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TransporTe
Prof. Henryck Cesar
Prof. Hungaro Yoshi
Prof. Ramon Gomes de Castro Lourenço
Prof. Rodrigo Orgeda
Fenômenos de
Indaial – 2023
2a Edição
Impresso por:
Elaboração:
Prof. Henryck Cesar
Prof. Hungaro Yoshi
Prof. Ramon Gomes de Castro Lourenço
Prof. Rodrigo Orgeda
Copyright © UNIASSELVI 2023
Revisão, Diagramação e Produção:
Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI.
Núcleo de Educação a Distância. CESAR, Henryck.
Fenômenos de Transporte. Henryck Cesar; Hungaro Yoshi; Ramon Gomes de
Castro Lourenço; Rodrigo Orgeda. Indaial - SC: Arqué, 2023.
304p.
ISBN 978-65-5646-586-9
ISBN Digital 978-65-5646-587-6
“Graduação - EaD”.
1. Fenômenos 2. Transporte 3. Engenharia
CDD 620.106
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático de Fenômenos de Transporte,
que iniciará os seus estudos acerca de uma disciplina fundamental para a maioria dos
cursos de Engenharia, uma vez que busca explicar como as transferências de momento
(mecânica dos fluidos), de calor e de massa acontecem na natureza. Esse entendimento
permite desenvolver processos e equipamentos para diversas aplicações, mas, mais do
que isso, desenvolverá a habilidade de observar e analisar os fenômenos da natureza.
Para tomar uma xícara de chá, precisa-se de água, a qual é fornecida por longos
sistemas de abastecimento, os quais contam com tubulações, bombas, válvulas e caixas
d’água. Entender quais são as energias associadas ao escoamento de um fluido (nesse
caso, o fluido é a água) é um clássico problema de mecânica dos fluidos, um conteúdo
que será abordado nas Unidades 1 e 2.
Após colocar a água em um recipiente, será necessário aquecê-la. Isso pode
ser feito de diferentes maneiras, mas consiste, essencialmente, em adicionar energia
à água até alcançar a temperatura desejada – um problema de transferência de calor,
assunto que estudaremos na Unidade 2. Por fim, resta apenas colocar o saquinho de
chá nessa água, iniciando um processo de infusão – moléculas que dão aroma e sabor
saem das ervas do chá e são transportadas para a água, processo que está relacionado
à transferência de massa, que será discutida na Unidade 3.
Nesse momento, podem surgir algumas dúvidas, como: qual potência seria
necessária para que a bomba seja capaz de escoar a água da estação de tratamento
até as torneiras de casa? Haverá diferença em fazer o chá em um dia mais frio ou em um
dia mais quente? Quanto tempo levará até que a infusão esteja completa? Quanto o chá
terá esfriado por estar exposto ao ambiente? O estudo dos fenômenos de transporte
procura responder a perguntas como essas, presentes desde situações mais simples do
cotidiano até aplicações complexas, por estarem inseparavelmente ligadas à natureza.
O objetivo deste livro é dar um enfoque prático à disciplina de Fenômenos de
Transporte, apontando os caminhos que você, como futuro engenheiro, deverá seguir,
caso necessite se aprofundar em qualquer um dos assuntos abordados. Assim, aproveite
o processo de aprendizagem e entenda que só não gostamos daquilo que sabemos
pouco, então, siga o fluxo de leitura mesmo que, naquele momento, você não tenha
entendido algum termo – lá na frente, ele poderá fazer sentido ou você pode buscá-
lo em outras fontes. Saber pesquisar é uma das competências que esperamos de um
profissional de Engenharia. Quando tudo se conectar em sua mente, você comprovará
que o conhecimento é realmente libertador!
Bons estudos!
Prof. Henryck Cesar
Prof. Hungaro Yoshi
Prof. Ramon Gomes de Castro Lourenço
Prof. Rodrigo Orgeda
APRESENTAÇÃO
GIO
Olá, eu sou a Gio!
No livro didático, você encontrará blocos com informações
adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos
os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.
Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,
apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
Preparamos também um novo layout. Diante disso, você
verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
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e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR
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que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois,
é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
Com o objetivo de enriquecer seu conheci-
mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.
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preparamos para seu estudo.
Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!
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SUMÁRIO
UNIDADE 1 — INTRODUÇÃO AOS FENÔMENOS DE TRANSPORTE E À MECÂNICA
DOS FLUIDOS .................................................................................................. 1
TÓPICO 1 — CONCEITOS DOS FENÔMENOS DE TRANSPORTE E DA MECÂNICA DOS
FLUIDOS .............................................................................................................5
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................5
2 LEIS DE CONSERVAÇÃO, DIMENSÕES E UNIDADES DE MEDIDA ....................................5
2.1 LEIS DE CONSERVAÇÃO ..................................................................................................................... 6
2.2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................................................8
2.2.1 Dimensões e unidades de medida ..........................................................................................9
2.2.2 Frações mássicas e molares .................................................................................................. 11
3 BALANÇO MATERIAL ........................................................................................................ 16
3.1 SISTEMAS ............................................................................................................................................. 16
3.2 SISTEMAS COM MÚLTIPLOS COMPONENTES...............................................................................21
3.3 ESTRATÉGIAS PARA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ..................................................................25
4 RECICLO, BYPASS E PURGA ........................................................................................... 30
4.1 RECICLO .................................................................................................................................................30
4.2 BYPASS E PURGA ...............................................................................................................................35
5 FLUIDO E A LEI DE NEWTON DA VISCOSIDADE .............................................................. 40
5.1 O CONCEITO DE FLUIDO ................................................................................................................... 40
5.2 TENSÃO DE CISALHAMENTO E A LEI DE NEWTON DA VISCOSIDADE ...................................43
5.3 PROPRIEDADES DOS FLUIDOS .......................................................................................................45
6 ANÁLISE DIMENSIONAL .................................................................................................. 53
6.1 EQUAÇÕES DIMENSIONAIS ...............................................................................................................53
6.2 NÚMEROS ADIMENSIONAIS .............................................................................................................56
RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 63
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 65
TÓPICO 2 — ESTÁTICA DE FLUIDOS ................................................................................... 69
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 69
2 PRESSÃO E SUAS RELAÇÕES MATEMÁTICAS ............................................................... 69
2.1 O CONCEITO DE PRESSÃO ................................................................................................................69
2.2 LEI DE PASCAL .....................................................................................................................................71
2.3 TEOREMA DE STEVIN E CARGA DE PRESSÃO............................................................................. 74
3 ESCALAS E UNIDADES DE PRESSÃO ..............................................................................76
4 MEDIDORES DE PRESSÃO ............................................................................................... 80
4.1 BARÔMETRO ......................................................................................................................................... 81
4.2 MANÔMETRO DE BOURDON ............................................................................................................82
4.3 PIEZÔMETRO (COLUNA PIEZOMÉTRICA) ......................................................................................83
4.4 TUBO EM U .......................................................................................................................................... 84
5 EQUAÇÃO MANOMÉTRICA .............................................................................................. 86
6 EMPUXO ............................................................................................................................ 92
RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................97
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 98
TÓPICO 3 — CINEMÁTICA DE FLUIDOS ............................................................................. 101
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 101
2 CARACTERIZAÇÃO DO ESCOAMENTO .......................................................................... 101
2.1 VISCOSO OU NÃO VISCOSO .............................................................................................................101
2.2 INTERNO OU EXTERNO ...................................................................................................................102
2.3 COMPRESSÍVEL OU INCOMPRESSÍVEL ......................................................................................103
2.4 NATURAL OU FORÇADO..................................................................................................................105
2.5 PERMANENTE OU TRANSIENTE ...................................................................................................105
2.6 LAMINAR OU TURBULENTO ...........................................................................................................106
2.7 UNIDIMENSIONAL, BIDIMENSIONAL OU TRIDIMENSIONAL ....................................................109
3 TRAJETÓRIA E LINHA DE CORRENTE ........................................................................... 110
4 VAZÃO E VELOCIDADE MÉDIA ....................................................................................... 112
5 EQUAÇÃO DA CONTINUIDADE EM REGIME PERMANENTE ...........................................117
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 121
RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................123
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................125
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................128
UNIDADE 2 — BALANÇO DE ENERGIA MACROSCÓPICO E TRANSFERÊNCIA
DE CALOR ....................................................................................................129
TÓPICO 1 — EQUAÇÃO DA ENERGIA E SUAS IMPLICAÇÕES ...........................................133
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................133
2 DEFINIÇÕES E TIPOS DE ENERGIAS MECÂNICAS ........................................................133
2.1 ENERGIA POTENCIAL (E
p) ................................................................................................................ 135
2.2 ENERGIA CINÉTICA (Ec) .................................................................................................................. 135
2.3 ENERGIA DE PRESSÃO (Epr) .......................................................................................................... 136
2.4 ENERGIA MECÂNICA TOTAL DO FLUIDO (EM) ............................................................................ 137
3 EQUAÇÃO DE BERNOULLI E SUA APLICAÇÃO EM MEDIDORES DE VELOCIDADE ..... 137
3.1 EQUAÇÃO DE BERNOULLI ...............................................................................................................138
3.2 TUBO DE PITOT ................................................................................................................................. 143
4 EXTENSÕES DA EQUAÇÃO DE BERNOULLI: TRABALHO E FLUIDOS REAIS ...............148
4.1 BOMBAS E TURBINAS NA EQUAÇÃO DA ENERGIA ...................................................................1484.2 EQUAÇÃO DA ENERGIA PARA FLUIDOS REAIS ......................................................................... 153
5 ESCOAMENTOS EM CONDUTOS ....................................................................................158
5.1 CONDUTOS E SUAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS ..................................................................... 159
5.2 CAMADA LIMITE HIDRODINÂMICA ............................................................................................... 162
5.2.1 Camada limite em uma placa plana ................................................................................... 162
5.2.2 Camada limite em condutos................................................................................................ 165
6 PERDAS DE CARGA .........................................................................................................166
6.1 PERDA DE CARGA DISTRIBUÍDA ....................................................................................................167
6.2 PERDA DE CARGA LOCALIZADA (SINGULAR) ........................................................................... 174
6.3 INSTALAÇÕES DE RECALQUE .......................................................................................................180
RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................190
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................192
TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE CALOR .............................................195
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................195
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................195
3 CONDUÇÃO UNIDIMENSIONAL ......................................................................................199
3.1 CONDUÇÃO UNIDIMENSIONAL EM REGIME PERMANENTE .................................................... 199
3.2 RESISTÊNCIA TÉRMICA .................................................................................................................. 203
4 FUNDAMENTOS DA CONVECÇÃO ..................................................................................210
4.1 LEI DE NEWTON DO RESFRIAMENTO ...........................................................................................210
4.2 CAMADA LIMITE TÉRMICA .............................................................................................................. 212
4.3 CONVECÇÃO EM CIRCUITOS TÉRMICOS ....................................................................................214
5 FUNDAMENTOS DA RADIAÇÃO ......................................................................................218
RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................... 222
AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 224
TÓPICO 3 — TROCADORES DE CALOR ............................................................................. 227
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 227
2 TIPOS DE TROCADORES DE CALOR ............................................................................. 227
3 TRANSFERÊNCIA DE CALOR EM TROCADORES .......................................................... 234
3.1 MÉDIA LOGARÍTMICA DAS TEMPERATURAS ............................................................................. 234
3.2 COEFICIENTE GLOBAL DE TRANSFERÊNCIA DE CALOR ....................................................... 235
4 ANÁLISE DE TROCADORES DE CALOR ........................................................................ 243
LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................251
RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 254
AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 256
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 259
UNIDADE 3 — INTRODUÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE MASSA ..........................................261
TÓPICO 1 — MECANISMO DE DIFUSÃO DE MASSA ......................................................... 263
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 263
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS ....................................................................................... 263
3 DIFUSÃO MÁSSICA .........................................................................................................267
RESUMO DO TÓPICO 1 ...................................................................................................... 282
AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 283
TÓPICO 2 — MECANISMO DE CONVECÇÃO DE MASSA ................................................... 285
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 285
2 NÚMEROS ADIMENSIONAIS DA TRANSFERÊNCIA DE MASSA ................................... 285
3 CONVECÇÃO MÁSSICA .................................................................................................. 288
RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................... 289
AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 290
TÓPICO 3 — ANALOGIA ENTRE OS FENÔMENOS DE TRANSPORTE ...............................291
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................291
2 ANALOGIA DE REYNOLDS E SUAS EXTENSÕES ...........................................................291
3 APLICAÇÃO DE CORRELAÇÕES EXPERIMENTAIS ...................................................... 293
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................. 297
RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 302
AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 303
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 304
1
UNIDADE 1 —
INTRODUÇÃO AOS
FENÔMENOS DE
TRANSPORTE E À MECÂNICA
DOS FLUIDOS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• definir o que são os fenômenos de transporte: transferência de momento (mecânica
dos fluidos), calor e massa, e estruturar os conceitos básicos necessários para lidar
com problemas relacionados, como conversão de unidades e fração mássica;
• estudar o conceito de balanço material, abordando estratégias de resolução e aplica-
ções, como reciclo, bypass e purga;
• introduzir o estudo da mecânica dos fluidos, por meio da conceitualização dos flui-
dos, da definição da tensão de cisalhamento e dos conceitos de viscosidade absoluta
(dinâmica), massa específica, peso específico e viscosidade cinemática;
• estudar a teoria matemática da análise dimensional, apresentando a sua aplicação na
mecânica dos fluidos e os números adimensionais;
• resgatar o estudo da pressão, por meio da sua definição, do Teorema de Stevin, da Lei
de Pascal e do conceito de carga de pressão;
• determinar os diferentes referenciais físicos existentes para a medição da pressãoe
as principais unidades de medida empregadas, assim como conhecer os principais
instrumentos utilizados para a medição de pressão em diferentes situações e revisar
a definição de empuxo;
• revisitar os conceitos de regime permanente e transiente, apresentando as defini-
ções de escoamento laminar, turbulento e unidimensional;
• trabalhar com a lei de conservação da massa, para definir a equação da continuidade
para o escoamento de fluidos em regime permanente.
2
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – CONCEITOS DOS FENÔMENOS DE TRANSPORTE E DA MECÂNICA DOS
FLUIDOS
TÓPICO 2 – ESTÁTICA DE FLUIDOS
TÓPICO 3 – CINEMÁTICA DE FLUIDOS
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
CHAMADA
3
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
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4
5
CONCEITOS DOS FENÔMENOS DE
TRANSPORTE E DA MECÂNICA DOS
FLUIDOS
TÓPICO 1 — UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, sabemos os três fenômenos de transporte podem ser estudados
de forma conjunta, pois sua natureza é muito parecida, sendo, às vezes, até matemati-
camente similares (modelos matemáticos semelhantes para problemas análogos). Isso
significa que, entendendo o conceito de um dos fenômenos, não será difícil entender o
conceito dos outros. Nesse momento, você pode se perguntar: o que são fenômenos de
transporte? Essa e outras perguntas iniciais sobre o assunto serão respondidas neste
primeiro tema de aprendizagem.
Alguns termos importantes serão definidos, como lei de conservação. Aborda-
remos as grandezas e as unidades relevantes na Engenharia e como realizar conversões
de unidade usando fatores de conversão, algo que será extremamente importante para
resolução de vários problemas. Em seguida, tendo como base o princípio de conserva-
ção de massa, discutiremos os balanços materiais para sistemas não reativos. Também
identificaremos algumas correntes que possuem características particulares e são mui-
to relevantes na indústria, como o reciclo e o bypass.
Ainda, veremos o conceito de fluido e suas propriedades, e um dos modelos
matemáticos mais famosos para sua descrição – a lei de Newton da viscosidade. Por
fim, entenderemos a importância da análise dimensional na resolução de problemas de
Engenharia.
2 LEIS DE CONSERVAÇÃO, DIMENSÕES E UNIDADES DE
MEDIDA
Nesse primeiro momento, discutiremos com mais rigor os chamados balanços
materiais, pois se trata de um conhecimento fundamental para nos familiarizarmos com
o uso das leis de conservação. Além disso, esclareceremos como lidar com conversões
de uma unidade para outra utilizando fatores de conversão.
6
2.1 LEIS DE CONSERVAÇÃO
Para embasar os fenômenos de transporte, precisamos, primeiramente, definir
as chamadas leis de conservação, com destaque para três dessas leis: Lei da Conser-
vação da Massa, Segunda Lei de Newton e Primeira Lei da Termodinâmica (Quadro 1).
Quadro 1 – Leis de conservação e suas equações correspondentes
Fonte: adaptado de Welty; Rorrer; Foster (2017)
Lei Equação
Lei da Conservação da Massa Equação da Continuidade
Segunda Lei de Newton Teorema do Momento
Primeira Lei da Termodinâmica Equação da Energia
Leis de conservação definem que uma propriedade de um
sistema isolado não varia ao longo do tempo. Em outras pala-
vras: a propriedade não se cria nem é destruída. Dessa forma,
para cada relação de conservação, há uma equação de balanço,
que é obedecida pelo sistema (WELTY; RORRER; FOSTER, 2017).
NOTA
As leis de conservação são mais facilmente entendidas observando-se a forma
genérica das equações de balanço:
Podemos citar, como exemplo de lei de conservação da massa: o sistema de
uma pia de cozinha, em que, ao abrirmos a torneira, permitimos uma entrada de água
no sistema. A água desce pelo ralo, que, por sua vez, é a saída de água do sistema. Se
tamparmos o ralo, fechamos a saída do sistema, de modo que a pia começa a encher –
este é o acúmulo do sistema.
Evidentemente, desconsideramos outras possíveis saídas ou entradas de água
(como a evaporação da água para a atmosfera), mas o intuito é observarmos a natureza
das leis de conservação: tudo que entra no sistema, ou sai ou fica. Apesar de soar como
um conceito bastante simples ou, até mesmo, óbvio, as leis de conservação são instru-
mentos essenciais para o entendimento dos fenômenos de transporte.
7
Acadêmico, uma segunda observação fundamental, acerca
dos fenômenos de transporte, é a noção de força motriz.
Se há um desequilíbrio de uma propriedade em um meio,
a natureza tende a redistribuí-la até que um equilíbrio seja
estabelecido – a esta tendência é dado o nome de força mo-
triz, frequentemente, descrita no contexto dos fenômenos de
transporte como os “gradientes”:
• Mecânica dos fluidos: gradiente de momento.
• Transferência de calor: gradiente de temperatura.
• Transferência de massa: gradiente de concentração.
IMPORTANTE
A Figura 1 apresenta o conceito de “gradiente” de temperatura. O objeto apre-
sentado, semelhante a um cilindro metálico, tem duas extremidades, e a sua cor está
representada de acordo com a temperatura em cada ponto do objeto. A parte azul está a
uma temperatura menor, enquanto a parte avermelhada está a uma temperatura maior.
A variação de temperatura, ao longo da superfície, é gradativa, aumentando da extremi-
dade azul até a vermelha. Essa variação gradativa é o chamado gradiente de tempera-
tura. Os gradientes de momento e concentração funcionam de maneira análoga.
Figura 1 – Gradiente de temperatura
Fonte: os autores
8
Nesse exemplo, a tendência da natureza é fazer com que a temperatura da su-
perfície fique uniforme, transferindo energia da parte mais quente para a parte mais fria
(considerando apenas a superfície, sem nenhuma interferência externa, promovendo
seu aquecimento ou seu resfriamento). Isso acontece molécula a molécula, por meio de
movimentos aleatórios e colisões entre elas – um processo de difusão molecular, que
pode ser descrito por equações. A Tabela 1 compara as equações para as três proprie-
dades em estudo.
Tabela 1 – Equações unidimensionais para os fenômenos de difusão
Fonte: adaptada de Hauke (2008)
Propriedade Lei Equação
Momento Lei de Newton da Viscosidade
Calor Lei de Fourier da Condução Térmica
Massa Lei de Fick da Difusão
Nesse momento, é importante notarmos a semelhança entre
as equações apresentadas na Tabela 1, que são exemplos do
que foi dito no início quanto aos modelos matemáticos serem
semelhantes para problemas análogos. Essas equações serão
apresentadas apenas para ilustrar essa relação, sendo detalha-
das gradativamente ao longo deste livro.
ESTUDOS FUTUROS
2.2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Até aqui, conhecemos o que são os chamados fenômenos de transporte e de
que maneira os observamos na natureza. A partir de agora, iniciaremos um estudo mais
direcionado à definição de alguns conceitos básicos, para entendermos e interpretar-
mos os problemas que podem ser encontrados durante todo o curso, mesmo que alguns
desses conceitos já tenham sido estudados em disciplinas básicas de química e física. O
intuito é fazer isso da forma mais objetiva e direta possível, para que possamos progredir
no estudo dos fenômenos de transporte com tranquilidade. Além disso, é importante
nos acostumarmos com alguns dos muitos termos e notações que serão utilizados até o
fim deste material – literaturas e idiomas diferentes, frequentemente, utilizam símbolos
distintos para os mesmos parâmetros (por exemplo, “m” ou “w” para massa).
9
2.2.1 Dimensões e unidades de medida
Quando se trata de problemas de Engenharia, a resposta dificilmente será apenas
um número – geralmente, ela será um número acompanhado de uma unidade de medida.
Por exemplo: “a altura é de 9 metros” é uma resposta apropriada, mas, por outro lado, dizer
apenas “a alturaé de 9” não define a sua unidade de medida, portanto, é uma resposta
incompleta. Poderiam ser 9 centímetros, 9 metros ou, até mesmo, 9 quilômetros.
Uma habilidade fundamental para um engenheiro é ter noção das grandezas
com que ele trabalha. Isso permite identificar quando algum valor parece errado e ajuda
a fazer comparações entre situações distintas. Mais ainda, saber trabalhar com as di-
mensões ajuda a interpretar o problema e muitas das grandezas físicas fundamentais
para a Engenharia.
O primeiro passo para uma clara compreensão é definirmos a
diferença entre dimensão e unidade de medida:
• Dimensão: refere-se à grandeza física em questão, como
distância ou altura, velocidade, temperatura e tempo.
• Unidade de medida: refere-se à forma de expressar as
dimensões, como metros (para a distância ou altura), quilô-
metros por hora (velocidade), graus Celsius (temperatura) e
segundos (tempo) (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
NOTA
Ao longo deste material, usaremos, preferencialmente, as unidades do Sistema
Internacional de Unidades (SI): metro (m) para distância, quilograma (kg) para massa,
segundo (s) para tempo, Kelvin (K) para temperatura e mol (mol) para a quantidade de
matéria. Possíveis exceções estarão presentes apenas quando forem importantes.
Observaremos que os cálculos apresentados, frequentemente, terão os núme-
ros acompanhados de suas unidades, sendo altamente recomendado o seu uso, para
uma melhor compreensão das operações e variáveis trabalhadas, conforme mostrare-
mos no exemplo a seguir.
Com os seguintes fatores de conversão: uma milha corresponde a 5.280 pés;
um pé, a 12 polegadas; e uma polegada, a 2,54 centímetros, e sabendo que a altura do
monte Everest é de, aproximadamente, 5,49 milhas, como convertemos este valor para
metros? Um método organizado e eficiente de converter unidades é multiplicar o nú-
mero de unidade conhecida (no caso, 5,498 milhas) pelos fatores de conversão neces-
sários (milha-pés, pé-polegadas, polegada-centímetros e, é claro, centímetros-metro).
Para melhor visualização, separaremos cada fator de conversão por uma barra vertical,
entendida como um operador de multiplicação ou parênteses.
10
Nota-se que cada uma dessas “frações” é igual a um: se uma milha equivale a
5.280 pés, a divisão de 5.280 pés por uma milha é igual a um. Isso comprova que não
alteramos a altura (dimensão) do monte Everest, apenas convertendo-a entre diferen-
tes unidades de medida.
Uma maneira prática de acompanhar se as conversões estão adequadas é es-
crever todas elas em uma única expressão e “cortar” as unidades que se “cancelam”, da
mesma forma que, provavelmente, fazemos no estudo de matemática e física básicas:
Acadêmico, você pode se perguntar: todos esses cálculos não poderiam ter sido
resolvidos por uma série de regra de três? A pergunta é fantástica e significa que seu
raciocínio está no caminho certo. Apesar de podermos utilizar uma série de regra de três
para chegarmos ao mesmo resultado, a maneira prática, apresentada anteriormente,
nos ajuda a visualizar como as unidades irão se cancelar e qual será nossa unidade final.
Acredite, isso será muito útil em cálculos mais complexos, pois será um indicador para
saber se o resultado está correto. Dessa forma, os demais exemplos e problemas serão,
preferencialmente, resolvidos dessa maneira.
O exemplo anterior tem, por objetivo, demonstrar o trabalho com
dimensões e unidades de medida por meio de um problema de
conversão de unidades. Contudo, nota-se que o método descrito
pode parecer problemático ao trabalhar com temperaturas,
pois suas diferentes unidades não estão relacionadas a fatores
de conversão, mas, sim, a equações. Assim, o correto é avaliar a
variação de temperatura: uma variação de 1 °C equivale a uma
variação de 1,8 °F, por exemplo.
ATENÇÃO
11
2.2.2 Frações mássicas e molares
Na prática, ao tratar de processos, é fundamentalmente importante conhecer-
mos os componentes presentes em cada uma de suas etapas. Mais do que isso, com
frequência, encontraremos mais de um componente no processo, na forma de misturas
e soluções. Conhecermos as proporções em que cada componente se apresenta per-
mite uma melhor compreensão do sistema, levando a melhores soluções para possíveis
problemas. Para descrevermos essas proporções, utilizamos as chamadas frações mo-
lares e as frações mássicas.
É importante definirmos o que é fração mássica:
Fração mássica: a massa de uma substância dividida pela massa
total de todos os componentes da mistura (ou solução) em que
ela está presente (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
NOTA
Iniciaremos com um exemplo simples sobre fração mássica de uma solução
com dois componentes: uma dada solução contém os componentes A e B, sendo 360 g
de A e 700 g de B. Qual é a composição mássica desta solução?
Conhecendo a fração mássica do componente A, podemos utilizar outra manei-
ra para determinar a fração mássica do componente B:
12
É fundamental notarmos que a somatória das frações mássicas ou molares
deve sempre ser igual a 1, ou seja, a somatória das porcentagens deve ser igual a 100%.
Matematicamente, para n componentes:
Uma vez compreendido o conceito de fração mássica, fica fácil
entendermos o conceito de fração molar, pois são bastante
semelhantes.
Fração molar: o número de mols de uma substância dividido
pelo número total de mols da mistura (ou solução) em que ela
está presente (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
NOTA
Propomos, então, mais um exemplo: qual é a composição molar de uma solução
que contém os componentes A, B e C com 1 mol, 5 mols e 3 mols, respectivamente?
Um tipo de cálculo importante consiste na conversão da fração mássica de uma
solução para fração molar ou o contrário. Para realizarmos tal conversão, faz-se neces-
sária uma informação adicional sobre a massa molar dos componentes presentes na
solução. Além disso, precisamos saber que o número de mols (n) pode ser determinado
pela razão entre a massa do composto (m) e sua massa molar (MM):
13
Para exemplificar, a Tabela 2 mostra os dados de fração mássica e massa molar
de cada composto presente em uma solução. Dessa forma, calcule a composição molar,
sabendo que a solução possui uma massa total de 100 g.
Tabela 2 – Dados de composição para resolução do exemplo proposto
Fonte: os autores
Composto Massa molar (g/gmol) Fração mássica
A 50 0,20
B 40 0,30
C 20 0,45
D 25 0,05
Total – 1
Solução: para o composto A, temos que:
Em posse dos valores de massa e massa molar do composto A, podemos facil-
mente determinar o número de mols desse composto:
Utilizando o mesmo raciocínio para os outros compostos, chegamos ao resulta-
do apresentado na Tabela 3.
14
Tabela 3 – Massa e quantidade de mols obtidas para o exemplo proposto após os cálculos
Fonte: os autores
Composto
Massa molar
(g/gmol)
Fração mássica Massa (g)
Número de mols
(mols)
A 50 0,20 20 0,40
B 40 0,30 30 0,75
C 20 0,45 45 2,25
D 25 0,05 5 0,20
Total – 1 100 3,60
Finalmente, podemos calcular a fração molar do composto A na solução:
Fazendo o mesmo cálculo para os outros compostos, obtemos a composição
molar da solução expressa na Tabela 4.
Tabela 4 – Composição molar obtida para o exemplo proposto após os cálculos
Fonte: os autores
Composto
Massa molar
(g/gmol)
Fração
mássica
Massa (g)
Número de
mols (mols)
Fração
molar
A 50 0,20 20 0,40 0,111
B 40 0,30 30 0,75 0,208
C 20 0,45 45 2,25 0,625
D 25 0,05 5 0,20 0,056
Total – 1 100 3,60 1
Acadêmico, ressaltamos que o seu objetivo é entender o ra-
ciocínio para realizar a conversão, e não memorizar os passos.
Portanto, faça a seguinte pergunta para si mesmo: “eu consigo
converter de fração molar para fração mássica?”. Se a respos-
ta for positiva, você está no caminho certo! Caso seja negativa,
aconselhamos que analise o exercício proposto novamente.
NOTA
15
Quando forem trabalhadas soluções e misturas, há também a ideia de “massa
molar média da mistura”, que nada mais é que uma média ponderada das massasmo-
lares dos componentes, como na equação a seguir:
Sabendo que:
Temos que:
Se conhecermos a composição da mistura, podemos lançar mão de uma base
de cálculo arbitrária para calcular a massa molar média da mistura.
Tente calcular esse valor para a mistura do exemplo anterior.
O resultado procurado é de 27,78 g/mol, que também
poderia ser calculado simplesmente dividindo a massa da
mistura pelo número de mols (afinal, esta é a definição da
qual partimos para o desenvolvimento da última equação).
DICA
Ao longo deste material, a composição de gases sempre será assumi-
da como dada em base molar, a menos que seja especificado o con-
trário. Da mesma maneira, a composição de líquidos e sólidos será
assumida como dada em base mássica, como é geralmente usada na
indústria, a menos que seja especificado o contrário.
ATENÇÃO
16
3 BALANÇO MATERIAL
A partir desse momento, começaremos a aplicar as leis de conservação discu-
tidas anteriormente, partindo do princípio de conservação da massa: a matéria não é
criada nem destruída. O assunto será tratado com certa profundidade, porém, por ser
um tópico de caráter introdutório, aspectos mais complexos não serão abordados (por
exemplo, sistemas envolvendo reações químicas e outros que demandem o uso de mé-
todos de cálculo numérico).
A descoberta do princípio de conservação da massa é atribuída
ao cientista francês Antoine Laurent Lavoisier, nascido em 1743,
em Paris. Vindo de uma família rica, desde jovem, estudou em
instituições reconhecidas pelo ensino da ciência. Em 1771, ca-
sou-se com Marie Anne Pierrette Paulze, na época com 14 anos.
Mesmo jovem, Madame Lavoisier auxiliou em publicações com
suas notáveis habilidades linguísticas e artísticas. Lavoisier pu-
blicou seu livro Tratado Elementar de Química, em 1789, ano que
deu início à revolução francesa. Devido aos seus envolvimentos
com o Estado, o cientista foi guilhotinado em 8 de maio de 1794
(PARTINGTON, 1943).
Fonte: PARTINGTON, J. R. Antoine Laurent Lavoisier, 1743-1794.
Nature, [s. l.], v. 152, p. 207-208, ago. 1943.
INTERESSANTE
Balanços materiais permitem uma melhor compreensão acerca de um proces-
so, como uma indústria, por exemplo. Na essência, é semelhante à contabilidade, mas,
no lugar de dinheiro, usa-se matéria. Cálculos de balanço material são indispensáveis
para se compreender problemas de fenômenos de transporte, tanto simples quanto
complexos, e são sempre baseados na forma geral das equações de balanço. Assim,
para a matéria:
3.1 SISTEMAS
Começaremos com um exemplo: considere um tanque contendo 100 kg de
água, como o da Figura 2.
17
Figura 2 – Sistema fechado
Fonte: os autores
No contexto da Engenharia, é comum o uso da palavra “sistema” para se referir
a uma parte arbitrária do processo que se deseja analisar. Dessa forma, nosso sistema
coincide com o próprio tanque. É também usual se referir às “fronteiras do sistema”,
isto é, as linhas imaginárias (que podem coincidir com partes dos equipamentos e dos
processos) que dão forma ao seu sistema.
Ainda, um sistema pode ser dito aberto ou fechado: aberto, se existe matéria
entrando ou saindo do sistema; fechado, se a matéria não entra nem sai do sistema.
Nosso tanque é, portanto, um sistema fechado.
Nesse caso, se aplicarmos a equação de balanço material para nosso sistema,
teremos:
0 – 0 = 0
Este resultado é, evidentemente, uma conclusão lógica simples. Se não entra
nem sai água do tanque, não haverá variação na quantidade de água dentro dele. Em
outras palavras, a taxa de acúmulo de matéria do sistema é nula.
Agora, supondo que esse tanque faça parte de um processo industrial, que des-
peja dentro dele 50 kg de água por hora. Desse mesmo tanque, são também retirados
50 kg de água por hora (Figura 3).
18
Figura 3 – Sistema aberto
Fonte: os autores
Pela definição dada anteriormente, nosso tanque agora é um sistema aberto,
pois existe matéria cruzando a fronteira do sistema. Ao aplicarmos, novamente, a equa-
ção de balanço material, temos:
Como a vazão de entrada é igual à de saída, o acúmulo de água no sistema
ainda é nulo. Sistemas nessas condições podem ser chamados de sistemas em estado
estacionário.
Em processos no estado estacionário, parâmetros como temperatura, pres-
são, massa e vazão (entrada ou saída) permanecem constantes. Além disso, o processo
pode também ser dito contínuo.
Sistema em estado estacionário (regime permanente):
• As condições do sistema permanecem inalteradas ao longo do tempo.
• As correntes de entrada e saída permanecem inalteradas com o tempo.
Processo contínuo: aquele em que a matéria entra ou sai do sistema sem
interrupções (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
NOTA
19
Na sua maioria, os problemas abordados, ao longo desta disciplina, serão pro-
cessos contínuos em estado estacionário, por serem naturalmente mais simples e obje-
tivos no sentido de aprendizagem. Contudo, é importante observar que, no mundo real,
não existe processo perfeitamente contínuo ou estacionário – as condições mudam ao
longo do tempo, às vezes, até mesmo, por ação de forças que não somos capazes de
controlar (clima, por exemplo). A natureza é essencialmente dinâmica, e o máximo que
se pode fazer é se aproximar de uma condição estacionária.
Entretanto, podemos propor a seguinte situação: se a taxa de entrada de água
no tanque fosse reduzida para 20 kg/h, supondo a condição inicial exposta na Figura 4?
Figura 4 – Sistema aberto com acúmulo
Fonte: os autores
É fácil concluirmos que, se sai mais água do que entra, a quantidade de água no
tanque diminuirá com o tempo. Na equação de balanço:
Assim, a taxa de acúmulo de água no sistema é de -30 kg H2O por hora. Po-
demos observar que, no contexto de balanços materiais, é comum o uso da palavra
“acúmulo”, tanto para valores positivos (que elevariam o nível de água do tanque) quan-
to negativos (que diminuem o nível de água no tanque). Com essa informação, quanto
tempo levará até que a quantidade de água no interior do tanque seja de 40 kg?
Precisamos identificar a variação de água no interior do tanque:
20
Para atingir uma quantidade de 40 kg de água dentro do tanque, deve-se retirar
60 kg. Por definição, temos que:
Observamos que a taxa de acúmulo de água do sistema é, evidentemente, uma
vazão, pois tem dimensões de massa por tempo (estudaremos, mais detalhadamente,
o conceito de vazão no Tema de Aprendizagem 3 da Unidade 1). Podemos, portanto,
aplicar a equação da seguinte forma:
Evidentemente, não é absurdo chegar a essa conclusão sem fazer quaisquer
contas no papel. Se existem 100 kg de água dentro de um tanque, do qual são remo-
vidos 30 kg de água por hora (taxa de acúmulo negativa), o tempo necessário para
que haja apenas 40 kg de água no tanque (remover 60 kg) é de 2 horas. Problemas de
balanço material são resolvidos de maneira puramente lógica: não se trata de decorar
equações, mas, sim, de ter habilidade em analisar o problema e saber como abordá-lo.
Sistemas como esse, em que a quantidade de água no sistema varia ao longo
do tempo, podem ser chamados de sistemas em estado não estacionário.
Sistema em estado não estacionário (regime transiente ou variado):
• Nem todas as condições do sistema permanecem
inalteradas ao longo do tempo.
• As correntes de entrada e saída podem variar com o
tempo (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
NOTA
21
Agora que compreendemos os princípios dos balanços materiais, aprimorare-
mos as suas capacidades analíticas com o estudo de processos mais complexos, com
múltiplos componentes, etapas e correntes de processo.
3.2 SISTEMAS COM MÚLTIPLOS COMPONENTES
Ao trabalharmos com uma solução com concentração de 50% em massa de
soda cáustica (NaOH em H2O), isso significa que em 1.000 kg de solução há 500 kg de
soda e 500 kg de água. Uma corrente de processo entra em um tanque, enquanto outra
sai desse mesmo tanque, como na Figura 5.
Figura 5 – Sistema aberto de balanço multicomponente
Fonte: os autores
Observamosque se trata de um sistema aberto em regime estacionário. Pode-
ríamos analisar o sistema da seguinte forma:
• Dentro do tanque: 1.000 kg de solução:
◦ 500 kg de água + 500 kg de soda.
• Entra no tanque: 100 kg de solução por hora:
◦ 50 kg de água por hora + 50 kg de soda por hora.
• Sai do tanque: 100 kg de solução por hora:
◦ 50 kg de água por hora + 50 kg de soda por hora.
É importante evidenciarmos essas informações, pois, quando trabalharmos
com múltiplos componentes, abordaremos os balanços materiais por duas perspecti-
vas: o balanço global e os balanços por componente.
22
Evidentemente, em estado estacionário, a taxa de acúmulo é nula (a massa de
solução dentro do tanque permanece a mesma ao longo do tempo).
O balanço por componente, por outro lado, considera apenas o componente em
análise para todas as correntes. Por exemplo, no balanço material para a água, teremos:
Da mesma forma, para a soda, teremos:
Esse é um raciocínio bastante valioso para solucionar problemas de balanço
material. Outro exemplo, em que passamos a trabalhar com mais de um componente e
mais de duas correntes: em certa etapa de um processo industrial de balas e biscoitos,
duas correntes contendo uma solução de açúcar (sacarose) em água devem ser
misturadas. Para isso, elas são despejadas em um tanque de mistura que apresenta
uma única saída (Figura 6). Conhecendo as correntes de entrada, admitindo que a
mistura seja homogênea e que o processo opera em regime estacionário, qual é a fração
mássica de sacarose na corrente de saída?
O balanço global considera inteiramente todas as correntes que entram e
saem do sistema. Dessa forma, na equação:
23
Figura 6 – Sistema multicomponente para produção de balas e biscoitos
Fonte: os autores
Solução: como conhecemos as correntes de entrada, podemos descrevê-las da
seguinte maneira:
• Corrente A: 30 kg solução/min:
◦ 12 kg sacarose/min + 18 kg água/min.
• Corrente B: 50 kg solução/min;
◦ 7,5 kg sacarose/min + 42,5 kg água/min.
Podemos, então, fazer o balanço global:
As entradas são as correntes A e B, enquanto a única saída é a corrente C, e não
há acúmulo no sistema (regime estacionário). Dessa forma:
24
Agora, fazendo o balanço material para a sacarose:
𝑆𝑎𝑐𝑎𝑟𝑜𝑠𝑒 𝑒 𝑚 𝐴+𝑆𝑎𝑐𝑎𝑟𝑜𝑠𝑒 𝑒 𝑚 𝐵−𝑆𝑎𝑐𝑎𝑟𝑜𝑠𝑒 𝑒 𝑚 𝐶=0
Sendo xsac,i a fração mássica de sacarose na corrente “i”, podemos escrever esta
equação da seguinte forma:
Como já calculamos o valor da vazão mássica da corrente C, temos que:
Logo, a concentração de sacarose na corrente de saída é de 24,37% em massa.
Sem fazer o balanço material para a água, podemos concluir que a fração mássica de
água na corrente de saída é de 75,63% – afinal, trabalhamos apenas com açúcar e água.
Essa ideia tem fundamento no conceito de “graus de liberdade”, que faz parte das disci-
plinas de álgebra linear, explorados melhor a seguir, durante a estratégia para solucionar
problemas de balanço material.
Como já mencionado, não trataremos situações envolvendo rea-
ções químicas no escopo deste material. Contudo, é importante
observar que, nesses casos, os balanços por componente ficam
mais complexos, uma vez que o componente que entra não ne-
cessariamente sai com a mesma forma – eles podem ser “consu-
midos”, enquanto novas espécies químicas podem ser “geradas”.
ATENÇÃO
25
3.3 ESTRATÉGIAS PARA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Himmelblau e Riggs (2003) sugerem uma estratégia de dez passos para a reso-
lução de problemas de balanço material:
• Ler e entender o problema em questão.
• Fazer um esboço do processo e especificar a fronteira do sistema.
• Anotar todas as informações conhecidas no seu diagrama do processo, como
vazões, composições e outras relações úteis. Atribuir símbolos para os valores não
conhecidos.
• Obter quaisquer informações necessárias, que estejam faltando, para solucionar o
problema.
• Adotar uma base de cálculo (arbitrária), se necessário.
• Determinar o número de variáveis desconhecidas.
• Determinar o número de equações independentes e analisar os graus de liberdade do
problema.
• Escrever as equações a serem resolvidas em termos das variáveis conhecidas e
desconhecidas.
• Resolver as equações e responder o que foi solicitado pelo problema.
• Conferir suas respostas.
Na prática, não é obrigatório seguir nem decorar esses passos à risca, mas
abordar os problemas de maneira ordenada e analítica ajuda a identificar possíveis
pontos fracos, aprimorando as habilidades de interpretação e resolução.
Nesse momento, veremos um exemplo com uma complexidade maior, aplicando
essa estratégia. Duas correntes de processo, F1 e F2, são misturadas. A corrente
resultante (W) é, então, direcionada para uma segunda etapa, que visa à purificação de
um dos componentes, obtendo, assim, duas correntes de produto, P1 e P2. Conhecendo
as informações a seguir, qual a vazão e a composição da corrente F1? As composições
estão dadas em quantidades mássicas.
• Corrente F2:
◦ Vazão: metade de F1.
◦ Composição: 80% A, 20% B.
• Corrente P1:
◦ Vazão: 1200 kg/h.
◦ Composição: 60% A, 40% B.
• Corrente P2:
◦ Vazão: 300 kg/h.
◦ Composição: 5% B, 95% C.
26
Solução:
Passo 1: o problema é simples – conhecemos as saídas, queremos conhecer as entradas.
Há três componentes (A, B e C), cinco correntes (F1, F2, W, P1 e P2) e duas etapas (E1 e
E2) para trabalharmos. A etapa E1 une as correntes F1 e F2, formando a corrente W. Em
seguida, a etapa E2 separa a corrente W nas correntes P1 e P2.
Passo 2: esboços (como o da Figura 7) podem, geralmente, ser feitos de forma bastante
simples, por meio de diagramas de blocos, em que as setas são as correntes de processo
e os blocos são as etapas.
Figura 7 – Esboço inicial do problema proposto
Fonte: os autores
Quanto à fronteira do sistema, notamos que esta pode ser estabelecida de três
diferentes formas: apenas o sistema 1, ou apenas o sistema 2, ou, então, analisar o pro-
cesso de forma global (Figura 8).
Figura 8 – Esboço do problema proposto delimitando as três diferentes fronteiras possíveis
Fonte: os autores
27
• Fronteira do Sistema 1:
◦ Correntes de entrada: F1 e F2.
◦ Correntes de saída: W.
• Fronteira do Sistema 2:
◦ Correntes de entrada: W.
◦ Correntes de saída: P1 e P2.
• Fronteira do Sistema Global:
◦ Correntes de entrada: F1 e F2.
◦ Correntes de saída: P1 e P2.
Notamos que a escolha de um sistema não invalida o outro – muito pelo
contrário, talvez seja necessário estabelecer diferentes fronteiras até obtermos os
resultados procurados, os quais devem validar todos os sistemas possíveis de serem
estabelecidos. Do contrário, o princípio da conservação da massa não seria obedecido,
indicando alguma falha ou ineficiência do processo.
Passo 3: adicionamos os valores conhecidos ao esboço, formando, então, a Figura 9.
Figura 9 – Esboço do problema proposto após o passo 3
Fonte: os autores
Passo 4: a princípio, nenhuma informação parece faltar, pois não estamos preocupados
com quem são os componentes A, B ou C nem com o que são, na prática, as etapas E1
e E2. A ideia é se preocupar apenas com valores de vazão e composição, então, estas
informações deverão ser suficientes.
28
Passo 5: como o problema já nos forneceu valores de vazão, não precisamos adotar
uma base de cálculo. Caso o enunciado fosse “a vazão de P1 é quatro vezes a de P2”,
poderíamos adotar um valor arbitrário para a vazão P2 e, com ela, chegaríamos às mes-
mas composições em todas as correntes. Contudo, a vazão de F1 mudaria para cada
base de cálculo adotada.
Passo 6: nossas variáveis desconhecidas são as vazões e as composições das corren-
tes F1 e W, totalizando oito variáveis desconhecidas.
Passo 7: para determinar o número de equações independentes, faremos os balanços
nos sistemas e usaremos as relações fornecidas. Uma informação que facilita aanálise
é que, ao escrever as equações dos balanços para cada componente, uma delas sempre
será dependente das demais.
• Na etapa E1:
◦ Nestas equações, temos as oito variáveis desconhecidas, junto a cinco equa-
ções independentes. Elas não são, portanto, suficientes para determinar todas
as variáveis desconhecidas.
• Na etapa E2:
29
◦ Aqui, temos quatro das variáveis desconhecidas (referentes à corrente W), junto
a quatro equações independentes. Como nosso número de equações é igual ao
número de incógnitas, o sistema é possível e determinado (graus de liberdade
iguais a zero).
• Global:
◦ Observamos que, para o balanço global, todas as variáveis referentes à cor-
rente intermediária W não estão presentes. Temos apenas as quatro variáveis
desconhecidas para a corrente F1, junto a quatro equações independentes, isto
é, como o problema solicita apenas a caracterização da corrente F1, podemos
utilizar esse sistema para não precisar trabalhar com a corrente intermediária W.
Passo 8: usando as equações para o sistema global (exceto uma das equações de
balanço por componentes, por ser dependente das demais) e substituindo as variáveis
conhecidas, teremos:
Passo 9: simplificando e resolvendo as equações, chegamos aos valores solicitados
pelo problema – vazão e composições da corrente F1:
30
Passo 10: podemos conferir o resultado com a equação de balanço para o componente
C, que não utilizamos:
Notamos que o fato de o componente C estar presente somente em uma corrente
de entrada e uma corrente de saída (no sistema global) facilita consideravelmente o proble-
ma, pois tudo o que saía de C na corrente P2 entrava no sistema, por meio da corrente F1.
Para praticar, podemos retornar aos balanços por etapas e caracterizar a cor-
rente W. Conseguiu chegar aos seguintes resultados: vazão de 1.500 kg/h, sendo 48%
A, 33% B e 19% C?
4 RECICLO, BYPASS E PURGA
Três aspectos são importantes quando tratamos dos balanços materiais em
termos de aplicação industrial. Essencialmente, são manobras realizadas nas correntes
de processo que permitem seu funcionamento de maneira eficiente, contínua e
controlável. Os balanços materiais entram com o papel de mensurar essas manobras e
passam a ter um nível de complexidade maior.
4.1 RECICLO
Reciclo: corrente do processo que é alimentada em uma etapa anterior àquela
que a originou (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003). A Figura 10 apresenta um diagrama, para
uma maior compreensão.
31
Figura 10 – Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo reciclo
Fonte: os autores
Em processos envolvendo reação química, o uso de reciclo pode aumentar a
conversão alcançada pelos reatores, retornando os reagentes não consumidos ao pro-
cesso e garantindo que eles sejam transformados no produto desejado. Em operações
de separação, como destilação ou filtração, o reciclo pode ser utilizado com uma ideia
semelhante: aumentar a eficiência do processo e servir para manter alguma corrente
dentro das suas especificações.
Um exemplo de operação com uso de reciclos é concentrar uma corrente (F)
contendo uma solução de 10% hidróxido de sódio (NaOH) em água, por meio de um
processo integrado de evaporação, cristalização e filtragem. Para atingir maior eficiência
no processo, a corrente líquida, que passa pelo filtro, é retornada na forma de reciclo (R).
O diagrama representado na Figura 11 ilustra o processo e apresenta as concentrações
em cada corrente. Qual a razão entre as vazões R e P?
Figura 11 – Diagrama de blocos representativo para o processo de concentração de NaOH
Fonte: os autores
Passos 1 a 4: o diagrama fornecido na Figura 11 já é o resultado dos primeiros passos.
