteúdos anteriores, ela deixa “marcas” na forma como um conteúdo, previamente neutro, é retido. De forma não deliberada (ou inconsciente), a emoção se manifesta muitas vezes sem a nossa intenção e antes da atenção seletiva após a detecção do estímulo. Podemos definir os sentimentos como consequência do processamento das emoções, pois são representações mentais de mudanças fisiológicas. A resposta emocional é rápida, envolve a tomada de decisões e o julgamento que se conectam com a experiência vivenciada. Portanto, as emoções envolvem a decodificação emocional de um estímulo (Ferreira, 2015). A aprendizagem acontece em um contexto dinâmico, relacional e emocional, experimentado internamente. Processos cognitivos e emocionais se encontram na aprendizagem, sendo que é a emoção quem dá forma ao processo, pois a afeta diretamente e estabelece o seu rumo. Ao longo do desenvolvimento, aprendizagem, emoção e cognição se modificam: “O cérebro, com sua estrutura modular, muda fisicamente em resposta à experiência, especialmente à emocional, que elabora o vivido e estrutura a memória” (Ferreira, 2015, p. 464). Dessa forma, o papel da escola para aprendizagem deve incluir a promoção da sociabilidade, construção do significado do que é aprendido e o apoio emocional. Estratégias de desencorajamento e ameaça são extremamente deletérios ao processo de aprendizagem. São tarefas da escola: promover na criança o reconhecimento da sua responsabilidade para aprender e suscitar o prazer dela retirado, sendo estes os únicos desafios que, por meio da educação cooperativa, possibilitam a chance de aprender mais com colegas; manter na criança a consciência de pertencer a um grupo; oportunizar situações de dar e receber – reciprocidade, identificação; encorajar a socialização – colocar sentimentos em palavras, compartilhar e revelar-se para o grupo; estimular a formação e a manutenção de amizades, auxiliando na negociação dos conflitos; suscitar a observação de sentimentos e comportamentos no grupo, buscando aprimorar o autoconhecimento; ensinar a começar, manter e terminar interações; por meio do respeito às regras e combinações do grupo e seu constante reasseguramento, levar a criança a assumir responsabilidade por suas ações e seu comportamento. Podendo arcar com esta responsabilidade, a criança passa a não imputar culpa aos outros. (Ferreira, 2015, p. 465). 3 TEMA 2 – A APRENDIZAGEM E PROBLEMAS EMOCIONAIS 2.1 Dificuldades de aprendizagem Em conteúdos anteriores abordamos sobre como o cérebro aprende, seu processo de codificação de informação, cristalização de conteúdo, evocação e associação. Ficou evidente que o sistema nervoso central (SNC) é base para o processo de aprendizagem, mas é preciso tomar cuidado para que essa informação não represente uma generalização equivocada de que todas as dificuldades de aprendizagem são decorrentes de problemas do SNC, porque isso não é totalmente verdadeiro, conforme alerta Rotta (2015): “Um cérebro com estrutura normal, com condições funcionais e neuroquímicas corretas e com um elenco genético adequado não significa 100% de garantia de aprendizado normal” (Rotta, 2015, p. 94), isso porque, explica a autora, situações externas interferem na aprendizagem. Como já vimos até aqui, o ato de aprender está sediado no SNC e o conceito de aprendizagem abrange uma complexa rede de funções sensitivo- sensorial, motora-práxica, controlada pelo afeto e pela cognição, promovendo alterações no cérebro. Porém, é importante ressaltar que essa modulação é dependente de um contingente genético de cada indivíduo (fatores intrínsecos), associado à experiência e ao ambiente onde esse ser está inserido (fatores extrínsecos) (Rotta, 2015). Compreendendo a aprendizagem a partir dessa perspectiva, conseguimos olhar para os problemas de aprendizagem como resultado de alguma falha intrínseca ou extrínseca desse processo, ou ainda de ambas. Ou seja, não se trata de reduzir os problemas de aprendizagem às questões individuais de um aluno, como se a única intervenção pudesse ou devesse ser focada na sua individualidade, mas sobretudo de compreender que o contexto (professor, escola, família, estratégias de ensino etc.) exercem um papel importante na aprendizagem e também nas dificuldades associadas. Rotta (2015) define que o termo dificuldade de aprendizagem é, na realidade, um termo genérico para se referir a diferentes problemas que alteram a possibilidade da criança aprender, independentemente de suas condições neurológicas. A autora refere que podemos pensar as dificuldades de aprendizagem associadas às causas primárias, ou seja, aquelas que abrangem o SNC que comprometem o desenvolvimento (dislexias, discalculias, dispraxias, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, por exemplo), mas não podemos 4 esquecer as causas secundárias, que incluem o ambiente socioeconômico, cultural, pedagógico e afetivo. Tais considerações se fazem bastante relevante porque hoje assistimos uma tendência de diagnosticar de forma equivocada as crianças que apresentam qualquer dificuldade para aprender, desconsiderando os fatores externos. Quando uma criança, por exemplo, não se mostra tão interessada na aula quanto a escola ou a família gostaria, é primeiramente pensado em investigar com o “diagnóstico” de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) do que investigar os fatores externos associados a aprendizagem. Os fatores envolvidos nas dificuldades para a aprendizagem podem ser divididos em: a) fatores relacionados com a escola; b) fatores relacionados com a família; c) fatores relacionados com a criança. • Fatores relacionados com a escola: estão relacionados à estrutura física da sala de aula, que deve se configurar como um ambiente seguro, iluminado, arejado; a condições pedagógicas, que deve manter a disponibilidade de material didático adequado e de acordo com a realidade da criança; e também ao corpo docente, que deve estar motivado, qualificado e com remuneração adequada. • Fatores relacionados com a família: a escolaridade dos pais, e o seu envolvimento com os estudos representam uma influência importante na aprendizagem. As condições socioeconômicas familiares, condições de saúde mental (uso e abuso de drogas, por exemplo) ou ainda a configuração familiar podem ser exemplos de situações familiares que influenciam na aprendizagem e no envolvimento com as atividades escolares. • Fatores relacionados com a criança: problemas físicos em geral (deficiência visual ou auditiva, ou doenças crônicas como o diabetes, anemia, desnutrição, ou hipotiroidismo, por exemplo), transtornos psiquiátricos, deficiência mental e patologias neurológicas são características da criança que pode influenciar na aprendizagem. A seguir, vamos discorrer sobre os fatores secundários associados ao desenvolvimento e à aprendizagem e, em seguida, nos capítulos posteriores vamos dar destaque àqueles de ordem psicológica. 5 TEMA 3 – A RELAÇÃO ENTRE OS FATORES SOCIOECONÔMICOS E A APRENDIZAGEM SOB O OLHAR DAS NEUROCIÊNCIAS Os primeiros anos de vida são especialmente importantes para o desenvolvimento psicossocial, biológico e cognitivo. Hoje, os estudos mostram com propriedade evidências de que pequenas perturbações podem ter efeitos a longo prazo sobre a estrutura do cérebro e seu funcionamento. O nível socioeconômico ultrapassa indicadores como educação, renda familiar e ocupação dos pais, como comumente pensamos, e abrangem também a saúde física e mental da família(isso já foi abordado quando aprendemos sobre a inteligência emocional de quem cuida), e os aspectos físicos (nutrição, exposição a poluentes e materiais tóxicos, por exemplo) e aspectos psicossociais (presença ou ausência dos pais). Com isso, a determinação genética tem sido cada vez menos considerada, e a compreensão perpassa que o desenvolvimento é modificado por mecanismos de interação gene-ambiente (Piccolo et al., 2015). O efeito do nível socioeconômico no desenvolvimento neuropsicológico parece atingir com maior efeito a linguagem e as funções executivas. Isso seria explicado pela maturação e desenvolvimento prolongado desses sistemas, que pode elevar a vulnerabilidade diante das variáveis ambientais. Em um apanhado sobre os estudos brasileiros sobre o tema, verificamos que os resultados indicam que a escolaridade materna estaria associada com linguagem das crianças, de modo que quanto menor a escolaridade da mãe, menor a precisão de leitura. A desnutrição crônica também está associada a pior desempenho em memória. E ainda, a depressão materna também foi associada foi a pior desempenho em leitura. As pesquisas que tratam o assunto possuem diferenças metodológicas, mas são um caminho para evidenciar a relação entre os fatores externos e o desenvolvimento e desempenho neuropsicológico (Piccolo et al., 2015). 