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AULA 6 NEUROCIÊNCIA DAS EMOÇÕES Profª Debora Berger Schmidt 2 TEMA 1 – TRANSTORNOS DE ANSIEDADE (TA) Os transtornos de ansiedade (TA) englobam diversos transtornos que partilham de algumas características em comum, como o medo e a ansiedade excessiva persistentes. Eles também são caracterizados por alterações, no padrão comportamental, que levam a prejuízos importantes para o sujeito (Beria et al., 2022). O Quadro 1 apresenta os principais tipos de TA. Quadro 1 – Principais tipos de TA e sua apresentação clínica Transtorno Apresentação clínica Características das funções cognitivas Transtorno de ansiedade de separação Preocupação excessiva e inadequada, no período do desenvolvimento, quanto à separação de uma figura importante a que se tem apego. As apresentações comuns incluem o indivíduo evitar dormir sozinho, recusar ir à escola, agitar- se em momentos de separação, além de sintomas somáticos. Esse é o TA mais comum na faixa etária de menores de 12 anos. Dificuldades no controle inibitório. Mutismo seletivo Falha quando o indivíduo vai falar, em uma situação social específica, em que existe uma expectativa de comunicação verbal. É possível o falar fluentemente, em outras situações. Pode estar associado aos TAS comórbidos. Déficits na linguagem, na função motora, na memória verbal. Fobia específica Ansiedade excessiva em torno de um objeto ou fenômeno específico (e. g., fobia por agulha, fobia dentária, fobia animal). A preocupação pode levar a evitar algumas situações ou enfrentá-las com muita dificuldade. Alterações no processamento de informações. Transtorno de ansiedade social (TAS) Desconforto excessivo em torno de interações sociais com preocupações de a Dificuldades nas habilidades visuoconstrutivas e 3 pessoa poder ser julgada. Há um desejo de interação social, mas a ansiedade experienciada causa danos para o indivíduo nesse âmbito, levando-o, muitas vezes, ao isolamento social. A evitação de situações sociais é comum e tende a agravar a situação clínica. visuoespaciais, déficits em memória verbal e funções executivas, desregulação nas emoções e crenças sociais. Transtorno de pânico Caracterizado pela presença de ataques de pânico recorrentes, que consistem em uma sensação de medo ou mal- estar intenso, acompanhada de sintomas físicos e cognitivos e que se iniciam de forma brusca, alcançando intensidade máxima em até 10 minutos. Esses ataques acarretam preocupações persistentes ou modificações de comportamento em relação à possibilidade de ocorrência de novos quadros de ansiedade. Déficits em funções executivas. Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) Preocupação excessiva com vários assuntos e situações cotidianas. Queixas somáticas são comuns, bem como dificuldade de concentração e irritabilidade. Fonte: Elaborado com base em Beria et al., 2022, p. 92. A terceira coluna do Quadro 1 representa a análise de um apanhado de estudos, realizados por Beria et al. (2022), sobre as características cognitivas de pessoas com TA. Porém, é importante ressaltar a ausência de estudos consistentes sobre o tema, em alguns diagnósticos. O que se percebe é que a disfunção executiva parece atravessar os TA com maior prevalência. A relevância de se saber mais sobre os TA é que eles são os transtornos psiquiátricos mais frequentes na população em geral: estima-se que eles atinjam até aproximadamente 28% da população mundial, sendo a sua prevalência maior nas mulheres. Ele também está associado a diferentes transtornos, como transtorno 4 do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão e transtorno bipolar (Beria et al., 2022). 