32
• Global:
◦ Em ambos os casos, temos duas variáveis desconhecidas e duas equações
independentes. Portanto, temos graus de liberdade zero em ambas.
Passo 9: resolvendo as equações, chegamos nas respostas desejadas.
• No ponto A:
Passo 5: por praticidade, ao trabalhar com porcentagens, adotaremos a base de cálculo
de F = 100 kg/h.
Passo 6: nossas variáveis desconhecidas são as vazões P, R, E e W.
Passo 7: mais de um sistema pode ser avaliado. Aqui, faremos em dois deles: no ponto
em que o reciclo é adicionado à alimentação (ponto A) e o global.
Passo 8: assim, teremos as seguintes equações:
• No ponto A:
33
◦ Utilizando só o balanço por componente do hidróxido de sódio no ponto A foi su-
ficiente para encontrar uma das variáveis desejadas (R). Caso tivéssemos usado o
balanço por componente da água, chegaríamos ao mesmo resultado. Aliás, esse é
um assunto que demanda curiosidade e exercita o raciocínio lógico.
• Global:
Assim:
Passo 10: podemos conferir os resultados obtidos verificando as duas equações de-
pendentes não utilizadas.
Um exercício interessante é repetir esse balanço, mas sem a utilização de um
reciclo: se quiséssemos obter exatamente o mesmo produto P (em vazão e composi-
ção), considerando que a razão R/P é mantida (R/P ≈ 9,60), qual seria a alimentação
necessária? Sugerimos usar a Figura 12 como auxílio.
34
Figura 12 – Diagrama de blocos representativo, para o processo de concentração de NaOH, sem reciclo
Fonte: os autores
Temos o balanço material global e por componente:
Ao resolvermos as duas primeiras equações com os valores conhecidos, utili-
zando a relação R/P ≈ 9,60:
35
Como podemos observar, para obtermos a mesma quantidade de produto, o pro-
cesso sem reciclo exigiria uma alimentação 6 vezes maior, devido às perdas pela corrente
R, que não foi reaproveitada. A indústria sempre irá buscar minimizar o desperdício.
4.2 BYPASS E PURGA
Bypass: corrente do processo que pula uma ou mais etapas de um
processo, unindo-se novamente em um estágio posterior. Pode ser
usada, por exemplo, para controlar a composição de saída de uma
etapa (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
Purga: corrente retirada do processo com o objetivo de remover
inertes (substâncias que não reagem quimicamente) e materiais
indesejados, os quais poderiam se acumular no sistema pelo uso de
correntes de reciclo (HIMMELBLAU; RIGGS, 2003).
NOTA
Para termos uma maior compreensão sobre bypass e purga, podemos observar
as Figuras 13 e 14.
Figura 13 – Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo bypass
Fonte: os autores
Fonte: os autores
Figura 14 – Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo purga
36
Podemos praticar o conceito de bypass resolvendo o seguinte exemplo: certo
processo industrial é alimentado por uma corrente composta de 30% do componente X
e 70% do componente Y. O processo é responsável por remover apenas o componente Y,
e a corrente de saída precisa sair com 80% de X e 20% de Y, para atender às especifica-
ções de operação dos equipamentos. Contudo, um cliente solicita um produto contendo
60% de X e 40% de Y. Para atender a esse pedido, o engenheiro de processos sugere o
uso de uma corrente de bypass, conforme o diagrama a seguir. Calcule a razão entre as
vazões B e F, que deve ser utilizada para atender ao pedido.
Solução:
Passos 1 a 4: na Figura 15, o diagrama contém as informações necessárias. Observa-
mos que, no ponto 1, a corrente de alimentação se divide entre as correntes B e E – esta
divisão é puramente física, ou seja, presume-se que as composições são as mesmas
em ambas as correntes, diferenciadas apenas em suas vazões. No ponto 2, a corrente
de bypass retorna unindo-se à saída do processo (corrente S), formando o produto P na
composição desejada.
Figura 15 – Diagrama de blocos representativo para processos envolvendo purga
Fonte: os autores
Passo 5: adotaremos a base de cálculo de F = 100 kg/h.
Passo 6: como definimos um valor para F, as variáveis desconhecidas são agora as
vazões B, E, W, S e P.
Passo 7: os quatro principais sistemas que devemos prestar atenção são os pontos 1 e
2, o processo e o sistema global.
37
Aqui, temos duas variáveis desconhecidas e duas equações independentes.Dessa forma, conseguiremos determinar os valores de vazão para P e W.
Conhecido o valor de P, faz sentido analisarmos o ponto 2 como segundo siste-
ma. Para ele, temos as equações:
Portanto, teremos apenas duas variáveis desconhecidas (B e S) e duas equações
independentes. Com isso, podemos determinar B e calcular a resposta pedida pelo
problema. Traçar a estratégia correta para a resolução de um balanço é uma questão
clássica para o engenheiro na indústria.
Passos 8 e 9: como proposto, precisamos resolver as equações do sistema global:
Agora, para as equações do ponto 2:
Para o sistema global, temos as seguintes equações:
38
Portanto, a razão B/F = 0,20.
Passo 10: apesar de não ser de extrema necessidade, poderíamos conferir o resultado ve-
rificando que os valores obtidos são válidos para calcular a vazão da corrente E (80 kg/h).
Em seguida, ao fazer o balanço no processo, observaremos que as equações são válidas.
Com isso, concluímos o exemplo sobre bypass.
Nesse momento, resolveremos, também, um exemplo que envolve purga: certo
processo para a formação de água, a partir dos gases hidrogênio (H2) e oxigênio (O2), foi
implantado. Uma corrente (F), contendo ambos os componentes, é alimentada a um
reator. Em seguida, a corrente de saída passa por um condensador, que remove água
líquida do processo como produto.
Para evitar a perda de material, procurou-se utilizar os gases remanescentes
(que não reagiram) como uma corrente de reciclo do processo. Contudo, ao testar a
nova configuração, observou-se que os níveis de argônio (Ar) – que é um gás inerte
– no processo começaram a subir, porque a corrente contendo hidrogênio e oxigênio
apresentava, também, baixos traços do gás. Como forma de solucionar o problema, o
engenheiro de processos sugere utilizar uma corrente de purga (P). Considerando o
diagrama da Figura 16, qual deve ser a razão entre as vazões P e F se a concentração de
argônio na corrente de reciclo não pode ser superior a 7,5%?
Figura 16 – Diagrama de blocos representativo para o processo de formação de água
Fonte: os autores
39
Solução:
Passos 1 a 4: o diagrama apresentado na Figura 16 nos fornece todas as informações
necessárias para analisar o problema. Nota-se que, apesar de envolver um reator, o
problema não está preocupado com a reação química, de modo que ela não será neces-
sária. Além disso, é importante observarmos que o reciclo possui a mesma composição
da purga, apesar de não estar especificado.
Passo 5: como estamos interessados, principalmente, nas correntes F e P, definiremos,
como base de cálculo, o valor de F = 100 kg/h.
Passo 6: observamos que os dados fornecidos são, essencialmente, as composições de
entrada e saída do sistema global. Portanto, intuitivamente, parece fazer sentido anali-
sá-lo. Assim, temos duas variáveis desconhecidas: P e W.
Passo 7: nota-se que não conhecemos as composições de H2 e O2 separadamente.
Contudo, se fizermos o balanço global e o balanço por componente para o argônio, te-
remos duas equações independentes:
Logo, se temos duas equações independentes e duas variáveis desconhecidas,
a solução do nosso problema é possível e determinada (grau de liberdade = 0).
Passos 8, 9 e 10: substituindo os valores conhecidos e resolvendo as duas
equações do balanço global, podemos calcular o valor pedido pelo problema.
Portanto, para manter a concentração de argônio no reciclo igual a 7,5%, deve-
-se purgar uma vazão equivalente a 4% da vazão de alimentação.
40
Com isso, terminamos nossa introdução aos balanços materiais. Como pode-
mos notar, apesar de não demandarem cálculos sofisticados, os balanços de massa
trabalham fortes habilidades de interpretação do problema, análise crítica e organiza-
ção. Aprimorar essas qualidades facilitará o estudo dos fenômenos de transporte, que
começaremos, propriamente, a seguir.
Para aprender mais sobre balanços materiais, não deixe de con-
ferir a oitava edição de Engenharia Química – Princípios e Cálculos,
dos autores David M. Himmelblau e James B. Riggs, uma obra
consagrada pela excelente fundamentação de habilidades e co-
nhecimentos básicos no contexto da Engenharia Química, cujo
principal objeto de estudo são os balanços de massa e de ener-
gia, tratando, também, da descrição de gases, vapores, líquidos
e sólidos e diagramas de fases.
As duas primeiras partes do livro abordam grande parte dos
assuntos estudados até aqui de maneira bastante extensiva,
com vários exemplos aplicados. É uma excelente opção de
bibliografia para quem tem a curiosidade e deseja aprender
mais sobre processos químicos industriais. Além disso, são
trabalhados os balanços materiais envolvendo reações quí-
micas, algo que não consideramos aqui.
DICA
5 FLUIDO E A LEI DE NEWTON DA VISCOSIDADE
Provavelmente, aulas de Física, foram estudados assuntos relacionados aos cha-
mados fluidos, como o conceito de pressão e a Lei de Pascal. No contexto dos fenôme-
nos de transporte, a mecânica dos fluidos busca levar esse estudo adiante, explicando
o comportamento físico dos fluidos e as leis que o regem. Ela é, portanto, uma ciência
fundamental em diversas vertentes da Engenharia, pois possui aplicação prática a muitas
situações, como escoamentos em tubulações, pressões em barragens, deslocamento de
fluidos e, até mesmo, aerodinâmica (afinal, o próprio ar atmosférico é um fluido).
5.1 O CONCEITO DE FLUIDO
Podemos afirmar que a mecânica dos fluidos é uma das ciências básicas mais
fundamentais para os engenheiros. A palavra “mecânica” remete ao estudo do com-
portamento de sistemas submetidos a uma ou mais forças. A palavra “fluido”, por outro
lado, pode ser um pouco mais difícil de se definir. Iniciaremos por uma definição mais
elementar: fluido é uma substância que, ao ser colocada em um recipiente, assume o
formato do recipiente, não possuindo forma própria. Com base nessa definição, pode-
mos concluir que líquidos e gases são fluidos, diferentemente dos sólidos, como ilustra
a Figura 17.
41
Figura 17 – Comparação entre fluidos e sólidos em um recipiente
Fonte: Brunetti (2008, p. 1)
É importante observarmos que, enquanto os gases ocupam todo o recipiente,
os líquidos podem apresentar uma superfície livre, caso o recipiente não esteja com-
pletamente cheio.
Apesar de esta ser uma definição suficiente para dizer se uma substância é um
fluido ou não, a mecânica dos fluidos faz mais sentido se partirmos de uma definição um
pouco mais abstrata: fluido é qualquer substância capaz de fluir. Para desenvolver-
mos melhor essa ideia, descreveremos a observação prática chamada de “experiência
das duas placas”.
Considerando um sólido de material qualquer, preso entre duas placas planas,
uma inferior e uma superior. É, então, exercida uma força sobre a placa tangencial ao
sólido, na direção do plano da placa (Figura 18A). Mantendo a força constante, o que
se observa é que o sólido é deformado de maneira angular até certo limite, no qual as
tensões internas equilibram a força externa aplicada, atingindo a condição de equilíbrio
estático (Figura 18B).
Figura 18 – Experiência das duas placas para um sólido
Fonte: Brunetti (2008, p. 2)
Dessa forma, podemos dizer que, ao aplicarmos uma força tangencial cons-
tante a um sólido, ele se deforma angularmente até atingir uma nova posição de
equilíbrio estático.
42
Agora, vejamos o que acontece com um fluido submetido a essa mesma expe-
riência, imaginando-se que seja possível acompanhar cada unidade de fluido ao longo
do experimento. Para facilitar a visualização, denominaremos o volume de ABCD, cada
letra correspondendo a uma extremidade (Figura 19A).
Figura 19 – Experiência das duas placas para um fluido
Fonte: Brunetti (2008, p. 2)
Ao aplicarmos força tangencial à placa superior, ela passa a se deslocar a uma
velocidade v. O que se observa é que os pontos do fluido em contato com a placa su-
perior (lado AD) adquirem essa mesma velocidade v, enquanto os pontos do fluidoem
contato com a placa inferior (lado BC) ficam parados junto a ela (Figura 19B). Surge,
portanto, o princípio da aderência.
Aderência: quando em contato com uma superfície sólida, os
pontos de um fluido aderem-se aos pontos dessa superfície.
NOTA
Dessa forma, se a força tangencial for mantida sobre a placa superior, moven-
do-a à velocidade v, as partículas de fluido em contato também se moverão à veloci-
dade v, na mesma direção e sentido. Isso significa que a condição de equilíbrio estático
não será atingida, de modo que o volume de fluido poderá se deformar continuamente
(Figura 19C).
Essa experiência permite, portanto, diferenciar sólidos de fluidos sob a perspec-
tiva da mecânica dos fluidos: quando submetidos a forças tangenciais, sólidos se
deformam limitadamente, enquanto fluidos podem se deformar continuamente
sem alcançar um novo equilíbrio estático.
43
Nossa definição final de fluido será, então: substância que se
deforma continuamente quando submetida à ação de uma força
tangencial constante qualquer (BRUNETTI, 2008).
NOTA
Apesar de parecer exagero chegarmos a essa definição, mais adiante, veremos
que o princípio da aderência é fundamental para a compreensão de certos conceitos,
como o de camada limite, que é essencial no estudo tanto da mecânica dos fluidos
quanto dos demais fenômenos de transporte. Outra observação importante pode ser
feita com relação à experiência de duas placas. Para tanto, antes, é necessário definir-
mos o conceito de tensão de cisalhamento.
5.2 TENSÃO DE CISALHAMENTO E A LEI DE NEWTON DA
VISCOSIDADE
Considerando uma superfície de área A, sobre a qual é aplicada uma força .
Podemos decompor esta força na sua componente tangencial ( ) e na sua componente
normal à superfície ( ), como mostra a Figura 20. A seguir, discutiremos sobre a
componente tangencial e, posteriormente, analisaremos a componente normal.
Figura 20 – Ação de uma força sobre uma superfície e suas componentes normal e tangencial
Fonte: Brunetti (2008, p. 3)
44
A tensão de cisalhamento é definida como a razão entre
o módulo da componente tangencial da força e a área da
superfície em que é aplicada:
NOTA
Portanto, é a força tangencial por unidade de área, sendo dada, geralmente, em
N/m² (SI), kgf/m² ou dina/cm².
Voltando à experiência de duas placas, nota-se que, no caso dos fluidos, ao
exercer a força tangencial sobre a placa, ela passa a ser acelerada da velocidade nula
até uma velocidade finita, v0, que permanece constante ao longo do experimento. As-
sim, a partir de um determinado momento, não há mais aceleração. Pela segunda Lei de
Newton da dinâmica, isso significa que a resultante das forças deve ser nula (condição
de equilíbrio dinâmico). Como não existem outras forças externas atuando no sistema,
conclui-se que a força aplicada na placa é equilibrada por forças internas do fluido.
Para entendermos essas forças internas, podemos recorrer ao princípio da ade-
rência. Na experiência, a camada de fluido, junto à superfície superior, move-se à velo-
cidade v0, enquanto a camada de fluido, junto à superfície inferior, terá velocidade nula.
As camadas intermediárias, por sua vez, passam a se mover conforme um gradiente de
velocidades, indo de zero (na placa inferior) até v0 (na placa superior), como mostra a
Figura 21A.
Figura 21 – Gradiente de velocidade e tensões de cisalhamento entre as camadas de fluido na experiência
de duas placas
Fonte: Brunetti (2008, p. 4)
45
Esse deslizamento entre camadas (por estarem em velocidades diferentes) faz
com que elas exerçam forças tangenciais umas sobre as outras, criando as tensões de
cisalhamento (Figura 21B), equilibrando a força externa e fazendo com que a placa
superior fique com a velocidade constante v0. Newton evidenciou que, para a grande
maioria dos fluidos, a tensão de cisalhamento é proporcional ao gradiente de velocidade
(variação da velocidade v na coordenada y – Figura 21C).
Matematicamente, podemos escrever as afirmações apresentadas
anteriormente da seguinte forma:
ou
Essa é a chamada lei de Newton da viscosidade. Fluidos que
obedecem a essa relação são chamados de fluidos newtonianos,
como água, ar e óleos. Fluidos não newtonianos não serão traba-
lhados aqui, uma vez que pode ser bastante difícil descrever o seu
comportamento.
IMPORTANTE
Sir Isaac Newton (4 de janeiro de 1643 – 31 de março de 1727)
foi um físico e matemático inglês reconhecido como o ícone da re-
volução científica do século XVII. A descoberta da decomposição
da luz branca, suas três leis da mecânica clássica, a lei da gravita-
ção universal e suas contribuições no desenvolvimento do cálculo
diferencial e integral são consideradas alguns de seus principais
trabalhos (WESTFALL, 2022).
Fonte: WESTFALL, R. S. Isaac Newton. Britannica, [s. l.], 2022. Dis-
ponível em: https://www.britannica.com/biography/Isaac-Newton.
Acesso em: 5 dez. 2022.
INTERESSANTE
5.3 PROPRIEDADES DOS FLUIDOS
Agora, discutiremos algumas propriedades bastante importantes para a análise
dos fluidos e escoamentos. A primeira delas é a lei de Newton da viscosidade. Afinal,
você saberia definir o que é a viscosidade?
46
Quando um objeto sólido desliza em relação a outro, observamos o surgimento
de uma força na superfície de contato, na direção oposta ao movimento – a chamada
força de atrito. De forma análoga, quando um fluido se movimenta em relação a um
sólido ou a outro fluido, observa-se que também existe uma resistência ao movimento.
A propriedade que representa essa resistência é a viscosidade. Naturalmente, existem
fluidos com maiores ou menores viscosidades, uma vez que é muito mais fácil correr
ao ar livre (onde estamos imersos em ar, um fluido) que em uma piscina cheia de água.
Como vimos, para fluidos newtonianos, a tensão de cisalhamento é proporcio-
nal ao gradiente de velocidade. A constante de proporcionalidade é justamente a vis-
cosidade dinâmica ou absoluta (μ) do fluido:
ou
No SI, três formas comuns de expressar as unidades de viscosidade são: kg/
(m.s), N.s/m2 ou Pa.s (em que Pa é a unidade de pressão, pascal). Outra unidade comum
é o poise (P), equivalente a 0,1 Pa.s, sendo, também, frequentemente utilizado como
centipoise (cP, um centésimo de poise). A viscosidade da água a 20 °C é de 1 cP, por isso
a unidade serve como uma referência conveniente.
De forma prática, podemos dizer que a viscosidade é a
propriedade que representa a dificuldade de o fluido es-
coar. Ela surge em nível microscópico, devido à coesão das
moléculas e aos choques entre elas. Por causa disso, ela é
também variável com a temperatura. Podemos verificar esse
fenômeno com a seguinte comparação: o óleo de cozinha
espalha melhor antes ou depois de aquecê-lo? Em líquidos, o
aumento da temperatura reduz a viscosidade, enquanto, nos
gases, o aumento da temperatura aumenta a viscosidade.
IMPORTANTE
A seguir, analisaremos um exemplo: é necessário substituirmos o lubrificante do
pistão de certo equipamento. O pistão é cilíndrico, com massa de 500 g, diâmetro de 15
cm e altura de 6 cm. Ele trabalha dentro de um cilindro com 15,1 cm de diâmetro e deve
cair com a velocidade constante de 1,4 m/s. Qual deve ser a viscosidade do lubrificante
para atender a essas condições de operação? Considere uma aceleração da gravidade
de 10 m/s².
Solução: para facilitar a visualização, podemos fazer um esboço do problema,
como o representado na Figura 22.
47
Figura 22 – Esboço do problema sobre substituição do lubrificante no pistão
Fonte: os autores
Para que o pistão caia à velocidade constante, é necessário que ele esteja em
equilíbrio dinâmico: há movimento, mas não há aceleração. Pela segunda lei de Newton,
temos:
Aqui, duas forças atuam: o próprio peso do pistão (P) e a força da tensão de
cisalhamento ( ), que é a resistência do lubrificante ao movimento. Assim, em módulo:
Lembre-se de que, pela definiçãode tensão de cisalhamento:
A tensão de cisalhamento (τ) pode ser avaliada por meio da lei de Newton da
viscosidade, enquanto a área em questão é a área lateral do pistão. Sabendo que o pis-
tão é um cilindro, cuja área lateral é calculada pelo produto de sua circunferência e seu
comprimento, logo:
48
Nota-se que, para calcularmos a viscosidade por meio desta equação, é ne-
cessário avaliarmos o gradiente de velocidades de alguma maneira. O procedimento
rigoroso e de resultado mais preciso seria empregar coordenadas polares para resolver
a integral. Entretanto, em algumas situações, é possível simplificar o gradiente de velo-
cidade, assumindo a variação de velocidade como linear (Figura 23).
Figura 23 – Diagrama representativo de uma variação não linear na velocidade em relação ao espaço
Fonte: os autores
Na Figura 23, uma variação dy na direção do eixo y corresponde a uma variação
dv na velocidade. Contudo, quando a distância (ε) ntre as superfícies for relativamente
pequena, é razoável considerar que essa variação é linear, como na Figura 24.
Figura 24 – Diagrama representativo de uma variação linear na velocidade em relação ao espaço
Fonte: os autores
Assim, podemos simplificar a lei de Newton para a seguinte forma:
49
Retornando ao exemplo, nota-se que a distância ε da parede do cilindro ao
pistão é correspondente a:
Essa é uma distância razoavelmente pequena para considerarmos um gradien-
te de velocidade linear. Assim:
O módulo da força peso do pistão é dado por:
P = m . g
Portanto, isolando a viscosidade e admitindo uma aceleração da gravidade de
10 m/s², chegamos ao resultado desejado:
A unidade base de Newton é N = kg . m/s2. Assim, temos que:
Apenas para fins comparativos, o resultado mais preciso para esse proble-
ma (não considerando o gradiente de velocidade linear) seria de, aproximadamente,
6,29 . 10–2 N . s/m2. Isso indica um erro de 0,48%, que pode ser admitido como desprezí-
vel, comprovando a viabilidade da simplificação feita.
50
A viscosidade é uma das características mais importantes no mo-
mento de escolhermos o melhor óleo lubrificante para um carro.
Na prática, o produto precisa ser viscoso o suficiente para criar uma
película protetora entre as partes do motor, mas não pode ser tão
viscoso a ponto de oferecer muita resistência ao movimento das
peças, exigir mais força para ser bombeado e fluir lentamente pelo
motor. Os menos viscosos circulam com mais facilidade, permitindo
uma lubrificação mais rápida e que alcança cada centímetro das
peças. Essa excelente fluidez faz com que nenhuma parte se des-
gaste mais do que outra, diminuindo a necessidade de pequenas
manutenções (STABELINI, 2019).
Fonte: STABELINI, D. Viscosidade do óleo: o que é e por que é im-
portante? Texaco, [s. l.], 2019. https://blog.texaco.com.br/havoline/
viscosidade-do-oleo/. Acesso em: 5 dez. 2022.
INTERESSANTE
As próximas propriedades abordadas são relativamente simples, mas seus no-
mes podem causar certa confusão. Para evitar que isso ocorra, é necessário caracte-
rizar: densidade, massa específica e peso específico. Os fluidos serão admitidos como
meios contínuos e homogêneos, ou seja, as propriedades em cada ponto do fluido coin-
cidem com as suas propriedades médias. Com isso em mente, diferenciaremos densi-
dade de massa específica.
Considerando um corpo de massa (m) e volume total (V), seja ele maciço ou oco,
é possível definir, matematicamente, a densidade (d) desse corpo por meio da seguinte
relação:
Caso o corpo analisado seja maciço e homogêneo ou caso a parte oca seja des-
considerada, a densidade é chamada de massa específica (ρ). Em geral, ela depende
da temperatura e da pressão, sendo característica do fluido. No SI, a unidade é kg/m³.
É comum, também, chamar a massa específica de “densidade absoluta”. Con-
tudo, alguns materiais utilizam o termo “densidade” de forma mais genérica, referindo-se
a corpos e objetos, em vez de substâncias específicas. Isso pode gerar dúvidas quando os
objetos forem maciços ou ocos e, por isso, será evitado ao longo deste material.
51
Por sua vez, o peso específico (γ) segue uma lógica semelhante: é o peso (P)
por unidade de volume (V). No SI, a unidade é N/m³, sendo comum também encontrá-la
dada em kgf/m³:
Como o peso é o produto da massa com a aceleração da gravidade, ou seja,
P = m . g, é possível traçar uma relação entre peso específico e massa específica:
Para líquidos, essas duas propriedades são essencialmente constantes, pois
podem ser consideradas substâncias incompressíveis, ou seja, uma variação na pressão
não varia o seu volume. Para gases, os efeitos da pressão não podem ser desprezados.
Por exemplo: conhecendo as massas e os volumes de duas esferas, uma maci-
ça e uma oca, feitas de um único e mesmo material, como ilustrado na Figura 25, como
calcular a massa específica e o peso específico desse material, e a densidade de cada
esfera?
Figura 25 – Ilustração representativa de duas esferas: A (maciça) e B (oca)
Fonte: os autores
Solução: ambas as esferas são do mesmo material. Calculando a massa especí-
fica do material para a esfera A, temos:
52
Ao fazer o mesmo para a esfera B, é preciso atentar para utilizar apenas o volu-
me de material, ou seja, descontando a parte oca. Dessa forma:
De fato, se o material de ambas as esferas é o mesmo, a massa específica deve
ser a mesma. Considerando uma aceleração da gravidade de 10 m/s², podemos avaliar
o peso específico facilmente:
Agora, calculando a densidade da esfera A:
Nota-se que este resultado é igual à massa específica do material. Isso faz sen-
tido, pois ela é maciça. Por outro lado, ao calcularmos a densidade da esfera B, veremos
que, apesar de ter massa e volume de material idênticos ao da esfera A, o fato de ela ser
oca faz com que sua densidade seja menor:
Sabendo o que é viscosidade dinâmica/absoluta e massa específica, podemos
definir a chamada viscosidade cinemática (v), obtida pela razão entre a viscosidade
absoluta e a massa específica:
No SI, sua unidade é m²/s. Existe também outra unidade utilizada com
frequência, o stokes (St), equivalente a cm²/s, sendo também frequentemente utilizado
o centistokes (cSt). Este é um parâmetro importante para a mecânica dos fluidos,
também chamada de “difusividade de momento”.
Por fim, conhecidas essas propriedades, é importante definirmos dois conceitos
fundamentais para o restante de seu estudo:
53
• Fluido ideal: aquele cuja viscosidade é nula, sem perdas de energia por atrito, sendo
também incompressível. Naturalmente, não existem fluidos ideais, mas, às vezes, este
conceito é utilizado em problemas de mecânica dos fluidos (ÇENGEL; CIMBALA, 2015).
• Escoamento incompressível: escoamento de fluido, em que seu volume não varia
ao modificar a pressão. Em geral, os escoamentos podem ser considerados incom-
pressíveis, pois o fluido é um líquido ou as velocidades em questão são baixas (ÇEN-
GEL; CIMBALA, 2015).
A seguir, abordaremos a técnica de análise dimensional, importante para
compreendermos as variáveis e as grandezas fisicamente. Demonstraremos o seu uso
com as propriedades que estudamos anteriormente.
6 ANÁLISE DIMENSIONAL
Na realidade, muitos casos da Engenharia não são viáveis de serem resolvidos
de forma puramente analítica, seja porque não conhecemos ou não conseguimos resol-
ver as equações ou, ainda, porque a quantidade de variáveis é muito grande. Por isso, às
vezes, a experimentação é o único método que permite produzir modelos matemáticos
capazes de descrever os fenômenos observados. Contudo, experimentos exigem tem-
po e dinheiro, sendo fundamental projetá-los de maneira enxuta, em que seus resulta-
dos são aproveitados de forma eficiente. A análise dimensional surge para alcançar essa
eficiência, racionalizando a pesquisa e reduzindo custos e tempo.
Os três principais propósitos da análise dimensional são:
• Desenvolver modelos matemáticos capazesde descrever o fenômeno em estudo.
• Elaborar parâmetros adimensionais (sem dimensão), que facilitam a interpretação de
resultados experimentais e o design de experimentos.
• Prever semelhanças entre parâmetros e fenômenos.
O objetivo não é desenvolver matematicamente as estratégias de análise di-
mensional, mas fornecer formas de utilização prática desse assunto. Para isso, come-
çaremos com o conceito de equações dimensionais.
6.1 EQUAÇÕES DIMENSIONAIS
Na descrição de fenômenos físicos, encontramos diversos tipos de grandezas
diferentes, como força, aceleração, velocidade, energia, tempo e espaço. Como sabe-
mos, cada uma dessas grandezas é dada por dimensões e unidades diferentes. Contu-
do, ao analisá-las, podemos identificar que nem todas são independentes entre si, uma
vez que estão relacionadas por leis físicas e definições. Assim, podemos reduzir esse
conjunto de grandezas para apenas três grandezas independentes, a partir das quais
podem ser obtidas todas as outras, sendo chamadas de base completa da mecânica.
54
Por exemplo, a grandeza “velocidade” nada mais é do que uma combinação das
grandezas “espaço” e “tempo”. Afinal, se um corpo percorre 20 metros (espaço) em 5 se-
gundos (tempo), podemos dizer que ele se move a 4 metros por segundo (velocidade). As-
sim, a grandeza “velocidade” depende das grandezas independentes “espaço” e “tempo”.
As grandezas utilizadas como independentes podem ser escolhidas conforme
a conveniência, mas, em geral, costumam ser: força, comprimento e tempo (base FLT).
Esta será a base adotada ao longo deste livro didático – contudo, não é tão raro encontrar
materiais que utilizem a base MLT: massa, comprimento e tempo. As demais grandezas
que não fazem parte da sua base completa são denominadas de grandezas derivadas.
Estabelecidos esses conceitos, podemos, então, definir o que são as chamadas
equações dimensionais.
Equação dimensional: equação monômia (ou seja, de um
único termo) que relaciona uma grandeza derivada com a
base completa (BRUNETTI, 2008).
NOTA
Agora, exploraremos o uso da análise dimensional propondo um exemplo que
aborde as propriedades dos fluidos estudadas anteriormente, escrevendo a equação
dimensional da viscosidade cinemática na base FLT.
Solução: sabemos que a viscosidade cinemática é dada pela razão entre a vis-
cosidade dinâmica e a massa específica:
É necessário, inicialmente, analisarmos as dimensões dessas duas proprieda-
des. A massa específica, por definição, é a razão entre massa e volume:
Nota-se que temos a base FLT: força, comprimento e tempo. Isso significa que a
massa é uma de suas grandezas derivadas e deve ser escrita em função das grandezas
fundamentais. A lei física que consegue expressar a massa nessa base é a segunda lei
de Newton:
55
A força (F ) é uma de nossas grandezas fundamentais. Portanto, ao analisarmos
sua dimensão, temos que [F] = F. A aceleração (a), por outro lado, tem unidades de com-
primento divididas por tempo ao quadrado, como m/s², por exemplo. Suas dimensões
são, portanto: [a] = L/T² = LT-2. Assim:
De modo semelhante, sabemos que a geometria de volume (V ) tem dimensões
de comprimento ao cubo, ou seja: [V ] = L3. Combinando [m] e [V ], para a massa específica,
temos:
Resta agora verificarmos as dimensões da viscosidade absoluta. Pela lei de
Newton da viscosidade, temos:
Como definimos anteriormente, a tensão de cisalhamento é:
A força tangencial (Ft ) é, evidentemente, uma força, portanto, uma grandeza
fundamental: [Ft ] = F. Por sua vez, da geometria, sabemos que a área (A) tem dimensões
de comprimento ao quadrado: [A] = L². Combinando-as, temos, então:
O gradiente de velocidade (dv/dy) também pode ser analisado da mesma
maneira: são variações de velocidade (comprimento/tempo) por variações de posição
(comprimento). Assim:
56
Portanto, as dimensões da viscosidade absoluta são:
Finalmente, combinando a viscosidade absoluta e a massa específica, podemos
escrever a equação dimensional da viscosidade cinemática na base FLT, que é o que
desejamos:
O nome viscosidade cinemática é devido ao fato de suas di-
mensões não envolverem força, apenas comprimento e tempo
– as próprias grandezas fundamentais da cinemática, suficientes
para relacionar todas as grandezas derivadas desse campo da
física. Outros, como termodinâmica e eletromagnetismo, podem
demandar mais do que três grandezas fundamentais.
INTERESSANTE
6.2 NÚMEROS ADIMENSIONAIS
No estudo dos fenômenos de transporte, é comum nos depararmos com alguns
números que, apesar de possuírem grande significado prático e físico, não apresen-
tam unidades. São os chamados números adimensionais, que independem de todas as
grandezas fundamentais e costumam ser indicados pela letra grega π.
Para melhor ilustrarmos como eles funcionam, começaremos por um dos
números adimensionais mais fundamentais e conhecidos da mecânica dos fluidos: o
número de Reynolds (Re).
57
Nota-se que ρ é a massa específica do fluido, v é a velocidade do escoamento,
D é o diâmetro da tubulação, μ é a viscosidade absoluta do fluido e v (letra grega) é a
viscosidade cinemática.
Façamos, inicialmente, a análise dimensional desta equação. Nos exemplos an-
teriores, verificamos que [ρ] = FT 2L-4 e [μ] = FL-2T . Além disso, v é uma velocidade e D é
um comprimento, então: [v] = LT -1 e [D] = L . Combinando-os na forma do número de
Reynolds, teremos:
Como todos os expoentes são iguais a zero, conclui-se que o número de Rey-
nolds independe das grandezas fundamentais força, comprimento e tempo. Assim, por
definição, é um número adimensional.
As utilidades do número de Reynolds serão mais bem discutidas nas Unidades
2 e 3, mas vale mencionarmos de antemão que seu principal uso é na caracterização de
escoamentos de fluidos, como laminares ou turbulentos, sendo de grande importância
tanto na mecânica dos fluidos quanto nos processos de transferência de calor e massa.
Dessa forma, o número de Reynolds demonstra que esse comportamento do escoa-
mento depende de um conjunto de grandezas, e não delas individualmente.
Afinal, de onde surgem os números adimensionais e como eles têm tamanha
significância? Nesse momento, em vez de esmiuçarmos as raízes matemáticas rigo-
rosas e exaustivas que existem por trás desses números, como o chamado Teorema
Pi de Buckingham, utilizado na concepção de um número adimensional para um certo
fenômeno, faremos uma apresentação qualitativa, a fim de tornar mais fácil compreen-
dermos o papel dos números adimensionais.
Brunetti (2008) sugere como exemplo determinar a força F de resistência ao
avanço de uma esfera lisa mergulhada em um fluido. Tal força costuma ser chamada de
força de arrasto ou arraste.
Experimentalmente, observa-se que essa força é uma função de variáveis,
como o diâmetro (D) e a velocidade (v) da esfera, e a massa específica (ρ) e viscosidade
(μ) do fluido, isto é:
F = f (D, v, ρ, μ)
58
Figura 26 – Representação do experimento para estudo da força de arraste
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Considera-se testar, pelo menos, cinco valores distintos para cada variável, o
equivalente a 625 pontos experimentais (D, v, ρ, μ), ou seja, por assim dizer, o experimen-
to seria realizado 625 vezes. Por conta das disciplinas experimentais, temos noção de
que isso demandaria um grande tempo e, possivelmente, muitos recursos. Esse número
iria ainda mais longe se fossem consideradas mais variáveis ou se tentássemos mais
valores para cada uma.
Além disso, há ainda outro problema fundamental: como fazer a representação
gráfica dos resultados obtidos? Se, por exemplo, inicialmente, optássemos por fixar ρ e
μ, poderíamos construir um diagrama F × D com diferentes curvas para as diferentes
velocidades, como representado na Figura 27.
Figura 27 – Diagrama F × D para diferentes velocidades com massa específica e viscosidade constantes
Fonte: Brunetti (2008, p. 145)
Ainda, podemos observar quanto dos resultados obtidosseriam contemplados
por esse diagrama:
• Um valor de massa específica (ρ).
• Um valor de viscosidade (μ).
• Cinco valores de diâmetro (D).
• Cinco valores de velocidade (v).
59
Portanto, um único diagrama contemplaria apenas 25 dos 625 resultados:
cinco curvas, uma para cada velocidade, cada uma com cinco pontos para cada um
dos diâmetros testados. Isso significa que seriam necessários 25 diagramas diferentes
para representar todos os resultados, basicamente formando uma matriz ρ (linhas) × μ
(colunas), em que cada elemento da matriz é um diagrama.
Figura 28 – Matriz de diagramas F × D para avaliação da força de arraste em diferentes diâmetros,
velocidades, massas específicas e viscosidades
Fonte: Brunetti (2008, p. 145)
Como se isso tudo já não fosse exaustivo o bastante, podemos refletir acerca
de duas últimas perguntas: seria viável tentar identificar e descrever o comportamento
desejado tendo que observar e analisar 625 diagramas diferentes simultaneamente? Se
o número de variáveis ou de valores testados para cada uma fosse reduzido, visando a
simplificar o experimento e a análise, será que os resultados seriam realmente bons e
suficientes para descrever um fenômeno físico rigorosamente?
Nesse sentido, precisamos verificar como os números adimensionais podem
simplificar esse experimento. Consideram-se os seguintes números:
e
Nota-se que π2 é justamente o número de Reynolds.
60
Acadêmico, caso queira praticar, você pode fazer a análise
dimensional de π1 para verificar se ele é mesmo adimensional.
O importante, nesse momento, é que você perceba que π1 e π2,
juntos, contemplam as quatro variáveis em estudo (D, v, ρ, μ ) .
NOTA
Se utilizarmos uma única esfera de diâmetro D e um único fluido de massa es-
pecífica ρ e viscosidade μ, pode-se variar a velocidade v e medir a força F, isto é, teremos
pares (F, v) para um trio (D, ρ, μ) fixo. Nota-se que, conhecendo todos estes cinco valores
em cada ponto experimental, também é possível avaliar π1 e π2 em cada um desses pon-
tos. Assim, podemos organizar as informações conforme mostra a Tabela 5.
Tabela 5 – Resultados para o experimento da força de arraste variando a velocidade
Fonte: os autores
Ponto F v D ρ μ π1 π2
1 F1 v1 D ρ μ
2 F2 v2 D ρ μ
3 F3 v3 D ρ μ
4 F4 v4 D ρ μ
5 F5 v5 D ρ μ
Além disso, ambos os números adimensionais contêm a velocidade, que é o
parâmetro que foi variado. Assim, é possível afirmar que, para cada π1, existe um π2
correspondente, sendo possível construir o diagrama π1 x π2 apresentado na Figura 29.
61
Figura 29 – Diagrama hipotético π1 x π2
Fonte: os autores
Agora, é importante compreendermos a seguinte afirmação: os pontos dessa
curva dependem do conjunto (ρ, v, D, μ, F), e não de seus valores individuais. Isso sig-
nifica que o experimento foi genérico, e os resultados são válidos para outras esferas
de diâmetros diferentes ou outros fluidos com massas específicas e viscosidades di-
ferentes. Por exemplo, na Figura 29, o ponto (200; 0,5) é válido para qualquer conjunto
(ρ, v, D, μ, F), desde que:
e
Dessa forma, a curva contempla todas as infinitas combinações de valores das
cinco variáveis, sendo capaz de descrever o fenômeno em estudo com versatilidade e
economizando tempo e recursos. Diagramas como esse são chamados de diagramas
universais do fenômeno.
É importante fixarmos essa ideia por meio de um exemplo quantitativo: um óleo
cuja massa específica é 930 kg/m³ e a viscosidade dinâmica é de 5,81x10-2 N . s/m². Se
uma esfera de 1 centímetro de diâmetro se desloca nesse fluido à velocidade de 0,5 m/s,
qual a força de arrasto sobre ela? Considere o diagrama hipotético da Figura 29.
Solução: os parâmetros que conhecemos são suficientes para calcular o núme-
ro adimensional π2:
62
Pelo diagrama da Figura 29, quando π2 = 80, temos que π1 = 1,6. Assim, é possível
calcular F:
Como é possível notar, os números adimensionais podem facilitar bastante o
estudo de leis e fenômenos físicos. Assim como o número de Reynolds, alguns núme-
ros que aparecem com certa frequência nos fenômenos de transporte recebem nomes
próprios, como os números de Mach, Euler, Fourier, Biot, Nusselt, Prandtl, Schmidt, She-
rwood e muitos outros.
Uma vez que este livro didático é de natureza introdutória,
esses números não serão todos abordados, mas, caso você
procure conhecê-los, certamente sua visão analítica acerca
dos fenômenos de transporte ficará mais aguçada.
NOTA
63
Neste tópico, você aprendeu:
• A origem dos fenômenos de transporte (mecânica dos fluidos, transferência de calor
e transferência de massa), que se deve à existência de uma força motriz, responsável
por redistribuir uma certa propriedade até que um equilíbrio seja estabelecido.
• Como fazer os balanços materiais (balanço global e balanço por componente) para um
dado sistema de interesse, com base no princípio de conservação de massa. Por meio
deles, é possível calcular as informações necessárias para um projeto de Engenharia.
• Como realizar as conversões de unidades multiplicando as grandezas por fatores de
conversão. Muitas vezes, essas conversões são necessárias para garantir a consis-
tência física nos cálculos de Engenharia.
• Como classificar os sistemas em: aberto (a matéria atravessa a fronteira do sistema)
ou fechado (a matéria não atravessa a fronteira do sistema); e estacionário (as con-
dições do sistema, assim como suas correntes de entrada e saída, permanecem inal-
teradas ao longo do tempo) ou transiente (algumas ou todas as condições do sistema
se alteram ao longo do tempo).
• Como reconhecer algumas correntes relevantes na indústria: reciclo (corrente do
processo que é alimentada em uma etapa anterior àquela que a originou), bypass
(corrente do processo que pula uma ou mais etapas de um processo, unindo-se no-
vamente em um estágio posterior) e purga (corrente retirada do processo com o ob-
jetivo de remover materiais indesejados).
• O conceito de fluido, uma substância que se deforma continuamente quando subme-
tida à ação de uma força tangencial constante qualquer. Quando em contato com uma
superfície sólida, os pontos de um fluido aderem-se aos pontos desta superfície.
• O conceito de viscosidade, que é uma propriedade que representa a dificuldade de o
fluido escoar. Ela surge em nível microscópico, devido à coesão das moléculas e aos
choques entre elas. Por causa disso, ela é também variável com a temperatura. Em
geral, em líquidos, o aumento da temperatura reduz a viscosidade, enquanto, nos
gases, o aumento da temperatura aumenta a viscosidade.
• Na grande maioria das aplicações industriais da mecânica dos fluidos, os escoamen-
tos de líquidos podem ser considerados incompressíveis, isto é, o volume do fluido
não varia ao modificar a pressão.
RESUMO DO TÓPICO 1
64
• O conceito de fluido ideal é aquele cuja viscosidade é nula, sem perdas de energia por
atrito, sendo também incompressível. Naturalmente, não existem fluidos ideais em
problemas reais.
• O conceito de tensão de cisalhamento (τ), definida como a razão entre o módulo da
componente tangencial da força e a área da superfície em que é aplicada.
• A importância da lei de Newton da viscosidade, que relaciona a tensão de cisalha-
mento com o gradiente de velocidade, sendo a constante de proporcionalidade co-
nhecida como viscosidade absoluta (μ):
• Como classificar fluidos como newtonianos (caso obedeçam à lei de Newton da vis-
cosidade) e não newtonianos (caso não a obedeçam).
• Diversas propriedades relevantes dos fluidos, como densidade, massa específica,
peso específico e viscosidade cinemática. Particularmente, a viscosidade cinemática
(v), também conhecida como difusividade de momento, é a razão entre a viscosidade
absoluta e a massa específica.
• A definição do número de Reynolds (Re), um número adimensional extremamente
importante na mecânica dos fluidos, dado por:
65
AUTOATIVIDADE
1 Um processo precisaproduzir 300 libras de uma solução a 10% em massa de cloreto
de potássio (KCl) em água. Para isso, deve-se misturar uma solução a 0,9% do sal e
o próprio sal puro seco. Quais devem ser as quantidades misturadas? Apresente a
resposta em quilogramas (1 kg ≈ 2,205 lb).
2 A dessalinização da água do mar e de águas salobras é comum em países desérticos
ou com pouca disponibilidade de água potável, como no Oriente Médio e na África. A
dessalinização de água pode ser realizada por meio de processos de osmose reversa.
Admitindo que estão presentes apenas sal e água e considerando a figura a seguir,
determine:
Fonte: os autores
a) A vazão de água do mar necessária para alimentar o processo (F).
b) A vazão de salmoura removida (W).
c) A porcentagem da salmoura que sai das células de osmose reversa e é reciclada.
3 Duas placas planas paralelas estão posicionadas a uma distância ε = 3 mm. O espaço
entre elas é preenchido com um óleo de viscosidade cinemática de v = 0,2 St e massa
específica ρ = 850 kg/m³. A placa inferior fica imóvel, enquanto a placa superior pas-
sa a se mover horizontalmente com velocidade v0 = 3 m/s. Com relação à tensão de
cisalhamento agindo sobre o óleo, assinale a alternativa CORRETA:
66
Fonte: os autores
a) ( ) 1,7 . 10-2 N/m2.
b) ( ) 17 N/m2.
c) ( ) 0,02 N/m2.
d) ( ) 200 N/m2.
4 Uma película de óleo de 2,5 mm foi colocada sobre uma superfície plana inclinada
em 45°. Em seguida, uma placa quadrada, com peso de 30 N e 1 metro de lado, foi
colocada para deslizar sobre este plano. Observou-se que, ao longo de sua descida,
a placa atingiu a velocidade de 4,2 m/s, que se manteve constante até o final do
deslocamento. Considerando que o óleo seja um fluido newtoniano, sobre a sua vis-
cosidade dinâmica, assinale a alternativa CORRETA:
Fonte: os autores
a) ( ) 1,26 . 10-2 N . s/m2.
b) ( ) 2,52 . 10-2 N . s/m2.
c) ( ) 8,93 . 10-3 N . s/m2.
d) ( ) 1,79 . 10-2 N . s/m2.
67
5 Para determinar a viscosidade cinemática do metanol a 20 °C, sabe-se que, nessa
temperatura, a massa específica desse fluido é de 788,4 kg/m³. Experimentalmen-
te, observou-se que, quando uma esfera de 1 centímetro de diâmetro se desloca
no metanol à velocidade de 1,49 . 10-2 m/s, a força de arrasto sobre a esfera foi de
8,75 . 10-6 N. Considerando, de maneira hipotética, que o diagrama apresentado na
figura a seguir, seja válido. Sobre a viscosidade cinemática do metanol, assinale a
alternativa CORRETA:
Fonte: os autores
a) ( ) 7,45 . 10-7 kg/m . s.
b) ( ) 7,45 . 10-7 m2/s.
c) ( ) 5,87 . 10-4 kg/m . s.
d) ( ) 5,87 . 10-4 m2/s.
68
69
ESTÁTICA DE FLUIDOS
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
1 INTRODUÇÃO
Anteriormente, introduzimos conceitos importantes, como regimes permanen-
te e transiente, sistemas, leis de conservação, vazão, viscosidade (característica funda-
mental dos fluidos), e, de maneira breve, apontamos os conceitos de fluido ideal, escoa-
mento incompressível e do número de Reynolds.
Neste tema de aprendizagem, a maioria dos problemas nortearão o conceito
de pressão. Para isso, é muito importante termos em mente os conteúdos que foram
abordados, para garantir uma boa fluidez na leitura adiante.
Relembraremos a definição de pressão e apresentaremos a lei de Pascal e o
teorema de Stevin. Em seguida, diferenciaremos a pressão manométrica da pressão ab-
soluta e, ainda, identificaremos as variadas unidades de pressão que podem ser encon-
tradas na rotina profissional, assim como seus fatores de conversão. Também conhece-
remos alguns medidores de pressão, como o manômetro de Bourdon, e entenderemos
os princípios físicos que regem esses equipamentos. Ainda, faremos alguns cálculos
importantes, aplicando os conceitos estudados a sistemas que envolvem pressão e
elucidando o que chamaremos de equação manométrica. Finalmente, discutiremos a
flutuabilidade de sólidos em fluidos a partir da definição de empuxo.
2 PRESSÃO E SUAS RELAÇÕES MATEMÁTICAS
Ao cursar uma disciplina de fenômenos de transporte, é de se esperar que se
esteja familiarizado com algumas definições básicas de física. Por via das dúvidas, é
importante relembrarmos o conceito de pressão, que é um dos mais importantes para
a mecânica dos fluidos.