3.1 O estresse infantil Situações de violência, contextos adversos e abusivos podem representar grande fonte de estresse e ser deletério ao desenvolvimento. Sabemos que o estresse está presente no nosso cotidiano, e muitas vezes reagimos a ele com estratégias de enfrentamento. Isso quer dizer que somos capazes de reagir a certa dose de estresse, mas quando ele atinge grande intensidade e persiste por um 6 período longo de tempo, os seus efeitos tendem a ser bastante prejudiciais. Aqui vamos abordar sobre como o contexto em que uma criança está inserida pode ser fonte de estresse para ela, especialmente nos referindo ao contexto familiar, e como esse estresse influencia o seu desempenho cognitivo. Diante do que foi dito acima, podemos classificar as experiências estressantes em positiva, tolerável e tóxica (Boeckel et al., 2015): • Positiva: respostas que permitem a pessoa aprender e se adaptar a situações, fazendo parte do desenvolvimento saudável. • Tolerável: quando a experiência estressante acontece em um lugar seguro, que permite que a criança desenvolva a aprendizagem para lidar com diversos acontecimentos. Tendem a ser experiências em períodos mais breves, em que há uma rede de apoio para auxiliar na recuperação dos efeitos deletérios do estresse e as consequências psicobiológicas dele. • Tóxica: possui um curso crônico, de caráter incontrolável e com ausência de rede de apoio. Contextos familiares que geram situações estressoras com essa característica possuem um padrão violento, com alta vulnerabilidade para saúde mental familiar e com efeitos negativos para o desenvolvimento. O estresse desencadeia no organismo uma complexa rede de respostas psicobiológicas: ativação do sistema nervoso autônomo e do eixo hipotálamo- pituitária-suprarrenal (HPA). Esse mecanismo é responsável pela resposta de luta e fuga em situações de perigo (situações de violência, acidentes etc.). Trata-se, sem dúvidas, de uma resposta adaptativa, que leva a pessoa a promoção de uma estratégia de proteção diante de uma situação ameaçadora, por isso o estresse é considerado tão importante para a sobrevivência da nossa espécie. Contudo, nosso corpo não suporta a intensidade dessa situação em um espaço de tempo duradouro, trazendo consequência deletérias. A liberação crônica do cortisol (hormônio envolvido no processo descrito acima na ativação do sistema nervoso autônomo e HPA) altera o funcionamento do sistema imunológico, aumentando o risco do desenvolvimento de doenças: Ademais, alguns estudos sugerem que a intensa ativação do eixo HPA pode estar relacionada com alterações estruturais no desenvolvimento do corpo caloso, do neocórtex, do hipocampo e da amígdala. Tais alterações podem ter impacto significativo no funcionamento cognitivo do indivíduo, geralmente evidenciadas como dificuldades comportamentais em contextos sociais, educacionais e/ou laborais, por exemplo. (Boeckel et al., 2016) 7 Sabe-se que o estresse infantil se assemelha ao dos adultos, com a manifestação de reações físicas e/ou psicológicas quando se está vivenciando um estímulo que exija adaptação. Em crianças, os sintomas de estresse mais prevalentes incluem: aparecimento súbito de comportamentos agressivos que fogem do comportamento geral da criança, desobediência; alteração na atenção e concentração, depressão, ansiedade, enurese, gagueira, dificuldades de relacionamento, dificuldades escolares, pesadelos, insônia, birras e até o uso indevido de tóxicos. Já manifestações físicas são: asma, bronquite, hiperatividade motora, doenças