1.1 TA em crianças e adolescentes O TA, entre crianças e adolescentes, representa dificuldades no relacionamento interpessoal, baixa autoestima, vitimização, queixas somáticas, dificuldades escolares (baixo desempenho, absenteísmo e evasão escolar) e prejuízos em processos psicológicos básicos, como memória, percepção e pensamento (Fernandes et al., 2014). A prevalência do TA na infância e na adolescência pode ultrapassar 12% da população em idade escolar (Jarros; Toazza; Manfro, 2016). Assim como outras emoções, a ansiedade é necessária para a sobrevivência da nossa espécie. É ela também que nos movimenta por situações melhores, nos acompanhando em oportunidades de crescimento e mudança. Porém, quando ela deixa de ser natural e passa a ser uma ansiedade patológica, ela leva a um sofrimento intenso, cujos sintomas incluem sentimento de apreensão desagradável e vago, acompanhado de sensações físicas como: frio no estômago, aperto no peito, falta de ar, secura da boca, sudorese, arrepios, tremores, vômitos, palpitações, dores abdominais e outras, além do aumento da frequência urinária. Crianças menores, que ainda não reconhecem com propriedade os seus sentimentos e não os expressam por meio da linguagem verbal, também podem expressar assim seus medos. Crianças de 7 a 12 meses podem desenvolver medo do estranho e expressarem desconforto quando separadas de seus cuidadores (Rodrigues, 2011). Com relação aos aspectos neuropsicológicos do TA na infância e na adolescência, sabe-se que eles podem estar associados a déficits de atenção e de memória e a problemas escolares, porém é preciso que haja mais estudos que investiguem o tema para se ter maior consistência na abordagem da influência dos TA nas funções cognitivas e comportamentos disfuncionais. Afinal, os componentes cognitivos que envolvem atenção, memória e funções executivas se sobrepõem e interagem de maneira complexa, sendo difícil discutir um processo sem se referir aos outros domínios. Alguns estudos apresentam uma associação entre a habilidade de perceber emoções e os TA, em crianças e adolescentes. Já vimos que a interpretação das expressões faciais é fundamental na compreensão 5 social, de modo que dificuldades nessa área podem influenciar na qualidade das relações interpessoais (Jarros; Toazza; Manfro, 2016). A sala de aula pode ser um ambiente privilegiado para observação do TA em crianças e adolescentes. A negociação de tempo para entrega de atividades diante da insegurança de um aluno e da manifestação da sua ansiedade é um dos exemplos de manejo com alunos que apresentam TA. Encerrar brincadeiras ou provações, dar margem para erros e não buscar o perfeccionismo, oferecer ajuda também são alternativas. Diante dos sintomas físicos, como urgência de ir ao banheiro, vômito ou respiração acelerada e rubor, a intervenção pode incluir a liberdade para que o aluno saia da sala de aula e a condução de momentos de relaxamento (Estanislau; Brassan, 2014). TEMA 2 – TRANSTORNO DE OPOSIÇÃO DESAFIANTE (TOD) E TRANSTORNO DE CONDUTA (TC) O transtorno de oposição desafiante (TOD) – também chamado de transtorno desafiador de oposição – é bastante comum na idade escolar e é um dos transtornos de maior prevalência na infância. É caracterizado por um padrão persistente de comportamentos hostis, negativistas e desobedientes (por isso a palavra desafiador), observado nas interações da criança. Embora esse padrão possa também ser identificado na relação da criança com seus colegas, ele é predominante nas relações dela com adultos e figuras de autoridade. O TOD pode ser considerado como inserido na categoria diagnóstica de perturbações disruptivas do controle dos impulsos e do comportamento, pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-5 (APA, 2014); ou na categoria de distúrbios de conduta, pela Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde – CID-10 (OMS, 1993), cuja classificação faz parte do grupo de transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infânciaou a adolescência: Do ponto de vista do diagnóstico, é necessário observar os seguintes aspectos: manifestações excessivas de agressividade e de tirania; crueldade com relação a outras pessoas ou a animais; destruição