2.1 O CONCEITO DE PRESSÃO
Pressão é a força normal exercida por um fluido por unidade de área. Nesse
sentido, falamos apenas de líquidos e gases – geralmente, a “pressão” em corpos rígidos
é chamada de tensão mecânica. Sendo FN a força normal que atua em uma superfície
de área A, a pressão p é avaliada pela equação:
70
Uma vez que a pressão é definida como força sobre área, sua dimensão é de
força por comprimento ao quadrado. No SI, define-se, então, a unidade de medida
Pascal (Pa):
Assim, utilizaremos, como exemplo, dois recipientes submetidos à mesma for-
ça, mas de dimensões distintas (Figura 30).
Figura 30 – Recipientes distintos submetidos a forças semelhantes
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Evidentemente, a pressão em cada recipiente será diferente:
É importante notarmos que, enquanto, anteriormente, nosso interesse era pe-
las forças tangenciais (para definir a tensão de cisalhamento), nesse momento, o nosso
foco será nas forças normais sobre o fluido. Por isso, é importante sempre termos em
mente o chamado “plano horizontal de referência” (PHR), que, basicamente, é um plano
horizontal arbitrário que marca a altura z = 0 de um sistema (Figura 31).
71
Figura 31 – Sistema de tubulações indicando o plano horizontal de referência
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Para o PHR identificado na Figura 31, teremos:
• Altura da cota (0): z0 = 0.
• Altura da cota (1): z1 = 2m.
• Altura da cota (2): z2 = 2m + 10m = 12m.
• Altura da cota (3): z3 = 2m + 10m + 1m = 13m.
Frequentemente, essa será uma das inúmeras considerações e hipóteses ado-
tadas a partir de agora, para que seja possível analisarmos e solucionarmos os proble-
mas. Ao longo das explicações e dos exemplos trabalhados, veremos que essas são
ferramentas práticas e eficientes.
2.2 LEI DE PASCAL
A unidade de pressão no SI, descrita anteriormente, Pascal (Pa), é uma home-
nagem ao matemático e físico francês Blaise Pascal (1623-1662). De fato, uma de suas
principais contribuições à física foi a chamada lei de Pascal.
Lei de Pascal: a pressão aplicada em um ponto de um fluido con-
finado em repouso transmite-se integralmente a todos os pontos
do fluido, uma consequência do fato de que a pressão em um
fluido permanece constante na direção horizontal.
NOTA
Para ilustrar a lei de Pascal, podemos observar o
esquema representado na Figura 32.
72
Figura 32 – Experimento evidenciando a Lei de Pascal
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Na Figura 32A, o recipiente apresenta uma superfície livre à atmosfera. Supon-
do que as pressões em cada um dos pontos seja:
Na Figura 32B, o fluido no recipiente é, então, submetido a uma força que cor-
responde à pressão de:
Assim, as pressões nos pontos indicados passam a ser incrementadas deste
valor:
Por fim, nota-se que, em ambos os casos, as pressões nos pontos 1 e 2, aparen-
temente no mesmo nível (linha horizontal), são iguais.
Além dessa importante definição para a estática dos fluidos, Pascal também
observou que, uma vez que a pressão aplicada a um fluido é proporcional à superfície
(área), seria possível conectar cilindros de áreas distintas, de modo que o menor poderia
ser utilizado para exercer uma força superior no maior. Assim, um objeto pesado poderia
ser levantado empregando-se uma força inferior. Por exemplo: em uma oficina, é neces-
sário fazer reparos em um carro de uma tonelada. A manutenção deve ser feita na parte
inferior do veículo e, para facilitar o trabalho do mecânico, deseja-se elevar o carro. Uma
ferramenta que pode ser empregada para essa tarefa é o chamado elevador hidráulico,
cujo funcionamento é baseado justamente na lei de Pascal. Supondo que, para levantar
o veículo em questão, uma pessoa aplique uma forçade 1000 N no macaco hidráulico,
cujo pistão menor apresenta área de 10 cm², qual é a área do pistão maior?
73
Solução: podemos ilustrar o problema com base na Figura 33.
Figura 33 – Representação esquemática de um elevador hidráulico
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 61)
É razoável considerarmos que os pistões estão no mesmo nível, pois o efeito
de pequenas diferenças de altura é desprezível, especialmente em grandes pressões.
Assim, temos que:
p1 = p2
Pela definição de pressão, podemos escrever:
Conhecemos três destes quatro parâmetros: F1 é a força aplicada pela pessoa, A1
é a área do pistão menor, e F2 deve ser, pelo menos, o peso do carro, para que o pistão seja
capaz de movimentá-lo. Assim, considerando uma aceleração da gravidade de 10 m/s²:
A razão entre áreas A2/A1 é chamada de ganho mecânico ideal do elevador
hidráulico, denominação que também pode ser entendida como: a razão entre a força
exercida por um mecanismo e a força aplicada sobre ele. Nesse caso, por exemplo, A2/
A1 = 10, de modo que um objeto de 10.000 N de peso pode ser levantado com uma força
de apenas 1.000 N.
74
2.3 TEOREMA DE STEVIN E CARGA DE PRESSÃO
Outra importante ferramenta da estática dos fluidos que já pode ter sido estudada
nas aulas de física é o Teorema de Stevin. O matemático holandês Simon Stevin (1548-
1620) observou que, enquanto a pressão em um fluido em repouso é independente da
forma ou da seção transversal do recipiente (sendo também constante na direção hori-
zontal), ela varia com a distância vertical. Stevin publicou esse princípio em 1586.
Esse teorema pode ser escrito como a equação a seguir, sendo z as distâncias
verticais em relação ao plano horizontal de referência e γ o peso específico:
Talvez, nas aulas de Física, seja comum utilizar esta relação na seguinte forma:
Por exemplo, sendo um recipiente aberto para a atmosfera com certo volume
de fluido em repouso, pode-se esboçar o esquema representado na Figura 34.
Figura 34 – Representação verificando o Teorema de Stevin
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 70)
Teorema de Stevin: a diferença de pressão entre dois pontos
distantes verticalmente em um fluido em repouso é igual ao
produto do peso específico do fluido pela diferença de cotas
dos dois pontos.
NOTA
75
Se utilizarmos a equação do Teorema de Stevin à risca na Figura 34, teremos:
De fato, o resultado faz sentido: enquanto a pressão na superfície do fluido é
somente a pressão atmosférica (Patm), no ponto 2, ela é acrescida do peso da coluna de
fluido. Podemos comparar essa situação com uma piscina, utilizando como exemplo:
um indivíduo, ao mergulhar, percebe que a água que está acima faz peso sobre o seu
corpo. Dessa forma, quanto mais fundo ele mergulhar, maior será a pressão sobre o seu
corpo, pois maior será a quantidade de água sobre ele. Por isso, às vezes, encontramos
dispositivos, como relógios, que são ditos “à prova d’água” ou “resistentes à água” até
uma determinada pressão ou profundidade.
O plano horizontal de referência pode ser entendido como a
superfície do fluido. Nesse caso, poderíamos argumentar que a
cota “h” teria um valor negativo, afinal, estaria abaixo do “zero”
de referência. Contudo, se esse valor fosse negativo, a equação
indicaria que a pressão no ponto 2 seria menor que no ponto
1, o que sabemos não ser verdade. Assim, para garantirmos
resultados corretos, é importante sempre analisarmos se o valor
obtido faz sentido.
ATENÇÃO
Também é comum encontrarmos a pressão descrita por um parâmetro cha-
mado de “carga de pressão”, dado em unidade de comprimento. De forma simples,
podemos entender que a carga de pressão é o parâmetro h em:
Evidentemente, para que o conceito de carga de pressão faça sentido, deve-se
conhecer a massa específica (ou o peso específico) do fluido em questão. Entretanto,
por que esse parâmetro é importante a ponto de ser conveniente dar um nome mais
particular a ele?
76
Em uma tubulação pela qual escoa um líquido de peso específico γ sob uma
pressão p, como na Figura 35A, considerando que seja feito um orifício na parte superior
desse tubo, o qual é ligado a uma nova tubulação. Se a pressão p for maior que a pres-
são externa, parte do líquido subirá por essa nova tubulação até alcançar uma altura h,
como mostra a Figura 35B.
Figura 35 – Representação esquemática da carga de pressão em tubulações
Fonte: Brunetti (2008, p. 23)
Para que essa coluna de líquido fique em repouso, ela deverá equilibrar justa-
mente a pressão da tubulação (p), ou seja:
Portanto, a altura h é a própria carga de pressão da pressão p.
Com isso, podemos concluir que uma pressão qualquer p pode
ser associada a uma altura h de fluido, dada por p/γ, chamada de
carga de pressão.
IMPORTANTE
3 ESCALAS E UNIDADES DE PRESSÃO
Após conhecermos os principais conceitos e definições relacionados à pressão,
fundamentais para o estudo da estática dos fluidos, é o momento de aprimorarmos
nossas habilidades técnicas, compreendendo como a pressão é medida e quais são
as principais unidades que podemos encontrar tanto em outros livros quanto na rotina
profissional.
77
Um ponto que, frequentemente, gera bastante confusão é compreender que há
duas referências para as medidas de pressão, classificadas como pressões absolutas
ou pressões manométricas (também chamadas de pressões efetivas). Para facilitar
a compreensão, precisamos entender a seguinte afirmação: a maioria dos aparelhos
de medição de pressão (os chamados “manômetros”) é calibrada para registrar valores
nulos (zero) quando abertos à atmosfera. Em outras palavras, eles adotam a pressão at-
mosférica como seu valor nulo de referência. Assim, as pressões medidas nesses apa-
relhos são as chamadas pressões manométricas.
Por outro lado, sabemos que, na prática, a pressão atmosférica não é nula, afi-
nal, a pressão ambiente varia até mesmo de acordo com a altitude. Então, para que as
medições façam sentido, o valor nulo de referência adotado é o vácuo (ou zero absoluto)
– por isso, são chamadas de pressões absolutas.
Em resumo, de forma simples: se é medida em relação ao
vácuo, é pressão absoluta; se é medida em relação à pressão
atmosférica, é pressão manométrica. Se a pressão medida é
menor que a atmosférica, é comum dizer que existe um “vácuo”,
apesar de que o termo mais apropriado seria “depressão”.
ATENÇÃO
Como exemplo, o esquema da Figura 36 mostra duas pressões hipotéticas p1
e p2, em que pabs é a pressão absoluta, pman é a pressão manométrica, patm é a pressão
atmosférica e pvácuo é a depressão.
Figura 36 – Esquema indicando as diferenças entre as escalas de pressão
Fonte: adaptada de Çengel; Cimbala (2015)
78
Com base na Figura 36, podemos escrever as seguintes equações. Para p1:
Para p2:
Temos, ainda, que as pressões de vácuo são, basicamente, pressões manomé-
tricas negativas. Assim, apesar de os parâmetros das equações anteriores serem quan-
tidades positivas, é possível dizer sobre pressões negativas. Por exemplo, para calcular
a pressão manométrica de p1, como pabs,1 < patm, temos:
Logo, se multiplicarmos esta equação por (-1), o valor será positivo:
Se compararmos com a equação da pressão de vácuo em p1 apresentada ante-
riormente, podemos observar que:
Dito isso, é importante entendermos que, para compreender e trabalhar com
pressão na vida profissional, em vez de tentar decorar equações lógicas, é muito mais
valioso e eficiente compreendermos os referenciais utilizados nas duas escalas – mes-
mo que essas ideias ainda estejam nebulosas, um pouco de prática, certamente, aju-
dará nesse sentido.
Antes de praticarmos, trataremos, ainda, de mais um assunto importante: uni-
dades de pressão. Como já mencionado, no SI, a unidade é o N/m², equivalente ao Pas-
cal (Pa). Além disso, sabemos que as pressões também podem ser descritas como car-
gas de pressão, as quais apresentam unidades de comprimento.
Em primeiro lugar, as unidades de pressão são essencialmente baseadas na ra-
zãoforça/área, apresentando dimensão de força por comprimento ao quadrado, como:
N/m² = Pa, kgf/cm², kgf/m² e lb/pol² (equivalente ao inglês psi, que significa pounds per
square inches). Os fatores de conversão são:
1 kgf/cm² = 104 kgf/m² = 9,8.104 Pa = 14,2 psi
Já as unidades de carga de pressão, como já discutimos, são aquelas que cor-
respondem à altura de uma coluna de determinado fluido, sendo os mais comuns o
mercúrio (por ser um líquido pesado) e a água. Como visto, essas unidades são con-
79
venientes, pois nos permitem dizer imediatamente a que altura uma certa pressão é
capaz de elevar um fluido. As unidades mais típicas são: mmHg (milímetros de coluna
de mercúrio) e mca (metros de coluna d’água). Para o seu uso, é importante saber que:
Os fatores de conversão, com relação ao Pascal, são:
Por fim, vale mencionar duas exceções: a unidade atmosfera (atm), que, por
definição, é a pressão capaz de elevar uma coluna de 760 mm de mercúrio, e o bar, que
equivale a, exatamente, 100.000 Pascal (105 Pa). Com isso, temos os seguintes fatores
de conversão:
Nesse momento, é importante trabalharmos um exemplo sobre as escalas e as
unidades de pressão apresentadas. Ao termos um manômetro indicando a pressão de 7
psi, como podemos converter este valor, ainda na escala manométrica, para as unidades
mmHg e atm? Depois, como converter este valor obtido para as unidades Pa e mca, mas
na escala absoluta? Podemos considerar a pressão atmosférica Patm = 101325 Pa.
Solução: a pressão indicada pelo manômetro está na escala manométrica,
como o nome sugere. Assim, para atender à primeira parte do problema, basta utilizar
os fatores de conversão conhecidos. Primeiramente, convertendo de psi para mmHg:
Depois, converter para atm:
Em seguida, devemos fazer novas conversões, mas agora na escala absoluta.
Para isso, devemos saber que a pressão absoluta pode ser avaliada por:
80
Naturalmente, para que a soma faça sentido, a pressão manométrica e a pres-
são atmosférica devem estar nas mesmas unidades. Como a primeira unidade pedida é
o Pa – a mesma unidade da pressão atmosférica dada –, é conveniente convertermos
a pressão manométrica:
Agora, passando para a escala absoluta:
Fazendo o mesmo processo, mas agora para mca:
Convertendo a pressão atmosférica para mca:
Então, na escala absoluta:
É importante notarmos que poderíamos ter convertido diretamente o valor da
pressão absoluta de Pa para mca:
Como os fatores de conversão estão listados com até duas casas decimais,
alguns dos resultados podem variar ligeiramente em relação aos valores reais.
4 MEDIDORES DE PRESSÃO
É importante conhecermos alguns dos principais instrumentos capazes de me-
dir pressões. Como nosso foco será compreender os diferentes princípios de funciona-
mento, é natural que eles pareçam de grande simplicidade, enquanto instrumentos co-
merciais poderão apresentar tecnologias mais sofisticadas e complexas, mas pautadas
nesses mesmos princípios.
81
4.1 BARÔMETRO
O barômetro é um dispositivo utilizado para medir a pressão atmosférica (por
isso, também é chamada, às vezes, de pressão barométrica). Tal instrumento consiste,
basicamente, em um tubo cheio de líquido invertido em uma vasilha cheia do mesmo
líquido e aberta à atmosfera (Figura 37).
Figura 37 – Representação de um barômetro básico
Fonte: Brunetti (2008, p. 26)
Podemos observar que parte do conteúdo do tubo permanecerá nele, na for-
ma de uma coluna de líquido. Talvez, isso não pareça intuitivo, mas podemos dar uma
explicação física com base nos tópicos que estudamos durante esta unidade. Primeiro,
nota-se que, enquanto a vasilha está aberta à atmosfera, o tubo está fechado. Isso
significa que a pressão atmosférica atua na superfície do líquido da vasilha, mas não
atua na superfície da coluna de líquido no tubo. Em segundo lugar, Teorema de Stevin,
a pressão no ponto 0 deve ser igual à pressão no ponto A:
Logo, nota-se que a pressão em A é a própria pressão atmosférica, enquanto
a pressão em 0 é justamente a pressão causada pela coluna de líquido no tubo. Assim:
e
Em posse de um barômetro, se conhecermos o peso específico γlíq do líquido
empregado, basta medir a altura h da coluna de líquido no tubo, e, com isso, calcular a
pressão atmosférica. Geralmente, o líquido utilizado é o mercúrio, por apresentar peso
específico elevado, de modo que a altura da coluna possa ser menor, facilitando a cons-
trução do dispositivo. A criação do barômetro é atribuída ao italiano Evangelista Torricelli
(1608-1647) e, por isso, a unidade mmHg é também chamada de “torr”.
82
Acadêmico, assista a uma animação, desenvolvida pelo TED-Ed,
que conta a história do barômetro e como ele funciona: https://
ed.ted.com/lessons/the-history-of-the-barometer-and-how-it-
works-asaf-bar-yosef.
Embora o conteúdo esteja em inglês, o vídeo contém legendas
em português.
DICA
4.2 MANÔMETRO DE BOURDON
Outro dispositivo mecânico utilizado para a medição de pressões são os chama-
dos manômetros de Bourdon (Figura 38), em referência ao engenheiro e inventor fran-
cês Eugene Bourdon (1808-1884). Seu funcionamento é baseado na deformação de um
tubo de metal oco quando submetido à pressão medida. A extremidade do tubo, então,
movimenta-se, ligada a um sistema de alavancas e um ponteiro, que indica a pressão
analogicamente em um mostrador, devidamente calibrado (Figura 39).
Figura 38 – Representação esquemática do funcionamento de um manômetro de Bourdon
Fonte: Brunetti (2008, p. 26)
Figura 39 – Diferentes tipos de tubos empregados para manômetros de Bourdon
Fonte: os autores
83
Figura 40 – Manômetro de Bourdon real
Fonte: https://elements.envato.com/pt-br/analog-manometer-concept-BEWXBX8. Acesso em: 29 mar. 2023.
4.3 PIEZÔMETRO (COLUNA PIEZOMÉTRICA)
O piezômetro (Figura 41) é um instrumento que mede a carga de pressão, sendo
de construção muito simples: apenas um tubo de vidro ligado ao reservatório que se
deseja medir a pressão. Dessa forma, como no barômetro, é necessário conhecer o peso
específico do fluido.
Figura 41 – Representação esquemática de um piezômetro
Fonte: Brunetti (2008, p. 27)
Contudo, o piezômetro apresenta algumas limitações: só funciona para pressões
manométricas positivas: se houver uma depressão, o ar entra no reservatório, em vez
de uma coluna de líquido subir; em segundo lugar, não funciona para gases, pois,
obviamente, estes escapariam sem formar uma coluna; e, por fim, é útil somente para
pequenas pressões – se forem muito elevadas, as colunas podem ser muito grandes e,
diferentemente do barômetro, não é possível simplesmente escolher usar o mercúrio.
84
Fonte: os autores
4.4 TUBO EM U
É possível fazer uma pequena alteração para corrigir o problema do piezômetro
de não conseguir medir depressões. Tais dispositivos são, então, chamados de tubos em
U (Figura 42), cujo nome remete a sua forma. Neles, utiliza-se um fluido manométrico:
um segundo fluido, cujas propriedades são melhores para utilização em manômetros –
em geral, escolhe-se o mercúrio.
Figura 42 – Representação esquemática de um manômetro de tubo em U
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 61)
O princípio é o mesmo do piezômetro: mede-a carga de pressão. Outra vanta-
gem desse tipo de manômetro é a possibilidade de medir a pressão de gases, pois o
fluido manométrico impede que eles escapem.
Um exemplo sobre o uso do tubo em U: para avaliar a pressão em um reservató-
rio de gás, um manômetro de tubo em U é acoplado, cujo fluido manométrico é o mer-
cúrio (γHg = 1,36.10⁵ N/m³). Se a pressão atmosférica no local é de 90 kPa, considerando
o esquema na Figura 43, como podemos determinar a pressão desejada nas escalas
absoluta e manométrica?
Figura 43 – Representação esquemática do exemplo proposto sobre manômetro de tubo em U
85
Solução: sabemos que, por estarem na mesma linha horizontal do mesmo fluido,
as pressões nos pontos A e B sãoiguais. Podemos desprezar a pequena coluna de gás
acima do ponto A, o que é razoável, pois o peso específico de gases é pequeno. Assim, a
única pressão que precisamos considerar é a do próprio reservatório. No ponto B, como
o tubo está aberto para atmosfera, temos a ação da pressão atmosférica e do peso da
coluna de fluido manométrico. Colocando essas informações em equações, temos:
Com isso, fica fácil resolver o problema:
É importante reparar que esta é a pressão do reservatório na escala absoluta.
Para verificar na escala manométrica, basta desconsiderar a pressão atmosférica:
Os manômetros de tubo em U também podem ter uma configuração diferente:
os chamados manômetros diferenciais, os quais são ligados a dois reservatórios, em vez
de serem abertos para a atmosfera (Figura 44).
Figura 44 – Representação esquemática dos manômetros diferenciais
Fonte: Brunetti (2008, p. 28)
86
5 EQUAÇÃO MANOMÉTRICA
Denomina-se equação manométrica aquela que permite determinar a pressão
de um reservatório ou a diferença de pressão entre dois reservatórios.
Aqui, nosso interesse estará focado no estudo
da equação manométrica aplicado aos manô-
metros diferenciais.
NOTA
Inicialmente, temos a Figura 45, que apresenta um esquema genérico para a
elaboração da equação manométrica de manômetros diferenciais.
Figura 45 – Esquema genérico para a elaboração da equação manométrica de manômetros diferenciais
Fonte: Brunetti (2008, p. 28)
Considerando o que estudamos sobre o Teorema de Stevin e a lei de Pascal,
avaliaremos a pressão na parte mais baixa do tubo (indicado pela linha sublinhada infe-
rior), do lado esquerdo (pe) e do lado direito (pd). No lado esquerdo, temos que considerar:
a pressão no reservatório A (pA), a pressão causada pela coluna de fluido A (cuja altura
é h1 – h2) e a pressão causada pela coluna de fluido manométrico (altura h2). Assim, po-
demos escrever a equação:
De forma semelhante, para o lado direito, temos: a pressão no reservatório B
(pB), a pressão causada pela coluna de fluido B (de altura h4 – h3) e a pressão da coluna
de fluido manométrico (altura h3). Dessa forma:
87
Se o sistema está em equilíbrio, por estarem no mesmo nível (direção horizon-
tal), sabemos que ambas pressões devem ser iguais. Portanto:
Agora, devemos analisar como esta equação pode ser utilizada. Primeiramente,
é importante conhecermos os pesos específicos dos três fluidos. Em segundo lugar,
olhando para o manômetro, é necessário sermos capazes de medir as alturas de cada
coluna. Com isso, os únicos dois parâmetros que, provavelmente, não conhecemos são
as pressões nos reservatórios (pA e pB). Dessa forma, como mencionado, podemos utili-
zar a equação manométrica para avaliar a diferença de pressão entre os reservatórios:
Evidentemente, se já conhecermos a pressão de um dos reservatórios, será
possível determinarmos a pressão do outro.
Existe, também, uma regra prática que pode facilitar o uso da equação mano-
métrica. Sabendo que, na equação anterior, cada peso específico sempre multiplica a
altura da sua respectiva coluna, devemos considerar a Figura 46.
Figura 46 – Representação de um manômetro genérico
Fonte: Brunetti (2008, p. 29)
É importante que as alturas sejam marcadas sempre na interface entre dois
fluidos do manômetro. A regra funciona da seguinte forma: começando pela esquerda,
soma-se à pressão pA as pressões das colunas descendentes e subtrai-se as pres-
sões das colunas ascendentes. Em outras palavras, tudo que está descendo soma, e
tudo que está subindo subtrai. Assim, o esquema da Figura 46 pode ser simplificado na
Figura 47.
88
Figura 47 – Representação simplificada de um manômetro
Fonte: Brunetti (2008, p. 29)
Aplicando a regra, podemos escrever:
A escolha de usar essa regra ou de igualar as pressões do lado esquerdo e
direito fica a critério de cada um. Para colocar esses conceitos em prática, considerando
o manômetro diferencial esquematizado na Figura 48, em que o fluido A é óleo, o fluido
B é água e o fluido manométrico é mercúrio, como podemos calcular a diferença de
pressão entre os reservatórios, sabendo que h1 = 15 cm, h2 = 40 cm, h3 = 40 cm, h34 = 10
cm? Outros dados disponíveis são: γH2O = 10000 N/m³; γHg = 136000 N/m³; γóleo = 8000
N/m³.
Figura 48 – Representação simplificada de um manômetro
Fonte: os autores
89
Solução: como devemos comparar as pressões entre dois reservatórios, por
meio de um manômetro diferencial, utilizaremos a equação manométrica para respon-
der ao que é solicitado. Tendo, como referência, o nível mais baixo da tubulação (indi-
cado na Figura 48 pela linha pontilhada inferior de h4), podemos escrever as seguintes
equações para o lado esquerdo e para o lado direito do tubo:
Como sabemos, se o sistema está em equilíbrio, ambas as pressões devem ser
iguais. Igualando-as e remanejando a equação, para que a diferença (pA – pB) fique iso-
lada, temos:
Uma vez que todos os parâmetros do membro direito da equação são conheci-
dos, basta substituirmos os valores e calcular a diferença:
Então, o problema está resolvido: a pressão no reservatório A é 51,6 kPa menor
do que a pressão no reservatório B.
Poderíamos, também, aplicar a regra da equação manométrica para chegar à
mesma equação facilmente:
Em outro caso, considerando o esquema da Figura 49, deve-se determinar a
pressão indicada pelo manômetro. Em posse deste valor, como calculamos a força que
age na parede superior interna do reservatório?
90
Figura 49 – Representação simplificada de um manômetro
Fonte: os autores
Solução: apesar de, talvez, não parecer intuitivo, o problema pode ser solucio-
nado com a equação manométrica. É conveniente adotarmos a linha pontilhada como
referência (afinal, é com relação a ela que conhecemos as dimensões do sistema). Do
lado esquerdo, teremos:
Do lado direito, teremos:
Mais uma vez, como sabemos, por estarem no mesmo nível, a pressão do lado
esquerdo deve ser igual à do lado direito. Com isso, podemos isolar o parâmetro que
desejamos descobrir.
Nesse caso, também poderíamos ter usado a regra da equação manométrica:
Agora, como já mencionamos, para solucionar problemas de fenômenos de
transporte, é comum termos de fazer algumas considerações:
91
• O peso específico do ar é tão pequeno que podemos desprezar a pressão causada
pela sua coluna.
• O manômetro mede pressão manométrica e, portanto, está calibrado para indicar
valor nulo para a pressão atmosférica. Assim, pode-se anular esse termo na equação.
Com essas considerações, podemos simplificar a equação para a forma:
Agora, podemos substituir os valores, pois conhecemos todos eles, e chegar ao
resultado procurado:
Com esse resultado, é fácil calcularmos a força na parede do reservatório. Pela
definição de pressão, temos que:
Até aqui, estudamos somente medidores de pressão analógi-
cos tradicionais e importantes no contexto da mecânica dos
fluidos. Existem, também, sensores mais modernos, como os
transdutores de pressão, que convertem os efeitos da pres-
são em algum efeito elétrico, como mudanças na tensão, na
resistência ou na capacitância, por meio da deformação de
um diafragma ou do efeito piezoelétrico (capacidade de uma
substância cristalina gerar tensão elétrica quando sujeita à
pressão mecânica). Em geral, são mais compactos e rápidos,
podendo também ser mais sensíveis, confiáveis e precisos
(ÇENGEL; CIMBALA, 2015).
INTERESSANTE
92
6 EMPUXO
Embora o empuxo seja um tema que, particularmente, se distancia um pouco
dos conceitos de pressão estudados anteriormente, é bastante importante para com-
preendermos o funcionamento de alguns mecanismos – novamente, trata-se de um
conceito que pode ter sido estudado nas aulas de física.
Esse fenômeno está diretamente relacionado com aspectos, como flutuabilida-
de e estabilidade de corpos rígidos em fluidos. Uma observação experimental bastante
importante é que um objeto parece mais leve quandoimerso em um líquido que no ar.
De fato, ao pesar o objeto dentro da água (com uma balança à prova d’água), o peso in-
dicado seria menor. Tal observação sugere que um fluido exerce uma força vertical para
cima em corpos imersos nele. A essa força, damos o nome de empuxo.
Aqui, nosso interesse será mais no uso desse conceito que no desenvolvimento
e na análise das forças envolvidas. Para isso, partiremos do princípio de Arquimedes.
Princípio de Arquimedes: quando um corpo está total ou par-
cialmente imerso em um fluido, uma força vertical (chamada de
empuxo) age nele de baixo para cima, equivalente ao peso do
volume de fluido deslocado (BRUNETTI, 2008).
NOTA
Assim, podemos escrever:
Em que E é o empuxo, ρf e γf são a massa e o peso específicos do fluido, g é a
aceleração da gravidade e Vdeslocado é o volume de fluido deslocado – esta última variável
pode ser entendida como: volume do corpo rígido que está submerso. Desse modo, se o
sólido estiver completamente imerso no fluido, por exemplo, temos que:
Como mencionado, o empuxo é particularmente importante para estabelecer a
condição de flutuação de um corpo. Considere a Figura 50, em que P é o peso do corpo.
93
Figura 50 – Forças atuando em um corpo rígido imerso em fluido
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Como já apontado anteriormente, nosso foco está em forças verticais, então,
fazendo o balanço dessas duas forças, podemos afirmar que, para que o corpo flutue:
E ≥ P
Utilizando a definição de empuxo e de força peso, podemos desenvolver ambos
os termos desse critério:
Se o corpo for totalmente submerso, Vcorpo = Vdeslocado, o critério de flutuabilidade
ser
O matemático grego Arquimedes (287-212 a.C.) também
é reconhecido como o autor da expressão “Eureka!”. A
lenda diz que ele tomava banho quando percebeu que
poderia determinar a densidade da coroa do rei submer-
gindo-a em água e medindo o volume deslocado. Com
isso, poderia confirmar se ela era feita de ouro puro ou
não. Os relatos são de que ele correu pelado pelas ruas
gritando “Eureka!”, exclamação que ficou famosa mun-
dialmente e que, hoje, significa algo como “Descobri!”
(LESLIE, 2004).
Fonte: LESLIE, M. The First Eureka Moment. Science, [s. l.],
v. 305, n. 5688, p. 1219, ago. 2004. Disponível em: http://
science.sciencemag.org/content/sci/305/5688/1219.5.
full. Acesso em: 10 dez. 2022.
INTERESSANTE
94
Acadêmico, assista a uma animação, desenvolvida pelo TED-Ed,
que vai mais longe na história de Arquimedes e comenta a lei da
flutuabilidade: https://ed.ted.com/lessons/the-real-story-behind-
archimedes-eureka-armand-d-angour.
Embora o conteúdo esteja em inglês, o vídeo contém legendas
em português.
DICA
Outro exemplo que mostra como o empuxo é importante, até mesmo, em
tarefas simples de Engenharia é em um projeto de construção civil submarina, em que
um guindaste é utilizado para levar grandes blocos de concreto até o mar. Durante
a operação, surge a suspeita de que um dos blocos está fora dos padrões exigidos.
O engenheiro sabe que, caso a massa específica do bloco esteja na faixa de 2.100 a
2.300 kg/m³, o bloco estará de acordo com as especificações necessárias. As únicas
informações à disposição são a massa específica da água do mar (ρmar = 1040 kg/m³),
a tensão na corda do guindaste, segurando o bloco dentro da água (FT,água = 6,5 kN), e o
volume do bloco (V = 0,64 m³). Adotando a aceleração da gravidade como g = 10 m/s²,
qual seria a avaliação do profissional sobre o bloco?
Solução: para facilitar a visualização, o primeiro passo pode ser fazer o esboço
do problema (Figura 51), considerando a situação em que o bloco é levantado pelo
guindaste na água.
Figura 51 – Forças atuando em um corpo rígido imerso em fluido
Fonte: os autores
95
Agora, é importante ter como objetivo o fato de que desejamos verificar se
a massa específica do bloco está na faixa de 2.100 a 2.300 kg/m³. Se conhecemos o
volume do corpo, esse parâmetro pode ser utilizado para calcular a força peso P:
Assim, se conseguirmos calcular a força peso, será possível resolver o proble-
ma. Como conhecemos a massa específica da água do mar e a tensão da corda quando
o bloco está submerso, temos informações suficientes para chegar até a força peso.
Fazendo o balanço de forças na direção vertical:
{Força resultante na direção vertical} = {Forças para cima} – {Forças para baixo}
Para o sistema em equilíbrio:
{Força resultante na direção vertical} = 0
{Forças para baixo} = {Forças para cima}
Então:
P = E + FT,água
Além disso, pelo princípio de Arquimedes:
P = ρf . g . Vdeslocado + FT,água
Como o bloco está completamente submerso Vdeslocado = Vbloco. Podemos, então,
substituir todos os parâmetros:
96
Agora, retornando à definição da força peso:
Dessa forma, podemos concluir que o bloco está, de fato, fora das especifica-
ções exigidas. Outro detalhe importante observado, nesse exemplo, é o aparente efeito
“redutor de peso” do empuxo: no ar, todo o peso do bloco estaria na forma de tração na
corda, enquanto, na água, a tração caiu para menos da metade.
97
Neste tópico, você aprendeu:
• O conceito de pressão, a qual é definida como a força normal exercida por um fluido
por unidade de área. No SI, a unidade de medida adotada é o Pascal (Pa), equivalente
a N/m2. Ainda, a pressão em um fluido em repouso é independente da forma ou da
seção transversal do recipiente.
• A Lei de Pascal: a pressão aplicada em um ponto de um fluido confinado em repouso
transmite-se integralmente a todos os pontos do fluido, consequência do fato de que
a pressão em um fluido permanece constante na direção horizontal. Além disso, uma
vez que a pressão aplicada a um fluido é proporcional à área, é possível conectar ci-
lindros de áreas distintas, de modo que o menor pode ser utilizado para exercer uma
força superior no maior. Assim, um objeto pesado pode ser levantado empregando-
-se uma força inferior.
• O Teorema de Stevin: a diferença de pressão entre dois pontos distantes vertical-
mente em um fluido em repouso é igual ao produto do peso específico do fluido pela
diferença de cotas dos dois pontos (Δp = ρgΔz = γΔz). Por outro lado, a pressão é cons-
tante na direção horizontal.
• O conceito de carga de pressão (h), que tem unidade de comprimento e pode ser
entendida como a altura de um dado fluido que resulta no valor de p/γ.
• A diferença entre pressão absoluta e pressão manométrica (também chamada de
pressão efetiva). Se a pressão é medida em relação ao vácuo, é pressão absoluta; se
é medida em relação à pressão atmosférica, é pressão manométrica.
• Diversas unidades de pressão (como Pa, N/m2, mmHg, psi, atm, bar, kgf/m2) e seus
fatores de conversão.
• O princípio de funcionamento de alguns medidores de pressão (barômetro, manôme-
tro de Bourdon, piezômetro e manômetro de tubo em U).
• Como aplicar a equação manométrica, a fim de calcular informações de interesse em
sistemas que envolvam pressão.
• O princípio de Arquimedes: quando um corpo está total ou parcialmente imerso em
um fluido, uma força vertical (chamada de empuxo) age nele de baixo para cima,
equivalente ao peso do volume de fluido deslocado (volume submerso do corpo). Ma-
tematicamente, podemos expressar que E = γf . Vdeslocado. Para que um corpo flutue, o
empuxo sentido por ele deve ser maior ou igual ao seu peso (E ≥ P).
RESUMO DO TÓPICO 2
98
AUTOATIVIDADE
Fonte: os autores
1 Um pistão vertical cilíndrico opera acoplado a uma mola, a qual transmite 50 N de
força para o pistão. Um manômetro é utilizado para verificar a pressão no gás contido
nesse pistão. Considerando os parâmetros apresentados na figura a seguir, determi-
ne a pressão absoluta do gás e a massa do pistão. Adote a aceleração da gravidade
como 10 m/s².
Fonte: os autores
2 Um tubo em U é conectado a um tanque, que contém diferentes fluidos. Determine
a pressão manométrica no manômetro A, considerando os pesos específicos eas
alturas das colunas de cada um dos fluidos indicados na figura a seguir. Qual a altura
necessária de uma coluna de água para que ela cause uma pressão equivalente à
indicada no manômetro A?
99
Fonte: adaptada de https://bit.ly/3GxUjEB. Acesso em: 29 mar. 2023.
3 Considere o manômetro da figura a seguir, em que o fluido A é um óleo (contido em
uma tubulação com pressão p1) e o B, um fluido manométrico, com pesos específicos
γóleo = 8800 N/m³ e γfluido = 120000 N/m³. Sobre o valor da pressão p1 na escala
manométrica, assinale a alternativa CORRETA:
Fonte: os autores
a) ( ) 1,83 MPa.
b) ( ) 1,73 MPa.
c) ( ) 118,63 kPa.
d) ( ) 17,30 kPa.
4 À medida que um mergulhador nada para locais mais profundos do oceano, a pressão
aumenta, devido ao aumento da coluna d’água que está acima do ponto em que ele
se encontra. Sabendo que a pressão atmosférica é em torno de 1,013 . 105 Pa, com
base nos gráficos apresentados na figura, a seguir, e no que melhor representa o
comportamento da pressão com a profundidade, assinale a alternativa CORRETA:
100
a) ( ) Gráfico I.
b) ( ) Gráfico II.
c) ( ) Gráfico III.
d) ( ) Gráfico IV.
5 No sistema representado na figura a seguir, duas câmaras de ar estão separadas por
uma seção de fluido e pelas próprias barreiras físicas. Uma dessas câmaras, ainda,
está separada da atmosfera por mais uma seção de fluido. A pressão atmosférica
local é desconhecida. Visando a calculá-la, um cientista estrutura um barômetro.
Sabendo que o fluido utilizado é o mercúrio em todos os casos (γHg = 133280 N/
m3), conhecendo as informações do sistema ar/mercúrio, apresentadas na figura, e
considerando desprezível a pressão de vapor do mercúrio, sobre o valor da altura (h)
que o cientista irá medir no barômetro, assinale a alternativa CORRETA:
Fonte: os autores
a) ( ) 70 cm.
b) ( ) 76 cm.
c) ( ) 82 cm.
d) ( ) 88 cm.
101
TÓPICO 3 —
CINEMÁTICA DE FLUIDOS
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, você já se perguntou quanto tempo é necessário para encher uma
caixa d’água? Ou por que a velocidade de um jato de mangueira aumenta quando se
restringe a saída com um dedo? Anteriormente, trabalhamos assuntos referentes à es-
tática dos fluidos, ou seja, aspectos importantes de serem analisados nos fluidos quan-
do em repouso. Contudo, para responder às perguntas anteriores e outras, precisamos
estudar como ocorre o movimento dos fluidos, também chamado de escoamento, tema
que abordaremos neste tema de aprendizagem.
Assim, reconheceremos diferentes características de um escoamento, que ser-
virão de critério para sua classificação e que darão base para verificarmos se algumas
hipóteses simplificadoras podem ser adotadas ou não. Também definiremos dois impor-
tantes conceitos da dinâmica dos fluidos: o de trajetória e o de linha de corrente. Em
seguida, aprofundaremos o conceito de vazão e resolveremos alguns exemplos que
facilitarão a compreensão do seu significado físico, algo que irá ajudar a trilhar o nosso
caminho até abordarmos, por fim, a equação da continuidade (conservação da massa)
para o regime permanente.
2 CARACTERIZAÇÃO DO ESCOAMENTO
Os problemas de mecânica dos fluidos podem ser muito diversos e, por isso, é
conveniente classificá-los conforme as suas caraterísticas, para que possam ser es-
tudados com base em sua semelhança. A seguir, estudaremos algumas das principais
classificações de problemas envolvendo escoamento.
2.1 VISCOSO OU NÃO VISCOSO
Anteriormente, vimos que a viscosidade é a propriedade que representa a resis-
tência do fluido ao movimento. Em líquidos, a viscosidade é resultado das forças coe-
sivas entre as moléculas, enquanto, em gases, ela é causada pelas colisões entre as
moléculas. Ademais, vimos que a viscosidade nula é uma das condições necessárias
para um fluido ser considerado ideal. Essa é uma aproximação útil, pois, em diversos es-
coamentos, existem regiões em que as forças viscosas são pequenas quando compa-
radas às forças inerciais e de pressão, podendo ser consideradas desprezíveis. Nessas
situações, pode-se ignorar os efeitos viscosos para simplificar a análise do escoamento
sem perda considerável de precisão. É válido lembrarmos que, na prática, não existe
fluido com viscosidade nula.
102
Dessa forma, o escoamento pode ser dito:
• Viscoso: se os efeitos viscosos são significantes.
• Não viscoso (invíscido): se os efeitos viscosos
podem ser desprezados.
NOTA
Por exemplo, no princípio da aderência: quando em contato com uma superfície
sólida, os pontos de um fluido aderem-se aos pontos desta superfície, o que significa
que a região do escoamento, próxima a uma superfície sólida (por exemplo, como a pa-
rede de um tubo), é onde os efeitos viscosos estão mais acentuados (Figura 52).
Essa ideia será aprofundada na Unidade 2, quando trataremos da
chamada camada limite.
ESTUDOS FUTUROS
Figura 52 – Perfil de velocidade vy de um escoamento uniforme sobre uma superfície sólida
Fonte: os autores
2.2 INTERNO OU EXTERNO
Um escoamento pode ser dito interno ou externo, de acordo com o local onde
ele acontece: dentro de um conduto ou sobre uma superfície – nesse caso, a pala-
vra “conduto” se refere a qualquer estrutura sólida destinada ao transporte de fluidos,
como tubulações.
103
Dessa forma, as definições são bastante simples – o escoamento
pode ser dito:
• Interno: se o fluido escoa cercado por superfícies sólidas
(como dentro de tubos).
• Externo: se o fluido escoa sobre superfícies, como placas, esfe-
ras ou, até mesmo, por fora de tubos.
NOTA
Além disso, pode-se, ainda, dizer que os condutos são forçados, quando o fluido
preenche o conduto completamente sem apresentar superfície livre (Figura 53A), ou li-
vres (ou abertos), se o fluido em movimento apresenta uma superfície livre (Figura 53B).
Figura 53 – Comparação entre condutos forçados (A) e condutos livres (B)
Fonte: Brunetti (2008, p. 164)
2.3 COMPRESSÍVEL OU INCOMPRESSÍVEL
O conceito de escoamento incompressível foi estabelecido no Tópico 1.
Um escoamento é dito incompressível quando seu volume
(ou densidade) não varia com a pressão.
NOTA
Assim como no caso dos escoamentos não viscosos, essa é uma aproximação:
na prática, todo fluido apresenta alguma compressibilidade, mas, nos casos em que ela
é pequena o suficiente para ser desprezada, podemos considerar que a densidade do
fluido é constante – em geral, isso é verdade para os líquidos. A incompressibilidade é o
segundo critério necessário para a condição de fluido ideal.
104
Por outro lado, gases são altamente compressíveis, sendo importante consi-
derar as variações de densidade observadas em escoamentos gasosos com altas ve-
locidades, como na análise de espaçonaves e foguetes, por exemplo. Nesses casos, a
velocidade do escoamento é frequentemente descrita por meio do número de Mach
(Ma), um número adimensional, definido pela expressão:
O número de Mach é uma medida adimensional da velocidade, definida como
a razão entre a velocidade do escoamento e a velocidade do som (346 m/s em ar nas
condições ambiente de temperatura e pressão). O escoamento é dito: sônico, quando
Ma = 1; subsônico, quando Ma < 1; supersônico, quando Ma > 1; e hipersônico, quando
Ma >> 1.
O número de Mach pode ser utilizado como parâmetro para avaliar se é razoável
aproximar um escoamento gasoso como incompressível. Geralmente, para Ma < 0,3, as
variações de densidade observadas são inferiores a 5%, podendo ser aproximado como
incompressível. Assim, em condições ambientes, a compressibilidade pode ser despre-
zada em velocidades inferiores a cerca de 100 m/s.
Acadêmico, assista a uma animação, desenvolvida pelo TED-Ed,
sobre o número de Mach, os estrondos sônicos e os efeitos
físicos por trás desses fenômenos: https://ed.ted.com/lessons/
what-causes-sonic-booms-katerina-kaouri.
Embora o conteúdo esteja em inglês, o vídeo contém legendas
em português.
DICA
Acadêmico,assista a um vídeo, do canal SciShow, que trata
dos desafios da aviação com relação aos voos supersônicos
e hipersônicos (disponível apenas em inglês): https://www.
youtube.com/watch?v=OoetqEJafy0.
DICA
105
2.4 NATURAL OU FORÇADO
Outra classificação importante diz respeito à origem do escoamento. Se o flui-
do começa a escoar, devido à ação externa, como uma bomba ou um ventilador, ele é
dito forçado. Em contrapartida, se o movimento do fluido acontece por causas natu-
rais, como a convecção (movimento ascendente ou descendente, devido à diferença
de densidade dentro do próprio fluido, especialmente por diferenças de temperatura), é
dito natural.
2.5 PERMANENTE OU TRANSIENTE
Anteriormente, conceituamos o estado estacionário (regime permanente) e o
estado não estacionário (regime transiente) para os sistemas. Para os escoamentos,
estas classificações terão significados análogos.
Dessa forma, o escoamento pode ser dito:
• Permanente: as condições em todos os pontos do esco-
amento permanecem constantes ao longo do tempo (mas
podem variar entre os pontos).
• Não permanente (ou transiente): as condições em um
ou mais pontos do escoamento variam ao longo do tempo.
NOTA
A Figura 54A apresenta um reservatório de grandes dimensões. Isso significa
que, apesar de haver uma descarga do fluido, o nível do reservatório não varia de ma-
neira significativa com o tempo, podendo ser considerado regime permanente. A Figura
54B mostra um reservatório cujo nível varia sensivelmente com o tempo, pois a seção
transversal é relativamente pequena se comparada à descarga do fluido, caracterizando
um regime transiente.
Figura 54 – Comparação entre regime permanente (A) e regime transiente (B)
Fonte: Brunetti (2008, p. 68)
106
Na prática, os processos e escoamentos sempre terão alguma variação ao longo
do tempo, por menor que seja. Com isso, pode-se entender, como condições de regime
permanente, aquelas observadas em média ao longo do tempo (que se espera serem
próximas das condições de operação planejadas). Uma das tarefas fundamentais de um
engenheiro é determinar se um problema pode ser analisado aproximando-o para regi-
me permanente ou se é necessário avaliar as variações observadas ao longo do tempo.
É importante observar que, apesar de o termo “transiente” ser frequentemente
utilizado no lugar de “não permanente”, o mais apropriado é utilizar “transiente” para
escoamentos que ainda estão em desenvolvimento. Por exemplo, ao dar partida em um
carro, leva-se algum tempo para que o motor aqueça até suas condições de operação –
esse intervalo de transição é, como o nome sugere, transiente –, e, quando devidamen-
te preparado, o motor já pode operar em condições constantes – regime permanente.
2.6 LAMINAR OU TURBULENTO
Certamente, é possível notar que, ao abrir ligeiramente uma torneira, o fluxo
de água é bastante suave e ordenado, como na Figura 55. Esse tipo de escoamento é
chamado de laminar, caracterizado pelo movimento suave entre as partículas de fluido
em camadas (“lâminas”). Fluidos de viscosidade alta em baixas velocidades costumam
escoar dessa forma.
Figura 55 – Escoamento laminar
Fonte: https://elements.envato.com/pt-br/water-runs-from-a-tap-into-a-kitchen-sink-close-up-5UNSXKM.
Acesso em: 8 fev. 2023
Por outro lado, se abrirmos ainda mais a torneira, como na Figura 56, a veloci-
dade e a vazão de água aumentam e o escoamento passa a ser mais desordenado. De
fato, ao coletar essa água em um copo, veremos que a formação de bolhas é muito mais
intensa. Esse tipo de escoamento é chamado de turbulento, sendo comum em fluidos
de baixa viscosidade em altas velocidades.
107
Figura 56 – Escoamento turbulento
Fonte: https://elements.envato.com/pt-br/thirsty-man-filling-a-big-glass-of-water-PDPG4MP.
Acesso em: 8 fev. 2023
Quando as condições de escoamento estão entre
o laminar e o turbulento, diz-se que o escoamento
está em regime de transição.
NOTA
Os regimes laminar ou turbulento afetam, consideravelmente, diversos proces-
sos envolvendo fluidos, como a potência necessária para bombeamento ou a transfe-
rência de calor. Dessa forma, surge a necessidade de um parâmetro capaz de deter-
minar se um escoamento será laminar ou turbulento. Esse parâmetro é o número de
Reynolds, que conhecemos no Tema de Aprendizagem 1, definido pela seguinte relação:
Em que ρ é a massa específica do fluido, v é a velocidade do escoamento, D é o
diâmetro da tubulação, μ é a viscosidade absoluta do fluido e v é a viscosidade cinemática.
Osborne Reynolds (1842-1912) foi o engenheiro britânico que observou a exis-
tência desses regimes de escoamento, por meio do seguinte experimento: injetou co-
rante em um tubo de vidro onde escoava um fluido, em diferentes velocidades. Para pe-
quenas velocidades, o corante seguia o escoamento de forma ordenada, laminar (Figura
57A). Após passar um valor crítico de velocidade, o movimento do corante passava a ser
bastante desordenado, turbulento (Figura 57B).