dermatológicas, úlceras, obesidade, cáries, cefaléia, dores abdominais, diarreia, tiques nervosos, entre outros (Lipp, 2002). O estresse pode conduzir a um enfraquecimento da saúde física e mental de tal modo que aquelas patologias programadas geneticamente se manifestam devido ao estado de exaustão presente. Lipp (2000) refere que a reação do stress pode ser dividida em fases, são elas: • Fase de alerta: que se refere à situação em que a pessoa é exposta a uma situação produtora de tensão e desencadeia as alterações bioquímicas citadas acima. Quando o agente estressor não é eliminado, passamos ao estágio de resistência. • Fase de resistência: é quando a pessoa se equilibra de modo que os sinais iniciais do estresse tendem a desaparecer, mas prevalece o sentimento de desgaste generalizado sem causa aparente. Alterações cognitivas associadas a dificuldades de atenção e memória tendem a se manifestar. • Fase de quase exaustão: se refere ao momento em que o organismo está enfraquecido e não consegue se adaptar ou resistir ao estressor, de modo que o sistema imunológico tende a ficar prejudicado e doenças podem aparecer quando há predisposição genética para isso (herpes simples, psoríase, picos de hipertensão e diabete) • Fase de exaustão: é quando o estressor não é eliminado levando a doenças com muita frequência (incluem depressão, ansiedade aguda, inabilidade de tomar decisões, e alterações orgânicas como hipertensão arterial essencial, úlcera gástrica, psoríase, vitiligo e diabete). É importante ressaltar que para além do contexto escolar, a criança pertence a outros grupos que podem estar associados ao estresse infantil, como por exemplo, situações em que vivência maus-tratos. Nesses casos, o 8 desenvolvimento mostra-se vulnerável especialmente relacionado a dificuldades cognitivas e comportamentais, influenciando no desempenho das funções executivas, memória, atenção, aprendizagem, psicomotricidade e linguagem. Boeckel e demais pesquisadores (2016) retomam que há evidências em alguns estudos de que quando expostas a contextos familiares de maus-tratos ou de violência conjugal as crianças apresentam dificuldades no reconhecimento de expressões faciais (afetando a inteligência emocional, como vimos anteriormente, e sua capacidade de adaptação e prejudica suas interações sociais). Se o estresse tem potencial deletério no desenvolvimento, é preciso também considerar o contrário, pois o apoio familiar e social adequado pode se configurar como pontos de desenvolvimento de recursos de resiliência em crianças que passam por situações estressoras, protegendo o organismo dos prejuízos da taxa elevada de cortisol (Boeckel, 2016). Dessa forma, entende-se que o ambiente familiar tem forte influência na estruturação psicobiológica, ultrapassando a perspectiva dicotômica mente-corpo. Entender a criança e seu processo de aprendizagem e desenvolvimento por meio de um olharmais integrativo possibilita vislumbrar a complexidade envolvida e planejar estratégias de prevenção e intervenção mais eficazes. TEMA 4 – TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE (TDAH) Entrar para o universo escolar é um momento de crise para a criança, que precisa se adequar a frequentar um novo ambiente, uma nova rotina. Características particulares de uma criança como timidez, ansiedade, baixa autoestima, insegurança, motivação, são variáveis que interferem nessa experiência. Caso alguma situação prévia de vulnerabilidade emocional ou mesmo de transtorno psíquico exista, ela pode ser potencializada no ingresso a vida escolar, dentre elas se destacam fobias, depressão, os transtornos de humor, transtorno opositor desafiante, TDAH etc. A seguir abordaremos sobre essas situações, a começar pelo TDAH. A prevalência do TDAH varia de 8 a 12% em criança e adolescentes e entre 3 a 5% em adultos de diferentes países do mundo. Podemos definir o TDAH como um distúrbio comportamental que combina proporções de déficits de atenção, impulsividade e hiperatividade. As causas do TDAH incluem fatores biológicos, fatores ambientais e fatores genéticos (Reed, 2015). 