dos bens de outrem; condutas incendiárias; roubos; mentiras repetidas; cabular aulas e fugir de casa; crises de birra e de desobediência anormalmente frequentes e graves. A observância de apenas um ato dissocial isolado não é suficiente para promover o diagnóstico, todavia a identificação clara de um dos grupos de conduta precedentes, sim. (Leite; Campos, 2016, p. 39) 6 É importante ressaltar que nem todo comportamento de irritabilidade ou agressividade deve ser considerado patológico. Já vimos que a capacidade de autorregulação emocional é adquirida, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, na medida em que suas funções e estruturas cerebrais atingem maturação. Somados a isso, esses comportamentos são comuns a todas as pessoas, em diferentes situações de sofrimento psíquico, seja ele transitório, seja persistente. A irritabilidade e a agressividade tornam-se preocupantes de acordo com seu modo de expressão, intensidade e duração, de modo a gerar prejuízos importantes para a pessoa. Elas vão além, por exemplo, das famosas birras de crianças ou teimosia de adolescentes. Nas pessoas com TOD, o quadro é severo o bastante para significar frequentes complicações na vida acadêmica e social, afetando inclusive o relacionamento familiar: “Portanto, é necessário compreensão de que um comportamento opositivo temporário e ocasional é comum e faz parte do desenvolvimento natural, construindo a autonomia, principalmente na adolescência.” (Rangel; Venancio; Dias, 2019, p. 68). Devido a algumas etapas do desenvolvimento serem caracterizadas por variações comportamentais, o diagnóstico de TOD é difícil e deve incluir a entrevista com os pais ou responsáveis da criança, o levantamento do histórico familiar de transtornos comportamentais, alcoolismo, abuso de drogas, agressividade e violência, do desempenho acadêmico e do padrão de comportamento nas aulas, nos intervalos de aula e na interação social com colegas, professores e funcionários, na escola. A observação dos sintomas deve abranger pelo menos 6 meses, estando presentes situações de perda da paciência, discussão com adultos, desafio ou repulsa a obedecer às solicitações feitas por pessoas mais velhas. É bastante comum que crianças com TOD violem o direito de outras pessoas, pratiquem bullying, encarem comportamentos inadequados como adequados, façam crueldade com animais e sintam prazer em culpar terceiros pelos seus próprios erros (Rangel; Venancio; Dias, 2019). Esse padrão de comportamento tende a ocorrer mais frequentemente em casa, ou na escola, ou em lugares públicos, limitando-se a apenas um ambiente. Porém, nos casos mais graves, verifica-se a presença dos sintomas do transtorno em múltiplos ambientes (Agostini; Santos, 2018). Ademais, as crianças (com TOD) possuem baixa autoestima, baixa tolerância às frustrações, ataques de raiva e dificuldade ao fazer amizades, pois são rejeitadas pelos colegas devido ao comportamento impulsivo, opositor e desafiador frente às regras do grupo social, e, por fim, as dificuldades acadêmicas, com o comprometimento do 7 desempenho escolar e reprovações frequentes, pois esses jovens se recusam a participar de projetos em conjunto, pedir ou aceitar ajuda de educadores e querem sempre solucionar os problemas de forma individual. (Rangel; Venancio; Dias, 2019, p. 71) As causas do TOD envolvem múltiplos fatores de risco. O DSM-5 classifica essas disposições de risco em temperamentais (dificuldades de regulação emocional), ambientais (exposição a práticas agressivas, inconsistentes ou negligentes, ao longo do desenvolvimento infantil, especialmente no contexto familiar), genéticas e fisiológicas (marcadores neurobiológicos) (APA, 2014). Vale ressaltar que não existe conclusão nos estudos sobre a origem genética do TOD, embora alguns estudos apresentem essa associação. 