108
Figura 57 – Experimento de Reynolds
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 279)
Podemos observar que a turbulência promove uma mistura intensa no fluido,
aumentando a transferência de momento entre as partículas e resultando no aumento
do atrito com as superfícies, o que demanda maior potência de bombeamento para
deslocar o fluido. Reynolds constatou que o regime do escoamento dependia principal-
mente da razão entre as forças inerciais e as forças viscosas do fluido – o número de
Reynolds.
Para água em tubos cilíndricos, os seguintes limites são, geralmente, admitidos:
• Re < 2.000: escoamento laminar.
• 2000 < Re < 2.400: escoamento de transição.
• Re > 2.400: escoamento turbulento.
Por fim, é importante apontarmos que, em geral, o regime turbulento pode ser
admitido como permanente, mesmo sendo caracterizado por flutuações na velocidade,
o que é razoável porque as velocidades ficarão sempre em torno de um valor médio
(Figura 58). De fato, alguns aparelhos sequer são capazes de indicar as flutuações com
elevada precisão.
Figura 58 – Flutuações na velocidade de um escoamento turbulento ao longo do tempo
Fonte: Brunetti (2008, p. 69)
109
2.7 UNIDIMENSIONAL, BIDIMENSIONAL OU
TRIDIMENSIONAL
Fonte: Brunetti (2008, p. 71)
Uma das principais formas de descrever um escoamento é por meio de seu gra-
diente de velocidade. Podemos dizer que ele é uni, bi ou tridimensional se a velocidade
varia com uma, duas ou três dimensões, respectivamente. Por exemplo: o escoamento
é unidimensional quando precisamos de apenas uma coordenada para descrever sua
velocidade, como na Figura 59, em que a velocidade depende apenas da posição x, ou
seja, v = f(x).
Figura 59 – Escoamento unidimensional
Fonte: Brunetti (2008, p. 71)
Se a velocidade também varia de acordo com a posição y, ela é dita bidimen-
sional (v = f(x,y)), como na Figura 60. Ainda, pode variar nas três dimensões (v = f(x,y,z)),
como na Figura 61.
Figura 61 – Escoamento tridimensional
110
Naturalmente, quanto mais dimensões forem consideradas, maior será a com-
plexidade da análise. Em geral, sempre que possível, devemos descrever o escoamento
de forma unidimensional, por conveniência, adotando uma velocidade média na seção
(trataremos dessa aproximação a seguir).
É comum encontrar o escoamento sendo descrito como
“uniforme”, o que pode causar certa confusão ao comparar
bibliografias e traduções diferentes. Por “uniforme”, enten-
demos: sem variação com a posição em uma determinada
região. O escoamento visto na Figura 59, por exemplo, pode
ser dito: “uniforme na seção”, pois não varia com as posições
y ou z para cada seção na posição x.
ATENÇÃO
3 TRAJETÓRIA E LINHA DE CORRENTE
Como nosso interesse está em caracterizar o movimento do fluido (escoamen-
to), é fundamental sabermos descrever a direção deste. Assim, surgem os conceitos de
trajetória e linha de corrente.
A trajetória é simplesmente o conjunto dos pontos ocupados por uma partí-
cula em instantes sucessivos. Porexemplo, se registrássemos a posição de um corpo
flutuando ao longo do escoamento, poderíamos ter uma trajetória correspondente à
linha pontilhada da Figura 62.
Figura 62 – Trajetória de um corpo flutuante ao longo de um escoamento
Fonte: Brunetti (2008, p. 70)
A linha de corrente, por sua vez, é a curva tangente aos vetores da velocidade
em diferentes pontos no mesmo instante, servindo como indicador da direção do es-
coamento naquele instante. Por exemplo, na Figura 63, as linhas em cinza são as linhas
de corrente para um escoamento bidimensional.
111
Figura 63 – Linhas de corrente para um escoamento bidimensional
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 111)
É possível desenvolver expressões algébricas para descrevermos as linhas de
corrente a partir da sua definição, mas isso está fora do escopo deste livro didático.
Nosso interesse é compreender como visualizar o movimento do fluido: se medirmos
a velocidade em diferentes pontos do escoamento, podemos determinar as linhas de
corrente, que coincidem, geometricamente, com as trajetórias no regime permanente.
Existem diversas formas e técnicas para visualizar o escoa-
mento, muitas das quais são particularmente importantes
para o desenvolvimento de soluções numéricas para proble-
mas de escoamento. A simulação numérica dessas soluções
é chamada de fluidodinâmica computacional (CFD) e trans-
forma números em imagens, providenciando, ao engenheiro,
uma perspectiva privilegiada do escoamento.
Algumas técnicas modernas de análise do movimento de par-
tículas em fluidos envolvem, também, métodos ópticos, como
velocimetria por imagem de partículas (PIV), gráficos de som-
bras, fotografia schlieren e interferometria. Isso é importante
porque a mente humana é capaz de processar rapidamente
uma quantidade enorme de informações visuais, em vez de
apenas listar dados quantitativos (ÇENGEL; CIMBALA, 2015).
INTERESSANTE
112
4 VAZÃO E VELOCIDADE MÉDIA
Sabendo identificar as principais características de um escoamento, o passo
seguinte é quantificá-lo quanto à vazão de fluido. De forma análoga ao desenvolvido
no Tema de Aprendizagem 1, utilizaremos o conceito de vazão para, então, aplicarmos
o princípio de conservação da massa aos escoamentos. O resultado será a chamada
equação da continuidade.
Utilizamos a ideia de “vazão” no Tema de Aprendizagem 1, mas sem dar atenção parti-
cular a ela. No contexto da mecânica dos fluidos, podemos entender essa expressão da
seguinte forma: a quantidade de massa de fluido que atravessa uma determinada
seção do escoamento por unidade de tempo. Assim, sendo Qm o símbolo utilizado
para representar a vazão mássica, m para massa e t para tempo, pode-se escrever:
Como [Qm] = MT
-1, unidades típicas para a vazão mássica são
kg/h e lb/h, por exemplo. Também é bastante comum pen-
sarmos na vazão em termos do volume de fluido:
Nesse caso, [Q] = L³T-1, de modo que várias unidades são co-
muns: m³/s, m³/h, L/s, L/h, ft³/s. É importante observarmos
que ambas as vazões se relacionam da seguinte maneira:
Qm = ρ . Q
NOTA
Então, se, por exemplo, um chuveiro aberto gasta 150 litros de água durante
um banho de 15 minutos, podemos dizer que a vazão é de 10 litros de água por minuto.
Adotando a massa específica da água como 1.000 kg/m³, isso corresponde à vazão
mássica de 10 kg/min:
113
Por exemplo: se uma mangueira é utilizada para encher uma piscina com ca-
pacidade de 12.000 litros de água, sabendo que o tempo necessário, para preenchê-la
completamente, foi de 40 minutos, qual foi a vazão da mangueira em volume e em mas-
sa? A resposta deve considerar unidades do SI e ρH2O = 1.000 kg/m³.
Solução: se a mangueira é a única fonte de água enchendo a piscina, podemos
determinar a vazão de água com base na definição:
Agora, para atender à solicitação do enunciado, é necessário converter as uni-
dades para o SI:
Conhecida a vazão volumétrica, pode-se calcular a vazão mássica:
Devemos observar que, na definição dada para a vazão, é mencionada uma de-
terminada seção do escoamento. Essa ideia é importante, pois possibilita relacionar
a vazão em volume com a velocidade do fluido.
Em outro exemplo, um fluido em movimento dentro de uma tubulação, que
atravessa a seção de área A no tempo t = 0, deslocando-se a uma distância s em um
intervalo de tempo t, como na Figura 64.
114
Figura 64 – Vazão volumétrica de fluido em escoamento uniforme
Fonte: Brunetti (2008, p. 72)
Agora, o volume (V) de fluido que atravessou a seção de área A no intervalo de
tempo t é equivalente ao volume do cilindro de altura s e à área da base A. Assim, temos
matematicamente que:
V = s . A
Pela definição de vazão volumétrica:
Utilizando a definição de velocidade (v = s/t), podemos escrever, ainda, que:
Q = v . A
Em que v é a velocidade do escoamento.
Contudo, é fundamental observarmos que esse raciocínio só faz sentido se for
considerando um perfil de velocidade uniforme na seção. Como já foi mencionado an-
teriormente, em situações práticas, o escoamento dificilmente será uniforme, mas é
possível adotarmos uma velocidade média na seção para abordar o problema como se
ele fosse, de fato, uniforme.
Nesse sentido, temos o exemplo da Figura 65.
115
Figura 65 – Vazão volumétrica de fluido em escoamento tridimensional
Fonte: Brunetti (2008, p. 73)
A velocidade (v) é diferente em cada ponto da seção (dQ). A vazão (dQ) em cada
um desses pontos pode ser escrita como:
dQ = v . dA
Então, a vazão na seção de área A pode ser avaliada por meio da integral:
Agora, considerando a seguinte definição para a velocidade média (vm): uma
velocidade uniforme que, substituindo a velocidade real, resulta na mesma vazão por
meio da seção:
Esta expressão pode ser arranjada conforme a devida definição de velocidade
média na seção:
Portanto, em problemas em que o perfil de velocidades real (vreal) é variado,
podemos adotar uma velocidade média (vm) uniforme na seção, que resulta na mesma
vazão volumétrica (Q), por meio da seção (Figura 66).
116
Figura 66 – Perfil de velocidades (vreal ) e velocidade uniforme média na seção (vm) que resultam em vazões
volumétricas equivalentes por meio da seção
Fonte: Brunetti (2008, p. 73)
Como exemplo, para fixar os conceitos abordados, temos um óleo (ρ = 850
kg/m³) que escoa em uma tubulação (Figura 67) que apresenta seções de tamanhos
diferentes: A1 = 30 cm² e A2 = 18 cm². Se a velocidade média na seção 1 é de v1 = 6 m/s,
como podemos determinar as vazões em volume e em massa e a velocidade média na
seção 2 em unidades do SI?
Figura 67 – Esquema representativo do exemplo abordado sobre vazão
Fonte: os autores
Solução: inicialmente, é conveniente convertermos as áreas conhecidas para
o SI:
Como a velocidade média na seção 1 é fornecida, é possível calcularmos a vazão
volumétrica:
117
Agora, como conhecemos a massa específica do óleo, podemos utilizá-la para
calcular a vazão em massa:
Para calcular a velocidade média na seção 2, é necessário recorrermos a um
conceito que estudamos no Tema de Aprendizagem 1: no regime permanente, tudo que
entra no sistema tem de sair. Aqui, podemos entender a seção 1 como a entrada e a
seção 2 como a saída do sistema, isto é, a vazão de óleo que entra na seção 1 sai pela
seção 2. Se a massa específica do óleo, uma substância líquida, não varia consideravel-
mente com a diminuição da área da seção, podemos afirmar que é um fluido incompres-
sível. Assim, temos que:
Com isso, a velocidade média na seção 2 pode ser avaliada:
Caso esta última etapa não tenha ficado tão clara, não se preocu-
pe: na verdade, essa ideia será mais bem desenvolvida a seguir,
quando conhecermos a famosa equação da continuidade.
NOTA
5 EQUAÇÃO DA CONTINUIDADE EM REGIME
PERMANENTE
Ao considerarmos o escoamento de um fluido por um tubo, com formato e di-
mensões genéricas, cujo sistema analisaremos a seguir (Figura 68).
ErickAle
Destacar
ErickAle
Destacar
ErickAle
DestacarErickAle
Destacar
118
Figura 68 – Representação esquemática de um tubo de corrente genérico
Fonte: Brunetti (2008, p. 75)
Na seção 1, de área A1, há uma vazão mássica de entrada Qm1. Na seção 2, de
área A2, há uma vazão mássica de saída Qm2. Em regime permanente, as propriedades
em cada ponto do fluido são constantes ao longo do tempo. Além disso, pelo princípio
de conservação da massa, sabemos que Qm1 = Qm2 (do contrário, em algum ponto no
interior do tubo haveria redução ou acúmulo de massa).
A chamada equação da continuidade para um fluido qualquer
em regime permanente pode ser escrita das seguintes formas:
Qm1 = Qm2 ou ρ1 . Q1 = ρ2 . Q2 ou ρ1 . v1 . A1= ρ2 . v2 . A2
Ainda, se o fluido for incompressível (ρ1 = ρ2):
Qm1 = Qm2 ou Q1 = Q2 ou v1 . A1= v2 . A2
NOTA
Por mais que esse conceito, talvez, pareça simples demais para tanta ênfase,
não devemos subestimá-lo: ele é fundamentalmente necessário para solução de diver-
sos problemas de mecânica dos fluidos.
Por exemplo: os tubos de Venturi são aparatos utilizados para medir a velocida-
de do escoamento, por meio da variação de pressão. Para tanto, eles apresentam uma
seção larga e depois outra mais estreita, como na Figura 69. Um gás escoa em regime
permanente por esse trecho de tubulação e, devido a sua compressibilidade, apresenta
diferentes massas específicas na entrada (ρe = 5 kg/m³) e na garganta (ρG = 10 kg/m³).
Sendo Ae = 30 cm², AG = 10 cm² e ve = 40 m/s, qual a velocidade média do escoamento
na garganta do tubo de Venturi?
119
Figura 69 – Representação esquemática de um tubo de Venturi
Fonte: os autores
Solução: em regime permanente, pelo princípio de conservação da massa, te-
mos a equação da continuidade:
Qm1 = Qm2 ou ρ1 . Q1 = ρ2 . Q2 ou ρ1 . v1 . A1= ρ2 . v2 . A2
Como o fluido, em questão, é compressível, não podemos fazer as simplifica-
ções com as massas específicas. Então, temos:
ρe . ve . Ae = ρG . vG . AG
Isolando o termo que desejamos avaliar, basta substituirmos os valores conhe-
cidos para chegar à resposta:
Parece intuitivo concluir que, ao comparar duas seções diferentes
da tubulação de um mesmo escoamento, as velocidades médias
e as áreas são inversamente proporcionais, isto é, na garganta do
tubo de Venturi, a velocidade é maior, pois a área é menor. Possi-
velmente, acadêmico, você já observou isso em seus experimentos
de infância, ao apertar uma mangueira ou obstruir uma torneira
para que o jato de água saísse mais “forte” (rápido).
ATENÇÃO
120
Além disso, precisamos ressaltar que estamos no regime permanente: as con-
dições em todos os pontos do escoamento permanecem constantes ao longo do tem-
po, mas podem variar entre os pontos. Aqui, temos um bom exemplo disso: a massa
específica na entrada era de 5 kg/m³, constante ao longo do tempo, enquanto a massa
específica na garganta era de 10 kg/m³, também constante ao longo do tempo.
Por fim, é importantíssimo mencionarmos que nem sempre haverá apenas uma
entrada e uma saída de fluido. Podemos generalizar a equação da continuidade como a
soma das vazões de entrada (“e”) e a soma das vazões de saída (“s”):
De forma análoga, se o fluido for incompressível e homogêneo (ou seja, se não
forem misturadas substâncias diferentes que sejam compressíveis ou que alterem as
massas específicas presentes):
Com isso, podemos concluir mais uma etapa do estudo dos fenômenos de trans-
porte. Neste tema de aprendizagem, estudamos os escoamentos (fluidos em movimen-
to), como caracterizá-los e como é possível aplicarmos o princípio de conservação da
massa a eles. O próximo passo será aplicarmos o princípio de conservação da energia,
que nos levará a mais uma das equações fundamentais da mecânica dos fluidos.
Para aprender mais sobre mecânica dos fluidos, não deixe de conferir o livro Mecânica
dos Fluidos, um de Franco Brunetti, que se destaca por tratar o tema de maneira bastante
didática e prática, por vezes evitando explorar as raízes matemáticas dos conceitos em
prol de desenvolver, no leitor, a habilidade de usá-los. O conteúdo é organizado de
maneira que o leitor se acostume mais facilmente com a disciplina, em grau crescente de
dificuldade e realismo.
Essa bibliografia é uma das principais referências que utilizamos
ao longo deste livro didático, uma vez que apresentamos, de forma
compacta e introdutória, os conteúdos dos capítulos 1, 2, 6 e 7. Re-
comenda-se, ainda, a leitura do capítulo 8, que trata de instrumen-
tação para medidas das propriedades dos fluidos e escoamentos,
mas que, para uma boa compreensão, exige alguns conceitos que
ainda serão estudados em breve.
DICA
121
LEITURA
COMPLEMENTAR
O QUE É FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL?
Felipe Francisco de Melo
Existem muitos fenômenos que escapam do controle do ser humano, como a
propagação de um incêndio, a trajetória que a água faz em uma inundação, a turbulên-
cia aérea, entre outros. Se surgir o questionamento do que todos esses fenômenos têm
em comum, chega-se a uma resposta: escoamentos.
Os fluidos, do ponto de vista físico-químico, são conjuntos de partículas unidas
por forças fracas que promovem uma força externa e a variação das posições de suas
moléculas. Este é o caso de líquidos e gases.
Em 1822, o engenheiro e físico francês Claude-Louis Navier (1785-1836) de-
duziu um sistema de equações que descrevia aproximadamente o comportamento de
alguns fluidos. Vinte anos mais tarde, o matemático e físico irlandês Sir George Gabriel
Stokes (1819-1903), partindo de um modelo diferente, completou a descrição dessas
equações, que então passou a receber o nome de Equações de Navier-Stokes em ho-
menagem a ambos.
As equações de Navier-Stokes descrevem escoamentos de fluidos newtonia-
nos, através da formulação matemática do princípio de balanço da quantidade de movi-
mento linear aplicado a um meio contínuo e em uma descrição euleriana. Fluidos new-
tonianos são amplamente encontrados em problemas de engenharia.
Em conjunto com a equação da continuidade, que traduz o balanço de massa, a
solução das equações de Navier-Stokes permite prever ou recriar os campos de veloci-
dades e pressões característicos de um escoamento. Para tal, formula-se o problema de
valor de contorno, em que devem ser conhecidas as características do escoamento nas
fronteiras do domínio modelado, bem como sua definição em um instante de referência.
A maioria dos campos de Engenharia tem problemas difíceis que podem ser
modelados com essas complexas equações diferenciais. Essas equações nem sempre
podem ser resolvidas analiticamente e, por isso, é necessário implementar métodos nu-
méricos para encontrar soluções aproximadas. O cálculo numérico aparece como uma
ferramenta útil para entender e simular casos reais que antes eram impossíveis de exe-
122
cutar. Assim, o número de técnicas utilizadas nos métodos numéricos aumentou nos
últimos anos junto com o poder dos computadores, possibilitando o desenvolvimento
contínuo dos códigos e possibilidade de aumentar sua precisão.
Procedimentos numéricos possibilitam reproduzir os experimentos em ambien-
te virtual, e assumem cada vez maior participação em procedimentos de Engenharia,
à medida que os recursos computacionais se tornam mais poderosos. Entretanto, o
estado da arte na modelagem computacional de fluidos não dispensa a realização de
experimentos. Na verdade, o estudo da mecânica dos fluidos é, hoje, pautado na inter-
dependência de procedimentos experimentais e numéricos, embasados pela funda-
mentação teórica de procedimentos analíticos.
Ao usar modelagem computacional durante o projeto, um engenheiro pode es-
tabelecer desde o início se seu produto estará em conformidade com os requisitos do
cliente. Aplicar esses métodos, geralmente, significa que menos protótipos físicos terão
que ser construídos durante o desenvolvimento do produto, e isso significa que menos
testes de protótipo terão que ser realizados. O tempo de comercializaçãoe o custo de
comercialização são subsequentemente reduzidos. O risco técnico e a possível perda
de investimento também são bastante reduzidos ao desenvolver produtos com CFD
(Fluidodinâmica Computacional, do inglês Computational Fluid Dynamic).
Entre os métodos mais empregados para solucionar numericamente as equa-
ções de Navier-Stokes, estão os métodos de Diferenças Finitas (MDF), Volumes Finitos
(MVF) e Elementos Finitos (MEF). Embora seu emprego na mecânica dos sólidos tenha
consagrado o MEF como o método mais adequado para problemas elípticos em domí-
nios de complexidade arbitrária, historicamente, o MEF tem sido menos empregado na
simulação de escoamentos, quando comparado ao MDF e MVF.
O método dos Volumes Finitos consiste em dividir o domínio em volumes de
controle e as equações de balanço são aplicadas a cada um deles, sendo as integrais
de volume e superfície aproximadas por fórmulas de quadratura. Outro método comum
e bastante utilizado é o método dos Elementos Finitos. A ideia central do MEF é discre-
tizar o domínio, representando-o, ainda que de forma aproximada, por uma reunião de
um número finito de elementos. A partir desse processo, é possível obter uma solução
aproximada através de uma função definida no subdomínio, que resulta pela ação de
discretizar o domínio.
Fonte: adaptada de MELO, F. F. Introdução à Dinâmica dos Fluidos Computacional. Trabalho
de Conclusão de Curso (Bacharelado em Engenharia Mecânica) – Faculdade de Engenharia Mecânica,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2020. p. 40.
123
Neste tópico, você aprendeu:
• Algumas classificações para escoamento: viscoso ou não viscoso (se os efeitos vis-
cosos são relevantes ou não); interno ou externo (se o fluido escoa cercado por su-
perfícies sólidas ou não); compressível ou incompressível (se a densidade do fluido
que escoa varia ou não com a pressão); forçado ou natural (se o escoamento ocorre
devido à imposição de alguma força externa ou não); permanente ou transiente (se
as condições em todos os pontos do escoamento permanecem constantes ao longo
do tempo ou não); laminar, de transição ou turbulento (se for ordenado ou não); uni,
bi ou tridimensional (dependendo da quantidade de coordenadas espaciais com que
a velocidade varia).
• A importância do número de Reynolds (razão entre forças inerciais e forças viscosas).
Dependendo do seu valor, podemos classificar o escoamento em tubos cilíndricos da
seguinte forma: escoamento laminar (Re < 2.000), escoamento de transição (2.000 <
Re < 2.400) e escoamento turbulento (Re > 2.400).
• O conceito de conduto: qualquer estrutura sólida destinada ao transporte de fluidos,
como tubulações. Os condutos podem ser forçados, quando o fluido preenche o con-
duto completamente sem apresentar superfície livre; ou livres (ou abertos), quando o
fluido em movimento apresenta uma superfície livre.
• A importância do número de Mach (razão entre a velocidade do escoamento e a ve-
locidade do som). Mach é um número adimensional, que pode ser utilizado como
parâmetro para avaliar se é razoável aproximar um escoamento como incompressível
(Ma < 0,3).
• As definições de trajetória e de linha de corrente: trajetória é simplesmente o conjun-
to dos pontos ocupados por uma partícula em instantes sucessivos; linha de corrente
é a curva tangente aos vetores da velocidade em diferentes pontos no mesmo ins-
tante, servindo como indicador da direção do escoamento naquele instante.
• A definição de vazão, que é a quantidade de fluido que atravessa uma determinada
seção do escoamento por unidade de tempo. Podemos diferenciá-la em vazão más-
sica (massa/tempo, ou seja, Qm = m/t) e vazão volumétrica (volume/tempo, ou seja,
Q = V/t). É possível converter uma grandeza na outra utilizando a seguinte relação
matemática: Qm = ρ . Q). Além disso, considerando um perfil de velocidades uniforme
em uma seção de escoamento de área A, ou, ainda, adotando uma velocidade média,
podemos escrever a vazão como função da velocidade característica do escoamento,
Q = v . A.
RESUMO DO TÓPICO 3
124
• A importância e o significado da equação da continuidade em regime permanente,
e como simplificá-la para casos específicos (por exemplo, para escoamento incom-
pressível).
125
AUTOATIVIDADE
Fonte: os autores
3 Uma tubulação direciona água para dois reservatórios, ambos cúbicos, como repre-
sentado na figura a seguir. O reservatório 1 leva 100 segundos para ser completa-
mente preenchido, enquanto o reservatório 2 leva 180 segundos. Sabendo que a
velocidade média do escoamento na seção A é de 1,25 m/s, determine o diâmetro da
tubulação e classifique o escoamento desta mesma seção, de acordo com o número
de Reynolds (considere ρH2O = 1.000 kg/m³ e μH2O = 1,00 × 10
-3 Pa . s). Em seguida, as-
sinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) 0,20 m; regime laminar.
b) ( ) 0,80 m; regime turbulento.
c) ( ) 1,20 m; regime de transição.
d) ( ) 1,60 m; regime turbulento.
1 Um tanque cilíndrico completamente cheio de água, com altura de 5 metros, leva
2.000 segundos para ser completamente esvaziado. Ele é descarregado por um tubo,
cuja vazão é de 50 litros/segundo, constante ao longo de todo o processo. Determine
a área ocupada por esse tanque. Esse processo opera em regime permanente ou
transiente?
2 Ar entra em um difusor à velocidade de 200 m/s, como na figura a seguir. A área da
seção de entrada é de 20 cm², enquanto a área da seção de saída é de 50 cm². Sa-
bendo que a massa específica do ar, na entrada e na saída, é de 1,2 kg/m³ e 1,5 kg/
m³, respectivamente, determine as vazões em volume e em massa e a velocidade
média na saída. Avalie, também, o escoamento em ambas as seções, de acordo com
o número de Mach. Considere a velocidade do som de 346 m/s.
126
Fonte: os autores
4 Uma tubulação, como representada a figura a seguir, recebe duas correntes de en-
trada: fluido A (ρA = 1.000 kg/m³) com vazão de 30 L/s e fluido B (ρB = 600 kg/m³) com
vazão de 50 L/s. Como resultado, a saída da tubulação é uma mistura homogênea.
Sobre a massa específica da mistura formada, assinale a alternativa CORRETA:
Fonte: os autores
a) ( ) 650 kg/m³.
b) ( ) 700 kg/m³
c) ( ) 750 kg/m³.
d) ( ) 800 kg/m³.
5 Água (v = 1,0 . 10–6 m²/s) escoa por uma tubulação cilíndrica, em que há, em uma de-
terminada região, uma diminuição do diâmetro da tubulação, como mostra a figura a
seguir. A seção A tem diâmetro DA = 4 in e velocidade média vA = 1,08 . 10–2 m/s. Além
disso, o diâmetro da seção B é conhecido: DB = 2 in. Dessa forma, são feitas as seguin-
tes afirmações sobre esse sistema:
127
Fonte: os autores
I- O Reynolds da seção A é, aproximadamente, ReA = 1.100, o que indica que o escoa-
mento nesta seção é laminar.
II- Como DB = DA /2, então ReB = ReA /2.
III- Mantendo inalterados a geometria e o fluido, a vazão máxima permitida na seção A,
para que o regime seja laminar, é de 0,16 L/s.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
128
BRUNETTI, F. Mecânica dos Fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.
ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3.
ed. São Paulo: AMGH Editora, 2015.
HAUKE, G. An introduction to fluid mechanics and transport phenomena.
Holanda: Springer Netherlands, 2008.
HIMMELBLAU, D. M.; RIGGS, J. B. Engenharia química – princípios e cálculos. 7. ed.
São Paulo: LTC, 2003.
WELTY, J. R.; RORRER, G. L.; FOSTER, D. G. Fundamentos de Transferência de
Momento, de Calor e de Massa. 6. ed. São Paulo: LTC, 2017.
REFERÊNCIAS
129
BALANÇO DE ENERGIA
MACROSCÓPICO E
TRANSFERÊNCIA DE CALOR
UNIDADE 2 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• compreender o conceito de balanço de energia, assim como definira terminologia
empregada, conceitos e unidades;
• definir a equação de Bernoulli, a partir da análise das energias mecânicas associadas
a um fluido em escoamento, e examinar a equação da energia sem a hipótese de
fluido ideal, desenvolvendo o conceito de perda de carga;
• compreender o princípio de funcionamento da instrumentação para a medição de
velocidade dos fluidos;
• reescrever a equação da energia na presença de máquinas que realizam trabalho e
aplicá-la a sistemas envolvendo reservatórios, tubos, singularidades e máquinas;
• determinar a perda de carga, tanto distribuída quanto localizada, e definir os termos:
condutos, raio/diâmetro hidráulico e rugosidade;
• definir o que é a transferência de calor e seus principais processos: condução, con-
vecção e radiação;
• compreender a transferência de calor por difusão, por meio da Lei de Fourier da Con-
dução, das definições de condutividade e difusividade térmicas, e dos conceitos de
resistência e circuitos térmicos;
• desenvolver tanto o conceito de camada limite hidrodinâmica (partindo da definição
do número de Reynolds) quanto o de camada limite térmica (estudo da convecção
por meio da definição da Lei de Newton do resfriamento);
• conhecer o mecanismo de radiação térmica, com base na Lei de Stefan-Boltzmann
da radiação térmica;
• reconhecer os diversos tipos de dispositivos e as configurações de equipamentos de
transferência de calor e abordar os principais aspectos na análise de um trocador de
calor;
• entender o conceito de média logarítmica das temperaturas, junto ao coeficiente glo-
bal de transferência de calor.
130
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – EQUAÇÃO DA ENERGIA E SUAS IMPLICAÇÕES
TÓPICO 2 – INTRODUÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE CALOR
TÓPICO 3 – TROCADORES DE CALOR
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132
133
TÓPICO 1 —
EQUAÇÃO DA ENERGIA E SUAS
IMPLICAÇÕES
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 1, vimos o conceito de balanço material e as leis de conservação,
tratando de propriedades como massa e energia de um sistema (isolado), que não va-
riam ao longo do tempo. Aplicamos, também, essa ideia de conservação de massa ao
escoamento e estudamos os principais conceitos que estruturam a mecânica de flui-
dos. Nesta unidade, é hora de conhecermos os balanços de energia.
Neste tema de aprendizagem, analisaremos o escoamento sob a perspectiva do
balanço de energia. Trabalharemos com duas equações principais: a equação da energia
propriamente dita (que representa o enunciado da conservação de energia) e a famosa
equação de Bernoulli (que analisa as energias associadas ao escoamento por meio de
hipóteses simplificadoras). No contexto da mecânica dos fluidos, a primeira observação
importante a ser feita é quanto à relação entre energia mecânica e energia térmica – a
conversão de energia mecânica em energia térmica se dá por meio de efeitos viscosos
(atrito), significando uma perda de energia mecânica.
Assim, relembraremos os principais tipos de energias mecânicas, como as
energias cinética e potencial. Em seguida, aplicaremos a conservação de energia me-
cânica para escoamentos, obtendo a equação de Bernoulli, que será bastante discutida
a partir do estudo de algumas de suas aplicações. Também aprenderemos a lidar com o
balanço de energia na presença de máquinas, como bombas e turbinas, e para fluidos
reais, e, ainda, entenderemos alguns conceitos importantes, como o de camada limite.
Finalmente, veremos como calcular a perda de carga (energia) devido ao atrito e a aci-
dentes na linha.
2 DEFINIÇÕES E TIPOS DE ENERGIAS MECÂNICAS
O primeiro passo para começarmos a entender melhor o balanço de energia é
relembrar o enunciado do princípio de conservação da energia: a primeira lei da termo-
dinâmica. Durante um processo, para um sistema isolado, a energia não pode ser criada
nem destruída, apenas transformada. Um sistema fechado, por sua vez, pode perder ou
ganhar energia do meio que o envolve. Assim, é razoável escrever:
134
Em que é a taxa de energia que entra no sistema, é a taxa de ener-
gia que sai do sistema e dEsistema /dt é a taxa de variação de energia total do sistema. No
regime permanente, não há acúmulo, então:
A energia de um sistema fechado (ou seja, de massa fixa) pode variar por meio
de dois mecanismos: a transferência de calor (energia térmica, ) e a transferência de
trabalho (energia mecânica, ). Assim, escrevendo os termos na forma de taxas (gran-
deza por unidade de tempo), temos:
Em que é a taxa de transferência de calor (positiva quando calor é adicionado
ao sistema pelo meio que o envolve) e é a taxa de transferência de trabalho (positiva
quando trabalho é realizado pelo meio sobre o sistema). Essa é a primeira lei da termo-
dinâmica.
IMPORTANTE
A literatura diverge bastante com relação ao sinal do trabalho na
equação da primeira lei da termodinâmica. Com o sinal negativo,
devemos interpretar o parâmetro como o trabalho realizado
pelo sistema sobre o meio. Isso pode ser confuso no começo,
mas, com um pouco de prática, rapidamente nos familiarizare-
mos com esse raciocínio.
Tal equação, apesar de carregar muito significado físico, não é exatamente con-
veniente para aplicação prática direta no estudo da mecânica dos fluidos. Por outro
lado, ela serve como ponto de partida teórico fundamental para desenvolver raciocínios
que terão maior prontidão para a solução de problemas. Aqui, o termo de transferência
de calor tratará, essencialmente, das perdas de energia mecânica, enquanto os efeitos
de trabalho serão analisados conforme os tipos de energias mecânicas associadas a um
fluido, apresentadas a seguir.
135
2.1 ENERGIA POTENCIAL (Ep)
Esse é um conceito que, certamente, foi estudado em aulas de física. A energia
potencial de um sistema é a medida do seu potencial de realizar trabalho (Ep = W). Me-
canicamente, ela é apresentada na sua forma gravitacional. Sabendo que, por definição:
Trabalho = Força × Deslocamento
Considerando um sistema de peso P = mg, cujo centro de gravidade (CG) está
localizado a uma altura (z) em relação ao plano horizontal de referência (PHR) conside-
rado, temos o proposto na Figura 1.
Figura 1 – Representação esquemática para avaliação da energia potencial gravitacional
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Assim, como Ep = W:
W = mg . z = mgz
EP = mgz
Nosso interesse é, principalmente, as diferenças de energias potenciais de um
ponto a outro do fluido. Dessa forma, o PHR, geralmente, será adotado, por conveniên-
cia, no nível de um dos pontos que estão sendo comparados.
2.2 ENERGIA CINÉTICA (Ec)
Outro conceito, também visto em física, é que a energia cinética é aquela asso-
ciada ao movimento (nesse momento, estudaremos o movimento dos fluidos). Podemos
considerar um sistema de massa (m) e velocidade (v), como o da Figura 2.
136
Figura 2 – Representação esquemática para avaliação da energia cinética
Fonte: Brunetti (2008, p. 86)
A energia cinética associada a esse movimento pode ser avaliada pela equação:
2.3 ENERGIA DE PRESSÃO (Epr)
De forma semelhante à energia potencial, também é possível analisar o trabalho
potencial das forças de pressão presentes em um escoamento de fluido. Por exemplo,
podemos considerar o elemento infinitesimal de fluido representado na Figura 3.
Figura 3 – Representação esquemática para avaliação da energia de pressão
Fonte: Brunetti (2008, p. 86)
Se a pressão (p) for uniforme na seção de área (A), e considerando a definição
de pressão, temos que F = p . A. Agora, se, pela ação dessa força (F), o fluido percorre
uma distância (ds) em um intervalo de tempo (dt), surge o seguinte termo de trabalho:Trabalho = Força × Deslocamento
dW = F ds = p . A ds = p . dV
137
Por definição, temos que dEPr = pdV, e, portanto:
dEPr = pdV
Integrando:
2.4 ENERGIA MECÂNICA TOTAL DO FLUIDO (EM)
Podemos entender a energia mecânica total de um sistema de fluido como a
somatória das energias associadas a ele, excluindo-se as energias térmicas e mantendo
apenas as causadas por efeitos mecânicos. Assim:
Com esses conceitos definidos, podemos partir para a famosa equação de
Bernoulli.
3 EQUAÇÃO DE BERNOULLI E SUA APLICAÇÃO EM
MEDIDORES DE VELOCIDADE
A equação de Bernoulli é, essencialmente, um balanço de energia entre dois
pontos de um escoamento, que faz uso de diversas hipóteses simplificadoras para fa-
cilitar a interpretação dos problemas. Naturalmente, simplificar o problema tende a pro-
duzir resultados cada vez mais distantes da realidade e, por isso, a importância dessa
equação se dá por dois aspectos: primeiro por apresentar grande significado conceitual
sobre o escoamento de um fluido; e segundo por servir como etapa inicial para a elabo-
ração de uma equação geral da energia mais rigorosa e detalhada. Inicialmente, dedu-
ziremos a equação de Bernoulli e, em seguida, a aplicaremos em um exemplo sobre o
tubo de Pitot (medidor de velocidade do escoamento).
138
Afinal, de onde vem a energia? Assista a uma animação, desenvolvida
pelo TED-Ed, que trata de como a energia se comporta na natureza e
de como ela se conserva: https://ed.ted.com/lessons/all-of-the-energy-
in-the-universe-is-george-zaidan-and-charles-morton.
Embora o conteúdo esteja em inglês, o vídeo contém legendas
em português.
DICA
3.1 EQUAÇÃO DE BERNOULLI
Para iniciarmos a dedução da equação de Bernoulli, seis hipóteses devem ser
consideradas:
• Condição de regime permanente.
• Fluido ideal (viscosidade nula e, consequentemente, sem perdas por atrito).
• Fluido incompressível.
• Sem troca de calor.
• Sem trabalho de eixo, ou seja, sem bombas, turbinas, ventiladores ou outros disposi-
tivos que realizem trabalho (positivo ou negativo) no sistema.
• Propriedades uniformes nas seções do escoamento.
Como mencionado, a equação de Bernoulli compara dois pontos do escoamen-
to. Assim, para facilitar a visualização, podemos considerar a Figura 4, em que será con-
siderado um trecho infinitesimal do escoamento em duas seções distintas.
Figura 4 – Representação esquemática de um elemento infinitesimal do escoamento
Fonte: Brunetti (2008, p. 87)
Primeiramente, escreveremos a equação da energia mecânica, na forma infini-
tesimal, para ambas as seções:
139
Agora, considerando as hipóteses descritas anteriormente, nota-se que a se-
gunda, a quarta e a quinta hipóteses juntas significam que não é retirada nem fornecida
energia ao fluido. Assim, para que a condição de regime permanente seja válida, o sis-
tema deve obedecer à relação:
Podemos observar que a entrada do sistema é a seção 1, enquanto a saída é a
seção 2. Dessa forma, podemos igualar as energias mecânicas dEM1 e dEM2:
Esta equação pode ser simplificada utilizando a definição de massa específica,
que pode ser escrita da seguinte forma:
Assim, substituindo dV1 e dV2:
Como consideramos a hipótese de fluido incompressível, temos que ρ1 = ρ2.
Além disso, como estamos em regime permanente, sabemos que o princípio de conser-
vação da massa também deve ser válido. Assim, sabemos que dm1 = dm2 = dm. Então,
dividindo toda a equação por dm:
140
Na prática, esta já é a tão aguardada equação de Bernoulli. Por fim, as últimas
modificações dessa equação podem ser feitas de duas maneiras. A primeira é multipli-
cando a equação por ρ:
A segunda modificação consiste em dividir a equação de Bernoulli por g e utili-
zar a relação do peso específico γ = ρg:
Qualquer uma dessas três últimas formas são usos válidos da
equação de Bernoulli. A importância dessas simplificações dis-
tintas reside na interpretação de cada termo. Quanto à última
simplificação da equação de Bernoulli (que será a simplificação
utilizada neste livro), os termos podem ser interpretados como
“cargas” (assim como estudamos na Unidade 1), pois possuem
dimensão de comprimento:
• z é a carga de elevação, que representa a energia potencial do
fluido;
• v2/2g é a carga de velocidade, que corresponde à altura ne-
cessária para que um fluido atinja a velocidade v durante uma
queda livre sem atrito;
• p/g é a carga de pressão que, conforme vimos na Unidade 1,
equivale à altura de coluna de fluido necessária para produzir
a pressão estática p.
NOTA
Assim, pode-se afirmar que a equação de Bernoulli nesta última forma calcula
a carga total (H) do escoamento, a qual é constante ao longo de uma linha de corrente,
considerando as hipóteses simplificadoras pertinentes.
É importante, também, notarmos que esses termos correspondem à energia
por unidade de peso. Por exemplo:
141
Caso seja interessante, é possível fazer uma análise dimensional dos termos
v2/2g e p/γ, seguindo o mesmo raciocínio: se se deseja chegar à razão energia/peso.
Naturalmente, a análise dimensional confirmará que os termos possuem dimensão de
comprimento.
Apesar de ser matematicamente simples e de estar sujeita a diversas simplifi-
cações, a equação de Bernoulli não deve ser subestimada. Trata-se de uma ferramenta
bastante eficiente e seus resultados podem ser úteis, na prática, para avaliações rápidas
ou como estimativas iniciais. Contudo, deve-se atentar para o fato de que problemas
mais complexos exigem expertise em saber como abordá-los, quais pontos devem ser
analisados e o que pode ser abstraído do sistema em estudo.
Por isso, o próximo passo é colocar mãos à obra!
Por isso, o próximo passo é resolvermos um problema como exemplo: um ma-
nômetro diferencial, cujo fluido manométrico é mercúrio (γHg = 136.000 N/m³), é acopla-
do a um tubo de Venturi, em que a água (γH2O = 10.000 N/m³) escoa uniformemente em
regime permanente, sob condições de fluido ideal e sem ganho ou perda de energia.
Considerando a Figura 5, se a seção (1) tem 30 cm² e a seção (2) tem 15 cm², qual a va-
zão de água escoando por esse tubo? Adote g = 9,8 m/s².
Figura 5 – Representação esquemática de um manômetro acoplado a um tubo de Venturi
Fonte: os autores
Solução: primeiramente, observamos que as condições enunciadas permitem o
uso da equação de Bernoulli. Em segundo lugar, focamos no objetivo do problema: cal-
cular a vazão do escoamento. A equação de Bernoulli, por si só, não trabalha com vazões
diretamente; porém, um dos parâmetros dela é a velocidade do escoamento, que pode
ser usada para calcular a vazão.
142
Assim, sendo a equação de Bernoulli entre os pontos (1) e (2):
Podemos observar que, independentemente do plano horizontal de referência
definido, os pontos (1) e (2) estão à mesma altura z, isto é, z1 = z2:
Como não conhecemos nenhuma das velocidades ou pressões, é necessário
recorrermos a outras equações para resolver o problema. Podemos usar a equação ma-
nométrica para avaliar a diferença de pressão p1 – p2. Partindo do ponto (1) e indo para o
ponto (2) por meio da equação manométrica:
Isso resolve duas das quatro incógnitas da equação de Bernoulli. Assim, é ne-
cessário mais uma equação para resolver o problema. Nesse caso, precisamos utilizar a
equação da continuidade. Para as seções (1) e (2), como o escoamento é incompressí-
vel, a equação da continuidade pode ser escrita na forma volumétrica:
Substituindo os resultados da equação manométrica e da equação da continui-
dade na equação de Bernoulli, podemos determinar as velocidades do escoamento em
ambas as seções:
143
Finalmente, basta voltarmos este resultado à equação da continuidade que o
problema estará resolvido:
Podemos notar que o exemplo anterior abordou três grandes
assuntos que estudamos até aqui: as equações manométricas,
da continuidade e de Bernoulli. Isso é comum nos problemas de
mecânica dos fluidos e, por isso, é importante nos apropriarmos
dos conceitos abordados na Unidade 1, paranão ter dificuldades
na resolução dos exercícios. Isso irá desenvolver as competências
de visão macro e pensamento analítico, essenciais para o profis-
sional de Engenharia.
ATENÇÃO
3.2 TUBO DE PITOT
Como visto, deduzimos a equação de Bernoulli matematicamente. Uma de suas
aplicações é no equacionamento de medidores de velocidade, como o tubo de Pitot.
Os tubos de Pitot são essencialmente pequenos tubos com sua extremidade aberta
alinhada ao escoamento, dobrados em ângulo reto, geralmente, acoplados a um piezô-
144
metro. Eles permitem mensurar a velocidade do escoamento e são empregados tanto
industrialmente quanto para medir a velocidade do ar em carros de corrida e jatos de
combate da força aérea. Essa medição é feita com base justamente nas equações que
estudamos aqui.
Podemos verificar isso por meio de um exemplo. Água (γ = 10.000 N/m³) escoa
por um tubo de seção circular, cujo diâmetro é de 8 cm. Para avaliar a velocidade do
escoamento no eixo do tubo, instala-se um tubo de Pitot, como representado na Figura
6. Determina-se a vazão no tubo, considerando escoamento uniforme. Deve-se adotar
g = 10 m/s² e γm = 136.000 N/m³.
Figura 6 – Representação esquemática do tubo de Pitot do exemplo trabalhado
Fonte: os autores
Solução: estudaremos o problema por meio da equação de Bernoulli e da equa-
ção manométrica. Para ficar claro, generalizaremos a representação do tubo de Pitot
utilizando a Figura 7.
Figura 7 – Representação esquemática geral de um tubo de Pitot
Fonte: os autores
145
O fluido (água) escoa pela tubulação, da esquerda para a direita, até que, em
uma determinada seção da tubulação (linha pontilhada), as partículas se deparam com
a entrada de um tubo de Pitot e um piezômetro, conectados entre si, pelo fluido mano-
métrico, disposto em um manômetro de tubo em U. Como o piezômetro está posiciona-
do tangente ao escoamento, ele medirá apenas a pressão estática do fluido. O tubo de
Pitot, por outro lado, está posicionado diretamente no sentido do escoamento do fluido,
de modo que as partículas, ao incidirem no ponto (2), perdem toda a sua velocidade,
transformando a sua energia cinética em efeito de pressão.
Basicamente, enquanto ambos os lados estão sujeitos à pressão estática do
escoamento, o fluido manométrico é mais empurrado para baixo no tubo de Pitot, pois
as partículas de fluido perdem sua energia cinética se choca continuamente no ponto
(2), que, por isso, é chamado de “ponto de estagnação” ou “ponto de parada”.
Como os pontos (1) e (2) estão muito próximos, é razoável considerarmos que
as perdas de energia entre eles sejam desprezíveis. Assim, assumindo que as demais
hipóteses da equação de Bernoulli sejam válidas, pode-se escrever:
Podemos reparar que, como consideramos que os pontos (1) e (2) estão no
mesmo plano horizontal de referência (z1 = z2) e que no ponto de estagnação (2) se ob-
serva v2 = 0, a equação fica:
Lembre-se de que o principal intuito de um tubo de Pitot é mensurar a velocidade
do escoamento. Assim, pode-se isolar v1 nesta equação, para chegar à seguinte forma:
Como estão conectados pelo tubo em U, é possível relacionar p1 e p2 por meio da
equação manométrica, que, nesse caso, é dada por:
146
Rearranjando esta equação, é possível escrever:
Substituindo este resultado na equação anterior para a velocidade do escoa-
mento (v1), temos:
Essas duas equações para v1 são importantes, pois permitem determinar a ve-
locidade do escoamento no ponto em que o tubo de Pitot está instalado de maneira
simples e rápida, bastando conhecermos os fluidos envolvidos e a diferença de pressão
causada pela energia cinética do escoamento.
Em posse disso, é fácil resolvermos o exemplo em estudo. Verificando v1:
Como consideramos escoamento incompressível e uniforme, ou seja, em que a
velocidade do escoamento é a mesma em todos os pontos da seção analisada, a vazão
pode ser facilmente determinada:
É importante notarmos que, se o escoamento não fosse considerado uniforme, o
tubo de Pitot poderia ser utilizado para medir a velocidade em diferentes pontos da seção,
para montar um diagrama de velocidades (como na Figura 8), o qual poderia ser utilizado
para obtermos uma nova vazão média mais precisa e condizente com a realidade.
147
Figura 8 – Diagrama de velocidades de um escoamento em tubo cilíndrico
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Além disso, é importante mencionarmos que o tubo de Pitot também pode ser
utilizado para medir a velocidade de fluidos compressíveis, mas os métodos, para tanto,
são mais rigorosos e não serão tratados neste material.
Em 1 de junho de 2009, o voo AF 447, que ia do Rio de Janeiro
a Paris, caiu no Oceano Atlântico, matando 228 passageiros e
membros da tripulação. Um dos problemas relatados foi a in-
consistência nas medições de velocidade, que ocorreu devido
ao congelamento e à obstrução dos tubos de Pitot da aeronave
por cristais de gelo (LARANJEIRA, 2019).
Fonte: LARANJEIRA, F. Conclusões sobre o voo AF447. Aeroma-
gazine. 2019. Disponível em: http://bit.ly/3ZX13mo. Acesso em:
27 dez. 2022.
INTERESSANTE
Ficou curioso sobre como tubos de Pitot funcionam em aerona-
ves? Então, acesse o link a seguir para assistir ao vídeo desen-
volvido pelo portal aeronáutico Trem de Pouso, que explica o
funcionamento do tubo de Pitot e do sistema Pitot-estático em
aeronaves: https://youtu.be/ub7-GG3KIJ4.
DICA
Agora que conhecemos a equação de Bernoulli, fundamentada em diversas hi-
póteses simplificadoras, é hora de remover uma dessas hipóteses, para podermos lidar
com uma quantidade ainda maior de problemas cada vez mais próximos da realidade.