9 Seu diagnóstico está associado com dificuldades sociais e comprometimento acadêmico (abandono, reprovações, suspensões e expulsões). Atualmente ele pode ser classificado em três subtipos (Reed, 2015): • Combinado: o mais comum, representando de 50 a 75% dos casos; • Predominantemente hiperativo-impulsivo: caracterizado por maior prejuízo no convívio social e familiar que no rendimento escolar, representa até 15% dos casos; • Predominante déficit de atenção: o prejuízo maior está no rendimento escolar, já que apresentam melhor convívio social, e tende a ser mais comum em meninos do que em meninas. Representam de 20 a 30% dos casos. Diferentemente do que se pensa no senso comum, o diagnóstico de TDAH é bastante complexo e exige do profissional ou outros cuidadores (pais, pediatra, psicopedagosos, professores etc.) que avalia um conhecimento importante na área, indo muito além que certos estereótipos construídos sobre a popularização do transtorno. Isso porque a impulsividade, déficit de atenção e hiperatividade são sintomas possuem quantificação e caracterização vaga e também porque diferentes critérios diagnósticos são adotados pelas diferentes diretrizes diagnósticas como o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID). A partir da perspectiva da Neuropsicologia, a literatura aponta que a avaliação de pessoas com déficit de atenção deve incluir a capacidade de inibição, funções executivas, processos atencionais, processamento temporal, tomada de decisões, cognição social, regulação do estado e mecanismo de recompensa (ou gratificação) (Reed, 2015; Malloy-Diniz, et al., 2022). • Déficit atencional: a principal característica do TDAH está na incapacidade de manter o foco de atenção em uma tarefa durante um período de tempo, de modo que somente uma parte das informações é retida. Obviamente que isso impacta na aprendizagem e dificulta a interação em sala de aula, geralmente influenciando na autoestima da criança. • Impulsividade: a grande marca da impulsividade no TDAH está associada à dificuldade da pessoa em inibir resposta aos estímulos do ambiente em que está inserido, se tornando dispersa. Existe ainda a dificuldade em ter 10 autocontrole e medir as consequências de suas ações, sendo por vezes inapropriado: não espera a sua vez, faz as atividades sem o capricho esperado, fala quando o contexto denota que não é adequado, por exemplo. • Hiperatividade: inclui tanto a hiperatividade motora quanto a hiperatividade verbal. Ela tende a ser mais proeminente em crianças pequenas (primeira infância) pela própria imaturidade do sistema neuropsicomotor, mas extrapolam aquilo que é esperado, colocando-se em situações perigosas e fazem atividades repetidas como soltar, correr, pular sem propósito. Derrubam materiais, perturbam colegas e não se adéquam a uma estrutura física de uma classe tradicional. A hipertividade verbal é expressa pela dificuldade em inibir a verbalização, cantarolando, repetindo sons, sendo por vezes inconvenientes. Diante do que foi exposto acima não é difícil entender a “bola de neve” que o TDAH representa: “as constantes reprimidas em casa e na escola, a rejeição por parte dos irmãos e dos amigos e o reconhecimento do próprio fracasso escolar e na prática de esportes criam na criança a sensação de nunca ser bem-vinda e bem-sucedida” (Reed, 2015, p. 360). O TDAH está associado a diferentes comorbidades, como distúrbios específicos de aprendizagem, transtorno desafiador-opositor, depressão, ansiedade, por isso o olhar atento do cuidador é fundamental para oferecer a criança o tratamento adequado o mais precoce possível (Reed, 2015). 