2.1 Transtorno de conduta (TC) Alguns autores definem o transtorno de conduta (TC) como uma evolução continuada do TOD, com sintomas de maior gravidade comportamental. O TOD tende a ocorrer em faixas etárias mais jovens, enquanto o TC é mais grave e menos comum em crianças e adolescentes. Crianças com diagnóstico de TC apresentam um padrão persistente de violação de direitos básicos dos demais e de regras sociais importantes, sem experimentação de empatia ou arrependimento (Fu-I et al., 2012; Estanislau; Bressan, 2014). Essas crianças apresentam risco elevado para uso de substâncias psicoativas, no futuro, e para envolvimento em atos criminosos. A gravidade do TC é variável, dependendo da variação clínica dos sintomas antissociais (Estanislau; Bressan, 2014). 2.2 Causas do TOD e do TC Assim como o TOD, as causas do TC são multifatoriais, dentre as quais podemos citar: a experiência e a história de vida do indivíduo, os tipos de relações familiares, o meio social, o histórico de situações de violência, os traços de personalidade. A tendência genética é mais evidente em quadros graves de TC, em comparação com outros quadros psiquiátricos. Estanislau e Bressan (2014) listam como fatores de risco para o desenvolvimento do TC e do TOD: • Fatores individuais: genética; complicações perinatais; temperamento da criança; déficits nas habilidades de expressão verbal e linguagem; déficits nas funções executivas; problemas na cognição social. 8 • Fatores externos ao ambiente familiar: rejeição pelos pares; influência pelos pares; vizinhança. • Fatores familiares: ambientes caracterizados por brigas entre os pais, presença de disciplina rígida e com poucos cuidados; qualidade do relacionamento e ligação/apego entre pais e criança; pais com comportamentos mais hostis; violência doméstica entre adultos em casa/maus-tratos. 2.3 Prevenção, tratamento e papel da escola A identificação precoce é importante para melhor possibilidade de remissão do quadro comportamental e minimização da evolução do TOD e do TC para o transtorno de personalidade antissocial. O tratamento deve ser planejado de acordo com a necessidade, os sintomas comportamentais de cada criança e a severidade dos sintomas. Ele deve incluir as seguintes estratégias, segundo Rangel, Venancio e Dias (2019): • Tratamento psicossocial: envolve psicoterapia cognitivo- comportamental, terapia familiar, psicoeducação familiar, treinamento de pais, psicoeducação escolar e intervenções escolares. • Psicoterapia: a psicoterapia individual com o jovem serve para auxiliar no desenvolvimento de habilidades de comunicação, de controle da raiva, do impulso e da agressividade. A terapia familiar pode ajudar os membros de estruturas familiares disfuncionais a desenvolverem habilidades de resolução de conflitos. E, por fim, a psicoeducação familiar e o treinamento dos pais têm o objetivo de orientar sobre como desencorajar e corrigir comportamentos desafiadores das crianças com TOD e TC. • Tratamento medicamentoso: os medicamentos antipsicóticos ou neurolépticos e estabilizadores de humor são importantes para o manejo dos sintomas agressivos e impulsivos. Obviamente, a escola é um dos locais de mais frequente manifestação dos sintomas do TOD e TC e, portanto, é um ambiente propício para a sua identificação precoce. A escola, na relação aluno/professor, pode representar proteção para as crianças com esses transtornos, desde que o professor seja instrumentalizado para manter um clima positivo na sala de aula; afinal, ao se deparar com comportamentos agressivos, é comum que o professor reaja com 9 comportamentos rígidos e inflexíveis diante das situações, isso resultando muitas vezes em desfechos com excessiva carga afetiva. Evitar a estigmatização do indivíduo como aluno-problemapode auxiliar para que o aluno opositor sinta-se pertencente ao grupo e, consequentemente, tenha os seus comportamentos disruptivos enfraquecidos. E, por fim, o professor deve estar atento para fazer uma intervenção assim que o comportamento for manifestado, evitando comportamentos opositores em situações intoleráveis (Estanislau; Bressan, 2014). TEMA 3 – TRANSTORNOS DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) O TEA se refere a um grupo de transtornos do neurodesenvolvimento, ou seja, ele já se manifesta nos primeiros anos de idade da criança e é caracterizado por três fatores clínicos, que variam muito de indivíduo para indivíduo (Rodrigues; Soares; Cabral, 2019): 1. Comprometimento na comunicação (verbal e não verbal): ausência da fala e de qualquer comunicação alternativa. 