148
4 EXTENSÕES DA EQUAÇÃO DE BERNOULLI: TRABALHO
E FLUIDOS REAIS
Nosso intuito será remover duas hipóteses usadas na dedução da equação de
Bernoulli. Primeiro, removeremos a quinta hipótese, ou seja, consideraremos a existên-
cia de trabalho de eixo (existência de bombas e turbinas, por exemplo). Depois, remove-
remos a segunda hipótese, ou seja, consideraremos fluido real.
4.1 BOMBAS E TURBINAS NA EQUAÇÃO DA ENERGIA
Nesse momento, removeremos a quinta hipótese, usada na dedução da equa-
ção de Bernoulli: “sem trabalho de eixo, ou seja, sem bombas, turbinas, ventiladores ou
outros dispositivos que realizem trabalho (positivo ou negativo) no sistema”. Isso signi-
fica que iremos inserir máquinas aos nossos problemas, as quais poderão fornecer ou
retirar energia do escoamento.
O raciocínio, a seguir, será muito simples: ao adicionar máquinas ao sistema,
devemos acrescentar um termo na equação de Bernoulli, referente ao trabalho de eixo
realizado ou retirado pela máquina, considerando a Figura 9.
Figura 9 – Representação esquemática de um sistema de escoamento com máquina
Fonte: Brunetti (2008, p. 91)
Se H1 e H2 são as cargas de pressão nas seções (1) e (2), respectivamente, a
equação de Bernoulli (com suas hipóteses simplificadoras, ou seja, sem a máquina M)
traz que:
149
Como mencionado, a presença da máquina irá adicionar ou remover energia do
sistema. Então, incluiremos essa quantidade de energia (na forma de carga de pressão)
na igualdade anterior, indicando-a por HM:
H1 + HM = H2
Caso a máquina em questão seja uma bomba ou um ventilador, por exemplo, o
termo HM será positivo, pois tais máquinas fornecem energia para o fluido. Se a máquina
for uma turbina, o termo HM será negativo, pois ela retira energia do fluido. Expandindo
os termos anteriores com a equação de Bernoulli:
Antes de aplicarmos essa nova ideia, é importante compreendermos o conceito
dessas máquinas de forma apropriada. Como sabemos, pelo princípio de conservação
da energia, a energia fornecida por uma bomba não surge do nada. Da mesma forma, a
energia retirada por uma turbina não simplesmente desaparece. Ambas passam por um
processo de transformação de energia. Por exemplo, se considerarmos uma bomba que
utiliza eletricidade, transformamos energia elétrica em energia mecânica ao fluido, as-
sim como o processoinverso – uma turbina pode ser usada para transformar a energia
mecânica do fluido em energia elétrica (como é o caso das usinas hidrelétricas).
Por isso, é razoável a ideia de que tais máquinas possuem um input (entrada)
e um output (saída) de energia, o que nos leva ao conceito de rendimento ou eficiência
total (ηmáq) da máquina.
Eficiência (rendimento): é a razão entre a potência fornecida
e a potência recebida pela máquina. Naturalmente, deve ser um
valor entre 0 e 1. Uma eficiência de 100% sugere que a conversão
de energia foi perfeita, ou seja, sem efeitos de atrito ou outras
irreversibilidades que convertam a energia elétrica ou mecânica
em energia térmica (ÇENGEL; CIMBALA, 2015).
NOTA
Dessa forma, podemos determinar o rendimento de uma máquina por meio da
seguinte relação:
150
Se pensarmos em uma bomba, podemos escrever:
Assim, se uma bomba com potência de 100 kW tem um rendimento de 80%, o
fluido receberá 80 kW.
Para uma turbina, a relação pode ser escrita como:
Assim, se uma turbina com potência de 100 kW tem um rendimento de 80%, o
fluido cede 125 kW.
Alguns livros destrincham o rendimento com relação à eficiência
mecânica e à eficiência do motor/gerador da máquina. Apesar de
importantes, na maioria do tempo, nossa preocupação será com
o rendimento total da máquina – por isso, trabalharemos apenas
com este.
ATENÇÃO
Utilizaremos a letra N para representar a potência da máquina, seja ela uma
bomba ou turbina. Podemos observar que, ao usarmos a equação de Bernoulli com o
termo HM, que foi apresentado neste tema de aprendizagem, o resultado estará com
dimensões de carga, ou seja, comprimento. Geralmente, como estamos habituados a
lidar com potências em unidade de trabalho (energia) por unidade de tempo, a potência
propriamente dita pode ser avaliada pela equação:
N = γ . Q . HM
Nesta equação, γ é o peso específico do fluido e Q é a vazão volumétrica. No Sis-
tema Internacional de Unidades (SI), trabalha-se com o Watt (W = J/s = N . m/s). Outras
unidades comuns são o cavalo-vapor (1 CV = 735 W) e o horse power (1 HP = 1,014 CV).
Nesse momento, é importante vermos um exemplo envolvendo máquinas. É
natural que tudo pareça abstrato apenas no conceito, mas veremos que a prática faz
sentido facilmente.
151
Ao considerarmos um grande reservatório de água que, ligado a uma máquina e
uma tubulação, direciona seu conteúdo para um segundo tanque, a uma vazão de 0,03
m³/s, se o sistema estiver configurado como na Figura 10 e sabendo que a área de seção
da tubulação é de 15 cm², a máquina em questão é uma bomba ou uma turbina? Em
seguida, como podemos determinar a sua potência para um rendimento total de 80%?
Deve-se adotar γH2O = 10.000 N/m³ e g = 10 m/s² e considerar o fluido incompressível.
Figura 10 – Representação esquemática do sistema contendo máquina, trabalhado como exemplo
Fonte: os autores
Solução: o primeiro passo para resolvermos problemas de mecânica dos fluidos
é verificar quais hipóteses simplificadoras precisamos adotar para resolver o problema
de forma adequada. Primeiramente, serão consideradas as hipóteses necessárias para
o uso da equação de Bernoulli, com exceção da ausência de uma máquina, o que per-
mite escrevermos:
Em segundo lugar, serão considerados os pontos (1) e (2) na superfície livre do
reservatório e na saída da tubulação, respectivamente, como identificado na Figura 10.
Evidentemente, por estar em processo de descarregar, o nível do reservatório iria dimi-
nuir ao longo do tempo. Contudo, devido ao seu tamanho (grandes dimensões), é ra-
zoável considerarmos que, dentro de certo intervalo, o nível irá variar de forma despre-
zível, podendo ser considerado constante. Isso é necessário para a hipótese de regime
permanente. Podemos notar que o mesmo raciocínio não é necessário para o segundo
tanque, pois o limite do nosso sistema é a saída da tubulação, que não o inclui. Além
disso, essa consideração de “grandes dimensões” também significa que a velocidade do
fluido em (1) será praticamente nula (v1 = 0).
152
Na Figura 10, vemos que as cotas z1 e z2 estão dadas com relação a um plano
horizontal de referência, localizado praticamente na base da tubulação (as dimensões
do tubo são pequenas perto das cotas em questão).
Como tanto o nível do tanque (1) quanto a saída da tubulação (2) estão abertos
para a atmosfera, ambos os termos de carga de pressão se anulam:
Devemos ter em mente que o nosso objetivo com esta equação é determinar
HM . Para isso, v2 pode ser avaliado por meio da equação da continuidade:
Com isso, podemos retornar à equação anterior para calcular a carga fornecida
ou removida pela máquina:
Este resultado significa que a máquina é responsável por fornecer uma carga de
pressão equivalente a 10 m ao escoamento. Do contrário, ele não teria energia suficiente
para chegar à saída (2), na velocidade de 20 m/s. Como este valor é positivo (energia foi
fornecida), a máquina em questão é uma bomba.
O passo final é determinar a potência dessa bomba – para isso, é necessário,
primeiramente, convertermos este valor de carga em potência:
153
Esta é a potência fornecida ao fluido. Para avaliarmos a potência da máquina,
como solicitado pelo enunciado, é necessário utilizarmos o seu rendimento:
Isso significa que a bomba em questão consome uma potência de 3,75 kW para
acrescentar uma potência de 3 kW ao escoamento.
Como podemos perceber, os exercícios se tornam mais extensos à medida que
novos conceitos são integrados, e saber quais hipóteses simplificadoras são adequadas
para solucionar o problema é um aspecto vital para o sucesso do nosso estudo e o apri-
moramento do conhecimento. Contudo, o passo seguinte é removermos mais uma das
considerações utilizadas na equação de Bernoulli.
4.2 EQUAÇÃO DA ENERGIA PARA FLUIDOS REAIS
Indo direto ao ponto: não iremos mais considerar o fluido como ideal. Isso signi-
fica que os efeitos da viscosidade (atrito) entram em jogo e precisam ser equacionados.
Contudo, devem ser mantidas as hipóteses de regime permanente, fluido incompressí-
vel, escoamento uniforme na seção e sem troca de calor com o meio.
O raciocínio é praticamente o mesmo que fizemos ao introduzir as máquinas no
sistema: incorporaremos um único termo à nossa equação, referente à dissipação de
energia, devido aos efeitos viscosos. Assim, devemos considerar o sistema da Figura 11.
154
Figura 11 – Representação da dissipação de energia em um escoamento
Fonte: Brunetti (2008, p. 95)
Como já vimos, em condições perfeitas, a equação de Bernoulli seria válida:
H1 = H2
Os efeitos viscosos removem energia do sistema, como indicado pela seta Hp1,2
na Figura 11. Fazendo o balanço de energia, na forma de carga de pressão:
H1 = H2 + Hp1,2
Por ser essencialmente uma perda de energia do escoamento, o termo Hp1,2 é,
em geral, chamado de “perda de carga”. Na prática, esta expressão é utilizada para se
referir a diversas perdas de energia do escoamento relacionadas à tubulação, englo-
bando outros fatores além do atrito, como curvas e cotovelos na tubulação ou a presen-
ça de válvulas e outros dispositivos.
Dessa forma, a partir da equação de Bernoulli, com a presença de uma máquina
entre (1) e (2), e considerando a dissipação de energia por efeitos viscosos, podemos
escrever a equação da energia:
A perda de carga pode ser convertida para a forma de potência dissipada, assim
como fizemos com a potência das máquinas:
Ndiss = γ . Q . Hp1,2
Por exemplo: uma bomba de 12 kW e eficiência de 78,5% é utilizada para levar
a água de um lago até um tanque, como mostra a Figura 12. Se a vazão de operação é
de 25 L/s, como determinamos a perda de carga desse sistema. Devemos adotar γH2O =
9.800 N/m³ e g = 9,8 m/s² e considerar que tanto o lago quanto o tanque apresentam
grandes dimensões.
155
Figura 12 – Esquema ilustrativo do exemplo trabalhado considerando fluido real
Fonte: os autores
Solução: este problema envolve a presença de uma máquina no escoamento
e aperda de carga na tubulação. Considerando as hipóteses de regime permanente,
fluido incompressível, propriedades uniformes na seção e sem troca de calor, podemos
usar a equação da energia na forma:
Adotando, como ponto (1), a superfície do lago e, como ponto (2), a superfície
do tanque, podemos fazer mais algumas considerações. A primeira é com relação às
pressões p1 e p2 que, por estarem abertas à atmosfera, podem ser aproximadas como a
própria pressão atmosférica do ambiente:
Podemos, também, considerar que as dimensões em questão são grandes o
suficiente para que as variações nos níveis do lago e do tanque sejam desprezíveis,
podendo as alturas z1 e v2 ser consideradas constantes, e as velocidades v1 e v2, nulas:
156
Agora, é necessário determinarmos HM. Como conhecemos a potência e a efi-
ciência da bomba, basta determinarmos, primeiramente, a potência fornecida pela
bomba ao fluido e, então, convertermos este valor para uma carga:
Retornando à equação da energia, determina-se a perda de carga:
Em termos de potência dissipada:
Agora, faremos uma última observação com relação à equação da energia. As-
sim como na equação da continuidade, também podemos escrever a equação da ener-
gia para situações com mais de uma entrada ou uma saída. O raciocínio é o mesmo:
deve-se fazer a somatória de todas as energias que entram e que saem, e avaliar, tam-
bém, a presença de uma (ou mais) máquina(s) e as perdas de carga. De forma genérica,
podemos considerar o sistema da Figura 13, com n entradas e saídas, em que o índice
“e” remete às entradas e o índice “s” às saídas.:
157
Figura 13 – Representação esquemática de um sistema com múltiplas entradas e saídas
Fonte: Brunetti (2008, p. 101)
Seguindo os princípios de conservação de energia, como foi feito até aqui, po-
demos escrever, na forma de potência (energia por tempo):
Em que:
• em cada seção;
• N = γ . Q . HM pode ser positivo (se for uma bomba) ou negativo (se for uma turbina);
• Ndiss = ∑γ . Q . Hp com Q e HP referindo-se a cada trecho do escoamento.
Podemos notar que, mesmo com múltiplas entradas e saídas, as hipóteses,
consideradas até o momento para o desenvolvimento dessas equações, ainda devem
ser válidas.
O objetivo aqui é fazermos uma análise da energia dos escoamentos em regime
permanente, com base no princípio da conservação da energia. Em situações perfeitas,
vimos que a equação de Bernoulli é aplicável – contudo, sabemos que a realidade nunca
é perfeita e, por isso, removemos duas importantes simplificações da equação de Ber-
noulli em busca de uma equação da energia mais geral.
Com o que vimos, já podemos avaliar sistemas simples de tubulações e dizer se
uma bomba será necessária ou não para levar o fluido de um ponto a outro, por exemplo.
158
Acadêmico, poderíamos ir adiante e remover as hipóteses de esco-
amento uniforme e fluido incompressível, mas, como isso iria além
do escopo desta disciplina, sugerimos que você recorra à literatura
de referência para encontrar desenvolvimentos matemáticos mais
rigorosos em busca de uma equação da energia geral.
NOTA
Na Unidade 3, nossos objetos de estudo serão os efeitos causa-
dos pela tubulação no escoamento. Esteja bem preparado e com
o conteúdo visto até aqui bastante esclarecido, pois ele será vital
para a continuação do seu aprendizado!
ESTUDOS FUTUROS
5 ESCOAMENTOS EM CONDUTOS
Anteriormente, estudamos os balanços de energia associados ao escoamento
de fluidos em regime permanente. Naquele momento, partimos de uma situação em
que seis hipóteses simplificadoras eram adotadas, resultando na equação de Bernoulli.
Em seguida, levamos esta equação da energia para uma forma mais genérica, incluindo
a possibilidade de haver trabalho de eixo no sistema e para situações com fluidos reais
(presença de efeitos viscosos). Podemos combinar estas duas condições escrevendo a
equação da energia na forma de carga de pressão da seguinte forma:
H1 + HM = H2 + Hp1,2
Agora, nosso objetivo geral será aplicar esta equação em instalações hidráu-
licas, a fim de adquirirmos uma visão dos seus aspectos técnicos fundamentais e de-
senvolvermos uma noção inicial do que é necessário para desenvolver um projeto de
tubulação. Para isso, o primeiro passo é definirmos alguns dos principais termos rela-
cionados ao assunto.
159
5.1 CONDUTOS E SUAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS
Chamaremos de conduto qualquer estrutura sólida desti-
nada ao transporte de fluidos (BRUNETTI, 2008). Em outras
palavras, condutos são tubulações ou canais por onde fluidos
escoam. Eles podem ser classificados como forçados (quan-
do o fluido o preenche totalmente) ou livres (quando o fluido
apresenta uma superfície livre).
NOTA
A Figura 14 representa tipos de condutos, o primeiro com o fluido em contato com
toda a sua parede interna (Figura 14A) e os outros dois condutos livres (Figura 14B).
Figura 14 – Condutos forçados (A) e livres (B)
Fonte: Brunetti (2008, p. 164)
Uma característica fundamental dos condutos é o chamado raio hidráulico, definido
como:
Em que A é a área transversal de escoamento do fluido, e σ é
o chamado perímetro “molhado”, que, em outras palavras, é
o perímetro da seção em que o fluido está em contato com a
parede do conduto.
Além disso, define-se também o chamado
diâmetro hidráulico (DH), dado por:
DH = 4RH
NOTA
160
A Tabela 1 apresenta os exemplos mais comuns de condutos quanto aos seus
parâmetros A, σ, RH e DH.
Acadêmico, uma boa forma de exercitar
o conceito e fixar o conhecimento é você
tentar chegar aos parâmetros RH e DH.
DICA
Tabela 1 – Principais condutos forçados e seus diâmetros hidráulicos
Fonte: Brunetti (2008, p. 164)
Geometria A σ RH DH
πD D
a2 4a a
ab 2(a + b)
ab 2a + b
3a
Outra característica importante dos condutos que influenciam no escoamento
dos fluidos é a sua rugosidade: pequenas variações de altura na superfície do conduto,
que contribuem para a perda de carga (Figura 15). É usual definirmos uma “rugosidade
uniforme”, para fins de simplificação, que é representada pela letra grega ε e possui di-
mensões de comprimento.
161
Figura 15 – Representação geométrica da rugosidade em um conduto circular
Fonte: Brunetti (2008, p. 168)
Dessa forma, a rugosidade costuma ser dada como uma característica do ma-
terial do conduto. Alguns valores considerados comuns para diversos materiais são
apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 – Valores típicos de rugosidade uniforme para materiais comuns de condutos
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 295)
Material
Rugosidade (ε)
ft mm
Vidro, plástico 0 0
Concreto 0,003 – 0,03 0,9 – 9
Madeira 0,0016 0,5
Borracha, alisada 0,000033 0,01
Cobre ou latão 0,000005 0,0015
Ferro fundido 0,00085 0,26
Ferro galvanizado 0,0005 0,15
Ferro forjado 0,00015 0,046
Aço inoxidável 0,000007 0,002
Aço comercial 0,00015 0,045
Em geral, o parâmetro de interesse é, na verdade, a chamada
rugosidade relativa, dada pela razão:
NOTA
162
Feitas essas definições, finalmente, podemos introduzir um conceito muito im-
portante para os fenômenos de transporte em geral: a camada limite.
Essencialmente, camada limite é a camada de fluido
de um escoamento que fica junto à superfície sólida.
NOTA
5.2 CAMADA LIMITE HIDRODINÂMICA
Veremos, a seguir, os aspectos essenciais que regem o fenômeno da camada
limite, sendo importante, até mesmo, para compreender o escoamento do ar nas asas
de um avião.
5.2.1 Camada limite em uma placa plana
Mais uma vez, consideremos uma placa plana de pequena espessura, posicio-
nada paralelamente ao escoamento uniforme de um fluido em regime permanente com
velocidade v0 (Figura 16). A experiência nos mostra que o perfil de velocidade do es-
coamento muda ao encontrar a placa, devido ao princípio da aderência (discutido na
Unidade 1), de modo que a velocidade junto à placa é nula.
Figura 16 – Desenvolvimento do escoamento sobre uma placa plana
Fonte: Brunetti (2008, p. 165)
Assim, na Figura 16,quanto mais o fluido escoa ao longo da placa – seções (1),
(2) e (3) –, mais o princípio da aderência afeta o perfil de velocidades do escoamento
(os pontos A, B e C indicam a primeira camada de fluido que ainda está na velocidade
original do escoamento, v0).
163
Evidentemente, são representados apenas os pontos referentes a três seções
do escoamento. Na realidade, para qualquer seção que observarmos sobre a placa, ha-
verá um primeiro ponto indicando a primeira camada de fluido que ainda está na veloci-
dade v0. Se traçarmos uma linha imaginária que passa por todos esses pontos, podemos
dividir o escoamento em duas regiões, como mostra a Figura 17.
Figura 17 – Linha conectando todos os primeiros pontos em que a velocidade do escoamento é v0
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
A região acima da linha na Figura 17, chamada de fluido livre, é
aquela em que o escoamento tem velocidade v0, ou seja, onde
ele não é influenciado pela presença da superfície sólida. A região
abaixo da linha, por sua vez, é a chamada camada limite – região
do escoamento em que os efeitos viscosos e as variações na velo-
cidade são significativos.
IMPORTANTE
De forma mais simplificada, podemos representar isso com a Figura 18.
Figura 18 – Camada limite sobre uma placa plana
Fonte: Brunetti (2008, p. 165)
164
Para esse experimento, a observação nos mostra, ainda, que a espessura ℓ é
função do número de Reynolds:
Para a camada limite, Re pode ser adaptado na forma:
Na prática, o que se observa é que, para Rex < 5 × 105, as forças viscosas na
camada limite são significativas, de modo que o escoamento é laminar, enquanto, aci-
ma deste valor, o escoamento passa para um comportamento turbulento. Por isso, é
comum chamarmos este valor de número de Reynolds crítico:
Recr < 5 × 105
Podemos notar que os parâmetros ρ, μ e γ são característicos do fluido, enquan-
to v0 é característico do escoamento. Isso significa que o número de Reynolds atinge seu
valor crítico para um valor de x suficientemente grande (também chamado de “crítico”):
Além disso, duas observações adicionais podem ser feitas: a primeira é que a
espessura da camada limite aumenta repentinamente quando ela passa do regime la-
minar para o turbulento; e a segunda é que, mesmo após atingir a turbulência, uma
camada de espessura (d) muito fina, junto à placa, ainda se mostra em comportamento
laminar, sendo, por vezes, chamada de subcamada limite laminar. Todas essas ob-
servações estão representadas na Figura 19.
165
Figura 19 – Comportamento das camadas limites laminar e turbulenta
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Fonte: Brunetti (2008, p. 166)
A camada limite tem implicações importantes em todo o estudo dos fenômenos
de transporte. Aqui, inicialmente, será estudada no contexto dos condutos forçados.
5.2.2 Camada limite em condutos
O mesmo comportamento observado para o escoamento sobre uma placa tam-
bém é presente para o escoamento em condutos, sendo que a única diferença é que
devemos analisá-lo de forma radial.
Podemos imaginar um fluido livre que passa a escoar por uma tubulação. O
efeito que se observa é o mesmo: o princípio da aderência faz as camadas de fluido,
próximas das paredes do conduto, terem sua velocidade reduzida e, quanto mais o flui-
do entra na tubulação, maior é esse efeito. Isso acontece progressivamente: atingir o
comprimento (Lh) em que a camada limite preenche todo o conduto, de modo que o
perfil de velocidades atinja valores constantes – então, diz-se que o escoamento está
dinamicamente estabelecido (Figura 20).
Figura 20 – Desenvolvimento da camada limite em condutos forçados
166
Comprimento de entrada (Lh), também chamado de compri-
mento crítico, é aquele que vai desde a entrada do conduto até
a junção das camadas limites no centro dele. Essa região também
é chamada de região de entrada, e, a partir desse comprimento, o
escoamento é dito completamente desenvolvido ou dinamica-
mente estabelecido (ÇENGEL; CIMBALA, 2015).
NOTA
Para condutos de seção circular, o escoamento será laminar para:
Nesses casos, o perfil de velocidades observado é parabólico, da forma:
Para o escoamento turbulento (Re > 2.400), o regime dinamicamente estabele-
cido, geralmente, apresenta um perfil aproximado da forma:
Sendo frequentemente chamado de perfil da lei de potência 1/7.
Agora que sabemos como o escoamento acontece dentro dos condutos força-
dos, é hora de darmos o próximo passo no estudo da equação da energia: conhecer as
perdas de carga existentes em instalações hidráulicas.
6 PERDAS DE CARGA
Como estudamos anteriormente, chamamos de perda de carga as perdas de energia
de um escoamento na forma de energia por unidade de peso do fluido (ou seja, com
dimensões de comprimento). No contexto das instalações hidráulicas, é comum estu-
darmos a perda de carga separando-a em dois grupos:
NOTA
167
• Perda de carga distribuída (hf ): perda que surge devido aos
efeitos de atrito ao longo do escoamento, sendo mais significativa
na presença de trechos relativamente longos de tubulação.
• Perda de carga singular (hs): perda que acontece devido à pre-
sença de singularidades, sendo válvulas, obstáculos, estreitamentos,
curvas e cotovelos (mudanças de direção) na linha, entre outras.
Como exemplo de perda de carga, temos o esquema da Figura 21.
Figura 21 – Representação das perdas de carga em uma instalação hidráulica arbitrária
Fonte: Brunetti (2008, p. 168)
As perdas distribuídas, como o nome sugere, estão distribuídas ao longo de
todo o comprimento da tubulação – (1) a (6). As perdas localizadas, por sua vez, estão
nos estreitamentos (1) e (4), nos cotovelos (2) e (3), e na válvula (5).
De forma genérica, podemos representar o termo de perda de carga da equa-
ção da energia (Hp1,2), matematicamente, como a soma das perdas de carga distribuídas
com as perdas de carga localizadas:
6.1 PERDA DE CARGA DISTRIBUÍDA
Assim como feito anteriormente, o estudo das perdas de carga distribuídas re-
quer que algumas hipóteses sejam estabelecidas:
• Regime permanente e fluido incompressível.
• Condutos longos.
168
• Condutos cilíndricos (seção transversal constante).
• Escoamento dinamicamente estabelecido (completamente desenvolvido).
• Rugosidade uniforme.
• Ausência de máquinas (dispositivos que realizam trabalhos).
Matematicamente, podemos partir das equações fundamentais, que estuda-
mos até o momento, para tentar expressar (e mensurar) a perda de carga distribuída.
Da equação da continuidade, como pela terceira hipótese, a seção transversal (área) é
constante e, pela primeira hipótese, o fluido é incompressível, temos:
Da equação da energia, com base nas hipóteses descritas, Hp1,2 = hf1,2, então, por
definição:
Sendo:
Temos:
Contudo, como as velocidades v1 e v2 são iguais:
Em que a soma é chamada de carga piezométrica, pois pode ser me-
dida com o uso de um piezômetro.
Podemos notar que o objetivo é encontrarmos uma relação entre a perda de
carga distribuída e o comprimento do conduto. Os próximos passos desse desenvol-
vimento levam a equações cujo uso não é conveniente (por exemplo, por exigirem a
169
determinação da tensão de cisalhamento na parede do conduto, o que é de difícil deter-
minação prática). Alternativamente, o uso de técnicas de análise dimensional pode levar
a uma dedução mais interessante e com fins práticos mais apropriados.
A título de curiosidade, essa dedução parte da consideração de que a perda de
carga é função da massa específica e da viscosidade do fluido, do diâmetro hidráulico,
do comprimento e da rugosidade do conduto, e da velocidade do escoamento. Então,
podemos escrever a função representativa:
γhf = f(ρ, μ, DH , L, ε, v)
Ao determinarmos os devidos adimensionais, obtemos a equação:
Em que f é o chamado coeficiente da perda de carga distribuída (ou fator de atrito),
o qual é função do número de Reynolds e da rugosidade relativa:
Nesta equação, para a perda de carga distribuída hf,o único
parâmetro que não é diretamente mensurável, de forma expe-
rimental, é justamente o coeficiente da perda de carga distribu-
ída. Contudo, como ele é função de dois números adimensio-
nais (sabendo que DH /ε é adimensional), o coeficiente f pode ser
obtido por meio da construção de um diagrama universal, que
pode ser aplicado a qualquer escoamento, de qualquer fluido,
em qualquer conduto (afinal, estamos preocupados apenas com
os números adimensionais, pois são estes que caracterizam o
problema). Diversos estudiosos trabalharam no desenvolvimen-
to deste diagrama, como Nikuradse e Colebrook, até chegar ao
chamado diagrama de Moody-Rouse.
IMPORTANTE
O uso do diagrama de Moody-Rouse (Figura 22) pode ser classifi-
cado em três casos:
• 1° caso: determinar hf conhecendo L, DH, Q, v e ε.
• 2° caso: determinar Q conhecendo L, DH, hf , v e ε.
• 3° caso: determinar DH conhecendo L, Q, hf , v e ε.
170
Figura 22 – Diagrama de Moody-Rouse
Fonte: adaptada de Brunetti (2008); Çengel; Cimbala (2015)
171
Nesse momento, trataremos apenas do primeiro caso, por ser o mais importante
conceitualmente e pelos demais serem mais complexos, podendo envolver métodos
iterativos com o diagrama. Para isso, utilizaremos dois exemplos: no primeiro, a água a
10 °C (ρ = 999,77 kg/m³, μ = 1,308 x 10-3 Pa . s) escoa por meio de um fino tubo horizontal
de seção circular (D = 0,3 cm, L = 3 m) continuamente, com velocidade média de 0,8
m/s. Como determinamos a perda de carga nessa linha? Qual é a queda de pressão
correspondente? Deve-se adotar g = 9,8 m/s².
Solução: consideraremos condições de operação em regime permanente, sem
troca térmica com o ambiente, fluido incompressível, escoamento completamente de-
senvolvido e sem a presença de máquinas ou singularidades. Com isso em mente, o
primeiro passo é utilizarmos equação da energia, na forma da perda de carga:
H1 + HM = H2 + Hp1,2
Queremos determinar o termo Hp1,2. Além disso, das nossas considerações, sa-
bemos que, para este caso, podemos escrever:
Podemos observar que conhecemos todos os parâmetros desta equação, exce-
to pelo coeficiente de perda de carga distribuída ( f ). Para determiná-lo, o passo inicial é
calcularmos o número de Reynolds:
Para este valor de Reynolds, sabemos que o escoamento é laminar (Re < 2.000).
Assim, para usar o diagrama de Moody-Rouse, é necessário também conhecermos a ru-
gosidade relativa da tubulação. Entretanto, ao analisarmos o diagrama, é possível notar
que o escoamento laminar (região à esquerda) obedece à equação:
Isso significa que, para escoamentos laminares, o fator de atrito é função ape-
nas do número de Reynolds e independe da rugosidade da tubulação. Com isso, pode-
mos calculá-lo:
172
Em posse disso, a perda de carga é facilmente calculada:
Para convertermos este valor em queda de pressão, basta multiplicá-lo pelo
peso específico do fluido:
Podemos notar que, mais uma vez, relacionamos os con-
ceitos de perda de carga e queda de pressão. O sentido
físico é o mesmo: as forças viscosas atuando no fluido
fazem com que parte da sua energia seja dissipada. Se
medíssemos a carga piezométrica no início e no final da
tubulação, a diferença seria justamente a altura hf .
ATENÇÃO
Como segundo exemplo, devemos considerar o escoamento de um óleo (μ/ρ =
6,75 . 10-6 m²/s) com a velocidade de 3 m/s, por um conduto de seção circular de aço
comercial com D = 0,18 m. Como podemos determinar a perda de carga por quilômetro
de tubulação? Para isso, devemos adotar g = 10 m/s².
Solução: partindo das mesmas hipóteses do exemplo anterior, desejamos re-
solver a equação:
173
Com base nos dados fornecidos, trata-se de um problema do 1º caso para a uti-
lização do diagrama de Moody-Rouse. Nesse caso, foram fornecidos a velocidade v do
escoamento e o diâmetro hidráulico DH da tubulação (equivalente ao próprio diâmetro
D para seções circulares – ver Tabela 1), e a aceleração da gravidade foi definida. Além
disso, para conhecermos a perda de carga distribuída por quilômetro de tubulação, de-
vemos avaliar a equação com L = 1.000 m.
Dessa forma, o único parâmetro que nos resta determinar é o fator de atrito f.
Para isso, o primeiro passo é calcularmos o número de Reynolds:
Em seguida, calcula-se a rugosidade relativa. Para isso, tendo como base a Ta-
bela 2, temos que a rugosidade nominal para o aço comercial é de 0,045 mm. Então:
Agora, basta procurarmos o ponto do diagrama em que Re = 80.000, DH /ε =
4.000. Para compreendermos como fazer isso, podemos acompanhar a Figura 23, em
que, na parte superior do diagrama, estão as linhas do número de Reynolds (na forma
de curvas, pois a escala do eixo não é linear). À direta, o eixo vertical corresponde aos
fatores de atrito, dados por linhas horizontais. Além das curvas de Reynolds e das hori-
zontais de fator de atrito, podemos notar que o diagrama é composto por um conjunto
de curvas, cada uma correspondente a uma rugosidade relativa. O procedimento, então,
é o seguinte:
• No eixo horizontal superior, devemos encontrar a curva referente ao número de
Reynolds desejado (no caso, Re = 8 . 104);
• Caminhamos pela curva do número de Reynolds, saindo do eixo superior até
encontrarmos a curva do diagrama referente à rugosidade relativa do conduto em
questão (DH /ε = 4.000);
• A partir dessa intersecção da curva do número de Reynolds com a curva da rugosidade
relativa, caminhamos, na horizontal, até o eixo da direita e fazemos a leitura do fator
de atrito f (para os valores do exemplo, f = 0,02).
174
Figura 23 – Representação esquemática do diagrama de Moody
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
Feito isso, basta substituirmos os valores na equação da perda de carga:
Portanto, a cada quilômetro de tubulação, a perda de carga será de 50 metros.
6.2 PERDA DE CARGA LOCALIZADA (SINGULAR)
Na prática, as perdas de carga localizadas são aquelas decorrentes de pertur-
bações bruscas no escoamento, sendo, geralmente, causadas nas chamadas singulari-
dades (válvulas, obstáculos, estreitamentos, curvas, cotovelos e outros).
Assim como para as perdas de carga distribuídas, a expressão para o cálculo
das perdas de carga singulares é obtida por meio de análise dimensional e tem forma
análoga:
Em que ks é o coeficiente da perda de carga singular, função do número de
Reynolds e das características geométricas da singularidade. Por praticidade, alguns li-
vros apresentam os valores de ks tabelados para tipos distintos de singularidades, como
mostra o Quadro 1.
175
Quadro 1 – Singularidades comuns e seus coeficientes de perda
Singularidade Representação ks
Alargamento
1 – A1/A2
(em que v = v1)
1
ks = 0,02 para θ = 20°
ks = 0,04 para θ = 45°
ks = 0,07 para θ = 60°
(expansão gradual; v = v1)
Estreitamento
A1/A2
0,5
ks = 0,30 para d/D = 0,2
ks = 0,25 para d/D = 0,4
ks = 0,15 para d/D = 0,6
ks = 0,10 para d/D = 0,8
(contração gradual com θ = 20°; v = v1)
Cotovelo 90° 0,9
176
Fonte: adaptado de Brunetti (2008); Çengel; Cimbala (2015)
Válvula de
gaveta
0,2
(totalmente aberta)
Válvula tipo
globo
10
(totalmente aberta)
Válvula de
retenção
0,5
Em geral, assume-se que esses valores são aproximações razoá-
veis para escoamentos com número de Reynolds elevados, mas o
processo rigoroso e mais adequado é consultar manuais especí-
ficos das singularidades em questão ou catálogos de fabricantes.
IMPORTANTE
Há, ainda, um segundo método para determinar as perdas de carga singulares,
chamado de método dos comprimentos equivalentes.
Comprimento equivalente é um comprimento fictício que, para
uma tubulação de seção constante de mesmo diâmetro que a sin-
gularidade, produziria uma perda de carga distribuída equivalente
à perda de carga da própria singularidade (BRUNETTI, 2008).
NOTA
Em outras palavras, o método dos comprimentos equivalentes calcula hs por
meio da equação de hf . O primeiro passo é igualar ambas:
177
Com isso, pode-se avaliar a perda de carga total do sistema pela soma:
Esseé um método conveniente de ser empregado quando o fabricante da sin-
gularidade fornece os comprimentos equivalentes de forma tabelada.
A seguir, exploraremos um exemplo em que empregamos ambos os métodos.
A água (ρ = 1.000 kg/m³, μ = 1,308 x 10-3 Pa . s) escoa por uma tubulação circular de
aço inoxidável com 10 cm de diâmetro, quando passa por uma expansão gradual com
θ = 60° para um diâmetro de 15 cm (Figura 24). Antes da expansão, a velocidade média
do escoamento era de 3 m/s, a uma pressão de 140 kPa. Como determinamos a perda
de carga devido a essa singularidade usando o valor tabelado do coeficiente de perda
de carga singular? Qual é a pressão do escoamento após o alargamento? Para resolver
o problema, devemos usar o valor nominal de comprimento equivalente fornecido pelo
fabricante de Leq = 0,45 m, admitindo a aceleração da gravidade g = 9,8 m/s².
Figura 24 – Representação esquemática do exemplo trabalhado sobre perda de carga singular
Fonte: os autores
178
Solução: resolveremos o problema, primeiramente, usando os valores de s tabe-
lados. Nossas considerações iniciais são: regime permanente, escoamento incompres-
sível e completamente desenvolvido, sem trocas de calor ou presença de máquinas.
Como vimos no Quadro 1, o coeficiente de perda de carga singular, para um alar-
gamento gradual com θ = 60°, é de ks = 0, 07. A perda de carga, propriamente dita, por
sua vez, é calculada pela expressão a seguir, em que v = v1:
Substituindo os valores conhecidos:
É pedida, também, a pressão do escoamento na seção 2, que pode ser obtida
por meio da equação da energia:
Multiplicando a equação por pg e isolando a pressão na seção 2, temos que:
Para resolver esta equação, é necessário calcularmos a velocidade v2. Da equa-
ção da continuidade, para escoamento incompressível, temos:
Agora, resolvendo para p2:
179
Encontramos a pressão na seção 2 utilizando o primeiro método para perda de
carga singular. Agora, resolveremos o problema utilizando o segundo método: comprimento
equivalente. Para isso, temos que usar o valor fornecido de Leq pelo fabricante na equação:
Como trabalhamos apenas com a singularidade, podemos assumir Lreal = 0. Para
resolver esta equação, devemos calcular o número de Reynolds no escoamento:
Assim, o escoamento é turbulento (Re > 2.400). Em seguida, avaliamos a rugo-
sidade relativa da tubulação. Como o material é aço inoxidável (ver Tabela 2), temos que
ε = 2 x 10-6 m. Então:
Em posse desses valores, busca-se o ponto no diagrama de Moody-Rouse, em
que Re ≈ 2,3 x 105 e DH /ε = 50.000. Para essas condições, o ponto encontrado apresenta
f ≈ 0,0155. Com isso, é possível avaliarmos a perda de carga pela expressão anterior:
180
Ressaltamos que é o mesmo valor obtido pelo método dos coeficientes de per-
da de carga singulares tabelados (na realidade, os valores divergem muito pouco, sen-
do essas diferenças desprezadas nas aproximações). Evidentemente, como a perda de
carga é a mesma nos dois casos, o uso da equação da energia, com este último resul-
tado, também trará que p2 ≈ 143,3 kPa.
Podemos notar que, nesse exemplo, a pressão do escoamento
aumentou ao sofrer a perda de carga, o que pode parecer in-
coerente, pois, até o momento, sempre associamos perdas de
carga a quedas na pressão. Na realidade, esse fenômeno está
fisicamente correto e acontece devido à conversão da pressão
dinâmica em pressão estática – em outras palavras, ao perder
velocidade na seção mais larga, a pressão estática aumenta.
ATENÇÃO
6.3 INSTALAÇÕES DE RECALQUE
Para finalizarmos este tema de aprendizagem, resta apenas mais um passo:
combinar os conceitos que vimos ao estudo das chamadas instalações de recalque.
De alguma forma, já podemos ter ouvido falar sobre elas, que nada mais são do que
sistemas compostos por reservatórios, tubos, máquinas (bombas, turbinas) e singula-
ridades, ou seja, instalações hidráulicas (Figura 25), em que aplicaremos a equação da
energia, para determinar parâmetros fundamentais de projeto.
Figura 25 – Descarga de água por tubulação em um reservatório aberto
Fonte: https://elements.envato.com/pt-br/water-discharge-on-a-sunny-day-A8BKNE4. Acesso em: 2 jan.
Em geral, podemos esquematizar uma instalação de recalque pela forma gené-
rica apresentada na Figura 26.
181
Figura 26 – Representação esquemática de uma instalação de recalque
Fonte: Brunetti (2008, p. 187)
De maneira simples, o sistema é composto por dois reservatórios (um sendo
descarregado e o outro carregado), uma bomba (responsável por levar o tubo de um
tanque ao outro), a tubulação de sucção (antes da bomba) e a tubulação de recal-
que (depois da bomba). Estão representados, também, válvulas, que evitam a entrada
de sedimentos (não permitem que o fluxo de fluido seja invertido), e um registro, para o
controle da vazão.
Na maioria dos casos, nosso interesse será determinar a potência necessária
para o bombeamento de um tanque para o outro, utilizando a equação da energia e
considerando as perdas de carga na linha. Para melhor ilustrarmos, resolveremos um
exemplo de um sistema bem detalhado.
Acadêmico, vale a pena ressaltarmos que, ao longo deste tema
de aprendizagem, temos trabalhado com exemplos bastante
próximos da realidade de um engenheiro.
GIO
Para conhecer mais detalhes sobre instalações de recalque,
acesse o link e assista a um vídeo, desenvolvido pelo canal
Engenharia & Cia, que apresenta as instalações de bombea-
mento: https://www.youtube.com/watch?v=4rxj3ka8tmk.
DICA
182
Utilizaremos, como exemplo, o sistema apresentado na Figura 27. Para uma va-
zão de 0,05 m³/s de água (γ = 10.000 N/m³; v = 1 x 10-6 m²/s), como determinamos a po-
tência da bomba (rendimento ηB = 0,75) e a pressão na entrada dela (seção (e)), para que
a pressão p8 = 550 kPa seja mantida constante? Devemos considerar que a tubulação é
de aço comercial (ε = 4,5 x 10-5 m), com seção circular, sendo os diâmetros da tubulação
de sucção DS = 18 cm e da tubulação de recalque DR = 9 cm. São dados: ks1 = 15; ks2 = ks6
= 0,9; ks3 = ks5 = 10; ks4 = 0,5; ks7 = 1; patm = 101 kPa; g = 10 m/s², pvapH2O
= 1,96 kPa (absoluta).
Figura 27 – Representação esquemática do exemplo trabalhado sobre instalações de recalque
Fonte: os autores
Solução: nosso objetivo é resolver a equação da energia. Partiremos das consi-
derações fundamentais de costume: regime permanente, fluido incompressível, escoa-
mento completamente desenvolvido e sem trocas de calor. Assim, temos:
O problema pede a potência da bomba, que pode ser calculada se conhecermos
HB. Os termos H0 e H8 são mais fáceis de avaliar. Considerando pressões manométricas,
é importante sabermos que:
183
Adotando, como plano horizontal de referência (PHR), o nível do ponto (0) e
baseado nas nossas considerações, como fizemos anteriormente (velocidade nula na
superfície, pressão superfície livre, sendo a pressão atmosférica):
Agora, resta determinarmos o termo Hp0,8, referente às perdas de carga (distri-
buídas e singulares) da instalação. Podemos escrever da seguinte forma:
Como a tubulação de sucção (antes da bomba) apresenta diâmetro diferente da
tubulação de recalque (depois da bomba), precisamos avaliá-las separadamente.
Primeiro, quanto à tubulação de sucção:
Temos que:
Assim, o primeiro passo é determinarmos a velocidade do escoamento para o
diâmetro de sucção, pois ela é necessária para calcular tanto hf quanto hS. Da equação
da continuidade, temos:
184
Para avaliarmos a perda de carga distribuída na seção de sucção, devemos cal-
cular o número de Reynolds do escoamento:
Agora, avaliaremos a rugosidade relativa da tubulação de sucção:
Com o valor do número de Reynolds e da rugosidade relativa, utilizaremos o
diagrama de Moody-Rouse para encontrar o fator de atrito. Pela leitura, temos que f ≈ 0,
0165. Podemos, então, calcular cada termo hf da tubulação de sucção (hf0,e). Para escla-
recer melhor, organizaremos as informações no Quadro 2.
Quadro 2 – Perdas de carga distribuídasna sucção
Fonte: os autores
Dados
Sendo f = 0,0165, DH = 0,18 m,
vs = 1,965 m/s, g = 10 m/s²
Trecho De (1) a (2) De (2) a (e)
Comprimento (L) 3 m 9 m
hf 0,0531 0,1593 m
hf0,e 0,2124 m
Feito isso, o passo seguinte é determinarmos as perdas de carga singulares na
sucção. Organizaremos as informações e os cálculos no Quadro 3.
185
Quadro 3 – Perdas de carga singulares na sucção
Fonte: os autores
Dados
Sendo vs = 1,965 m/s e g = 10 m/s²
Singularidade (1) (2) (3)
kS 15 0,9 10
hS 2,8959 m 0,1737 m 1,9306 m
hS0,e 5,0002 m
Exatamente os mesmos passos devem ser realizados para a tubulação de recalque.
Acadêmico, apresentaremos os resultados resumidamente, mas
recomendamos que realize esses cálculos para praticar, apropriar-
-se dos conceitos, garantindo, assim, que consiga determinar as
perdas de cargas distribuídas e localizadas por conta própria.
NOTA
Assim como fizemos para a tubulação de sucção, as informações e os cálculos
das perdas de carga distribuídas e singulares para a tubulação de recalque estão apre-
sentadas nos Quadros 4 e 5, respectivamente.
186
Quadro 4 – Perdas de carga distribuídas no recalque
Fonte: os autores
Dados
Sendo f = 0,0175, DH = 0,09 m,
vR = 7,863 m/s, g = 10 m/s²
Trecho De (s) a (6) De (6) a (7)
Comprimento (L) 9 m 25 m
hf 5,4098 m 15,0273 m
hf0,8 20,4371 m
Quadro 5 – Perdas de carga singulares no recalque
Fonte: os autores
Dados
Sendo vR = 7,863 m/s e g = 10 m/s²
Singularidade (4) (5) (6) (7)
kS 0,5 10 0,9 1
hS 1,5457 m 30,9134 m 2,7822 m 3,0913 m
hS0,8 38,3326 m
Enfim, podemos avaliar a perda de carga total do sistema:
Agora, voltando à equação da energia, basta resolvermos para HB:
187
Para determinarmos a potência da bomba, devemos considerar sua eficiência
(ηB = 0, 75):
Entretanto, o exercício ainda não acabou. Ainda, é pedida a pressão na entrada
da bomba, a qual é um ponto importante para desenvolvermos o conceito que será
apresentado a seguir. Utilizando a equação da energia entre os pontos (0) e (e):
Para as considerações que utilizamos, H0 = 0, os termos de perda de carga
distribuída e localizada no trecho de (0) a (e) já foram avaliados:
Desmembrando He e tendo em mente que a velocidade, nesta seção, é justa-
mente a velocidade na tubulação de sucção vS, temos:
Em termos de pressão absoluta, como patm = 101 kPa:
Enfim, resolvemos totalmente o problema!
Agora, analisaremos a importância da pressão absoluta na entrada da bomba.
Talvez, não tenhamos reparado, mas o enunciado do exercício deu uma informação
que, até aqui, não havíamos discutido: a pressão de vapor da água, pvapH2O (absoluta). De
forma científica, pressão de vapor é a pressão exercida por um vapor quando este está
188
em equilíbrio termodinâmico com o líquido que lhe deu origem, ou seja, a quantidade
de líquido que evapora é a mesma que se condensa. A importância disso é que, nas
condições de temperatura em questão, se a pressão absoluta do fluido caísse até
pvapH2O (por exemplo, decorrente das perdas de carga), o fluido começaria a evaporar.
A formação de vapor em tubulações e máquinas hidráulicas leva a um fenômeno
chamado de cavitação, muito preocupante para a Engenharia, quanto a garantir o bom
funcionamento de instalações hidráulicas.
A cavitação ocorre quando há bolhas de vapor em tubulações ou
máquinas hidráulicas, sendo prejudicial para o seu funcionamento.
As bolhas, ao alcançarem pontos de maior pressão, condensam
bruscamente e implodem com grande liberação de energia. Além
de causar vibrações intensas, isso acarreta a erosão das paredes,
devido ao choque das partículas de líquido, danificando o equipa-
mento e reduzindo sua vida útil consideravelmente. Esses efeitos
combinados fazem, ainda, com que o rendimento atingido pelas
máquinas seja sempre muito baixo, aumentando o gasto energéti-
co (BRUNETTI, 2008).
NOTA
Para evitar que a cavitação aconteça, é necessário garantir
que a pressão em todos os pontos dentro da bomba esteja
acima da pressão de vapor. Como forma de fazer isso, os fa-
bricantes de bombas fornecem um parâmetro denominado
NPSH (sigla do inglês: net positive suscito head, que pode ser
traduzido como “carga de sucção positiva líquida”), calculado
pela diferença entre a carga de pressão de estagnação na
entrada da bomba e a carga da pressão de vapor:
Os valores fornecidos pelos fabricantes são dados em função
da vazão, sendo os valores mínimos de NPSH que devem ser
operados para evitar a cavitação na bomba.
IMPORTANTE
Com isso, concluímos este tema de aprendizagem – o último referente à mecâ-
nica dos fluidos. Ainda nesta unidade, trataremos dos fenômenos de transferência de
calor, também fundamentais para todas as aplicações de Engenharia.
189
Para conhecer uma estratégia que lagostas adotam usando a cavitação
como artifício, acesse o link a seguir e assista ao vídeo, desenvolvido pelo
canal SmarterEveryDay, que faz uma análise de bioengenharia acerca
das lagostas-boxeadoras – crustáceos capazes de dar socos à velocida-
de de um tiro calibre .22, que acabam provocando cavitação na água
para quebrar carapaças, conchas e vidros: https://www.youtube.com/
watch?v=LXrxCT0NpHo.