4.1 TDAH e o planejamento escolar Reed (2015) ressalta que quando um aluno é devidamente diagnosticado com TDAH, é importante que ele seja orientado para uma classe pequena, com poucos estímulos visuais e com um responsável que fique fisicamente próximo. Acontece que na realidade das escolas, dificilmente esse ambiente ideal e flexível é possível, recaindo a expectativa de que o professor tenha uma atitude encorajadora e positiva é o máximo que se possa esperar. Aulas particulares podem ser eficazes, desde que a pessoa que as conduzam entenda e saiba manejar as disfunções executivas. Quando a educação atinge o ambiente familiar, com atividade para casa, por exemplo, é importante que assim como na escola, a criança tenha a 11 supervisão e esteja em um ambiente calmo e sem estímulos. É preciso tomar cuidado para que essas atividades não se transformem em exigência excessiva e agravem as dificuldades das crianças. TEMA 5 – TRANSTORNOS DEPRESSIVO E BIPOLAR 5.1 Depressão A prevalência global do transtorno depressivo é de 4,7% (Branco, at al. 2022). Ela é caracterizada por sintomas como apatia, irritabilidade, perda de interesse, tristeza, atraso motor ou agitação, ideias agressivas e múltiplas queixas de ordem somática (insônia, fadiga, anorexia). É importante ressaltar que muitas vezes a depressão é compreendida como sinônimo de tristeza, e, embora esse sintoma seja bastante relevante para o seu diagnóstico, ela não se resume na tristeza, de modo que a sua presença não garante que se trate de um caso de depressão. A sintomatologia da depressão pode ser agrupada em sintomas cognitivos (visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro, autocrítica, pensamentos de morte e dificuldade de concentração, desesperança), afetivos (sentimentos de tristeza, irritabilidade, culpa, raiva e ansiedade), físicos (alteração no padrão do sono, apetite e cansaço) e comportamentais (Cruvinel; Boruchovitch, 2014). Dentre as características neuropsicológicas das funções cognitivas de pessoas com depressão, destaca-se alteração atencional (especialmente na atenção concentrada), prejuízos na memória visuo-espacial e verbal, diminuição na velocidade de processamento, disfunções executivas (déficits na flexibilidade cognitiva, no controle inibitório e na fluência verbal). Obviamente que todo esse apanhado se configura como um risco para a funcionalidade e qualidade de vida das pessoas com depressão. 5.1.1 Depressão entre crianças e adolescentes Cientificamente a depressão em crianças ganhou visibilidade somente na década de 60. As teorias sobre a depressão infantil se diferenciavam de modo que algumas consideravam que a depressão em crianças é igual à depressão em adultos enquanto outras teorias compreendem que a depressão em crianças apresenta algumas especificidades. Alguns autores, por exemplo, defendem que a apatia, tédio, alteração do humor, alterações somáticas, distúrbio do sono, 12 alteraçãona autoestima são sintomas depressivos, porém, há outros autores que referem que comportamentos antissociais, agressivos e hostis também são sintomas depressivos (Do Nascimento Marconi, 2017). Até os sete anos de idade os sintomas físicos mais comuns incluem dores de cabeça e abdominais, fadiga e tontura. Em menor frequência, mas também relevantes, podem incluir a enurese, encoprese, comunicação deficiente, agressividade consigo (incluindo comportamento autodestrutivo) e com os outros e pensamento de morte e suicídio. Durante a idade escolar outros sintomas ainda podem ser considerados: falta de amigos, incapacidade de se sentir alegre e uma percepção de si de forma depreciativa, fadiga, fobias, desejos ou fantasias de morte, choro fácil, aparência triste e irritabilidade (Do Nascimento Marconi, 2017). Tabela 1 – Sintomatologia depressiva de acordo com a idade Áreas 3 à 5 anos 6 à 12 anos 13 à 18 anos Estado de ânimo Irritabilidade Tristeza Variabilidade Tristeza Tristeza Variabilidade Irritabilidade Interesses Diminuição das brincadeiras com os amigos Aborrecimento Apatia Desinteresse Alimentação Problemas com comidas Perda de apetite Não ganha peso Perda de peso Perda de apetite Ganho lento de peso Perda de peso Comer em excesso Obesidade Sono Pesadelos Terrores noturnos Resistência a ir para cama Insônia intermediária Insônia Hipersonia Motricidade Redução da atividade física: correr, subir, andar de bicicleta Autoestima, preocupações e sentimentos Baixa Autoestima Preocupação com castigo Preocupação com fracasso Baixa Autoestima Hipomobilidade Agitação Autodesprezo Autoagressividade Autocriticismo Energia 13 Déficits Cognitivos Dificuldade para fixar a atenção Redução do pensamento Abstrato Ideação Suicída Autoagressões Maior risco de lesões Ideação suicida Ideação suicida Tentativas Fonte: Elaborado por Schmidt, 2022, com base em Neto, 2010, p. 60. Os fatores de risco mais associados para a depressão incluem o ambiente familiar (abandono de um dos pais, morte de familiar, separação ou divórcio, atitude disfuncionais dos pais, falta de suporte familiar) e escolar (dificuldades escolares com baixo rendimento, dificuldade no relacionamento com o professor e problemas de relacionamentos com os amigos) (Cruvinel, Boruchovitch, 2014). 