2. Dificuldades nas relações sociais: resistência ao contato visual, tendência ao isolamento, falta de empatia diante das emoções alheias, tendência a não compartilhar pertences. 3. Comportamentos restritivos e repetitivos: forma rígida de pensar, estereotipias, desordem sensorial, manias e rituais. É importante ressaltar que a definição do TEA foi sendo reestruturada, ao longo dos últimos anos. Na década de 1950, por exemplo, acreditava-se que o autismo era causado ou, no mínimo, muito influenciado pelos pais, quando estes não eram capazes de fornecer às crianças o estímulo afetivo necessário para o desenvolvimento da criança. Infelizmente, essa compreensão de falta de afeto dos pais, e especialmente da mãe, ainda é encontrada de forma equivocada na opinião e comportamento de diferentes profissionais da área da saúde e da educação. Historicamente, o autismo também já foi considerado um tipo de esquizofrenia infantil e, mais recentemente, na década de 1990, as classificações de autismo incluíam a síndrome de Asperger, referente a casos mais leves, quando os indivíduos diagnosticados tendem a ser mais funcionais. Atualmente, sabemos que muito se evoluiu na conceituação e principalmente na classificação do TEA, de modo que aquelas compreensões foram superadas e hoje todos os 10 casos são diagnosticados como facetas de um único espectro, com diferentes níveis de gravidade (Gadia; Rotta, 2016). A ampliação dos quadros clínicos do TEA significou um salto na prevalência do autismo. No Brasil, estima-se que 1 em cada 100 crianças tenha esse diagnóstico (Gadia, Rotta, 2016) e, por isso, é fundamental que esses quadros sejam conhecidos no ambiente escolar, onde a convivência de crianças da mesma idade permite a observação de comportamentos comuns a determinada faixa etária. Dessa forma, educadores são parceiros fundamentais para a identificação precoce de TEA (Estanislau, Bressan, 2014). As causas associadas ao TEA incluem diversos fatores, dentre eles influências genéticas, fatores ambientais, como intercorrências no parto e durante a gestação, meningite, uso de bebidas alcoólicas, rubéola congênita, uso de medicações durante a gestação e idade paterna avançada. Os diferentes graus do quadro clínico do TEA se manifestam também de diferentes maneiras: As crianças com TEA têm repertório restrito de atividades e interesses; manipulação de brinquedos sem uso simbólico, detendo sua atenção em partes do objeto sem o menor significado dentro de sua utilidade; fascinação com os movimentos de objetos que rodeiam, ficam um logo tempo olhando para ventiladores de teto, enquanto fazem movimentos como “flapping” ou outras estereotipias, como colocar a mão e os objetos na boca. Preferem observar as rodinhas de carros de brinquedo quando estes são colocados com elas para cima, sem usar o brinquedo para sua finalidade. Gostam de empilhar brinquedos ou utensílios ou de fazer filas com eles. (Gadia; Rotta, 2016, p. 371) Ao longo do seu desenvolvimento, o bebê recém-nascido vai gradativamente demonstrando capacidade de interação: ele vira a cabeça na direção em que é chamado, segue o olhar em relação a um objeto que muda de posição, responde a manifestações de afeto. O bebê com TEA pode não apresentar tais reações. Isso quer dizer que pais e educadores devem ficar atentos a esses sinais desde os primeiros meses de vida. No Quadro 2, resumem- se os principais sinais de alerta