Tanto o áudio como as legendas estão disponíveis apenas em inglês.
DICA
Para saber mais sobre cavitação, acesse o link e assista a
um vídeo, desenvolvido pelo canal Engenharia & Cia, que
apresenta os conceitos de pressão de vapor, cavitação
e o seu impacto na vida útil de equipamentos e instala-
ções: https://www.youtube.com/watch?v=qy3TlK3qPNw
DICA
190
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• A equação de Bernoulli : um balanço de energia entre
dois pontos de um escoamento, que faz uso de seis hipóteses simplificadoras (regi-
me permanente, fluido ideal e incompressível, sem troca de calor, sem trabalho de
eixo, e propriedades uniformes nas seções do escoamento).
• Os tubos de Pitot, que são medidores de velocidade: são pequenos tubos com sua
extremidade aberta alinhada ao escoamento, dobrados em ângulo reto e, geralmen-
te, acoplados a um piezômetro. Permitem mensurar a velocidade do escoamento
pontualmente ao aplicarmos o balanço de energia.
• Como inserir termos adicionais à equação da energia, quando queremos lidar com
fluidos reais ou quando há ocorrências de máquinas, como bombas e turbinas,
no escoamento, resultando no seguinte balanço de energia:
.
• Como calcular a eficiência (ou rendimento) de uma máquina, que é a razão entre a
energia fornecida e a energia recebida pela máquina. Naturalmente, deve ser um va-
lor entre 0 e 1. A potência fornecida ao fluido (N) por uma máquina (como uma bomba)
pode ser calculada a partir da sua carga (HM), utilizando a relação N = γ ⋅ Q ⋅ HM. Para
uma máquina com eficiência ηB, a potência dessa máquina será, então, NB = N/ηB.
• As definições de raio hidráulico (RH = A/σ) e de diâmetro hidráulico (DH = 4RH), em que
σ é o perímetro molhado.
• As paredes dos condutos apresentam rugosidade (ε), que são pequenas variações
de altura que contribuem para a perda de carga. Geralmente, essa rugosidade é ta-
belada de acordo com o material que compõe o conduto. No entanto, na maioria das
vezes, nosso interesse será a rugosidade relativa (DH/ε).
• Camada limite – é a camada de fluido de um escoamento que fica junto à superfície
sólida. A espessura da camada limite, no regime turbulento, é maior que no regime
laminar. Além disso, no regime turbulento, podemos diferenciar duas regiões da ca-
mada limite – a camada limite turbulenta e a subcamada limite laminar.
191
• Para a camada limite, podemos identificar se o regime é laminar ou turbulento por
meio do valor de Reynolds crítico. Para escoamento em placa plana, Recr = 5 × 105.
• O comprimento de entrada (Lh), também chamado de comprimento crítico – é aquele
que vai desdea entrada do conduto até a junção das camadas limites no centro dele.
Essa região é também chamada de região de entrada, e, a partir desse comprimento,
o escoamento é dito completamente desenvolvido ou dinamicamente estabelecido.
• A perda de carga – é a perda de energia de um escoamento na forma de energia
por unidade de peso do fluido. Podemos identificar dois tipos diferentes: a perda de
carga distribuída h𝑓, que surge devido ao atrito do fluido com as paredes do conduto,
e a perda de carga singular (ou localizada) hS, que surge devido à presença de singu-
laridades, como válvulas. Assim, a perda de carga na equação da energia pode ser
escrita como .
• A perda de carga distribuída pode ser calculada pela relação . Em que
𝑓 é conhecido como fator de atrito e pode ser estipulado consultando o diagrama de
Moody-Rouse, sendo necessário conhecermos, antecipadamente, os valores de c e
de rugosidade relativa. No entanto, para escoamentos laminares, o fator de atrito é
função apenas de Re e independe da rugosidade da tubulação, podendo ser calcula-
do pela relação 𝑓 = 64/Re.
• A perda de carga singular (ou localizada) pode ser calculada de duas maneiras: usan-
do a relação , em que kS é o coeficiente da perda de carga singular, sendo
especificado ao consultar tabelas para cada tipo de singularidade; ou usando méto-
do dos comprimentos equivalentes, o qual utiliza um comprimento fictício (Leq), que,
para uma tubulação de seção constante de mesmo diâmetro que a singularidade,
produziria uma perda de carga distribuída equivalente à perda de carga da própria
singularidade, ou seja, é usada a relação .
• A cavitação é um fenômeno é indesejável, pois causa vibrações intensas e erosões
dos materiais. Trata-se da formação de bolhas de vapor em tubulações ou máquinas
hidráulicas. As bolhas, ao alcançarem pontos de maior pressão, condensam brusca-
mente e implodem com grande liberação de energia. Para que seja evitada, deve-se
avaliar o NPSH.
192
AUTOATIVIDADE
1 Tubos convergentes-divergentes podem ser utilizados para produzir vácuo. Como, na
figura a seguir, basta utilizar um fluido, tal como água, em uma vazão adequada para
que uma depressão seja criada na garganta. Considerando a hipótese de fluido ideal
e sem perda de carga, qual deve ser o diâmetro da garganta (2) para que uma vazão
de 8 kg/s produza uma depressão equivalente a 250 mmHg na câmara? Dados: D1 =
12 cm; ρH2O = 1.000 kg/m³; ρHg = 13.600 kg/ m³; g = 10 m/s².
Fonte: os autores
2 Certa turbina de uma usina hidrelétrica é capaz de produzir 60 MW de energia elé-
trica, com uma eficiência total de 80%. A movimentação dessa turbina é feita com a
captação de água localizada em um nível superior (1), que é, então, direcionada para
um nível inferior (2), sendo ambas grandes corpos d’água. Adote ρH2O = 1.000 kg/m³ e
g = 9,8 m/s². Considerando os dados da figura a seguir, sobre a perda de carga asso-
ciada ao processo, assinale a alternativa CORRETA:
Fonte: os autores
193
a) ( ) 25,00 m.
b) ( ) 36,22 m.
c) ( ) 59,18 m.
d) ( ) 163,78 m.
3 Considere o trecho de tubulação na figura a seguir, em que (2) é uma válvula de ga-
veta, (3) é uma válvula tipo globo e (4) é um cotovelo.
Fonte: Brunetti (2008)
O fabricante destas peças fornece os seguintes comprimentos equivalentes:
Fonte: os autores
O conduto é de ferro galvanizado (ε = 1,5 ⋅ 10-4 m), de seção circular (diâmetro D = 15 cm),
com um comprimento entre (1) e (5) de 20 m. Adotando v = 1 ⋅ 10-6 m²/s e g = 9,8 m/s²,
e considerando uma vazão de 18 L/s, sobre a perda de carga nesse trecho, assinale a
alternativa CORRETA:
a) ( ) 0,58 m.
b) ( ) 0,44 m.
c) ( ) 0,32 m.
d) ( ) 0,16 m.
Válvula de gaveta Válvula tipo globo Cotovelo
Leq (m) 0,352 16,94 3,91
194
Fonte: adaptada de Brunetti (2008)
4 Considerando o sistema apresentado na figura a seguir, em que o fluido escoando é
água a 10 °C (ρ = 999,7 kg/m³; μ = 1,307 ⋅ 10-3 Pa ⋅ s), a uma vazão de 9 L/s. A tubulação
é de seção circular, feita em ferro galvanizado (ε = 1,5 ⋅ 10-4 m). Determine a altura z1.
Adote g = 9,8 m/s² e consulte valores tabelados para os coeficientes de perda das
singularidades.
Fonte: adaptada de Çengel; Cimbala (2015)
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) 36,12 m.
b) ( ) 29,54 m.
c) ( ) 16,43 m.
d) ( ) 10,58 m.
5 Considerando a instalação de recalque na figura a seguir, calcule a potência da bomba
B, sabendo que seu rendimento é de 76%, para uma vazão de 20 L/s. O diâmetro da
tubulação de sucção é de 6,5 cm, enquanto o da tubulação de recalque é 12 cm. As
tubulações são todas de seção circular e ferro fundido (ε = 2,6 ⋅ 10-4 m). São dados: v =
10-6 m²/s; γ = 104 N/m³; Leq1 = 20 m; Leq2 = 2 m; Leq6 = Leq7 = 1 m; kS5 = 10; kS8 = 1; g = 10 m/s².
195
INTRODUÇÃO À TRANSFERÊNCIA
DE CALOR
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
1 INTRODUÇÃO
Podemos reparar que o nosso foco até agora se recaiu sobre a dinâmica de flui-
dos e transferência de momento, pois estudamos estática e cinemática de fluidos e, por
último, considerações energéticas em sistemas envolvendo fluidos.
Neste tema de aprendizagem, mudaremos o assunto principal dos nossos estu-
dos, pois sairemos da perspectiva da mecânica dos fluidos para adentrarmos nos concei-
tos de transferência de calor; ambas são partes fundamentais no estudo dos fenômenos
de transporte e muitos de seus efeitos são análogos e intrinsecamente relacionados.
Assim, será apresentada a transferência de calor, inicialmente, introduzindo os
conceitos fundamentais e apresentando algumas propriedades dos materiais que se
relacionam com a propagação e o armazenamento de calor. O primeiro mecanismo de
propagação de calor será estudado ao discutirmos a condução térmica e a lei de Fourier.
Depois, no segundo mecanismo de propagação de calor, a convecção, veremos a lei de
Newton do resfriamento. Por fim, discutiremos a radiação térmica, o último mecanismo,
e indetificaremos a lei de Stefan-Boltzmann.
Este é só o começo sobre o estudo da transferência de calor, pois apresentare-
mos os conceitos básicos, já que, no Tema de Aprendizagem 3, iremos falar sobre suas
aplicações em equipamentos térmicos.
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS
O primeiro passo é diferenciarmos os conceitos de termodinâmica e de trans-
ferência de calor, duas disciplinas básicas para diversas Engenharias. Essa diferença
pode não ser óbvia para um iniciante nos estudos dessas áreas, mas pode ser definida
de forma bastante simples e objetiva.
A termodinâmica está preocupada com a quantidade de calor que um sistema
perde ou recebe ao passar por um processo que o leva de uma condição de equilíbrio a
outra. Assim, em geral, a forma como essa troca de calor acontece não é uma preocu-
pação. Enquanto isso, a transferência de calor está preocupada especificamente com
a taxa de transferência de calor de um processo, ou seja, qual o tempo que esse calor
leva para ser trocado e quais são os parâmetros que influenciam nessa troca (por exem-
plo, aspectos geométricos e propriedades do material).
196
Observando o mundo desde uma forma casual e até uma perspectiva de Enge-
nharia, poderíamos fazer, por exemplo, as seguintes perguntas: quanto tempo levará até
que a água gelada dentro de uma garrafa térmica esfrie à temperatura ambiente? Como
peças de computador podem ser construídas buscando evitar superaquecimento? Qual
a potência necessária para que um aquecedor mantenha uma sala quente em um dia de
frio intenso? Como pode ser feito o isolamento térmico dessa mesma sala? Todas essas
são perguntas que a transferência de calor está interessada em responder.
Todo fenômeno de transporte acontece devido à existência de uma força motriz
e é mitigado pela presença de uma resistência ao fenômeno. Na mecânica dos fluidos,
vimos que essa força motriz era uma diferença (ou gradiente) de velocidades, muitas
vezes causada por uma diferençade pressão, e a resistência eram os efeitos viscosos
do escoamento. Para a transferência de calor, a força motriz será uma diferença de tem-
peratura, e a resistência será dada por aspectos geométricos e propriedades do material
(veremos mais detalhes a seguir).
Na Figura 28, as temperaturas de uma casa são avaliadas usando um leitor de
temperaturas por infravermelho. Isso é útil, por exemplo, para identificar quais cômodos
da casa ficarão mais quentes ou frios em dias comuns. Em uma perspectiva industrial,
uma possível preocupação seria a perda de energia em sistemas de tubulações para o
ambiente, por não estarem com isolamento térmico adequado (Figura 29). Dependendo
do processo em questão, isso pode significar prejuízo à eficiência energética do proces-
so, que, por sua vez, é traduzido em maior custo e, portanto, menor lucro.
Figura 28 – Visão térmica em infravermelho
de uma casa
Fonte: https://bit.ly/409X5ad.
Acesso em: 2 jan. 2023
Figura 29 – Visão térmica de um radiador
sem o isolamento térmico
Fonte: https://bit.ly/41gqUar.
Acesso em: 2 jan. 2023
197
O isolamento de tubulações é só um dos muitos problemas de Engenharia re-
lacionados à transferência de calor. Por exemplo, diversos equipamentos industriais
estão pautados na troca de energia entre dois meios, como trocadores de calor, aque-
cedores, resfriadores, caldeiras, condensadores, evaporadores e muitos outros. Com
isso, geralmente, estaremos preocupados com dois aspectos: qual a troca de calor
de um sistema operando a uma dada diferença de temperatura e quais as dimensões
do sistema para que uma troca de calor especificada os mantenha nas condições de
temperatura desejadas?
Assim, primeiramente, é preciso definir uma propriedade da matéria muito im-
portante para a transferência de calor.
Calor específico é a energia necessária para aumentar a tem-
peratura em um grau de uma unidade de massa de uma dada
substância (ÇENGEL; GHAJAR, 2012).
NOTA
Para facilitar o entendimento do conceito de calor específico, podemos imaginar
o sistema da Figura 30, em que há a entrada de 5 kJ de energia. Esse sistema é formado
por 1 kg de uma substância, a qual apresenta um calor específico c = 5 kJ/(kg ⋅ °C). Isso
pode ser lido da seguinte maneira: para aumentar 1 °C na temperatura de 1 kg de subs-
tância, é necessário fornecer 5 kJ de energia a ela.
Figura 30 – Efeito do calor específico na variação de temperatura de uma substância
Fonte: adaptada de Çengel; Ghajar (2012)
198
É importante mencionarmos que o calor específico é uma propriedade da maté-
ria que pode variar de acordo com o seu estado físico e suas condições de temperatura
e pressão. Ainda, é comum nos referirmos a dois tipos de calor específico: ao volume
constante (cV) ou à pressão constante (cp), sendo o segundo sempre maior que o pri-
meiro. Para gases ideais, o calor específico depende apenas da temperatura, e a seguin-
te equação é válida, em que R é a constante dos gases ideais, 8,31 J/(mol ⋅ K):
Para substâncias incompressíveis (sólidos e líquidos), podemos assumir que
ambos os calores específicos são iguais e, por simplicidade, serão representados pela
letra “c”. Além disso, os calores específicos de substâncias incompressíveis dependem
apenas da temperatura. Assim, quando desejarmos avaliar a energia que deve ser for-
necida para variar a temperatura de sólidos e líquidos, sem que haja mudança de fase,
podemos utilizar a seguinte equação:
Em que c é o calor específico médio entre as temperaturas T2 e T1 (por isso, fre-
quentemente, também pode ser chamado de cméd), sendo m a massa da substância e Q
a quantidade de calor.
Em geral, trabalharemos com a unidade do calor específico no
SI: kJ/(kg ⋅ K). Contudo, podemos reparar que esta unidade
é idêntica a kJ/(kg ⋅ °C), uma vez que ΔT(°C) = ΔT(K), ou seja,
uma variação de 1 °C equivale a uma variação de 1 K. Outras
unidades comuns são cal/(g ⋅ °C) e Btu/(lbm ⋅ °F).
ATENÇÃO
Na equação anterior, notamos que o termo Q tem dimensão de energia (uma
possível unidade seria o J, por exemplo). No estudo dos fenômenos de transporte, fre-
quentemente, são usados os termos taxa e fluxo. A taxa de transferência de calor
é, em geral, denotada por e tem dimensões de energia por tempo (uma unidade é
o Q, por exemplo). O fluxo de calor, por sua vez, tem uma definição um pouco menos
intuitiva: é a taxa de transferência de calor por unidade de área, sendo denotada por .
Esse conceito será mais bem explorado e ilustrado mais adiante.
199
Além disso, é importante definirmos, também, o chamado calor latente, que,
de forma simplificada, é a energia necessária para que ocorra uma mudança de fase.
Para substâncias puras, a mudança de fase ocorre a temperaturas constantes e pode-
-se usar a equação:
Q = m ⋅ L
Podemos notarque L é o calor latente referente à mudança de fase em questão,
dado em dimensões de energia por unidade de massa.
Definidos esses conceitos, é importante ressaltarmos que a lei de conservação
da energia deve permanecer válida, ou seja, podemos fazer balanços de energia seguin-
do uma lógica semelhante ao que fizemos na Unidade 1 e no Tema de Aprendizagem 1
desta unidade, analisando as entradas, as saídas, os acúmulos e as gerações de energia
que acontecem no sistema. Dito isso, nossa abordagem será mais focada nos mecanis-
mos de transferência de calor: condução, convecção e radiação.
3 CONDUÇÃO UNIDIMENSIONAL
Devemos considerar as seguintes situações: ao colocarmos a ponta de uma
faca de metal no fogo, a extremidade oposta também ficará quente após certo tempo;
ao ligarmos o aquecedor em uma casa durante um dia frio, o lado interno da parede
fica mais quente do que o lado externo, apesar de a parede toda esquentar. Ambos os
casos são exemplos de condução de calor, em que as partículas com maior temperatura
(maior energia) de uma substância transferem energia para as partículas vizinhas com
menor temperatura (menos energia).
3.1 CONDUÇÃO UNIDIMENSIONAL EM REGIME
PERMANENTE
Os exemplos, apresentados anteriormente, ilustram a transferência de calor por
condução em situações comuns do cotidiano. Em uma perspectiva de Engenharia, elas
podem tomar escalas consideráveis, como a perda de calor pelas paredes de um forno
industrial ou o perfil de temperaturas nas paredes de um equipamento. É importante
observarmos que a condução acontece em todos os estados da matéria: em sólidos, por
meio das vibrações das moléculas e dos elétrons livres entre elas; em líquidos e gases,
por meio das colisões e difusões dos movimentos aleatórios das moléculas.
200
Experimentalmente, observa-se que a condução de calor depen-
de de quatro aspectos: a diferença de temperatura, a substância,
a geometria e a espessura do sistema. A relação entre estas gran-
dezas foi estudada e estabelecida, pela primeira vez, por J. Fourier
(1768-1830), matemático e físico francês que desenvolveu a equa-
ção denominada de Lei de Fourier da condução térmica:
Podemos notar que k é a chamada condutividade térmica, carac-
terística do material, que representa a capacidade do material de
conduzir calor.
NOTA
Por exemplo, em temperatura ambiente, a água apresenta kágua = 0,607 W/(m ⋅
K), enquanto o ferro tem kferro = 80,2 W/(m ⋅ K). Estes números conduzem o que somos
capazes de observar experimentalmente: o ferro é um condutor de calor muito melhor
que a água. Mais valores de condutividade térmica estão apresentados na Tabela 3.
Tabela 3 – Condutividade térmica de alguns materiais em temperatura ambiente
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 20)
Material Material Material
Diamante 2.300 Ferro 80,2 Pele humana 0,37
Prata 429 Mercúrio 8,54 Madeira 0,17
Cobre 401 Vidro 0,78 Fibra de vidro 0,043
Ouro 317 Tijolo 0,72 Ar 0,026
Alumínio 237 Água 0,607 Uretano 0,026
A equação da Lei de Fourier da condução térmica expressa a condução de calor
na forma de taxa, em que a área A é sempre normal à direção da transferência de calor.
Para ofluxo, como definimos anteriormente, ela pode ser escrita como:
201
Volte à Tabela 1 da Unidade 1 e observe a semelhança entre os
fenômenos da transferência de momento e da transferência de
calor. O gradiente de temperatura é a força motriz que causa o
fenômeno, e a condutividade térmica é quando o fenômeno é
resistido pelas características do material.
ATENÇÃO
Fonte: adaptada de Incropera; Dewitt (2008)
Para melhor ilustrar a Lei de Fourier, por exemplo, podemos considerar a pare-
de de um forno industrial feita em tijolo, com 0,20 m de espessura. O lado interno está
a 1.150 °C e o lado externo, a 900 °C. Sabendo que as dimensões da parede são 1,5 m
(comprimento) por 1,0 m (altura), como determinamos a taxa de calor perdida através
desta parede?
Solução: considerando que o sistema, em questão, opera em regime perma-
nente, que a parede é perfeitamente plana e de condutividade térmica constante, e que
a temperatura varia só ao longo da sua espessura (ou seja, a transferência de calor é
unidimensional; as temperaturas não variam ao longo da largura e da altura), podemos
usar a Lei de Fourier da condução:
Quando trabalhamos com a Lei de Newton da Viscosidade, para simplificar a
solução do problema, assumimos que o diagrama de velocidades era linear com a es-
pessura do escoamento. Aqui, as condições de estado estacionário nos permitem fazer
uma simplificação análoga, admitindo o diagrama de temperatura linear com a espes-
sura da parede (como esquematizado na Figura 31).
Figura 31 – Representação esquemática da condução de calor unidimensional em regime
202
Com isso, podemos escrever a Lei de Fourier na forma:
Tendo como base a Tabela 3, temos que ktijolo = 0,72 W/(m ⋅ K). Como a parede
é perfeitamente plana, podemos calcular a área simplesmente como a área de um re-
tângulo:
O problema pode ser esquematizado de acordo com a Figura 32.
Figura 32 – Representação esquemática do problema de condução de calor unidimensional em parede plana
Fonte: adaptada de Incropera; Dewitt (2008)
Então, basta substituirmos os valores para determinar a taxa de transferência
de calor pela parede:
Se quiséssemos conhecer o fluxo de calor, bastaria fazer:
203
Em alguns livros, o uso do sinal negativo, na equação, às vezes, é ocultado,
uma vez que a função dele é meramente indicar o sentido da transferência de calor (sai
do ponto de temperatura mais alta para o ponto de temperatura mais baixa). Aqui, se a
taxa de transferência de calor for positiva, significa que a direção da seta, representada
no esquema da Figura 32, aponta corretamente a direção do fenômeno (o calor vai da
face interna da parede para a face externa). Essa observação também é válida para as
demais equações dos fenômenos de transporte, como a Lei de Newton da viscosidade
que estudamos anteriormente.
Além da condutividade térmica, existe outra característica dos materiais
que aparece frequentemente no estudo da transferência de calor: é a
chamada difusividade térmica (a), definida pela equação:
No SI, a difusividade térmica é expressa em m²/s. O produto ρ ⋅ cp repre-
senta a capacidade de armazenamento de calor por unidade de volu-
me do material. Dessa forma, a difusividade térmica pode ser entendida
como a razão entre o calor conduzido e o calor armazenado por um ma-
terial – quanto maior, mais o calor se propaga no meio; quanto menor,
mais o calor é absorvido e armazenado pelo material.
NOTA
3.2 RESISTÊNCIA TÉRMICA
As analogias entre os fenômenos de transporte vão além das questões de mo-
mento, calor e massa. Em algum momento das aulas de física, provavelmente, estu-
damos sistemas de resistências elétricas, em que uma diferença de potencial (v2 – v1)
promovia o surgimento de uma corrente elétrica (i) através de uma resistência (Re),
como sugere a Figura 33.
Figura 33 – Esquema típico de circuito elétrico com resistência
Fonte: os autores
204
A relação entre as grandezas é dada por:
Agora, na Lei de Fourier da condução, como utilizamos no exemplo do Tema de
Aprendizagem 1:
NOTA
Podemos combinar a condutividade térmica do material e
as suas características geométricas na forma da chamada
resistência térmica (R):
Com isso, a Lei de Fourier fica exatamente semelhante à
equação para cálculo da corrente elétrica:
Dessa forma, podemos representar o fenômeno da transferência de calor por
condução por meio do esquema expresso na Figura 34.
Figura 34 – Esquema típico de circuito térmico com resistência à condução
Fonte: os autores
Não somente a representação pode ser feita de forma análoga, mas também
os problemas envolvendo sistemas de resistências. Por exemplo, um problema de
transferência de calor envolvendo múltiplas camadas de materiais diferentes pode ser
esquematizado como um sistema de resistências em série (Figura 35).
205
Figura 35 – Circuito térmico para uma parede de multicamadas
Fonte: adaptada de Incropera; Dewitt (2008)
A taxa de transferência de calor da parede composta pode ser determinada
avaliando-se a taxa em cada parede. Assim, os circuitos térmicos podem ser calculados
da mesma forma como os circuitos elétricos. Para a condução em três paredes em série,
como a Figura 35, temos:
ESTUDOS FUTUROS
Além disso, bem como é feito com circuitos elétricos, é conveniente tra-
balharmos com um coeficiente global de transferência de calor (U),
análogo ao uso de uma resistência equivalente para os circuitos elétricos:
Podemos notar que U tem unidades como (no SI). Nessse mo-
mento, nosso foco está mais centrado na resistência total (Rtotal), mas o
coeficiente global de transferência de calor será importante no Tema de
Aprendizagem 3.
206
Definido o conceito de resistência térmica, é fácil compreendermos o conceito
de isolante térmico: materiais que apresentam elevada resistência térmica, ou seja, são
péssimos condutores (sua condutividade térmica é extremamente baixa). O isolamento
térmico de uma tubulação, por exemplo, é feito revestindo o conduto com um material
de baixa condutividade.
Assim, é importante reforçar o que aprendemos com mais um exemplo: uma
janela de painel duplo é composta de duas placas de vidro, separadas por um espaço
de ar estagnado. Esse tipo de janela é popular em climas mais frios, porque a camada
de ar entre os vidros garante uma resistência térmica maior, de modo a evitar a perda
de calor do interior do ambiente para o exterior. Ao considerarmos o esquema da Figura
36, em que o painel tem 1,0 m de altura por 1,5 m de largura, se T1 = 20 °C e T4 = -10 °C,
qual a taxa de transferência de calor por meio dessa janela de painel duplo? Deve-se
determinar, também, as temperaturas T2 e T3.
Figura 36 – Esquema ilustrativo do exemplo trabalhado sobre resistência térmica
Fonte: os autores
Solução: consideraremos que o sistema está em regime permanente, de modo
que as temperaturas permaneçam constantes nos valores especificados, assumindo
que a transferência de calor é unidimensional e que condutividades térmicas do ar e do
vidro são constantes.
207
Com base na Tabela 3, temos: kvidro = 0,78 W/(m ⋅ K) e kar = 0,026 W/(m ⋅ K).
A área do painel é facilmente calculada:
As resistências R1, R2 e R3 podem ser calculadas individualmente:
O sistema pode ser entendido como uma parede multicamadas com resistên-
cias em série. Dessa forma, a resistência total pode ser calculada como a soma das
resistências:
Com isso, a taxa de transferência de calor pode ser determinada:
Para determinar as temperaturas T2 e T3, basta utilizarmos a taxa de transferên-
cia de calor individualmente em cada resistência. Assim, para a primeira placa de vidro:
208
Para a camada de ar estagnado:
Por meio dos cálculos, foi possível observar que a camada de ar atua como
isolante, pois apresenta uma resistência térmica relativamente elevada. Se ela não es-
tivesse presente, a taxa de transferência de calor seria consideravelmente maior (pois
a resistência seria menor). Caso umaresistência ainda maior fosse necessária, seria
possível, até mesmo, utilizar janelas de painel triplo. Podemos notar que, tanto a perda
de calor no inverno quanto o ganho de calor no verão, são reduzidos, ou seja, por meio
do isolamento das janelas, os gastos com aquecedores e aparelhos de ar-condicionado
podem ser reduzidos, garantindo uma melhor eficiência energética do ambiente.
Conhecidos os problemas de paredes multicamadas em série, é natural ima-
ginarmos que uma ideia parecida também seja aplicável a multicamadas em paralelo,
como o exemplo representado na Figura 37.
Figura 37 – Parede composta série-paralela
Fonte: adaptada de Incropera; Dewitt (2008)
De fato, tal abordagem existe, mas passa a se tratar de um sistema com escoa-
mento de calor multidimensional (o que foge do escopo deste livro didático). Dito isso,
a hipótese de condições unidimensionais é frequentemente razoável; contudo, dois di-
ferentes circuitos térmicos podem ser usados. No primeiro, considera-se que os perfis
de temperatura em B e C sejam iguais, ou seja, as superfícies normais à direção x são
isotérmicas. Assim, o circuito térmico pode ser representado na Figura 38.
209
Figura 38 – Primeiro circuito térmico de uma parede composta série-paralela
Fonte: adaptada de Incropera; Dewitt (2008)
No segundo, divide-se a parede horizontalmente, de modo a formar duas (ou
mais) séries de resistências em paralelo. Dessa forma, faz-se a suposição de que as
superfícies paralelas à direção x sejam adiabáticas (ou seja, não trocam calor na dire-
ção vertical, mantendo o escoamento unidimensional). A representação desse circuito
é apresentada na Figura 39.
Figura 39 – Segundo circuito térmico de uma parede composta série-paralela
Fonte: adaptada de Incropera; Dewitt (2008)
Os valores obtidos das resistências totais Rtotal dos circuitos das Figuras 38 e
39 são distintos, sendo que ambos são aproximações. O valor exato está, na verdade,
entre os valores previstos pelos dois casos. Quanto maior for o efeito multidimensional
(ou seja, quanto maior a diferença entre kC e kB), maior será a diferença entre os Rtotal
estimados.
210
4 FUNDAMENTOS DA CONVECÇÃO
O segundo dos três mecanismos de transferência de calor que iremos estudar é
a convecção, que aborda o fenômeno de troca térmica por meio do movimento de flui-
dos com uma superfície sólida. Evidentemente, o escoamento de fluidos foi o tema cen-
tral anteriormente e, por isso, estará intrinsecamente presente também nesse assunto.
A primeira observação que se faz com relação ao movimento de fluido é que o seu
movimento pode ser natural (o fluido mais quente sobe e o mais frio desce por diferença
de densidades) ou forçado (por exemplo, mediante o uso de uma bomba ou ventilador).
A convecção aborda o fenômeno de troca térmica por meio do
movimento macroscópico de fluidos. Classifica-se a convecção
como natural (ou livre) ou forçada. Além disso, ela também é
classificada como externa (escoamento sobre uma superfície)
ou interna (escoamento dentro de um conduto). Ambas as clas-
sificações são justamente semelhantes às que foram usadas para
descrever o escoamento de fluidos anteriormente.
NOTA
4.1 LEI DE NEWTON DO RESFRIAMENTO
Em termos matemáticos, a descrição do fenômeno de convecção apresenta
certo grau de complexidade, pois envolve o movimento do fluido e a própria condução
de calor entre as moléculas. Apesar disso, verifica-se, experimentalmente, que a taxa de
transferência de calor por convecção pode ser muito bem representada pela sua equa-
ção mais fundamental, a chamada Lei de Newton do resfriamento.
NOTA
A Lei de Newton do resfriamento é escrita na forma:
Podemos notar que h é denominado coeficiente de transferência
de calor por convecção (no SI, ), A é a área de transferência
de calor, TS é a temperatura da superfície sólida e T∞ é a temperatura
do fluido longe da superfície (em outras palavras, é a temperatura do
fluido sem a interferência da troca térmica com a superfície).
211
Em um exemplo, para ilustrar o uso dessa equação, temos um fio elétrico com
1,5 m de comprimento e 3 mm de diâmetro em uma sala, mantida a 15 °C. A passagem
de corrente elétrica por esse fio faz com que ele esquente até uma temperatura de 135
°C na superfície, o que equivale a uma potência de 75 W. Como podemos determinar
o coeficiente de transferência de calor por convecção entre a superfície do fio e o ar
na sala?
Solução: considerando condições de regime permanente e propriedades cons-
tantes, podemos fazer uma esquematização simples do problema, como mostra a
Figura 40.
Figura 40 – Representação esquemática do exemplo proposto sobre convecção
Fonte: os autores
Assim, a potência de 75 W pode ser entendida como uma geração de energia
nesse sistema. Nas condições de regime permanente, esta deve ser a taxa de transfe-
rência de energia por convecção que sai do fio para a sala (do contrário, as temperaturas
não estariam constantes/estacionárias).
A área superficial do fio é facilmente calculada como a área de um cilindro da
seguinte forma:
Para determinar o coeficiente, basta utilizarmos a Lei de Newton do resfriamento:
212
4.2 CAMADA LIMITE TÉRMICA
Evidentemente, a Lei de Newton do resfriamento é, matematicamente, bastan-
te simples. Contudo, a verdadeira complexidade dos problemas de convecção está em
determinar o coeficiente h, que depende de características do escoamento, das proprie-
dades do fluido, da geometria e da rugosidade da superfície sólida. Por ser dependente
de tantas variáveis, diversos números adimensionais surgem para tentar descrever o
fenômeno da convecção – o primeiro deles é o número de Nusselt (Nu):
Em que k é a condutividade térmica do fluido e Lc é o comprimento característi-
co. O significado físico do número de Nusselt pode ser mais bem entendido consideran-
do a Figura 41, na qual uma camada de fluido troca calor por convecção se estiver em
movimento ou por condução se estiver imóvel.
Figura 41 – Transferência de calor através de uma camada de fluido
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 377)
Da Lei de Fourier da condução e da Lei de resfriamento de Newton, temos as
equações:
Dividindo-se o calor por convecção pelo calor por condução:
213
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 383)
Portanto, o número de Nusselt indica o aumento da transferência de calor como
resultado da convecção diante da transferência de calor obtida por condução. Quanto maior
for o número de Nusselt, maior o calor que o fluido trocará com o ambiente por convecção.
Por isso, utilizamos a convecção forçada em nosso cotidiano: usamos ventiladores para
maior resfriamento do ambiente ou mexemos e sopramos caldos, sopas e bebidas para res-
friá-los, por exemplo. A convecção natural também atua com o mesmo sentido: a sensação
térmica em um dia frio com ventos fortes faz parecer muito mais frio do que realmente está.
O segundo número adimensional que nos interessa é o chamado número de
Prandtl, definido como:
Como sua definição sugere, o número de Prandtl compara a difusão de mo-
mento com a difusão térmica. Isso fica mais claro quando nos lembramos do conceito
sobre a camada limite hidrodinâmica, em que vimos que, quando um escoamento livre
passa a escoar sobre uma superfície sólida, começa-se a desenvolver um perfil de velo-
cidades, devido aos efeitos viscosos decorrentes do princípio do não deslizamento. De
maneira análoga, quando um fluido a uma dada temperatura passa a escoar sobre uma
superfície com temperatura diferente, observa-se a formação de um perfil de tempera-
turas e, com isso, a chamada camada limite térmica.
A Figura 42 mostra a formação da camada limite térmica em um escoamento inicial-
mente uniforme a T∞, que passa a escoar sobre uma superfície à temperatura TS . A espessura
da camada limite térmica (δt) é definida como a distância da superfície em que a diferença de
temperatura T – TS = 0,99 (T∞ – TS ). Em outras palavras, a camada limite térmica é formadapelos pontos em que a temperatura do escoamento é afetada pela temperatura da placa.
Figura 42 – Camada limite térmica sobre uma placa plana (T∞ > TS)
214
Como é possível imaginar, a velocidade do fluido tem forte influência em como
essa camada limite térmica irá se desenvolver e, por consequência, na transferência de
calor por convecção.
4.3 CONVECÇÃO EM CIRCUITOS TÉRMICOS
Anteriormente, fizemos o desenvolvimento do conceito de circuitos e resistên-
cias térmicas para a condução do calor. De forma bastante simples, isso pode ser feito
para a convecção, baseando-se na Lei de Newton do resfriamento:
Com isso, problemas envolvendo paredes planas multicamadas com convecção
nas superfícies podem ser resolvidos como circuitos térmicos com relativa facilidade
(desde que sejam conhecidos os coeficientes de transferência de calor por convecção).
Quando tratamos apenas da condução, resolvemos o problema da perda de
calor através de uma janela de painel duplo, em que, na verdade, aproximamos a tem-
peratura das superfícies para as temperaturas dos ambientes (20 °C e -10 °C, interna e
externa). Agora, podemos rever o problema para a janela de painel único, em que deve-
mos determinar corretamente as temperaturas das superfícies.
Em um dia frio, o ambiente interno de uma janela de painel único, que tem 1,0
m de altura por 1,5 m de largura e 10 mm de espessura, é mantido à temperatura de 20
°C, enquanto o ambiente externo está a uma temperatura de -10 °C. Sabendo que os
coeficientes de convecção interno e externo são hi = 12 W/(m² ⋅ K) e he = 36 W/(m² ⋅ K),
como podemos determinar a taxa de transferência de calor e a temperatura das super-
fícies interna e externa da janela?
Solução: novamente, devemos considerar que o sistema está em regime per-
manente, de modo que as temperaturas permaneçam constantes nos valores especi-
ficados. Além disso, assume-se que a transferência de calor é unidimensional e que a
condutividade térmica do vidro é constante. O problema pode ser esquematizado como
mostra a Figura 43.
215
Figura 43 – Representação esquemática do exemplo proposto sobre condução de calor de forma
simultânea com convecção
Fonte: os autores
O primeiro passo é avaliarmos a área da janela:
Sabendo que kvidro = 0,78 W/(m ⋅ K) (ver Tabela 3), as resistências térmicas são:
216
Como estão em série, a resistência total é dada pela soma das resistências, logo:
Agora, basta substituirmos, na equação, para a taxa de transferência de calor
para a resistência total do circuito:
Em posse disto, é fácil determinarmos as temperaturas nas superfícies interna
e externa. Para a primeira resistência:
Para a segunda resistência:
É interessante observarmos como estes resultados diferem dos que vimos no
exemplo para o painel duplo. Evidentemente, no primeiro exemplo, os devidos efeitos
de convecção não foram considerados, porém, a diferença observada ocorre, principal-
mente, pela ausência da camada de ar estagnado, que atua como isolante. Para a janela
de painel único, apesar de a temperatura da sala ser de 20 °C, a superfície interna está
a -0,18 °C, de modo que, se a umidade do ambiente for suficiente, poderá haver a con-
densação sobre a superfície interna do vidro, deixando-o embaçado.
Uma última observação deve ser feita quanto às resistências térmicas e ao uso
de isolantes térmicos: ao fazer o isolamento de uma tubulação cilíndrica, quanto mais
espessa for a camada de isolante em torno da tubulação, maior será a área superficial
exposta aos efeitos de convecção. Isso sugere a existência do chamado raio crítico de
isolamento, definido para um cilindro como:
217
Podemos considerar, como exemplo do efeito do isolamento, a representação
na Figura 44.
Figura 44 – Efeito do isolamento em tubos cilíndricos
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 161)
Assim, se r1 < r2 < rcr, a taxa de transferência de calor aumenta com a adição de
isolamento, atingindo um máximo em r2 = rcr, e passa a diminuir para r2 > rcr – isto é, até
uma dada espessura, usar isolamento aumentará a perda de calor, em vez de mitigá-la,
pois a convecção será o efeito dominante. Dito isso, a experiência demonstra, em ge-
ral, que o raio crítico será de, no máximo, 1 cm. Portanto, podemos isolar a maioria das
tubulações sem grandes preocupações com a possibilidade de estarmos, na verdade,
aumentando a transferência de calor. A título de curiosidade, o raio crítico de isolamento
para esferas é dado por:
218
Acadêmico, talvez, você já tenha reparado que alguns equipamentos
apresentam superfícies estendidas, feitas de materiais altamente
condutores (como o alumínio), como radiadores de carro e compo-
nentes de computadores. Essas superfícies são chamadas aletas e
têm, como objetivo, aumentar a transferência de calor, por meio do
aumento da superfície exposta à troca térmica (principalmente por
convecção). Essa estratégia é observada, até mesmo, na natureza
– por exemplo, as placas ósseas presentes nas costas dos estegos-
sauros serviam como radiadores para resfriamento do sangue que
fluía através delas (ÇENGEL; GHAJAR, 2012).
IMPORTANTE
5 FUNDAMENTOS DA RADIAÇÃO
Finalmente, falta apenas tratarmos do terceiro mecanismo de transferência de
calor: a radiação. Esse mecanismo é particularmente interessante, pois a energia é
transferida na forma de ondas eletromagnéticas, resultantes das mudanças nos elé-
trons de átomos ou moléculas. Portanto, ela não depende de um meio para se propagar
– afinal, é a forma como a energia do Sol chega até a Terra, após percorrer distâncias
planetárias em condições de vácuo.
Outro fator importante é que a radiação térmica (ou seja, emitida pela tempera-
tura dos corpos) é diferente das outras formas de radiação eletromagnética (como raios
X, micro-ondas e ondas de rádio). Todo sólido, líquido ou gás que esteja a uma tempera-
tura superior ao zero absoluto (0 K) emite, absorve ou transmite radiação.
A equação que determina a taxa máxima de radiação que pode ser emitida por uma
superfície à temperatura TS é a chamada Lei de Stefan-Boltzmann da radiação térmica:
Em que σ = 5,670 ⋅ 10 – 8 W/(m2 ⋅ K4) é a constante de Stefan-Boltzmann e TS é a tempe-
ratura termodinâmica (ou seja, em Kelvin ou Rankine) da superfície.
Na prática, essa radiação máxima é emitida somente por uma superfície idealizada, cha-
mada de corpo negro. Para superfícies reais, utiliza-se um parâmetro ε (0 ≤ ε ≤ 1), que é
chamado de emissividade da superfície. Assim:
NOTA
219
Quando tratarmos de uma pequena superfície à temperatura
TS completamente envolvida por uma vizinhança de superfície
isotérmica à temperatura Tviz, separadas por um gás que não in-
fluencia na radiação (como o ar), a taxa líquida de transferência
de calor por radiação entre essas duas superfícies pode ser de-
terminada por:
Na Tabela 4, são apresentadas as emissividades típicas para algumas superfícies.
Tabela 4 – Emissividade de alguns materiais a 300 K
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 28)
Material ε Material ε Material ε
Alumínio em
folhas
0,07 Pintura preta 0,98 Pele humana 0,95
Alumínio
anodizado
0,82 Pintura branca 0,90 Madeira 0,82 – 0,92
Cobre polido 0,03 Papel branco 0,92 – 0,97 Terra 0,93 – 0,96
Ouro polido 0,03
Pavimento
asfáltico
0,85 – 0,93 Água 0,96
Prata polida 0,02 Tijolo vermelho 0,93 – 0,96 Vegetação 0,92 – 0,96
Aço inoxidável
polido
0,17
Para fixar essas informações, é importante utilizarmos um exemplo: em um dia
frio de inverno, as superfícies interiores das paredes, do piso e do teto de um quarto
estão a uma temperatura de 12 °C. De forma semelhante, em um dia quente de verão,
elas estão à temperatura de 28 °C. Apesar dessas temperaturas, em ambos os casos,
o interior da sala é mantido na temperatura de 20 °C. Considerando que a superfície
exposta do corpo do residente seja de 1,5 m², com uma temperatura de 32 °C, como
podemos determinar a taxa de transferência de calor por radiação entre o indivíduo e as
superfícies do quarto para ambas as situações?Solução: considerando apenas a troca térmica por radiação, que todas as tem-
peraturas estão uniformes, como descritas, e que o corpo do indivíduo está totalmente
cercado pelas superfícies interiores do quarto, basta utilizarmos a equação da taxa lí-
quida de transferência de calor por radiação, sendo que o corpo, por estar a uma tem-
peratura maior (32 °C = 305,15 K), transfere energia para as paredes.
220
Assim, adotando-se uma emissividade para a pele humana de 0,95 (conforme
a Tabela 4), para o dia frio:
Para o dia quente:
A diferença entre essas taxas de transferência demonstra justamente o motivo
de sentirmos frio no inverno mesmo com a temperatura do ambiente controlada como
a de um dia quente no verão: os efeitos de radiação fazem com que a superfície do nos-
so corpo perca mais calor para o ambiente, em função da temperatura das superfícies
internas do quarto.
Uma última observação importante deve ser feita quanto à radiação. Por con-
veniência, frequentemente, faz-se uso de um coeficiente combinado de transferência
de calor (h), mesmo que de maneira implícita, que inclui tanto os efeitos da radiação
quanto os da convecção – ou seja, ao utilizarmos esse coeficiente combinado no cálculo
da taxa de transferência de calor por convecção, os efeitos da radiação já estão conta-
bilizados. É relativamente razoável ignorarmos a radiação em problemas de convecção
forçada (especialmente se a emissividade da superfície for baixa), mas, em problemas
de condução ou convecção natural, a radiação tem participação significativa.
Enfim, terminamos este tema de aprendizagem sobre os fenômenos da trans-
ferência de calor. As analogias entre os fenômenos apareceram, e ficarão ainda mais
nítidas quando chegarmos na Unidade 3, quando estudaremos o fenômeno da trans-
ferência de massa. Antes disso, continuaremos nossa perspectiva da transferência de
calor, estudando um pouco mais sobre equipamentos de extrema importância indus-
trial: os trocadores de calor.
221
Para aprender mais sobre os fenômenos de transferência de
calor, não deixe de conferir o livro transferência de calor e massa
– uma abordagem prática, dos autores Yunus A. Çengel e Afshin
J. Ghajar, uma das obras mais consagradas, tanto como livro-tex-
to básico para estudantes de graduação em Engenharia quan-
to como referência para engenheiros que já atuam no mercado
profissional. Apresenta uma abordagem extensa dos fenômenos
de transferência de calor e massa, com riqueza de exemplos e
contextualização histórica, sendo uma das principais referências
globais sobre transferência de calor e massa, ideal para aprofun-
dar o estudo da condução e convecção, bem como a analogia
entre os fenômenos de transporte. Também conta com diversas
tabelas e gráficos de propriedades para uma grande variedade
de componentes, com unidades no SI (na versão brasileira).
DICA
222
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Calor específico (c) é energia necessária que deve ser fornecida para que haja o au-
mento de um grau de temperatura em uma unidade de massa de uma dada subs-
tância. Algumas das unidades utilizadas são: kJ/(kg ⋅ K), kJ/(kg ⋅ °C), cal/(g ⋅ °C) e Btu/
(lbm ⋅ °F).
• A diferença entre taxa de calor ( – energia por unidade de tempo) e fluxo de
calor ( – taxa de calor por unidade de área).
• Na ausência de mudança de fase, podemos usar a equação Q = m ⋅ c ⋅ ΔT, para calcu-
lar a quantidade de calor Q que deve ser trocada para que haja uma variação ΔT de
temperatura em um sistema de massa m. Quando há mudança de fase, usamos Q =
M ⋅ L, em que L é o calor latente.
• Como diferenciar os três mecanismos de transferência de calor: condução (transfe-
rência de calor, devido à vibração de moléculas e átomos), convecção (transferência
de calor na presença do movimento macroscópico de fluidos) e radiação (transferên-
cia de calor na forma de ondas eletromagnéticas, que independe de um meio para se
propagar).
• Podemos classificar a convecção em: convecção natural (ou livre) ou forçada, se o
movimento do fluido for espontâneo ou não; e convecção interna ou externa, se o
escoamento do fluido ocorrer dentro de um conduto ou não.
• As equações fenomenológicas que descrevem matematicamente os mecanismos de
transferência de calor: a lei de Fourier , para a condução térmica;
a lei de Newton do resfriamento , para a convecção; e a lei
de Stefan-Boltzmann , para radiação térmica, em que 0 ≤ ε ≤ 1.
• Duas importantes características dos materiais para a condução de calor: a conduti-
vidade térmica (k) e a difusividade térmica . A condutividade representa
a capacidade do material de conduzir calor (quanto maior k, mais condutor é o ma-
terial), enquanto a difusividade é a razão entre o calor conduzido e o armazenado
(quanto maior a, o material é mais capaz de conduzir calor do que armazená-lo). No
SI, as unidades são: [k] = W/(m ⋅ K) e [α] = m2/s.
223
• Na convecção, h é o chamado coeficiente de transferência de calor por convecção,
que tem unidade W/(m2 ⋅ K) no SI.
• É possível fazermos uma analogia entre circuitos elétricos e térmicos. Dessa com-
paração, surge o conceito de resistência térmica. Para condução, ,
já para convecção, . Com isso, podemos reescrever tanto a lei de Fou-
rier quanto a lei de Newton do resfriamento .
• Como resolver problemas sobre transferência de calor, empregando o conceito de re-
sistência térmica, que pode ser utilizado para facilitar e simplificar diversos sistemas
térmicos, tanto em série quanto em paralelo.
• A definição de coeficiente global de transferência de calor , que
tem unidade W/(m2 ⋅ K) no SI.
• Dois números adimensionais muito importantes para o equacionamento e o enten-
dimento da convecção: o número de Nusselt (Nu = h ⋅ Lc/k e o número de Prandtl
. Quanto maior Nu, maior o calor trocado entre o fluido e o ambiente
por convecção diante da transferência de calor obtida por condução. Já Pr compara
a difusão de momento com a difusão térmica.
• Assim como existe a camada limite hidrodinâmica na mecânica dos fluidos, existe
também a camada limite térmica na transferência de calor. Ela é formada pelos pon-
tos em que a temperatura do escoamento de um fluido é afetada pela temperatura
da superfície onde o fluido escoa.