5.2 Transtorno bipolar Mudanças de humor são esperadas e podem ser considerados eventos naturais, desde que ocorram em uma faixa de intensidade e que não gerem grandes problemas ou prejuízos. Quando isso acontece, caracterizamos como transtorno bipolar. O transtorno bipolar (TB) é caracterizado por graves variações de humor e episódios depressivos, os quais são intercalados por períodos de remissão, além de apresentar sintomas físicos, cognitivos e comportamentais. O transtorno pode ser dividido em dois principais tipos: o Tipo I, no qual a elevação do humor (estado de mania) é de considerável gravidade e persistência e o Tipo II, em que essa elevação é moderada (hipomania). No estado maníaco, que possui uma semana como mínimo de duração, a pessoa apresenta estado de muita euforia, atividade motora aumentada, irritabilidade, podendo ocorrer até episódios psicóticos. Já a hipomania, que apresenta um menor reflexo negativo no paciente, é caracterizada por mudanças comportamentais, de humor e funcionais mais moderadas, entretanto pode provocar a mania. A ciclotimia, mais uma das classificações do TB, é caracterizada por episódios de hipomania e alguns sintomas depressivo (APA, 2014). Somado a presença de episódios graves de humor, o transtorno também é associado a graus variados de sintomas psicóticos, perda de funcionalidade e deficiências neurocognitivas. Estima-se que ao longo dos episódios de depressão, mania e distimia residual, as deficiências cognitivas tendem a apresentar maior gravidade quando comparado com estágios anteriores a doença ou quando o paciente está em períodos de eutimia (Loschiavo-Alvares; Fish; Wilson, 2018). 14 Assim como na depressão, não existe um perfil cognitivo específico para essa patologia, devido à alta variabilidade de manifestações. Porém, é evidente que essa população apresenta dificuldades cognitivas significativamente maiores do que aquela sem essas patologias. Prejuízos atencionais, de memória (especialmente memória verbal ou declarativa) e em funções executivas são prevalentes, sendo que os estudos indicam que as algumas dessas alterações tendem a permanecer mesmo quando os pacientes estão eutímicos (Branco et al., 2022). 5.1.1 Transtorno bipolar entre crianças e adolescentes No caso de jovens e crianças, é comum que no estado da mania apresente humor eufórico, exaltado ou irritável. Existe uma tendência de ficar debochando, rindo de tudo sem motivo aparente, mostrar excessiva alegria de maneira desproporcional a situação e elevada irritabilidade. O pensamento tende a ser acelerado, com prejuízo na capacidade de juízo crítico, elevada distraibilidade, e pode ser caracterizado por conteúdo de grandeza (pode achar que tem poderes mágicos ou qualidades que não possui). O comportamento é agitado, com evidente inquietação física e na fala. O sono tende a ficar alterado, especialmente começam a dormir poucas horas por noite e também é comum apresentar alteração no apetite (aumentar ou diminuir). Além disso, no TB em jovens é comum que ele se torne bastante sexualizado, fazendo inclusive comentários inadequados ou ter comportamentos impróprios (Estanislau; Bressan, 2014). A hipomania, forma menos intensa de mania, o jovem fica mais enérgico para as pessoas ao seu redor perceber, mas não há prejuízos. Essa situação faz com que muitas vezes a família não identifique necessidade de ser encaminhado para avaliação e acompanhamento especializado, o que não é o ideal, porque a hipomania representa um risco para o desenvolvimento de um episódio de mania ou depressão (Estanislau; Bressan, 