em crianças de 6 meses a 3 anos. 11 Quadro 2 – Principais sinais de alerta de possível situação de TEA Crianças típicas Crianças com TEA Recém-nascidos até 6 meses Viram a cabeça quando chamadas; seguem em direção ao olhar da mãe; começam a desenvolver a capacidade de atenção compartilhada; respondem a demonstrações de afeto e a emoções. Não reagem quando chamadas, não respondem a pistas sociais, demonstram respostas afetivas mínimas, são mais passivas e quietas. Crianças de 7 a 12 meses Começam a demonstrar atenção compartilhada, buscam na face do adulto informação emocional em situações incertas, têm comunicação vocal simples, com início de comportamento imitativo. Têm maior incidência de posturas anormais, precisam de mais estímulos para responder quando chamadas, tendem a colocar tudo na boca, demonstram aversão ao toque social, falta de sorriso e de expressão facial apropriada. Crianças de 13 a 14 meses Apresentam comunicação mais receptiva e expressiva e maior incidência de faz-de-conta, exibem atenção compartilhada. Revelam atenção compartilhada muito limitada, ausência de funções pré- linguísticas, falta de empatia e não demonstram capacidade de elaboração de jogo imaginativo. Fonte: Elaborado com base em Gadia; Rotta, 2016, p. 372. O tratamento da criança com TEA é multidisciplinar e inclui: terapia fonoaudiológica, terapia ocupacional, terapia psicopedagógica, terapia psicológica, musicoterapia, arteterapia, hidroterapia, técnicas de modificação de comportamento, farmacoterapia e programas educacionais e/ou de trabalho (Gadia, Rotta, 2016). 3.1 O TEA e o contexto educacional É importante que alguns mitos sejam desfeitos, sobre o autismo. O primeiro deles é que a agressividade não é um sintoma do autismo, como comumente se 12 pensa. Geralmente, sua manifestação está associada a dificuldade na comunicação, pois, ao não conseguir se expressar e ser compreendido, o autista adota comportamentos como emissão de gritos, autoagressão ou agressão a terceiros. O déficit cognitivo, muito associado, no senso comum, ao autismo não é um sintoma dele. A metodologia de ensino é que deve ser adequada ao aluno e, se houver alguma questão cognitiva nesse aluno, ela deve ser considerada como uma comorbidade. Sabe-se, inclusive, que pessoas com autismo são muito inteligentes, apresentando desempenho acadêmico acima da média, em alguns fatores. Uma criança com autismo, por exemplo, pode se dedicar tanto a aprender sobre dinossauros que consegue facilmente saber os nomes de todos eles; mas, em contrapartida, pode não saber os nomes dos seus colegas da sala, num exemplo de interesses estereotipados e limitados característicos do TEA (Rocha, 2021). Utilizar linguagem adequada à criança, monitorar o seu desempenho constantemente, reforçar positivamente os seus bons comportamentos, promover rotinas, empregar recursos visuais como estratégia de ensino, auxiliar na compreensão sociomocional, apresentar conteúdos em ordem crescente de complexidade, adaptar o material gráfico são exemplos de estratégias em sala de aula que podem auxiliar no manejo do professor com alunos com TEA (Estanislau; Bressan, 2014). TEMA 4 – ESQUIZOFRENIA Embora seja mais comum que a esquizofrenia tenha o seu início no fim da adolescência, a doença vem sendo identificada também em crianças, nos últimos anos. A esquizofrenia é definida por manifestações em cinco domínios: delírios, alucinações, pensamentos (discursos) desorganizados, comportamentos motores grosseiramente desorganizados (incluindo catatonia) e sintomas negativos (como pobreza ou ausência de capacidadesessenciais) (Assumpção; Barbirato, 2014). Atualmente, sabemos que a esquizofrenia tem um forte componente genético e que problemas no parto, situações traumáticas e uso de drogas durante a gestação aumentam as chances do desenvolvimento da doença. Quando somados à predisposição genética, os riscos são ainda maiores de aparecimento do transtorno (Estanislau; Bressan, 2014). A sintomatologia da esquizofrenia em crianças é bastante comum à esquizofrenia em adultos, porém é possível afirmar que, nas crianças, há 13 prevalência dos sintomas negativos, enquanto que, nos adultos, os quadros alucinatórios, por sua vez raros em crianças, são marcantes (Assumpção; Barbirato, 2014). Segundo Estanislau e Bressan (2014, p. 209), os sintomas negativos tendem a ser duradouros, e as pessoas com esse diagnóstico são comumente julgadas como indiferentes, frias, chatas ou irritantes. Segundo os autores, os sintomas negativos mais comuns na esquizofrenia são: • perda de iniciativa para fazer as coisas; • desinteresse crescente; • falta de vontade de estar com outras pessoas (o que pode resultar em isolamento social); • diminuição da afetividade. O conteúdo de pensamento deve ser avaliado com cuidado, porque a imaturidade cognitiva tende a pensamentos mais fantasiosos, sendo natural em todas as crianças. O que se observa na esquizofrenia infantil são fantasias bizarras, ideias paranoides e persecutórias, inabilidade para diferenciar sonho de realidade e transtornos do pensamento (Assumpção; Barbirato, 2014). O quadro delirante é uma característica da esquizofrenia e se refere a uma convicção, a uma crença de forma obstinada, muitas vezes sem espaço para questionamentos ou relativização desse pensamento, que se torna central na vida da pessoa. Aqui, vale uma ressalva: como dito, é natural que as crianças apresentem pensamento fantasioso, ao longo do seu desenvolvimento. A “presença” de amigos imaginários, em suas vidas, é comum e não significa, em isolado, um quadro de esquizofrenia. Uma forma que pode auxiliar a identificar se uma criança com amigo imaginário está apresentando sintomas delirantes é observar que, no caso de esquizofrenia, ela não tem certeza da diferenciação do que é real e imaginário e tende a apresentar medo (Estanislau; Bressan, 2014). O conteúdo delirante persecutório é bastante comum na criança com esquizofrenia e pode ser expresso por frases do tipo: Estão querendo me matar. É comum que o pensamento delirante seja atravessado por questões religiosas de grandeza, com a formulação de sentenças como Eu sou um missionário enviado por Deus para salvar a Terra. Por isso, a esquizofrenia é entendida como uma doença que altera a capacidade de juízo da realidade, afinal, muitos fatos são compreendidos de forma distorcida, reforçando o delírio ou o alimentando (Estanislau; Bressan, 2014). 14 As alucinações auditivas são mais comuns (ouvir vozes), especialmente nos adultos. Em crianças, as alucinações visuais ocorrem, geralmente, quando elas já apresentam alucinações auditivas. Elas ainda podem apresentar alucinações táteis, gustativas e olfativas, embora em menor frequência (Assumpção; Barbirato, 2014). É importante saber que, em geral, as alucinações fazem parte do conteúdo delirante (Estanislau; Bressan, 2014). Alguns outros comportamentos também se fazem característicos dos quadros de esquizofrenia infantil: isolamento afetivo, catatonia, masturbação e formas mais primitivas do desenvolvimento, como encoprese, enurese, coprofagia (ingerir as fezes) (Assumpção, Barbirato, 2014). O tratamento para a esquizofrenia inclui acompanhamento psicossocial, tanto em crianças como em adultos. A psicoeducação é bastante importante nos casos de crianças, com o objetivo de reduzir danos e auxiliar na adaptação. O uso de psicofarmacológicos inclui adoção de antipsicóticos, porém parte deles tendem a causar efeitos colaterais que devem ser analisados (Assumpção; Barbirato, 2014). 