• Aletas: são superfícies estendidas de uma dada geometria, geralmente usadas para
refrigeração. Essas superfícies garantem uma maior área de troca térmica, favore-
cendo o aumento da transferência de calor e melhorando a refrigeração.
• Corpo negro é uma superfície ideal (hipotética), capaz de emitir o máximo de radia-
ção térmica. Isso pode ser aplicado na lei de Stefan-Boltzmann, fazendo ε = 1 (emis-
sividade da superfpicie máxima), de tal forma .
• Quando a temperatura de uma vizinhança isotérmica é considerada, a lei de Stefan-
-Boltzmann pode ser escrita como .
( )
224
AUTOATIVIDADE
1 O telhado de uma casa apresenta dimensões 7,5 m × 10,0 m, com 0,30 m de espessu-
ra, e consiste, basicamente, em uma placa plana de concreto (k = 0,8 W/m ⋅ K). Esse
telhado conta com um sistema de aquecimento elétrico que, ao longo de uma noite
(período de 10 horas), é capaz de manter a temperatura da sua superfície interior em
18 °C, enquanto a superfície exterior é mantida em 6 °C. Sobre o custo da perda de
calor através do telhado (considere R$ 0,42/kWh), assinale a alternativa CORRETA:
Fonte: adaptada de Çengel; Ghajar (2012)
a) ( ) R$ 3,03.
b) ( ) R$ 10,08.
c) ( ) R$ 30,24.
d) ( ) R$ 100,80.
2 Com base no exemplo/problema dajanela de painel duplo, considerando devidamen-
te os efeitos convectivos no interior e exterior, considere que os painéis têm 1,0 m de
altura por 1,5 m de largura e estão dispostos como esquematizado na figura a seguir.
Adote kvidro = 0,78 W/(m ⋅ K) e kar = 0,026 W/(m ⋅ K).
Fonte: adaptada de Çengel; Ghajar (2012)
225
3 Considere a parede plana composta, apresentada na figura a seguir:
Fonte: os autores
No material A, ocorre geração de calor uniforme (q = 1,5 ⋅ 106 W/m3) e sua superfície
interna está perfeitamente isolada. A superfície B, que não apresenta geração de calor,
é resfriada por uma corrente de água a 25 °C. Determine as temperaturas T0, T1 e T2.
Considere uma área superficial unitária (A = 1 m2).
4 Um engenheiro deseja manter o interior de uma sala a uma temperatura de 20 °C.
Considerou que a temperatura média externa à sala é de 35 °C e que o fluxo de calor
trocado deve ser 105 W/m2, para que suas exigências sejam atendidas. A tabela a
seguir mostra alguns dos materiais que podem ser usados para construir a parede:
Fonte: adaptada de ABNT (2005, p. 8)
Sabendo que a parede será construída com uma espessura de 20 cm, para que a sala
seja mantida à temperatura desejada nessas condições, sobre o material que o enge-
nheiro deve escolher para compor a parede, assinale a alternativa CORRETA:
Material Condutividade térmica (W ⋅ m-1 ⋅ K-1)
Concreto 1,40
Pedra natural 1,00
Placa de madeira prensada 0,10
Placa com espuma rígida de poliuretano 0,03
226
a) ( ) Concreto.
b) ( ) Pedra natural.
c) ( ) Placa de madeira prensada.
d) ( ) Não é possível responder, pois a área da parede não foi informada. Contudo, a
melhor opção é usar a placa com espuma de poliuretano, por ser o material com
menor condutividade térmica (maior resistência à condução).
5 Sabendo que duas placas idênticas, retangulares, de comprimento L, estão dispostas
paralelamente uma sobra a outra, porém afastadas a uma distância d ≪ L. Ambas
as placas são feitas do mesmo material, tendo comportamento de corpo negro. A
primeira placa tem temperatura T1, enquanto a segunda, T2. Sobre o processo de
transferência de calor por radiação entre essas placas, analise as sentenças a seguir:
I- Se T1 > T2, a lei de Stefan-Boltzmann a ser usada no cálculo da taxa de calor trocado
por radiação será , em que as unidades de temperatura de-
vem estar obrigatoriamente em Kelvin.
II- A taxa líquida de transferência de calor será zero, se T1 = T2, embora as duas placas
ainda emitam radiação térmica.
III- A taxa de calor depende das emissividades dessas placas (ε ≠ 1), porém independe
das propriedades do meio, seja ele qual for.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença II está correta.
227
TÓPICO 3 —
TROCADORES DE CALOR
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Anteriormente, aprendemos os mecanismos de transferência de calor e como
equacioná-los para resolver problemas de interesse da Engenharia. Neste tema de
aprendizagem, dedicaremos nosso estudo aos chamados trocadores de calor, que são
equipamentos industriais utilizados para promover a troca térmica entre dois fluidos.
Assim, aplicaremos, nesses equipamentos, os fundamentos (principalmente sobre con-
dução e convecção) já aprendidos, a fim de dominarmos a física sobre transferência de
calor que os rege.
Para isso, é necessário identificarmos alguns modelos de trocadores de calor,
como os trocadores tubo duplo, casco e tubo, e de placas. Após entendermos suas
diferenças, passaremos para o equacionamento da transferência de calor aplicado a
trocadores. Entre outras informações, explicaremos a importância da média logarítimica
da temperatura e como usar o coeficiente global de troca térmica, que já definimos. Por
fim, resolveremos alguns exemplos e discutiremos alguns esclarecimentos adicionais
pertinentes ao tema.
2 TIPOS DE TROCADORES DE CALOR
Trocadores de calor são equipamentos bastante utilizados na
indústria para promover a troca térmica entre dois fluidos. Des-
se modo, equipamentos que aquecem uma corrente através de
fogo direto, resistências elétricas e demais processos são chama-
dos apenas de aquecedores, pois não envolvem duas correntes
de fluidos.
NOTA
Evidentemente, para que haja troca térmica, é necessário ter diferença de tem-
peratura entre os dois fluidos. Assim, um trocador de calor envolve um fluido quente
(aquele que fornece calor) e um fluido frio (aquele que recebe calor). Apesar de parecer
óbvio, isso tem implicações significativas no desempenho energético de um processo,
pois o calor pode ser recuperado.
228
Para deixar esse conceito mais claro, podemos imaginar a seguinte situação:
tem-se duas correntes, A e B. A corrente A está a uma temperatura de 100 °C e precisa
ser resfriada. Paralelamente, a corrente B está a uma temperatura de 30 °C e precisa
ser aquecida. Então, sendo a corrente A o fluido quente e a corrente B o fluido frio,
um trocador de calor pode ser utilizado para recuperar parte da energia da corrente A,
transferindo-a para a corrente B. Essa manobra leva a uma economia de energia no
processo, reduzindo a demanda de correntes de utilidades (água de resfriamento e va-
por de aquecimento, por exemplo).
Podemos notar que diversos equipamentos, apesar de serem frequentemente
chamados por outros nomes, são essencialmente trocadores de calor, como os con-
densadores e os refervedores de colunas de destilação, que promovem troca de calor
latente, em geral, utilizando água (fluido frio do condensador) e vapor (fluido quente do
refervedor).
Dito isso, nosso foco estará mais direcionado nos trocadores de calor que pro-
movem troca térmica apenas entre correntes de processo (ou seja, sem o uso de cor-
rentes de utilidades e outros mecanismos, não englobando os equipamentos mencio-
nados anteriormente), os quais são comercialmente chamados de trocadores de calor,
de fato.
Para entender como são as estruturas de algumas trocadores de calor, observe a figura
a seguir:
Figura – Exemplos de trocadores de calor na indústria
INTERESSANTE
229
Fonte: https://www.incase.com.br/trocador-calor-industrial. Acesso em: 31 mar. 2023.
Geralmente, a transferência de calor em trocadores acontece por meio de dois
mecanismos: pela convecção em cada fluido e pela condução na parede que os separa.
Como estudamos, a área de troca térmica é um aspecto-chave nesse fenômeno (de-
vemos nos lembrar das equações da lei de Fourier da condução e da lei de Newton do
resfriamento), de modo que conhecer a configuração estrutural dos trocadores de calor
é fundamental para uma análise do seu funcionamento e desempenho.
Antes de classificarmos os principais tipos de trocadores existentes, precisa-
mos ponderar o contexto em que nos encontramos: a indústria, em geral, trabalha com
diversos fluidos, cada um com suas propriedades (como viscosidade, densidade e ca-
lor específico). Ainda, cada processo apresenta uma dada finalidade (por exemplo, para
produção alimentícia, química ou farmacêutica), e o engenheiro não deve estar somente
preocupado com o desempenho e lucratividade do processo, mas também com relação
a aspectos como segurança, viabilidade técnica, necessidade de manutenção dos equi-
pamentos e muitos outros detalhes intrínsecos a cada indústria.
Com isso em mente, é razoável concluirmos que diferentes configurações de
processos e equipamentos são criadas para melhor atender a necessidades específicas.
Naturalmente, isso também é válido para os trocadores de calor, sendo que sua prin-
https://www.incase.com.br/trocador-calor-industrial
230
cipal diferenciação é dada em termos de sua geometria, destacando-se os trocadores
dos tipos: tubo duplo (double pipe), casco e tubo (shell and tube) e de placas (plate).
O modelo mais simples de trocadorde calor é o chamado trocador de tubo duplo, que
consiste, essencialmente, em dois tubos concêntricos (Figura 46), em que um dos flui-
dos escoa pelo tubo de diâmetro menor e o outro escoa pelo espaço anular entre os dois
tubos. Geralmente, esse tipo de trocador apresenta dois trechos retos com conexões
nas extremidades dos tubos.
Figura 46 – Trocador de calor tubo duplo
Fonte: Araújo (2002, p. 7)
Podemos observar, na Figura 46, que não há mistura entre os dois fluidos, de
modo que a transferência de calor ocorre através da parede do tubo interno. Essa for-
mação estrutural em “U” é, às vezes, chamada de grampo (em inglês, hairpin), e, co-
nectando vários destes em sequência, pode-se alcançar uma área de troca térmica
considerável.
Há duas formas de escoamento são possíveis: o escoamento
paralelo, em que ambos os fluidos entram no trocador pela
mesma extremidade ou o escoamento contracorrente, em
que os fluidos entram no trocador por extremidades opostas
entre si. Talvez, não seja imediatamente intuitivo, mas é crucial
percebermos que o desempenho e o funcionamento do troca-
dor serão diferentes para os dois tipos de escoamento.
Para o escoamento paralelo, as temperaturas dos dois fluidos
tendem a se aproximar, e a diferença de temperatura, ao lon-
go do trocador, diminui significativamente. Por outro lado, para
o escoamento contracorrente, o fluido frio pode sair do equi-
pamento mais quente do que o próprio fluido quente sai, e as
diferenças de temperatura entre os dois fluidos, ao longo do tro-
cador, apresentam menor variação.
IMPORTANTE
231
A Figura 47 representa, de forma simplificada, o escoamento paralelo e contra-
corrente em trocadores. Nos diagramas de temperatura, a seta nas curvas serve para
indicar a direção dos escoamentos.
Figura 47 – Arranjos de escoamento em trocadores de tubo duplo e seus perfis de temperatura associados
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 630)
A Escoamento paralelo B Escoamento contracorrente
Os trocadores de tubo duplo se destacam pela sua facilidade de construção,
manutenção e ampliação da área de troca térmica, sendo, em geral, construídos em
dimensões padronizadas, chegando a ter, comumente, de 1,5 a 7,5 metros de compri-
mento. Entretanto, há outros modelos de trocadores que ocupam menos espaço físico
e fornecem maior área de troca térmica, de modo que os trocadores de tubo duplo cos-
tumam ser economicamente viáveis quando os demais não são interessantes e para
áreas de troca térmica de até 30 m².
Um segundo tipo de trocador de calor, um dos mais comumente encontrados
em indústrias, é o trocador casco e tubo. Como o nome sugere, esse tipo de equipa-
mento de troca térmica possui diversos tubos (até mesmo centenas) colocados parale-
232
lamente ao eixo longitudinal de um casco cilíndrico (Figura 48). A transferência de calor
ocorre através da parede desses tubos, em que um fluido escoa por dentro deles e o ou-
tro percorre o exterior dos tubos ao longo da casca. É comum classificá-los com relação
ao número de passes que acontecem no casco e nos tubos, como mostra a Figura 48.
Figura 48 – Diferentes configurações de trocadores de calor casco e tubo
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 632)
Evidentemente, as representações anteriores são bastante simplistas, do ponto
de vista estrutural do equipamento. As extremidades dos tubos são, ainda, presas aos
chamados espelhos (placas perfuradas), em que cada furo corresponde a um tubo do
feixe. Dentro do casco, podem, também, ser colocadas as chamadas chicanas – placas
que são atravessadas pelos tubos e que servem tanto para direcionar o escoamento do
fluido no casco quanto para dar suporte estrutural aos tubos. Além disso, as chicanas
têm a função de melhorar a transferência de calor entre os fluidos (Figura 49).
Figura 49 – Representação das partes constituintes de um trocador casco e tubos
Fonte: Araújo (2002, p. 16)
233
O ponto forte desse modelo é que ele pode ser projetado para extensas faixas
de pressão, temperatura e vazão, podendo alcançar grandes áreas de troca térmica (até
acima de 5.000 m²). Em geral, é o modelo de trocador mais versátil e, por isso, a sua po-
pularidade na indústria. Algumas exceções ao seu uso são, por exemplo, em automóveis
e aeronaves, sobretudo devido ao tamanho e ao peso destes tipos de trocador.
O terceiro e último tipo de trocador que iremos tratar aqui é o chamado trocador
de calor de placas, utilizado, especialmente, na indústria de alimentos, pela facilidade
de manutenção e limpeza. Esse trocador consiste, essencialmente, em uma sequência
de placas, com os fluidos escoando intercaladamente entre elas, de modo que uma
camada de fluido frio troca calor com duas camadas de fluido quente, o que leva a uma
troca térmica bastante eficiente. Geralmente, são utilizados quando os dois fluidos são
líquidos em pressões próximas, destacando-se pela facilidade em aumentar ou diminuir
a área de troca térmica, se necessário (pela adição ou remoção de placas). Entretanto,
são equipamentos que não suportam pressões muito altas, quando comparados aos
trocadores tubulares.
Para visualizar as estruturas típicas de trocador casco e tubo, observe a figura a seguir:
Figura – Exemplos de trocador de calor casco e tubo
INTERESSANTE
Fonte: https://www.trocadordecalor.com.br/trocador-de-calor-casco-e-tubo.
Acesso em: 31 mar. 2023.
Para saber mais sobre o processo de funcionamento de um tro-
cador de calor de placas (canal BetaEQ), assista ao vídeo, do canal
BetaEQ: https://www.youtube.com/watch?v=Jpx_GstLHHM.
DICA
234
3 TRANSFERÊNCIA DE CALOR EM TROCADORES
Conhecidos os principais tipos de trocadores de calor industriais, abordaremos
os fundamentos dos cálculos de projeto e da análise de trocadores de calor. Particu-
larmente, nosso interesse será a perspectiva da transferência de calor, que é nosso
objeto de estudo – os métodos de projeto completo de trocadores de calor são muito
extensos e complexos para serem abordados aqui, cabendo apenas às disciplinas mais
específicas.
3.1 MÉDIA LOGARÍTMICA DAS TEMPERATURAS
Como já vimos, utilizamos a lei de Fourier da condução térmica e a lei de Newton
do resfriamento para descrever os fenômenos de condução e convecção, respectiva-
mente. Portanto, as equações que descrevem essas leis são (na forma integral para a
lei de Fourier):
Como abordado anteriormente, ambos os mecanismos estão baseados em di-
ferenças de temperatura. Nos trocadores de calor, é importante percebermos que essa
diferença de temperatura pode mudar ao longo do equipamento (como foi demonstrado
ao discutirmos o escoamento em paralelo ou contracorrente – ver Figura 47). Portanto, é
evidente que, para avaliar a transferência de calor no trocador, é necessário descrever-
mos as diferenças de temperaturas entre os fluidos quente e frio no interior do trocador
de alguma maneira. Para isso, recorreremos ao conceito de média logarítmica.
Considera-se, por exemplo, um trocador de calor puramente contracorrente,
como o representado de forma simplificada na Figura 50.
Figura 50 – Trocador de calor com escoamento puramente contracorrente
Fonte: os autores
235
O terminal no qual entra a corrente quente e sai a corrente fria aquecida é cha-
mado terminal quente. Denominando-se θ1 a diferença de temperatura entre essas
duas correntes, então, a diferença de temperaturas no terminal quente é dada por:
No outro extremo do trocador está o terminal frio, no qual entra a corrente fria e
sai a corrente quente resfriada. A diferença de temperaturas entre essas duas corren-
tes, no terminal frio, será dita θ2, sendo dada por:
A integração entre as equações de projeto se faz de forma que a transferência de calor
esteja relacionada com a média logarítmica das diferenças de temperaturas (MLDT), a
qual é calculada utilizando as diferenças de temperatura nos extremos do trocador (θ1 e
θ2), dada por:
Aqui, definimos MLDT com base no escoamento contracorrente. Exa-
tamente o mesmoraciocínio poderia ser desenvolvido para o escoa-
mento em paralelo, sendo diferente apenas no cálculo dos termos θ1
e θ2, em que o primeiro será a diferença entre as temperaturas de en-
trada e o segundo será na saída, para ambos os fluidos (quente e frio).
NOTA
3.2 COEFICIENTE GLOBAL DE TRANSFERÊNCIA DE CALOR
Como já foi mencionado, a transferência de calor em trocadores acontece por
meio de dois mecanismos: pela convecção em cada fluido e pela condução na parede
que os separa. Anteriormente, aprendemos a analisar sistemas de troca térmica por
meio da estratégia dos circuitos térmicos. Naquele momento, mencionamos que é con-
veniente trabalharmos com um coeficiente global de transferência de calor (represen-
tado pela letra “U”), que, junto à área de troca térmica, pode ser descrito como a resis-
tência total do sistema.
236
Esta será exatamente a abordagem que utilizaremos com os trocadores de ca-
lor, já que a área de troca térmica (A) é um parâmetro característico da estrutura do
equipamento (conforme vimos para os diferentes tipos de trocadores no início deste
tema de aprendizagem). Assim, avaliaremos o circuito térmico associado a um trocador
de tubo duplo, em que um fluido percorre o interior do tubo e o outro percorre a região
ao redor do tubo. Consideraremos, por exemplo, que, no interior do tubo, está o fluido
quente (por consequência, o fluido frio percorrerá por fora do tubo). Podemos represen-
tar esse circuito como duas resistências de convecção e uma resistência de condução
entre elas, como mostra a Figura 51.
Figura 51 – Circuito térmico associado a um trocador de calor de tubo duplo
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 633)
Conhecendo, também, a condutividade térmica do material do tubo (k), o seu
comprimento (L) e os seus diâmetros interno e externo (Di e D0), a resistência da parede
será:
237
Então, a resistência térmica total é:
Agora, utilizando o conceito de coeficiente global de transferência de calor,
teremos:
Podemos notar que, na equação anterior, temos três áreas representadas. É
evidente que a área interna do tubo (Ai ) é diferente da área externa (A0). Ao mesmo tem-
po, vimos que a área A é justamente a área de troca térmica característica da estrutura
do equipamento – mas, afinal, quem é essa área de troca térmica: Ai ou A0? A resposta
não é tão intuitiva: na verdade, o mais sensato é abordarmos esse problema conside-
rando que o trocador de calor apresenta dois coeficientes globais de troca térmica, Ui e
U0, numericamente diferentes entre si, de modo que:
Dessa forma, se conhecermos o coeficiente global de transferência de calor
para um determinado trocador, é fundamental sabermos, também, qual é a área a que
ele diz respeito. Dito isso, poderemos desconsiderar essa diferença em um caso especí-
fico: quando a espessura do tubo for muito pequena (de modo que as áreas Ai e A0 serão
quase as mesmas) e o material do tubo for um excelente condutor de calor. Nessas con-
dições, a resistência térmica da parede (Rparede) tenderá a zero, podendo ser desprezada.
Isso simplifica a equação da resistência total do sistema para a seguinte forma:
Portanto, nesse caso, também podemos dizer que:
Esta é uma aproximação razoável para muitos trocadores de calor.
238
Na Tabela 5, são apresentados alguns valores representativos para os coeficien-
tes globais de troca térmica de trocadores típicos envolvendo diferentes pares de fluidos.
Tabela 5 – Valores representativos do coeficiente global de transferência de calor em trocadores de calor
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 634)
Fluidos de processo
Água – água 850 – 1.700
Água – óleo 100 – 350
Água – gasolina ou querosene 300 – 1.000
Aquecedores de água de alimentação 1.000 – 8.500
Vapor – óleo combustível leve 200 – 400
Vapor – óleo combustível pesado 50 – 200
Condensador de vapor 1.000 – 6.000
Condensador de freon (resfriado à água) 300 – 1.000
Condensador de amônia (resfriado à água) 800 – 1.400
Condensadores de álcool (resfriados à água) 250 – 700
Gás – gás 10 – 40
Água – ar em tubos aletados
(água nos tubos)
30 – 60 (para superfície do lado do ar)
400 – 850 (para superfície do lado da água)
Vapor – ar em tubos aletados
(vapor nos tubos)
30 – 300 (para superfície do lado do ar)
400 – 4.000 (para superfície do lado do vapor)
Conhecendo o cálculo de MLDT e o conceito de coeficiente global de transfe-
rência de calor, temos recursos suficientes para começarmos a lidar com problemas
envolvendo trocadores de calor. Antes disso, discutiremos ainda mais um aspecto im-
portante acerca desses equipamentos: a incrustação.
Incrustação: depósitos de materiais indesejáveis nas superfícies de troca térmica, que
acarretam aumento da resistência à transferência de calor no equipamento.
Para ilustrar esse efeito, por exemplo, podemos citar um bule que é utilizado, com fre-
quência, para esquentar água. Se não for feita a devida limpeza, é possível identificarmos
que alguns minerais (como o cálcio) se acumulam sobre as superfícies. O mesmo ocorre
com os trocadores – seja por sedimentação, corrosão, cristalização ou outros mecanis-
mos. Essas camadas de sólidos aumentam a resistência térmica da parede dos tubos,
prejudicando o desempenho do equipamento.
ATENÇÃO
239
Figura – Exemplo de incrustação em trocador
Fonte: https://www.termotek.com.br/imagens/informacoes/
limpeza-quimica-trocador-calor-05.jpg. Acesso em: 31 mar. 2023.
Em termos matemáticos, podemos entender as camadas de incrustação como
termos adicionais de resistência térmica. Geralmente, utilizamos a letra “f” para indicar
essas resistências (devido ao termo em inglês para incrustação – fouling). Dessa forma,
sendo Rfi e Rf0 os chamados fatores de incrustação das superfícies interna e externa,
respectivamente, podemos ajustar a expressão para o cálculo da resistência total da
seguinte forma:
Na Tabela 6, são apresentados alguns valores representativos de fatores de
incrustação por unidade de área. Evidentemente, esses valores servem apenas como
estimativa para prever os possíveis efeitos na transferência de calor. Tabelas mais com-
pletas e detalhadas podem ser encontradas em manuais mais específicos.
240
Tabela 6 – Fatores de incrustação representativos por unidade de área
Fonte: Çengel; Cimbala (2015, p. 636)
Fluido
Água (destilada, marinha, fluvial)
0,0001 (abaixo de 50 °C)
0,0002 (acima de 50 °C)
Óleo combustível 0,0009
Vapor 0,0001
Refrigerantes líquidos 0,0002
Refrigerantes gasosos 0,0004
Vapores de álcool 0,0001
Ar 0,0004
Após termos os conceitos básicos definidos, podemos resolver um exemplo
para ilustrar esses cálculos, sempre considerando condições de regime permanente,
propriedades constantes, com escoamento completamente desenvolvido e sem perda
de carga.
Para um trocador de calor tubo duplo, feito de aço inoxidável (k = 15,1 W/m ⋅ K),
cujos tubos possuem um diâmetro interno Di = 1,7 cm e diâmetro externo D0 = 2,0 cm,
sabe-se que os coeficientes de transferência de calor são hi = 750 W/m² ⋅ K na superfície
interna e h0 = 1.250 W/m2 ⋅ K na externa. O fluido quente entra a 110 °C e sai a 70 °C, en-
quanto o fluido frio entra a 30 °C e sai a 60 °C, operando em contracorrente. Admitindo
os fatores de incrustação Rfi = 0,0003 m² ⋅ K/W e Rf0 = 0,0001 m² ⋅ K/W, como podemos
determinar: a resistência térmica total do trocador de calor por unidade de comprimento
(L = 1 m); os coeficientes globais de transferência de calor Ui e U0; e a média logarítmica
das diferenças de temperatura ao longo do equipamento (MLDT)?
Solução: o primeiro passo é fazer uma representação do sistema (Figura 52).
241
Figura 52 – Representação ilustrativa do exemplo trabalhado sobre trocador de calor tubo duplo
Fonte: os autores
Para responder à primeira questão, basta resolvermos a equação:
Os únicos parâmetros não conhecidos são as áreas Ai e A0, que podem ser facil-
mente calculadas como a superfície de um cilindro:
Então,resolvendo a equação:
242
Em posse deste valor, basta recorrermos à definição do coeficiente global de
transferência de calor para circuitos térmicos para respondermos ao segundo item pe-
dido no exemplo:
Enfim, para o terceiro item solicitado, precisamos somente das temperaturas
de entrada e saída dos fluidos quente e frio, seguindo a definição de MLDT (podemos
observar que o trocador opera em contracorrente):
Assim, calculamos alguns dos principais parâmetros acerca de trocadores de
calor. É um bom ponto de partida para aprimorar os conhecimentos acerca desse con-
ceito na Engenharia.
Acadêmico, como sugestão, procure levar o seu estudo um passo
adiante: refaça o exercício do exemplo apresentado sem conside-
rar os fatores de incrustação (ou seja, como se o trocador fosse
novo, com Rfi = Rf0 = 0) e observe a diferença obtida nos coeficien-
tes globais de transferência de calor. Você notará que o impacto
das incrustações é considerável e não pode ser menosprezado.
DICA
243
A essa altura, considerando trocadores de tubo duplo ou de casco e
tubo, cabe o questionamento: se temos um fluido quente e um fluido
frio, qual deles deve escoar pelo interior do tubo? Não existe uma
resposta definitiva para essa pergunta, pois vários aspectos devem
ser considerados. Costuma-se, por exemplo, alocar fluidos corrosivos
nos tubos, os quais deverão ser feitos de materiais resistentes à cor-
rosão (geralmente mais caros). Se fosse colocado no casco, tanto os
tubos quanto o casco estariam sujeitos à corrosão. Outros aspectos,
como incrustação, pressão e turbulência, também são chaves para
essa decisão (ARAÚJO, 2002).
ATENÇÃO
4 ANÁLISE DE TROCADORES DE CALOR
Chegamos à etapa final do nosso estudo sobre trocadores de calor. Até aqui,
discutimos o funcionamento dos trocadores em seu nível mais fundamental, no con-
texto dos fenômenos de transporte. Na prática, o engenheiro estará, geralmente, preo-
cupado com duas questões: projetar/selecionar um trocador capaz de atender a uma
determinada demanda do processo ou, então, prever as temperaturas de saída das cor-
rentes quente e fria em um trocador já definido. Este segundo caso é muito comum
quando as indústrias já possuem trocadores de calor antigos e que podem ser apro-
veitados em outra etapa do processo. Saber identificar o trocador de calor que melhor
atende à necessidade da planta é uma tarefa clássica de um engenheiro que trabalha
com processos industriais.
Como já foi mencionado, o projeto completo de trocadores de calor é uma ativi-
dade bastante complexa. Aqui, discutiremos o método MLDT de análise de trocadores,
que permite determinar um trocador de forma simples com os conceitos que vistos
anteriormente.
Como exemplo, temos: em determinada indústria, um reservatório contém água
a 25 °C. Para ser utilizada no processo, é necessário que ela seja aquecida até 75 °C,
com uma vazão de 1,5 kg/s. O engenheiro opta pelo uso de um aquecedor, que consiste
em um trocador de calor de tubo duplo em contracorrente, em que o fluido quente será
vapor superaquecido a 150 °C, disponível a uma vazão de 2 kg/s. O tubo interno possui
parede de espessura muito pequena, de modo que o seu diâmetro (interno e externo)
pode ser considerado como 2,0 cm. Como podemos determinar o comprimento ne-
cessário para esse trocador de calor, admitindo que, para essa aplicação, o coeficiente
global de transferência de calor é de 1.000 W/(m² ⋅ K). Deve-se adotar: cágua = 4,18 kJ/(kg
⋅ K) e cvapor = 2,00 kJ/(kg ⋅ K).
244
Solução: primeiramente, podemos notar que não conhecemos a temperatura
de saída do fluido quente, informação que é necessária para o cálculo de MLDT. Em se-
guida, percebemos que trabalharemos com vazões mássicas, de modo que os calores
específicos podem ser utilizados para calcular a quantidade de calor trocado entre os
fluidos. Vimos essa definição no Tema de Aprendizagem 2, dada pela equação (na forma
de vazão):
Com isso, podemos avaliar o calor que deve ser fornecido ao fluido frio:
Respeitando a conservação de energia, esta deve ser a taxa de calor cedido pelo
fluido quente. Então, podemos calcular a temperatura de saída do fluido quente, consi-
derando que não há mudança de fase:
Podemos observar que o sinal negativo indica que o calor saiu do fluido quente
(a temperatura de saída tem que ser menor que a de entrada). Agora, o MLDT é facil-
mente calculado pela definição. Em contracorrente:
245
Então, pode-se calcular a área de troca térmica necessária para o trocador com
base no conceito de coeficiente global de transferência de calor:
Por fim, sabemos que se trata de um trocador de calor de tubo duplo. Logo, esta
área A pode ser calculada como a área superficial de um cilindro. Utilizando essa ideia,
podemos chegar ao comprimento do tubo, que é o nosso parâmetro procurado:
Precisamos analisar este resultado por um momento: para cumprir a troca tér-
mica desejada, é necessário que o trocador tenha mais de 80 metros de comprimento,
o que é impraticável. Nesse caso, trocadores de placas ou de casco e tubo seriam mais
adequados.
Como visto, é relativamente fácil fazer estimativas simples acerca dos parâmetros
de um trocador de calor de tubo duplo, devido, principalmente, a sua simplicidade geomé-
trica, que facilita a descrição da transferência de calor. Até aqui, nossa atenção esteve vol-
tada para os trocadores de escoamento em contracorrente em trocadores de tubo duplo,
mas ideias semelhantes podem ser trabalhadas para os trocadores de casco e tubo.
Como vimos na Figura 48, sabemos que os trocadores de casco e tubo são
classificados quanto aos seus “passes”; então, podemos definir isso mais claramente:
um passe é o percurso do fluido de um lado a outro do trocador de calor. Se o fluido que
escoa pelo tubo entra através de um bocal, percorre o trocador de ponta a ponta uma
única vez e sai pelo outro bocal, esse trocador terá uma passagem ou um passe no lado
do tubo. O mesmo raciocínio vale para o casco, mesmo que o percurso cruze o feixe vá-
rias vezes. Por convenção, um trocador de calor casco e tubo n-m implica n passagens
no casco e m passagens no tubo.
Embora o escoamento puramente contracorrente seja o tipo de escoamento
que apresenta maior eficiência para efeitos de troca térmica, pode ser interessante, po-
rém, utilizar configurações de trocadores de calor nas quais o fluido que escoa nos tubos
246
possa passar, antes de sair do equipamento, duas vezes no interior do trocador. Nesse
caso, o equipamento é chamado trocador 1-2. Ao analisarmos os perfis de temperatura,
podemos compará-lo com um trocador 1-1 pelo diagrama da Figura 53.
Figura 53 – Perfis de temperatura para um trocador 1-1 e um trocador 1-2
Fonte: os autores
No primeiro caso da Figura 53, temos o trocador 1-1 em contracorrente. A curva
superior representa a queda de temperatura da corrente quente ao longo do trocador.
O inverso ocorre com a corrente fria, representada na curva inferior. No segundo caso,
temos o trocador 1-2 e duas passagens do fluido frio nos tubos do trocador. Nessas con-
dições, a corrente fria tem um comportamento diferenciado, sendo acrescida até um
valor intermediário e, posteriormente, a um outro valor mais elevado. A corrente quente
tem um comportamento semelhante ao primeiro caso.
Se houver duas passagens no lado tubo, uma delas estará em paralelo com o
fluido do casco, enquanto a outra estará em contracorrente. Portanto, para o trocador
de calor 1-2, a velocidade do fluido será o dobro da obtida no trocador 1-1. O aumento
da velocidade acarreta aumento do coeficiente de transferência por convecção (h) e do
coeficiente global (U), resultando em menor área de troca e promovendo a redução de
incrustação. Contudo, a perda de carga será maior, o que pode dificultar a configuração
da instalação.
Nas situações em que os trocadores de calor apresentam mais de uma passa-
gem nos tubos, a verdadeira diferença de temperaturas já não é mais calculada razoa-
velmenteapenas pelo método MLDT, sendo necessário utilizarmos um fator de correção
(F) para encontrá-la:
247
A interpretação física deste fator F é a seguinte: havendo mais de uma passa-
gem nos tubos, o escoamento é parcialmente contracorrente e parcialmente paralelo.
Com isso, se MLDT é a diferença média de temperatura no escoamento contracorrente
(o mais eficiente em termos de troca térmica), então, a diferença média real de tempe-
ratura deve ser menor do que MLDT. Por isso, o valor de F varia de 0 a 1, adotando um
valor mínimo de 0,8 – caso o trocador em estudo apresente valor de F inferior, seu uso é
inviabilizado e busca-se uma configuração melhor, pois utilizar trocadores com valores
de F abaixo de 0,75 pode implicar problemas operacionais no caso de pequenas varia-
ções de temperatura.
O fator de correção F depende da geometria do trocador de calor e das tempe-
raturas de entrada e saída dos fluidos quente e frio.
Acadêmico, não nos preocuparemos em mostrar e utilizar esses
diagramas, mas eles são relativamente simples e podem ser encon-
trados na literatura, como Kern (1980), ou em conteúdos disponi-
bilizados pela Tubular Exchanger Manufacturers Association (TEMA).
NOTA
Dito isso, podemos calcular a taxa de transferência de calor pela seguinte relação:
Esta equação será utilizada em um último exemplo prático: um trocador de cas-
co tubo 2-4 (leia-se: duas passagens no casco e quatro passagens nos tubos) é utili-
zado para resfriar um óleo na temperatura de 90 °C para 50 °C, utilizando água como
fluido de resfriamento, a qual entra no equipamento a 30 °C e sai a 60 °C (Figura 54).
A espessura da parede do tubo é muito fina, de modo que um único diâmetro pode ser
considerado (D = 1,5 cm). Além disso, o comprimento total do tubo é de 75 m. Para as va-
zões empregadas, essas condições de temperatura fornecem coeficientes convectivos
de hc = 30 W/m² ⋅ K para o fluido no casco e ht = 150 W/m² ⋅ K para o fluido no interior dos
tubos. Como podemos determinar a taxa de transferência de calor no trocador? Após
um certo tempo de uso, uma incrustação externa com Rf,0 = 0,0006 m² ⋅ K/W é formada.
Qual a nova taxa de transferência de calor? Em ambos os casos, deve-se adotar F = 0,91.
Na Figura 54, podemos observar uma representação ilustrativa do exemplo prá-
tico sobre o trocador de casco tubo 2-4.
248
Figura 54 – Representação ilustrativa do exemplo trabalhado sobre trocador de calor casco e tubo
Fonte: os autores
Solução: primeiramente, devemos ter em mente que o nosso objetivo é resolver
a equação:
Como já nos foi dado F, restam três termos a serem determinados. Começando
pela área, é razoável calculá-la como a superfície de um tubo cilíndrico:
Em seguida, como conhecemos todas as temperaturas de operação, podemos
calcular o MLDT:
Então, resta-nos calcular o coeficiente global de troca térmica do trocador.
Como a parede do tubo é muito fina, podemos desprezar a resistência térmica da pare-
de, de modo que a seguinte equação é válida:
249
Resolvendo, temos:
Agora, basta substituirmos, na equação, para calcular a taxa de transferência
de calor:
Feito isso, devemos avaliar o caso com incrustação. Consideraremos que a área
e o MLDT são os mesmos, de modo que a única diferença será no cálculo do coeficiente
global de transferência de calor, em que devemos acrescentar o termo de resistência
da incrustação:
Então:
Como esperado, a taxa de transferência de calor diminui devido à presença da
incrustação. Contudo, essa queda foi relativamente pequena – fato que ocorre princi-
palmente devido aos coeficientes de convecção serem relativamente baixos.
Assim, chegamos ao fim deste tema de aprendizagem, em que utilizamos os
conhecimentos obtidos anteriormente para conhecer mais sobre os trocadores de calor,
equipamentos importantíssimos para a indústria e para a rotina do engenheiro. Obvia-
mente, um projeto completo de um trocador de calor iria além da abordagem da trans-
ferência de calor: é importante também avaliar aspectos, como as perdas de cargas do
250
processo, as limitações de espaço físico, a facilidade de manutenção e limpeza, a natu-
reza dos fluidos que serão utilizados (por exemplo, quanto à corrosão e à incrustação)
e, até mesmo, a distância entre os tubos de um feixe, que influencia nos coeficientes
convectivos alcançados.
Para finalizar o nosso estudo dos fenômenos de transporte, dedica-
remos a Unidade 3 ao estudo da transferência de massa!
ESTUDOS FUTUROS
Para aprender mais sobre trocadores de calor, não deixe de conferir as seguintes
bibliografias:
• Trocadores de Calor, de Everaldo Cesar da Costa Araujo, que apresenta os funda-
mentos sobre os tipos e o projeto de trocadores de calor, focando principalmente
nos modelos “casco e tubo”. Escrito com base na experiência de anos ministrando
o assunto “Trocadores de Calor” para o curso de Engenharia Química da UFSCar,
este material é referência em diversos cursos de Engenharia no Brasil, sendo um
excelente recurso para conhecer mais sobre esses equipamentos fundamentais
para a indústria.
• Processos de Transmissão de Calor, de Donald Q. Kern, publicado na década de
1950, aborda projetos de trocadores de calor de forma detalhada, com exemplos
práticos e próximos de casos da indústria, motivo pelo qual foi muito utilizado no
cotidiano industrial. É historicamente importante por divulgar o conhecido “méto-
do Kern”, que, apesar de não ser um dos mais rigorosos, apresenta uma
simplicidade, muitas vezes, desejada para um processo tão complexo.
Definitivamente, trata-se de um clássico sobre projeto de trocadores de
calor. Indicado para quem busca uma visão particular sobre aplicações
da transferência de calor na indústria e que pretende aprender sobre
o método Kern, um dos métodos mais conhecidos para projeto de
trocador calor.
DICA
251
LEITURA
COMPLEMENTAR
A TECNOLOGIA PINCH:
UMA PROPOSTA PARA O CONSUMO SUSTENTÁVEL DE ENERGIA
Wiliam Souza Santos
Willyans Santos Jesus
Atualmente, os combustíveis fósseis enfrentam uma forte crise, devido ao con-
tínuo aumento na demanda e o preço do petróleo, e ao imenso prejuízo que causam no
meio ambiente, sendo este último um dos fatores mais agravantes, principalmente em
se tratando do aquecimento global (ESCOBAR et al., 2009).
Devido às ameaças de novas empresas no ramo industrial e à elevação no preço
dos combustíveis, muitas organizações procuram ferramentas que promovam eficiên-
cia energética. Uma vez que o alto custo de energia torna o custo final mais elevado, e,
consequentemente, o consumidor paga mais caro para adquirir o produto.
Além disso, hoje, os consumidores buscam não só produtos a preços baixos
como também aqueles que poluam menos o meio ambiente. Dessa forma, as empresas
que reduzirem o uso de combustíveis poluentes ganharão destaque com essa nova
tendência mercadológica. No entanto, para isso, é necessária uma ferramenta que per-
mita redução desse consumo e, por consequência, dos desperdícios. Uma delas é a tec-
nologia Pinch, que é uma das mais usadas, pois, além de encontrar o consumo mínimo,
melhora a rede onde ocorrem as trocas de calor. Seu uso já é presente em indústrias do
tipo: química, petroquímica, refino de petróleo, papel e celulose, alimentação, bebidas e
metalurgia (CANADA, 2003).
Existem outras ferramentas alternativas que atendem a necessidade de curto
prazo, como indicadores de consumo, aplicativos que gerenciam o consumo e plane-
jamento de consumo. Contudo, nenhum que abranja uso em longo prazo. A tecnologia
Pinch traz soluções que minimizam os custos operacionais, o investimento de capital e
o tempo de esforço (CANADA, 2003).
Linnhoff (1982) propôs a tecnologia Pinch como uma metodologia para melho-
rar a rede de trocadores de calor denominado método Pinch.
A implementação da ferramenta requer o investimento de um determinado ca-
pital, mas, se bem aplicado, o retorno se dá em curto prazo (CANADA, 2003):
252
• Economia no consumo de energia: 10% a 35%;• Economia no consumo de água: 25% a 40%;
• Economia no consumo de hidrogênio: até 20% a 30%.
Logo, a tecnologia Pinch é uma das melhores alternativas para a otimização do
manuseio dos recursos. Assim, surge como uma boa referência para ser implantada nas
indústrias brasileiras, que, na atual conjuntura, possuem elevado índice de desperdício
de energia, agravado pela crise.
A tecnologia Pinch é baseada nos princípios de calor e termodinâmica (estuda
as causas e os efeitos de mudanças na temperatura). Os pontos fundamentais desta
metodologia são os balanços de massa e energia e a utilização do fluxo de calor no pro-
cesso. Ele é dividido pelas seguintes etapas:
• Obter o diagrama de processos (indicar o esquema geral do processo e seus fluxos de
materiais, substâncias, misturas, subprodutos).
• A obtenção de dados termodinâmicos do sistema térmico (temperaturas, pressões,
entalpia, fluxos de massa e calores específicos).
• Identificar as correntes quentes e frias.
• Identificação da DTMIN (temperatura mínima de aproximação) para o sistema térmico
inicial.
• Elaboração da tabela.
• Construção das curvas compostas quentes e frias.
• A determinação da temperatura Pinch e os utilitários de aquecimento e resfriamento
mínimo.
• Avaliação do potencial de poupança de energia térmica.
• Proposta de uma rede de trocadores de calor de acordo com a tecnologia Pinch.
A tecnologia Pinch é uma ferramenta que pode ser utilizada para uma vasta
gama de melhorias relacionadas com o processo e utilidade local, além de reduzir cus-
tos operacionais, melhorar a eficiência, reduzir o planejamento e investimento de capi-
tal. Uma das causas para o sucesso é a sua simplicidade e resultados impressionantes
(CANADA, 2003).
A tecnologia Pinch agora tem um histórico estabelecido em economia de energia.
Em todos os casos, o princípio fundamental por trás da abordagem é encontrar qual o con-
sumo mínimo da indústria e sintetizar a rede de trocador de calor (LINNHOFF, 1982).
Mesmo com várias técnicas utilizadas para indicar, gerenciar e planejar o con-
sumo nas indústrias com intenção de atingir resultados positivos em curto prazo, faz-se
necessário criar ferramentas que, além de economizar energia, reduzam os impactos
ambientais gerados pela sua produção. Essa preocupação é ponto crucial para que se
alcance o consumo sustentável e ganhe destaque no mercado.
253
Embora contem com indicadores de consumo, aplicativos que gerenciem o con-
sumo e planejamentos de consumo, que conseguem resultados em curto prazo, é neces-
sária uma ferramenta que, além de economizar energia, faça com que a indústria polua
menos, pois é isso que fará com que ela se sobressaia perante as outras indústrias.
Fonte: adaptada de SANTOS, W. S., JESUS, W. S. A Tecnologia Pinch: uma Proposta para o Consumo
Sustentável de Energia. In: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DE SERGIPE (SIMPROD), 7., 2015,
São Cristóvão. Anais [...]. São Cristóvão: UFS, 2015. p. 395-404. Disponível em: https://ri.ufs.br/bitstream/
riufs/7824/2/TecnologiaPinchConsumoEnergia.pdf. Acesso em: 31 mar. 2023.
254
Neste tópico, você aprendeu:
• Trocadores de calor: equipamentos que promovem a troca térmica entre dois fluidos
(um quente e o outro frio). A transferência de calor em trocadores ocorre tanto pela
convecção em cada fluido quanto pela condução na parede que os separa.
• Os fluidos (quente e frio) podem entrar no trocador de duas maneiras possíveis: em
paralelo (entram pela mesma extremidade) ou em contracorrente (entram por extre-
midades opostas). Cabe ao engenheiro avaliar qual o melhor formato para um dado
caso, porém o escoamento contracorrente, geralmente, apresenta maior eficiência
para efeitos de troca térmica.
• Como identificar alguns tipos de trocadores de calor, como o tubo duplo (double pipe),
o casco e tubo (shell and tube) e o de placas (plate). A principal diferença entre eles
está na geometria, que se modifica dependendo das necessidades de cada processo.
• O trocador tubo duplo é simples e de fácil manutenção, consistindo em dois tubos
concêntricos, em que um dos fluidos escoa pelo tubo interno e o outro pelo espaço
anular, trocando calor entre si. É comum organizá-lo em grampos, que são arranjos
na forma de “U”. Uma desvantagem é que sua construção, geralmente, requer muito
espaço físico.
• O trocador casco e tubo é muito usado na indústria (suporta ampla faixa de pressão,
permite grande área de troca térmica e requer menos espaço físico que o tubo du-
plo). Um dos fluidos escoa pelos tubos e o outro pelo casco, trocando calor entre si.
Estruturalmente, pode conter espelhos (função de suporte) e chicanas (função de
suporte e de aumentar a taxa de transferência de calor ao promover turbulência no
escoamento).
• Um trocador de calor casco e tubo pode receber uma nomenclatura do tipo n-m, o
que indica que um dos fluidos passa n vezes no casco e o outro passa m vezes no
tubo. São exemplos: trocador casco e tubo 1-1, trocador casco e tubo 1-2, e trocador
casco e tubo 1-4.
• O trocador de calor de placas é mais usado na indústria de alimentos (facilidade de
limpeza) e consiste em uma sequência de placas por onde os fluidos escoam e tro-
cam calor. Essa estrutura permite alterar a área de troca térmica, adicionando ou
diminuindo a quantidade de placas. Uma desvantagem é que não suporta pressões
altas.
RESUMO DO TÓPICO 3
255
• Para utilizarmos a lei de Fourier ou a lei de Newton do resfriamento em trocadores de
calor, é preciso, primeiramente, conhecer as diferenças de temperatura. Como elas
variam espacialmente nesses equipamentos, define-se a média logarítmica de tem-
peratura: 𝑀𝐿𝐷𝑇 = (𝜃1− 𝜃2) / ln(𝜃1/𝜃2).
• Em trocadores de calor casco e tubo com configurações que apresentem mais de
uma passagem nos tubos, o valor de MLDT ainda deve ser multiplicado por um fator
de correção (F). Isso se deve à direção do escoamento, ora em contracorrente, ora em
paralelo.
• Uma aproximação muito comum em cálculo de trocadores de calor: considerar que o
coeficiente global de transferência de calor é dado por .
• Incrustações (depósitos de materiais indesejáveis nas superfícies) em trocadores de
calor devem ser consideradas, pois aumentam a resistência à transferência de calor.
Para isso, fatores de incrustação das superfícies interna (Rfi) e externa (Rf0) são con-
tabilizados no cálculo da resistência total (Rtotal).
256
Fonte: adaptada de Çengel; Cimbala (2015)
AUTOATIVIDADE
1 Um experimento em laboratório emprega um trocador de calor tubo duplo, que tra-
balha com água no tubo interno (temperatura média de 30 °C) e óleo na região anular
(temperatura média de 75 °C). O tubo interno é feito em cobre, com uma espessura
de parede muito fina, de modo que o seu diâmetro pode ser aproximado para 1,5 cm.
Com os dados do experimento, verifica-se que o número de Nusselt no tubo interno
é de, aproximadamente, Nui = 250 e, na região anular, de Nu0 = 10. Sabendo que kágua =
0,65 W/(m⋅ K) e kóleo = 0,15 W/(m ⋅ K), sobre o coeficiente global de troca térmica desse
trocador, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) 99,1 W/(m2 ⋅ K).
b) ( ) 198,2 W/(m2 ⋅ K).
c) ( ) 369,3 W/(m2 ⋅ K).
d) ( ) 738,6 W/(m2 ⋅ K).
2 Os condensadores – equipamentos destinados à remoção de calor latente de um
vapor – são, essencialmente, trocadores de calor. Condensadores são utilizados, por
exemplo, em colunas de destilação, para a produção de etanol combustível. Consi-
dere o condensador representado na figura a seguir, em que o vapor é condensado
utilizando uma corrente de água como fluido frio. Sabendo que a área de troca térmi-
ca dos tubos é de A = 30 m2 e que o coeficiente global de transferência de calor para
esse equipamento é de U = 3.500 W/(m2 ⋅ K), determine a vazão mássica necessária
de água de refrigeração. São dados: calor específico da água c = 4,18 kJ/kg ⋅ K; calor
latente de vaporização da água L = 2.256 kJ/kg.