2014). No quadro depressivo de TB é comum com os quadros de depressão já apresentado acima (depressão unipolar). É importante ressaltar que o TB pode se apresentar em estado misto, quando a pessoa apresenta sintomas de mania associados a sintomas depressivos, gerando muito sofrimento (Estanislau; Bressan, 2014). A especificidade do TB na infância é que ele tende a apresentar mudanças mais rápidas e sem motivo aparente; instabilidade de humor aparentemente 15 contínua; sintomas tendem a parecer menos intensos que no adulto; o humor predominante é o irritável, deprimido ou misto; ocorre muitas vezes associados com outros transtornos (comorbidade mais comuns são: TDAH, transtornos da conduta e o transtorno desafiante opositor). Na adolescência, entretanto, as manifestações do TB tendem a ser muito parecidas com quadros em adultos, porém é preciso levar em consideração que o uso de drogas e pensamentos suicidas aumentam bastante nessa faixa etária (Estanislau; Bressan, 2014). Estudos apontam que o TB em crianças e adolescentes impactam diretamente as relações sociais, o desempenho escolar e está associado a comportamentos de risco (uso de substância, por exemplo) e altas taxas de suicídio, reforçando a importante do diagnóstico e do tratamento precoce. A intervenção inclui a psicoeducação, tratamento medicamentoso, psicoterapia (Estanislau; Bressan, 2014). No ambiente escolar, é importante que se esteja atento ao jovem com o TB, fortalecendo a relação entre a escola e a família. O aluno precisa de atenção não somente no momento de crise, mas ter o laço entre ele e o professor estabelecido previamente, para que este possa auxiliá-lo na identificação de suas dificuldades. Pode ser necessário que o aluno precise de intervenções específicas, devido às dificuldades de atenção. De qualquer forma, o movimento acolhedor e não engessado, capaz de reconheceras potencialidades do aluno é sempre fundamental (Estanislau; Bressan, 2014). 16 REFERÊNCIAS APA – AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais-DSM-V. Porto Alegre: Artmed, 2014. BOECKEL, M. G. et al. Família, estresse e aspectos neurocognitivos: um modelo desenvolvimental. In: SALLES, J.F.; HAASE, V.G.; MALLOY-DINIZ, L.F. Neuropsicologia do desenvolvimento: Infância e Adolescência. SBNp-Artmed, 2016. p. 172-178. CRUVINEL, M.; BORUCHOVITCH, E. Compreendendo a depressão infantil. Editora Vozes Limitada, 2014. DO NASCIMENTO MARCONI, E. V. Depressão infantil: uma revisão bibliográfica. 2017. ESTANISLAU, G. M.; BRESSAN, R. A. Saúde mental na escola: o que os educadores devem saber. Artmed Editora, 2014. PICCOLO, L. R. et al. Efeitos do nível socioeconômico no desempenho neuropsicológico de crianças e adolescentes. In: SALLES, J. F. de; HAASE, V. G.; MALLY-DINIZ, L. F. (Org.). Neuropsicologia do desenvolvimento. 1. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.p. 34-46 ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; DOS SANTOS RIESGO, R. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Artmed Editora, 2015. LOSCHIAVO-ALVARES, F. Q.; FISH, J.; WILSON, B. A. Applying the comprehensive model of neuropsychological rehabilitation to people with psychiatric conditions. Clinical Neuropsychiatry: Journal of Treatment Evaluation, 2018. LIPP, M. E. N. Inventário de sintomas do stress para adultos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. LIPP, M. E. N. et al. O estresse em escolares. Psicologia escolar e educacional, v. 6, p. 51-56, 2002. MALLOY-DINIZ, L. F.; COSTA, D. S.; MIRANDA, D. M.; MATTOS, P. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: características neuropsicológicas. In: http://lattes.cnpq.br/9470251915721698 17 PONSONI, A.; TEIXEIRA, A. L.; MALLOY-DINIZ, L. F.; FONSECAM, R. P. Neuropsicologia dos transtornos psiquiátricos. Ampla Editora, 2022. BRANCO, L. D.; PONSONI, A.; COTRENA, C.; SHANSIS, F. M.; FONSECA, R. P. Neuropsicologia dos transtornos bipolares e depressivos. In: PONSONI, A.; TEIXEIRA, A. L.; MALLOY-DINIZ, L. F.; FONSECAM, R. P. Neuropsicologia dos transtornos psiquiátricos. Ampla Editora, 2022.
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