4.1 A esquizofrenia e o contexto educacional É importante que o aluno, a escola, a família e a equipe de saúde estabeleçam entre si uma relação de confiança, focada não somente no desempenho pedagógico do aluno, mas sobretudo no seu bem-estar. O papel da equipe de saúde é fundamental para atuação da psicoeducação, facilitando o diálogo e o manejo comportamental do aluno. Adaptações podem e devem ser realizadas, de acordo com as possibilidades do aluno, tomando cuidado para que a educação não se torne uma fonte de estresse para ele e eleve o risco de agravamento do caso (Estanislau; Bressan, 2014). Em sala de aula, reconhecer os gatilhos para agudização dos sintomas é fundamental, bem como conhecer o ponto forte do indivíduo, reforçando a sua autoestima e reduzindo a sua carga de estresse. Um ponto importante é que a equipe da escola desenvolva um plano para as crises, que são episódios agudos de descontrole. Nesses casos, garantir a segurança do aluno, levando-o para um local confortável e com poucos estímulos, é o mais indicado. O ideal é que ele seja acompanhado, nesse momento, por pessoas com quem ele mantenha um bom vínculo, transmitindo-lhe, assim, confiança e acolhimento (Estanislau; Bressan, 2014). 15 TEMA 5 – PLASTICIDADE DE APRENDIZAGEM Diante do que foi apresentado ao longo das aulas, conseguimos compreender o papel de relevância das neurociências na compreensão do ser humano, do seu desenvolvimento, da sua forma de se apresentar no mundo e construir suas relações. As neurociências contribuem para um olhar mais holístico do ser humano, sobretudo por representarem a possibilidade de se romper com dicotomias e se compreender a razão e a emoção não como aspectos opostos, que estão constantemente em guerra entre si, mas como componentes integrativos do ser humano. Somado a essa perspectiva de compreender o ser humano, um conceito bastante importante da neurociência deve ser considerado, que é o de neuroplasticidade. O cérebro deixou de ser compreendido como um órgão estático, que “estaciona” ou se “desfaz” depois de atingir o ápice do seu desenvolvimento, como se acreditava até há alguns anos. A plasticidade cerebral pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e na função do sistema nervoso, de acordo com interações com o meio ambiente interno e externo ou como resultante de lesões que afetam o sistema nervoso (Rotta; Bridi Filho; Bridi, 2018). Quando um sofrimento patológico é identificado no âmbito escolar, ele representa um desafio ímpar, somado a tantos outros, inerentes à prevalente defasagem da educação formal em face da nossa realidade. Porém, o trabalho integrado de diferentes áreas, a interlocução da família com diferentes profissionais podem ser um caminho para auxiliar alunos com tais características, permitindo que eles utilizem todas as possibilidades que se apresentam ao longo do seu desenvolvimento. Os estudos de plasticidade cerebral nos mostram a possibilidade de intervenção e de modificabilidade dentro de todo o sistema neuronal. A estrutura ao interagir com o ambiente e dele receber novos estímulos reordena sua forma de captar os estímulos, mantendo a dinâmica de crescimento característica de todos os processos de aprendizagem. Aprender significa alterar, significa mudar [...] (Rotta; Bridi Filho; Bridi, 2018, p. 20). Dessa forma, ora finalizamos com a reflexão de que, ao nos depararmos com o sofrimento de uma pessoa, teremos sempre algo a fazer. A avaliação e a compreensão dos diagnósticos são um caminho para estarmos em alerta sobre como acolher um aluno ou sobre quando alertar demais responsáveis para que ocorra avaliação desse aluno por um profissional especializado. Emoções fazem 16 parte do ser humano e não devem ser patologizadas; porém, conhecer sinais que possam ser indicadores de gravidade e potencial gravidade de certos quadros é fundamentalpara uma intervenção precoce e para a prevenção de perdas importantes. A perspectiva da plasticidade cerebral é fundamental para que possamos traçar estratégias com essas pessoas, partindo do pressuposto de que, embora atravessadas por um diagnóstico, elas possuem potencial de desenvolvimento, aprendizagem e adaptação. 17 REFERÊNCIAS AGOSTINI, V. L. M. L.; SANTOS, W. D. V. dos. 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