257
3 Umradiador automotivo funciona como um trocador de calor em escoamento cru-
zado (ou seja, nem em contracorrente nem em paralelo), como apresenta o esquema
da figura a seguir, em que os fluidos são água e ar. Essa peça possui 35 tubos cujo
diâmetro interno é de 0,5 cm, cada um com comprimento de 70 cm e distribuídos ao
longo de uma matriz de placas aletadas. Considerando que a vazão mássica de água
(fluido quente) é de 0,5 kg/s, determine o coeficiente global de transferência de calor
desse radiador com relação à superfície interna dos tubos (Ui). Adote o calor especí-
fico da água como 4,18 kJ/kg ⋅ K e um fator de correção F = 0,95.
Fonte: adaptada de Çengel; Cimbala (2015)
4 A água do mar (23 °C) é aproveitada em um trocador de calor com uma vazão de 4
kg/s para que um óleo quente (85 °C) de vazão de 3 kg/s seja resfriado. Se admitir-
mos que ambos os fluidos possuem o mesmo calor específico de 4.000 J/(kg ⋅ °C),
definindo qmín e qmáx como, respectivamente, a mínima e a máxima taxas de calor tro-
cado possíveis nesse processo, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) qmín = 1.000 kW.
b) ( ) qmín = 992 kW/h.
c) ( ) qmáx = 992 kW.
d) ( ) qmáx = 744 kW.
5 Algumas correntes quentes, existentes em uma refinaria de petróleo, são aproveita-
das como fonte de calor para pré-aquecer o óleo que será destilado. Entretanto, os
trocadores de calor, formados por essas correntes, geralmente, sofrem com a depo-
sição. Sobre esse fenômeno, assinale a alternativa CORRETA:
258
a) ( ) A fluidodinâmica nesses equipamentos não é afetada pela deposição.
b) ( ) As resistências térmicas desses depósitos aumentam o valor do coeficiente glo-
bal de transferência de calor.
c) ( ) As resistências térmicas geradas pelos depósitos dependem tanto da área ocu-
pada na superfície do equipamento quanto da espessura do depósito.
d) ( ) Quando forem da mesma ordem de grandeza das resistências à convecção, as
resistências térmicas dos depósitos podem ser desprezadas.
259
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, E. C. da C. Trocador de calor. São Carlos: Editora da Universidade Federal
de São Carlos (EdUFSCar), 2002.
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-1:
Desempenho térmico de edificações – Parte 1: definições, símbolos e unidades. Rio de
Janeiro: ABNT, 2005.
BRUNETTI, F. Mecânica dos fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.
ÇENGEL, Y. A.; CIMBALA, J. M. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações. 3.
ed. São Paulo: AMGH Editora, 2015.
ÇENGEL, Y. A.; GHAJAR, A. J. Transferência de calor e massa: uma abordagem
prática. 4. ed. São Paulo: AMGH Editora, 2012.
INCROPERA, F. P.; DEWITT, D. P. Fundamentos de transferência de calor e de
massa. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
KERN, D. Q. Processo de transmissão de calor. Tradução de Horácio Macedo. Rio de
Janeiro: Guanabara Dois, 1980. p. 649-654.
260
261
INTRODUÇÃO À
TRANSFERÊNCIA DE MASSA
UNIDADE 3 —
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• definir os conceitos básicos, nos quais o fenômeno da transferência de massa está
pautado;
• empregar a lei de Fick da difusão e as condições de contorno envolvidas na análise
da transferência de massa unidimensional em regime permanente;
• estudar a transferência de massa entre uma superfície e um fluido em movimento,
definindo os devidos números adimensionais;
• conhecer como os três fenômenos de transporte estudados ao longo da disciplina se
relacionam.
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
TEMA DE APRENDIZAGEM 1 – MECANISMO DE DIFUSÃO DE MASSA
TEMA DE APRENDIZAGEM 2 – MECANISMO DE CONVECÇÃO DE MASSA
TEMA DE APRENDIZAGEM 3 – ANALOGIA ENTRE OS FENÔMENOS DE TRANSPORTE
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
CHAMADA
262
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
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263
TÓPICO 1 —
MECANISMO DE DIFUSÃO DE MASSA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, enfim, chegamos a nossa última unidade, em que estuda-
remos o fenômeno da transferência de massa. No início, na Unidade 1, mencionamos
como três fenômenos a serem estudados: a transferência de momento (na forma da
mecânica dos fluidos), a transferência de calor e a transferência de massa. Ainda, a
natureza desses fenômenos é muito parecida, sendo possível empregar modelos mate-
máticos análogos para descrevê-los.
Talvez, isso ainda não esteja tão evidente, em função de dois fatores: primeiro,
por termos abordado a transferência de momento por uma perspectiva macroscópica,
avaliando os efeitos das forças associadas ao escoamento de fluidos; segundo, porque
guardamos o estudo das chamadas analogias entre os fenômenos para o final desta
unidade, quando veremos todos os conceitos essenciais de cada fenômeno delineados
em seu conhecimento, facilitando a visualização de como eles estão relacionados.
Neste tema de aprendizagem, entenderemos os fundamentos iniciais da trans-
ferência de massa. Veremos que, para um sistema ideal de dois componentes, a força
motriz que rege a difusão das espécies é a diferença de concentração delas ao longo do
espaço. Por fim, escreveremos isso matematicamente, utilizando a lei de Fick da difusão
e, em seguida, resolveremos alguns exemplos ilustrativos.
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Para iniciar o estudo da transferência de massa, começaremos com algumas
situações comuns da vida real que ilustram esse fenômeno. Primeiramente, ao derrubar
um pouco de água em cima de uma superfície sólida (Figura 1), sabemos, por questões
de vivência e experiência, que, eventualmente, essa pequena poça irá secar.
Contudo, um observador (que não conhece bem o fenômeno da transferência
de massa) poderia se perguntar: “se, em condições normais, a água evapora a apro-
ximadamente 100 °C, a água não deveria permanecer líquida sobre a superfície?”. De
fato, em uma primeira análise, essa pergunta parece fazer completo sentido, afinal, se
a substância não está em seu ponto de ebulição, é de se esperar que ela não evapore.
Então, por que isso acontece?
264
Figura 1 – Água derramada sobre uma superfície sólida
Fonte: https://elements.envato.com/pt-br/spilled-water-on-a-gray-surface-in-the-form-of-bea-9Z5DPSD.
Acesso em: 24 jan. 2023.
Para explicar esse fenômeno, imaginaremos mais uma situação: colocar duas
colheres de sal dentro de um copo. Em seguida, preenchê-lo com água. Com isso, sa-
bemos que a quantidade de sal no copo parecerá diminuir, pois parte dele se dissolverá
na água. Se deixarmos o copo em repouso por bastante tempo ou se utilizarmos uma
colher para mexer e misturar o conteúdo, veremos que o sal “desaparecerá” ainda mais,
ou seja, ficará dissolvido na água (Figura 2).
Figura 2 – Dissolução de sal em água
Fonte: adaptada de Çengel; Ghajar (2012)
Isso acontece porque a natureza tende a equilibrar esse sistema: como há uma
diferença de concentração, surge um fluxo de sal (fase sólida) para a água (fase líqui-
da), até que esta fique completamente saturada. Em outras palavras, a diferença de
concentração é a força motriz do fenômeno da transferência de massa. Fazendo um
paralelo com a transferência de calor, deixar o copo em repouso (de modo que o sal
gradualmente se dissolverá até a água ficar saturada) seria a chamada difusão mássica,
semelhante à condução de calor (o transporte acontece molécula a molécula). Por outro
265
lado, mexer o conteúdo do copo com o objetivo de misturá-lo é justamente o transpor-
te convectivo de massa (devido ao movimento do fluido), sendo mais rápido de atingir
o equilíbrio.
Com isso em mente, voltemos ao exemplo da pequena poça de água sobre
uma superfície sólida: se a temperatura está em condições ambiente, por que a água,
eventualmente, evapora? A resposta é semelhante ao que discutimos parao copo de
água com sal: por causa da concentração de água no ar. Se o ar não está saturado de
água, ou seja, úmido, como em dias de chuva, a natureza busca o equilíbrio do sistema,
criando um fluxo de água da poça (fase líquida) para o ar (fase gasosa). Caso não haja
movimento do ar em torno da poça, podemos dizer que o processo é difusivo. Se qui-
sermos acelerar essa evaporação, podemos ligar um ventilador direcionado à poça – o
processo passa a ser, então, convectivo e, caracteristicamente, mais rápido.
Nesses dois exemplos ilustrativos, é fundamental percebermos como o fenô-
meno da transferência de massa é análogo à transferência de calor. O exemplo do copo
de água com sal em repouso é equivalente a colocar dois corpos com diferentes tem-
peraturas em contato – são situações de difusão mássica e condução térmica. Ligar o
ventilador, para que a poça evapore mais rápido, é equivalente a direcionar um ventila-
dor a um corpo quente, para que ele esfrie mais rápido – são exemplos de convecção
mássica e convecção térmica.
De fato, muitos problemas que envolvem a transferência de calor, no fundo,
também envolvem questões de transferência de massa. Podemos considerar um ter-
ceiro exemplo ilustrativo: a transpiração em corpos humanos (Figura 3). Entre suas di-
versas funções, é de conhecimento geral que o suor serve para promover a perda de
calor (ou seja, resfriamento do corpo), mas como isso acontece? De maneira relativa-
mente simplista, podemos entender esse problema como uma mistura dos dois exem-
plos anteriores: são gotículas de água sobre uma superfície que evaporam para o ar
atmosférico, devido à diferença de concentração.
Figura 3 – Suor do corpo humano
Fonte: https://elements.envato.com/pt-br/sweat-on-the-eyes-of-woman-excercise-focus-sweat-TK8UEHQ.
Acesso em: 24 jan. 2023 .
266
Pensando nisso, a transferência de massa parece evidente: se o ar não está sa-
turado (úmido, chovendo), a água do suor que está sobre a pele irá evaporar – e quanto
à transferência de calor? Na realidade, ela acontece por meio de uma forma discreta,
mas importantíssima: pelo calor latente de vaporização – discreta porque esse é um
mecanismo de transferência de calor que não está pautado, essencialmente, em dife-
renças de temperatura (para substâncias puras em geral, a mudança de fase acontece a
temperaturas constantes) e importantíssima porque é capaz de remover calor do corpo,
mesmo quando a temperatura ambiente é maior que a da pele.
Por causa desses aspectos, a transpiração humana não é somente um meca-
nismo incrível de regulação de temperatura dos nossos corpos, mas também um exce-
lente exemplo de como os fenômenos de transporte atuam em conjunto na natureza.
Ainda, podemos ir mais adiante: ficar na frente de um ventilador, quando estamos sua-
dos, promove um resfriamento intenso do corpo, devido à convecção. Somado a isso,
quanto maior for a velocidade do ventilador, maior será a vazão mássica de ar passando
sobre o corpo e mais turbulento será o escoamento (lembre-se do número de Reynolds),
amplificando ainda mais os fenômenos de transferência de momento, calor e massa.
O corpo humano perde calor por três mecanismos: condução,
irradiação e evaporação do suor. Se o ar ambiente estiver a uma
temperatura maior que a da pele (regulada metabolicamente em
torno de 33 °C), a condução e a irradiação irão esquentar o corpo,
em vez de resfriá-lo, de modo que a evaporação do suor passa
a ser a única forma de dissipar o calor gerado pelo metabolismo
corporal, regulando a temperatura corporal interna em torno de
37 °C. A própria pele pode apresentar diferenças de temperatura
consideráveis – em um dia de neve, um homem registrou as
temperaturas de sua pele enquanto subia uma montanha,
indicando cerca de 15 °C em seus pés, enquanto o seu peito
estava a 32 °C.
Fonte: FARZANA, A. Temperature of a healthy human (skin
temperature). The Physics Factbook, 2001. Disponível em:
https://hypertextbook.com/facts/2001/AbantyFarzana.shtml.
Acesso em: 25 jan. 2023.
INTERESSANTE
Esses exemplos devem ser suficientes para começarmos a enxergar a trans-
ferência de massa em situações do cotidiano. Como toda a área da Engenharia, agora
que conseguimos observar o fenômeno, o passo seguinte é encontrarmos formas de
equacioná-lo.
267
Acadêmico, o objetivo deste livro didático é fazer isso de forma
bastante pragmática e introdutória – se forem consultados li-
vros mais tradicionais e específicos de fenômenos de transpor-
te, é comum encontrarmos uma abordagem muito mais exten-
sa, rígida e minuciosa do assunto, fazendo balanços de massa
em diferentes geometrias, com reações químicas heterogêneas
e homogêneas e, até mesmo, trabalhando sistemas em regime
transiente. Contudo, o fundamental é estar bem situado com
cálculos de concentração e frações mássicas e molares, seme-
lhantemente ao que foi abordado na Unidade 1.
NOTA
3 DIFUSÃO MÁSSICA
Assim como temos a lei de Newton da viscosidade para a transferência de mo-
mento e a lei de Fourier da condução para a transferência de calor, teremos a lei de Fick
da difusão na transferência de massa. Para uma mistura binária, ou seja, que envolve
duas espécies distintas, A e B (como água no ar, por exemplo), a lei de Fick pode ser
expressa pelas seguintes equações:
Em que a primeira está expressa em termos de massa e a segunda, em termos
do número de mols. Os parâmetros presentes são:
• : fluxo mássico do componente A por difusão – dimensão de massa por unidade
de tempo por unidade de área. Por exemplo: .
• : fluxo molar do componente A por difusão – dimensão de mols por unidade de
tempo por unidade de área. Por exemplo: .
• e : vazões mássica e molar do componente A por difusão – dimensão de
massa por unidade de tempo. Por exemplo: e .
• A: área normal à direção da transferência de massa (conceito análogo ao desenvolvi-
do na transferência de calor) – dimensões de área: m2.
268
• ρ: densidade da mistura binária ρ = ρA + ρB , com dimensões de massa por unidade de
volume. Por exemplo: .
• C: concentração molar da mistura binária C = CA + CB , com dimensões de mols por uni-
dade de volume. Por exemplo: .
• DAB : difusividade mássica (também chamada de coeficiente de difusão) da espécie A
na mistura binária A + B, com dimensões de comprimento ao quadrado por unidade
de tempo. Por exemplo: .
• e : gradientes de fração mássica e molar na direção x, respectivamente,
cujas unidades podem ser, por exemplo: .
Acadêmico, caso esses termos não tenham ficado tão
claros, procure fazer uma análise dimensional de cada
equação, utilizando as unidades fornecidas.
DICA
Essencialmente, o significado físico da lei de Fick da difusão é uma mistura de
dois componentes A e B. Em um gradiente de concentração, haverá um movimento das
moléculas dos componentes, da região de maior concentração para a de menor con-
centração – a intensidade desse fluxo de massa será proporcional ao próprio gradiente
e a constante de proporcionalidade da equação é a difusividade mássica DAB.
IMPORTANTE
As dimensões da difusividade mássica (comprimento ao
quadrado por unidade de tempo) são idênticas às dimensões
da difusividade térmica (a) e da difusividade de momento (v),
que, anteriormente, chamamos de viscosidade cinemática. A
unidade do SI para as três grandezas é justamente .
Para as situações em que a densidade (ρ) e a concentração molar (C) da mistura
forem constantes, podemos também escrever as equações da lei de Fick da difusão
nas formas:
269
Essa simplificação costuma ser razoável para soluções sólidas ou líquidas bem
diluídas. Além disso, é importante esclarecer que estamos tratando apenas da difusão
mássica unidirecional, assim como fizemos anteriormente para a transferência de calor.
Sistemas bidimensionais ou tridimensionais também podem ser estudadospela lei de
Fick, mas fogem ao escopo desta unidade.
Antes de utilizarmos a lei de Fick da difusão em um exemplo, é importante men-
cionar que os coeficientes de difusão DAB são geralmente determinados experimentalmen-
te, para condições bem definidas de temperatura, pressão e composição das misturas.
Çengel e Ghajar (2012) reuniram dados de diferentes trabalhos e obras, que es-
tão sumarizados nas Tabelas 1 a 4. Em geral, pode-se afirmar que a difusividade au-
menta com a temperatura, sendo maior em gases e menor em sólidos. Além disso, em
misturas binárias de gases ideais, a difusividade DAB é igual à difusividade DAB.
Tabela 1 – Coeficientes de difusão binária de alguns gases em ar a 1 atm de pressão
Coeficientes de difusão binária
T (K) O2 CO2 H2 NO
200 0,95 0,74 3,75 0,88
300 1,88 1,57 7,77 1,80
400 5,25 2,63 12,5 3,03
500 4,75 3,85 17,1 4,43
600 6,46 5,37 24,4 6,03
700 8,38 6,84 31,7 7,82
800 10,5 8,57 39,3 9,78
900 12,6 10,5 47,7 11,8
1.000 15,2 12,4 56,9 14,1
1.200 20,6 16,9 77,7 19,2
1.400 26,6 21,7 99,0 24,5
1.600 33,2 27,5 125 30,4
1.800 40,3 32,8 152 37,0
2.000 48,0 39,4 180 44,8
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 802)
270
Tabela 2 – Coeficientes de difusão binária de misturas de gases diluídos a 1 atm
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 803)
Substâncias T DAB Substâncias T DAB
A B (K) ( ) A B (K) ( )
Ar Acetona 273 1,1 Argônio Nitrogênio 293 1,9
Ar Amônia 298 2,6
Dióxido de
carbono
Benzeno 318 0,72
Ar Benzeno 298 0,88
Dióxido de
carbono
Hidrogênio 273 5,5
Ar
Dióxido de
carbono
298 1,6
Dióxido de
carbono
Nitrogênio 293 1,6
Ar Cloro 273 1,2
Dióxido de
carbono
Oxigênio 273 1,4
Ar Etanol 298 1,2
Dióxido de
carbono
Vapor de
água
298 1,6
Ar Éter etílico 298 0,93 Hidrogênio Nitrogênio 273 6,8
Ar Hélio 298 7,2 Hidrogênio Oxigênio 273 7,0
Ar Hidrogênio 298 7,2 Oxigênio Amônia 293 2,5
Ar Iodo 298 0,83 Oxigênio Benzeno 296 0,39
Ar Metanol 298 1,6 Oxigênio Nitrogênio 273 1,8
Ar Mercúrio 614 4,7 Oxigênio
Vapor de
água
298 2,5
Ar Naftalina 300 0,62
Vapor de
água
Argônio 298 2,4
Ar Oxigênio 298 2,1
Vapor
de água
Hélio 298 9,2
Ar
Vapor de
água
298 2,5
Vapor
de água
Nitrogênio 298 2,5
Tabela 3 – Coeficientes de difusão binária de soluções de líquidos diluídos e soluções sólidas a 1 atm,
em que A é soluto e B é solvente
Substâncias T DAB
A B (K) ( )
Amônia Água 285 1,6 × 10-9
Benzeno Água 293 1,0 × 10-9
271
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 804)
Dióxido de carbono Água 298 2,0 × 10-9
Cloro Água 295 1,4 × 10-9
Etanol Água 283 0,84 × 10-9
Etanol Água 288 1,0 × 10-9
Etanol Água 298 1,2 × 10-9
Glicose Água 298 0,69 × 10-9
Hidrogênio Água 298 6,3 × 10-9
Metano Água 275 0,85 × 10-9
Metano Água 293 1,5 × 10-9
Metano Água 333 3,6 × 10-9
Metanol Água 288 1,3 × 10-9
Nitrogênio Água 298 2,6 × 10-9
Oxigênio Água 298 2,4 × 10-9
Água Etanol 298 1,2 × 10-9
Água Etileno glicol 298 0,18 × 10-9
Água Metanol 298 1,8 × 10-9
Clorofórmio Metanol 288 2,1 × 10-9
Dióxido de carbono Borracha natural 298 1,1 × 10-10
Nitrogênio Borracha natural 298 1,5 × 10-10
Oxigênio Borracha natural 298 2,1 × 10-10
Hélio Pyrex® 773 2,0 × 10-12
Hélio Pyrex® 293 4,5 × 10-15
Hélio Dióxido de silício 298 4,0 × 10-14
Hidrogênio Ferro 298 2,6 × 10-13
Hidrogênio Níquel 358 1,2 × 10-12
Hidrogênio Níquel 438 1,0 × 10-11
Cádmio Cobre 293 2,7 × 10-19
Zinco Cobre 773 4,0 × 10-18
Zinco Cobre 1273 5,0 × 10-13
Antimônio Prata 293 3,5 × 10-25
Bismuto Chumbo 293 1,1 × 10-20
Mercúrio Chumbo 293 2,5 × 10-19
Cobre Alumínio 773 4,0 × 10-14
Cobre Alumínio 1273 1,0 × 10-10
Carbono Ferro 773 5,0 × 10-15
Carbono Ferro 1273 3,0 × 10-11
272
Tabela 4 – Coeficientes de difusão binária de misturas de gases diluídos a 1 atm
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 804)
T (◦C) DH2O,Ar (m2/s)
0 2,09 × 10-5
5 2,17 × 10-5
10 2,25 × 10-5
15 2,33 × 10-5
20 2,42 × 10-5
25 2,50 × 10-5
30 2,59 × 10-5
35 2,68 × 10-5
40 2,77 × 10-5
50 2,96 × 10-5
100 3,99 × 10-5
150 5,18 × 10-5
Por exemplo, para comparar a difusão de dióxido de carbono (espécie A) em três
meios distintos – ar, água e borracha natural (espécies B) – a uma temperatura de 298 K e
pressão de 1 atm, precisamos calcular os fluxos mássicos da espécie A no ponto em que
. Considere que a mistura esteja suficientemente diluída
para que a concentração molar total (C) possa ser admitida como constante. A massa
molar do CO2 é MMCO2 = 44 kg/kmol.
Solução:
Nas Tabelas 1 e 3, podemos obter as difusividades para os três casos (aproxi-
mando para o valor de T = 300 K na Tabela 1):
Como C é uma constante, podemos usar a lei de Fick da difusão como:
273
Conhecidos os coeficientes DAB, resta apenas conhecer também a taxa de
variação da concentração molar da espécie A ao longo da direção x. O enunciado indica
o valor , mas é importante esclarecermos o que esse valor
significa (Figura 4).
Figura 4 – Variação da concentração da espécie A ao longo da direção x
Fonte: os autores
Nota-se que a concentração de CO2 (indicada no esquema por CA) decresce
ao longo da direção x, afinal, estamos cada vez mais distantes da fonte da espécie
A. Dessa forma, o valor da variação deve ser negativo. Além disso, a unidade
kmol/(m3 . m), apesar de não parecer intuitiva, é simplesmente o resultado da divisão dos
valores infinitesimais:
Com isso, podemos calcular os valores desejados. Por exemplo, para a difusão
do CO2 em ar, teremos o fluxo molar:
274
Podemos entender esse resultado fisicamente como: uma vazão de 1,57 . 10–5
kmol de CO2 por segundo atravessa cada metro quadrado de interface CO2 – ar. Agora,
podemos utilizar a massa molar do CO2 para determinar o fluxo mássico, por meio da
relação:
Então, para o CO2 em ar:
De modo semelhante, fazendo para a água e a borracha natural como espécies
B, teremos os fluxos mássicos:
Como é possível observar, para um mesmo gradiente de concentração, o fluxo
mássico é bastante superior no meio gasoso em relação a meios líquidos e sólidos.
No contexto da transferência de massa, vários outros conceitos de física e
química podem ajudar a compreender e solucionar os problemas. No estudo de misturas
de gases a baixas pressões, por exemplo, podemos considerar a condição de gases
ideais e, com isso, empregar a lei de Dalton das pressões parciais com facilidade, na qual
a pressão total (p) de uma mistura de gases é igual à soma das pressões parciais (pi) dos
gases individuais da mistura:
Para gases ideais, é fundamental lembrar da relação:
p . V = n . R . T
275
Em que p é a pressão, V é o volume, n é o número de mols, T é a temperatura e
R é a constante dos gases ideais (8,314 J/(mol . K)). Isolando p nessa equação, podemos
avaliar a “fração de pressão” do componente i (yi = pi /p) na mistura:
Em outras palavras, essa relação demonstra que a fração de pressão do com-
ponente i em uma mistura de gases ideais é equivalente à fração molar dessa espécie
na mistura.
Dessa forma, pressões são parâmetros importantíssimos quando estudamos a
transferência de massa envolvendo gases. Isso é verdade não somente para misturas
de gases, mas também para interfaces gás-líquido em soluções diluídas, em que as
frações molares de uma espécie i nas fases líquida e gasosa são proporcionais entre si:
Como visto, para uma mistura de gases ideais à pressão total p, podemos
expressar a fração molar da espécie i na fase gasosa como:
Combinando essas duas equações, podemos escrever:
Com isso, podemos utilizar uma constante de proporcionalidade (i) para trans-
formar essa relação em uma igualdade:
Enfim, define-se a constante H = c . p, a qual é chamada de constante de
Henry, característica da espécie em questão e função apenas da temperatura para
baixas pressões (abaixode 5 atm). Observa-se que esse parâmetro tem dimensões
de pressão. Alguns valores da constante de Henry, para diferentes soluções aquosas,
estão apresentados na Tabela 5. Então, podemos rearranjar a equação anterior na forma
conhecida como lei de Henry:
276
Tabela 5 – Constantes de Henry (em bar) para alguns gases em água a baixas e médias pressões
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 807)
Soluto 290 K 300 K 310 K 320 K 330 K 340 K
H2S 440 560 700 830 980 1.140
CO2 1.280 1.710 2.170 2.720 3.220 –
O2 38.000 45.000 52.000 57.000 61.000 65.000
H2 67.000 72.000 75.000 76.000 77.000 76.000
CO 51.000 60.000 67.000 74.000 80.000 84.000
Ar 62.000 74.000 84.000 92.000 99.000 104.000
N2 76.000 89.000 101.000 110.000 118.000 124.000
Algumas observações podem ser feitas sobre a Lei de Henry e os valores da Ta-
bela 5. A primeira é que, quanto maior a constante de Henry, menor a concentração de
gás no líquido (são inversamente proporcionais). Por outro lado, quanto maior a pressão
parcial do gás, maior é a fração molar yi,líquido, de modo que pressurizar o gás aumenta a
quantidade de gás dissolvido no líquido. Além disso, a constante de Henry aumenta com
a temperatura, ou seja, um aumento de temperatura leva a uma diminuição dos gases
dissolvidos no líquido. Esses são alguns dos aspectos físico-químicos que fundamen-
tam os processos de absorção e separação de líquidos e gases.
Apesar de ser um recurso poderoso e matematicamente simples, o uso da lei de
Henry está limitado a soluções gás-líquido diluídas, ou seja, com uma pequena quan-
tidade de gás dissolvido em líquido. Nesse caso simples, a relação yi,líquido . pi,gás é linear
(afinal, H é uma constante que depende somente da temperatura). Para situações em
que isso não é válido, ou seja, quando o gás é altamente solúvel no líquido (ou no sólido),
utiliza-se a chamada lei de Raoult, dada por:
Em que pi,sat (T) é a pressão de saturação da espécie i na temperatura de inter-
face T. Valores para pressões de saturação de soluções mais usuais estão disponíveis
em livros e manuais, como misturas água-amônia, amplamente utilizadas em sistemas
de absorção-refrigeração.
277
Em outro exemplo, uma garrafa de 500 mL de água com gás, mantida a 17 °C,
cuja pressão interna é de 355 kPa (aproximadamente 3,5 atm). Duas fases estão pre-
sentes: uma fase gasosa (que pode ser considerada uma mistura saturada de CO2 e
vapor de água) e uma fase líquida (que contém água e CO2 dissolvido). Admitindo que
esse volume de líquido corresponde a uma massa de aproximadamente 500 g, determi-
ne a fração molar de vapor na fase gasosa e a massa de CO2 dissolvido na fase líquida.
Massas molares: MMH₂O = 18 g/mol, MMCO₂ = 44 g/mol. Considere págua,sat (17 ◦C) = 1,96 kPa.
Solução:
Figura 5 – Esquema ilustrativo do exemplo trabalhado
Fonte: adaptada de Çengel; Ghajar (2012
Consideraremos condições de gás ideal tanto para o CO2 quanto para o vapor
de água. Além disso, não serão levadas em conta perdas de massa pelas paredes da
garrafa (ou seja, a massa dentro da garrafa é constante). Como o CO2 é pouco solúvel
em água, podemos aplicar a lei de Henry. Para tanto, podemos consultar a Tabela 5, em
que, para misturar CO2 em água a 17 °C (≈ 290 K), temos H = 1.280 bar.
Para responder ao primeiro item, basta analisarmos a fase gasosa. Sabemos
que a pressão no interior da garrafa é p = 355 kPa. Então, na condição de gás ideal, para
determinarmos a fração molar de vapor, basta conhecermos a pressão parcial do vapor.
Esse problema pode ser resolvido com o conceito de pressão de vapor, que é a pressão
exercida por um vapor quando este está em equilíbrio termodinâmico com o líquido que
lhe deu origem.
Em outras palavras, a pressão parcial do vapor na fase gasosa será simples-
mente a pressão de saturação da água (fase líquida). A 17 °C, o enunciado informa que:
pvapor,gás = psat,água (17 °C) = 1,96 kPa. Então:
278
Se os únicos componentes presentes são água e CO2, temos:
Esse resultado pode ser utilizado na lei de Henry, relacionando a pressão parcial
do CO2 na fase gasosa com a fração molar de CO2 no líquido:
Assim como fizemos para a fase gasosa, temos na fase líquida:
Com isso, conhecemos as composições molares da fase líquida. É necessário,
agora, uma forma de relacionar a fração molar com a mássica, pois o enunciado pede
a massa de CO2 dissolvido na fase líquida. Evidentemente, a grandeza que faz essa
relação é a massa molar, mas como podemos utilizá-la para isso? Esta pergunta
pode ser respondida lembrando dos conceitos básicos que estudamos na Unidade 1,
determinando a massa molar média da mistura.
Primeiramente, consideramos a base de cálculo de 1 mol de fase líquida (n = 1).
Como conhecemos as composições molares ( yCO2,líquido e yágua,líquido ), podemos utilizar a
relação:
ni = yi ⋅ n
279
Caso esse processo não tenha ficado claro, revisite a Unidade
1, em que tratamos desse aspecto de forma mais minuciosa.
Lembre-se de que, na prática, aqui simplesmente fizemos uma
média ponderada das massas molares.
DICA
Em posse desse valor, podemos relacionar frações mássicas com frações
molares:
Então, podemos avaliar a massa correspondente a esses números de mol
utilizando a relação da massa molar de cada componente:
mi = MMi ⋅ ni
Veja que mlíquido é a massa de líquido calculada para 1 mol de líquido, ou seja, a
massa molar média do líquido pode ser dita como:
Pela nossa base de cálculo e pelas frações molares determinadas anteriormen-
te, temos que:
280
Utilizando essa relação para o CO2 na fase líquida:
Com isso, se a massa de líquido é de, aproximadamente, 500 g, basta fazer uma
última operação para responder ao problema:
Como é possível ver nesse exemplo, a solução de problemas
de transferência de massa exige bastante refino no trabalho
com frações mássicas, molares e leis físicas que relacionam
essas grandezas com propriedades dos componentes e
misturas. Com a prática, esses conceitos devem se tornar tão
casuais quanto respirar.
ATENÇÃO
Como já mencionado, os gases também podem se dissolver em sólidos,
de acordo com o tamanho da molécula, a estrutura e a porosidade do sólido, entre
outras características. Tais processos podem ser bastante complexos, envolvendo,
até mesmo, reações químicas entre o sódio e o gás. Embora esse estudo não seja
aprofundado, faremos uma abordagem inicial do conceito de solubilidade (S): grandeza
correspondente à constante de proporcionalidade entre a concentração da espécie
gasosa i na superfície do sólido (Ci,sólido) e a pressão parcial da espécie i na interface gás-
sólido (pi,gás). Em termos matemáticos, isso pode ser resumido na expressão:
Ci,sólido = S . pi,gás
A unidade da solubilidade pode ser, por exemplo, kmol/(m3 . bar). A Tabela 6
apresenta solubilidades para alguns pares gás-sólido.
281
Tabela 6 – Solubilidade de alguns gases em sólidos
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 808)
Gás Sólido T (K) S (kmol/(m3 . bar))
O2 Borracha 298 0,00312
N2 Borracha 298 0,00156
CO2 Borracha 298 0,04015
He SiO2 293 0,00045
H2 Ni 358 0,00901
Além disso, é convencional também definir o conceito de permeabilidade (P)
como o produto da solubilidade (S) com o coeficiente de difusão do gás no sólido (DAB).
Esse parâmetro é uma medição da capacidade do gás de penetrar o sólido em questão.
Sua unidade pode ser, por exemplo, kmol/(s . bar).
Em um último exemplo desse subtema, uma lâmina de borracha exposta a gás
nitrogênio a 25 °C e 4 bar, considerando que a interface gás-sólido esteja em equilíbrio
termodinâmico, determine a concentração molar de nitrogênio na superfície da lâmina
(CN2,sólido). Admitindo MMN2 = 28 g/mol, determine também a concentração mássica do gás
na superfície da lâmina (pN2,sólido).
Solução:
Da Tabela 6, temos que, nessas condições de temperatura (25 °C = 298 K), a
solubilidade de N2 em borracha é de S = 0,00156 kmol/(m3 ⋅ bar). Comoconhecemos
a pressão do gás (pN2,gás = 4 bar), basta utilizarmos a equação da solubilidade para
determinar a concentração molar.
Para apresentar o resultado em termos mássicos, basta multiplicar pela massa
molar do gás:
Esses resultados podem ser entendidos como: há 0,00624 kmol (ou 0,17472 kg)
em cada m3 de borracha em interface com o gás.
282
Neste tópico, você aprendeu:
• A transferência de massa é o estudo do fenômeno de migração de espécies (como
moléculas, sais e íons) em uma região do espaço ao longo do tempo. Para uma mistura
binária, isto é, de duas espécies, a força motriz, para que esse fenômeno ocorra, é a
diferença de concentração das espécies em diferentes regiões do espaço (gradiente
de concentração).
• A lei de Fick da difusão se aplica a misturas binárias. Em termos de fluxo mássi-
co, ela é escrita, na direção x (unidirecional), como , já, em
termosde fluxo molar, como . No caso em que p e C são cons-
tantes, temos que: e .
• Segundo a lei de Fick da difusão, as espécies migram de regiões de maior concentração
para as de menor concentração, até que não haja mais gradiente de concentração.
• A constante de proporcionalidade na lei de Fick da difusão é a difusividade mássica
DAB (também chamada de coeficiente de difusão), cuja unidade é m
2/s no SI. Para
mistura binária de gases ideais, DAB = DBA. Em geral, a difusividade aumenta com a
temperatura e é maior em gases e menor em sólidos.
• Em sistemas líquido-gás de interesse da transferência de massa, podemos associar
a concentração da espécie i na fase líquida com a sua pressão na fase gasosa. Para
soluções diluídas, fazemos isso por meio da lei de Henry (pi,gás = yi,líquido . H), em que H
é a constante de Henry; caso contrário, usamos a lei de Raoult (pi,gás = yi,líquido . pi,sat (T)),
em que pi,sat (T) é a pressão de saturação na temperatura (T).
• Em sistemas sólido-gás de interesse da transferência de massa, podemos associar
a concentração da espécie i na fase sólida com a sua pressão na fase gasosa pela
seguinte equação Ci,sólido = S . pi,gás, em que a constante de proporcionalidade S é
chamada de solubilidade. Uma unidade típica de S é kmol/(m3 . bar).
• A definição de permeabilidade (P): P = DAB . S. Ela mede a capacidade do gás de penetrar
o sólido. Uma unidade típica é kmol/(s . bar).
• Para converter a fração mássica do componente i em uma mistura em fração molar des-
se mesmo componente, e vice-versa, usa-se a seguinte equação: .
RESUMO DO TÓPICO 1
283
AUTOATIVIDADE
1 Em um lago com equilíbrio entre o ar e a superfície (ver figura a seguir), a temperatura
é de 27 °C e a pressão atmosférica é de 130 kPa. Determine a fração molar de ar
dissolvido na superfície do lago. Para essa temperatura, a pressão de saturação da
água é de psat,água (27 °C) = 3,60 kPa. Considere condições de gás ideal.
Fonte: os autores
284
285
MECANISMO DE CONVECÇÃO DE MASSA
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, estudamos o primeiro mecanismo de transferência de massa: a
difusão, percebendo que as espécies migram de uma região para outra devido à colisão
molecular entre elas, o que pode ocorrer nas fases gasosa, líquida e sólida, porém com
intensidades diferentes. Escrevemos isso, matematicamente, utilizando a lei de Fick da
difusão.
Neste tema de aprendizagem, veremos outro mecanismo de transporte de
massa: a convecção. Anteriormente, vimos a convecção de calor, na Unidade 2, como
uma das formas de transferência de calor. De forma análoga, quando há a movimenta-
ção macroscópica de fluido, a transferência de massa ocorrerá não apenas por difusão,
mas também por convecção mássica.
Assim, apresentaremos alguns números adimensionais, os números de Sch-
midt, de Lewis e de Sherwood, esclarecendo que esses números serão relevantes para
equacionarmos a transferência de massa por convecção.
2 NÚMEROS ADIMENSIONAIS DA TRANSFERÊNCIA DE
MASSA
Assim como discutido na transferência de calor, existe também o conceito de
convecção de massa. De forma completamente análoga à lei de Newton do resfriamen-
to, poderíamos expressar a taxa de convecção mássica como:
Nota-se que hmassa é o coeficiente convectivo de transferência de massa, As é a
área da superfície normal à convecção e Cs – C∞ é a diferença de concentração entre
a superfície e o fluido em movimento. Essa analogia é válida para pequenas taxas de
transferência de massa, em que a espécie que passa por convecção corresponde a
menos de 10% da vazão total da mistura de gás ou líquido. Aqui, a convecção também
amplifica a transferência de massa e, ainda, existe o conceito de camada limite de
concentração: a região onde existem gradientes de concentração (Figura 6).
286
Figura 6 – Desenvolvimento da camada limite de concentração para uma espécie A
no escoamento externo sobre uma superfície plana
Fonte: Çengel; Ghajar (2012, p. 831)
No estudo sobre convecção de calor, mencionamos que o verdadeiro desafio
da transferência de calor é determinar os coeficientes convectivos (h). O mesmo ocorre
com a transferência de massa e, para tanto, diversos números adimensionais são defi-
nidos para auxiliar no estudo e na descrição de cada problema. Dessa forma, focaremos
nos conceitos que delineiam a convecção de massa e abordaremos, ligeiramente, o seu
estudo prático no tópico a seguir.
O primeiro número adimensional que devemos mencionar é o
número de Schmidt (Sc), que compara a difusão de momento
com a difusão mássica:
NOTA
Talvez, não seja evidente, mas esse número é análogo ao número de Prandtl
(Pr), definido na Unidade 2. Ambos os números estão intrinsecamente relacionados à
formação das camadas limites térmica e de concentração em escoamentos laminares.
Um número de Prandtl próximo de 1 (Pr ≈ 1) indica que a difusão de momento e de ca-
lor são semelhantes, de modo que as camadas limites de velocidade e de temperatura
quase coincidem. O mesmo raciocínio se aplica para números de Schmidt próximos de
1 (Sc ≈ 1), indicando que a difusão de momento e de massa são semelhantes, de modo
que as camadas limite de velocidade e de concentração quase coincidem.
287
Assim, um pensamento intuitivo seria: “se podemos comparar as camadas limi-
tes térmica e de concentração com a camada limite de velocidade, será que é possível
comparar as camadas de temperatura e concentração entre si?”. A resposta é sim – uti-
lizando outro número adimensional, o chamado número de Lewis.
O número de Lewis (Le) é definido como:
NOTA
Apesar de esses números dizerem muito sobre as camadas limites do
escoamento, ainda não é evidente como eles nos ajudariam a determinar o coeficiente
de convecção mássica (hmassa). Na Unidade 2, vimos que a convecção de calor poderia
ser estudada com base no número de Nusselt, responsável por indicar o aumento da
transferência de calor, como resultado da convecção frente à transferência de calor
por condução. Contudo, existe um número análogo ao número de Nusselt para a
transferência de massa, o chamado número de Sherwood.
O número de Sherwood (Sh) é definido pela seguinte expressão:
Em que LC é o comprimento característico do escoamento. Não
surpreendentemente, é comum até mesmo encontrar bibliogra-
fias que se referem ao número de Sherwood como “número de
Nusselt mássico”.
NOTA
288
3 CONVECÇÃO MÁSSICA
Com esses números definidos, o estudo da convecção passa a ser uma análise
do escoamento, pois observa-se que, assim como o número de Nusselt é função dos
números de Reynolds e Prandtl, o número de Sherwood é função dos números de
Reynolds e Schmidt:
Então, surgem diversas correlações para diferentes condições de escoamento,
fluidos e geometrias, capazes de determinaro coeficiente convectivo hmassa com base
nesses números adimensionais. Combinando os três fenômenos de transporte (trans-
ferência de momento, calor e massa), chegamos, então, às analogias que regem todos
os seus coeficientes simultaneamente.
289
Neste tópico, você aprendeu:
• A convecção mássica é a transferência de massa na presença do movimento ma-
croscópico de fluidos.
• Assim como existe a camada limite hidrodinâmica na mecânica dos fluidos e a cama-
da limite térmica na transferência de calor, também há a camada limite de concen-
tração na transferência de massa, formada pelos pontos em que a concentração de
uma espécie no escoamento de um fluido é afetada pela concentração da superfície
onde o fluido escoa.
• De forma análoga com o que acontece na convecção de calor, usamos alguns nú-
meros adimensionais relevantes para estudar a convecção de massa, facilitar o en-
tendimento e a resolução de problemas, e escrever correlações úteis para diversos
cálculos.
• A definição do número de Schmidt (Sc = v/DAB), que compara a difusividade de mo-
mento com a difusividade mássica. Um valor de Sc ≈ 1 significa que as difusões de
momento e de massa ocorrem de forma parecida, de modo que as camadas limites
de velocidade e de concentração quase coincidem.
• A definição do número de Lewis (Le = Sc/Pr = a/DAB), que compara a difusividade tér-
mica com a difusividade mássica. Por meio desse adimensional, é possível relacionar
a camada limite térmica com a camada limite mássica.
• A definição do número de Sherwood (Sh = hmassa . Lc /DAB), por vezes, também chamado
de número de Nusselt mássico, pois o número de Sherwood está para a transferência
de massa, assim como o número de Nusselt está para a transferência de calor. O nú-
mero de Sherwood evidencia a razão entre a transferência de massa por convecção
e por difusão.
• Conhecendo os números adimensionais previamente definidos, é possível obter cor-
relações para cálculo de hmassa, visto que o número de Sherwood pode ser escrito como
função dos números de Reynolds e de Schmidt, isto é, .
RESUMO DO TÓPICO 2
290
AUTOATIVIDADE
1 Uma garrafa de 2 litros de refrigerante se encontra a 27 °C e 500 kPa. No seu inte-
rior, observa-se a presença de duas fases em equilíbrio termodinâmico: uma gasosa
(contendo CO2 e vapor de água) e uma líquida (que pode ser aproximada como uma
solução de CO2 em água). Considerando condições de gás ideal e que o volume de
líquido corresponde a uma massa de, aproximadamente, 2 kg, determine a massa de
CO2 dissolvido na fase líquida. Massas molares: MMH2O = 18 g/mol, MMCO2 = 44 g/mol.
Considere psat,água (27 °C) = 3,60 kPa.
Fonte: os autores
291
TÓPICO 3 —
ANALOGIA ENTRE OS FENÔMENOS
DE TRANSPORTE
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Anteriormente, estudamos os dois mecanismos que podem contribuir para a
ocorrência da transferência de massa, a difusão (devido ao choque molecular entre as
espécies) e a convecção (devido à movimentação macroscópica dos fluidos). Percebe-
mos que números adimensionais, como o de Schmidt e o de Sherwood, podem funcio-
nar como ferramentas simples, porém extremamente úteis, para equacionar problemas
complexos.
Entre as várias definições de números adimensionais que já estudamos, será
que é possível relacioná-las? Em outras palavras, será que existe alguma relação entre
os parâmetros usados na mecânica dos fluidos e nas transferências de calor e massa?
A resposta para essas perguntas é: sim! É possível fazermos uma analogia entre os três
tipos de fenômenos de transporte que estudamos, o que é muito útil para resolvermos
problemas em que os três fenômenos devam ser considerados de forma simultânea.
Neste tema de aprendizagem, veremos essas analogias, apresentaremos a ana-
logia de Reynolds e definiremos mais um número adimensional, o número de Stanton.
Por fim, estudaremos a analogia de Chilton-Colburn e algumas correlações experimen-
tais entre números adimensionais.
2 ANALOGIA DE REYNOLDS E SUAS EXTENSÕES
Acadêmico, utilizaremos, como exemplo, o caso hipotético em que todas as
difusividades sejam idênticas:
v = a = DAB
Com base nos números adimensionais que definimos anteriormente, essa
condição leva também a:
Pr = Sc = Le = 1
Nesse caso particular, os perfis normalizados de velocidade, temperatura e
concentração irão coincidir. Como resultado disso, temos também que:
292
ou
Simplificando, como Pr = Sc = 1, podemos também escrever esta equação da
seguinte forma:
Essa relação é a chamada de analogia de Reynolds.
A analogia de Reynolds é importantíssima para os fenômenos
de transporte, pois permite relacionar os coeficientes de atrito,
de transferência de calor e de transferência de massa entre si,
parâmetros que, em uma primeira observação, nem parecem ter
relação um com o outro.
IMPORTANTE
Por conveniência, é comum também determinar o número de Stanton (St), que
pode ser dado nas suas formas térmica (Sttérmico) e mássica (Stmássico), respectivamente:
Com isso, a analogia pode ser escrita como:
293
3 APLICAÇÃO DE CORRELAÇÕES EXPERIMENTAIS
Evidentemente, a analogia de Reynolds é um caso muito específico e restrito.
Ao longo da história, muitos pesquisadores buscaram aprimorá-la, estendendo-a para
outros valores de Prandtl e Schmidt. Entre esses trabalhos, destaca-se a analogia de
Chilton-Colburn, proposta em 1934:
Tal relação é válida para 0,6 < Pr < 60 e 0,6 < Sc < 3.000. Usando as definições
dos números de Stanton, podemos rearranjar essas equações, formando as seguintes
igualdades:
Como é possível imaginar, esta última equação abre inúmeras portas no estudo
dos fenômenos de transporte, relacionando coeficientes e propriedades de fenômenos
(aparentemente) distintos. A estratégia é, então, utilizar essas analogias junto a
correlações experimentais para diferentes geometrias, possibilitando uma compreensão
unificada dos fenômenos de transporte.
Por simplicidade e valor conceitual, em resumo, entre as várias correlações
existentes, Çengel e Ghajar (2012) apresentam as seguintes para o escoamento
completamente desenvolvido em tubos circulares lisos:
• Escoamento laminar (Re < 2.300):
• Escoamento turbulento (Re > 10.000):
294
Em um exemplo básico de como utilizar essas correlações, podemos citar o
interior de um tubo circular liso (D = 0,1 m) que está molhado e, para secá-lo, deseja-
se utilizar uma corrente de ar disponível a 300 K e 1 atm. A velocidade média do
escoamento é de 2 m/s. Determine o coeficiente de transferência de massa (hmassa), por
meio da correlação para tubos lisos circulares. Utilize o resultado obtido para encontrar
o coeficiente de transferência de calor com base na analogia de Chilton-Colburn.
Considere os seguintes dados, com propriedades do ar seco para a mistura: Dágua,ar = 2,54
. 10-5 m²/s; v = 1,562 . 10-5 m²/s; Pr = 0,7296; par = 1,184 kg/m³; cpar = 1.007 J/kg
. K.
Solução: as considerações usuais são válidas – regime permanente, propriedades
constantes e escoamento completamente desenvolvido.
O primeiro passo é determinar o número de Reynolds:
Esse valor indica que o escoamento é turbulento (Re > 10.000). Logo, para utilizar
a correlação adequada, é necessário calcular o valor do número de Schmidt (o número
de Prandtl foi fornecido). Pela definição:
Podemos reparar que esse valor é inferior à faixa proposta para utilização da
correlação (mínimo de 0,7). Entretanto, na ausência de outra mais apropriada, utilizare-
mos essa, considerando que o valor encontrado será uma aproximação razoável. Com
isso, podemos determinar o número de Sherwood:
Então, pela definição do número de Sherwood, chega-se ao coeficiente de
transferência de massa:
295
Em posse desse valor, podemos determinar o coeficiente de transferência de
calor utilizando a analogia de Chilton-Colburn