Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ESTUDOS ECONÔMICOS E POLÍTICOS AULA 1 Profa Regina Paulista Fernandes Reinert 2 CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo(a) à primeira aula da disciplina de Estudos Econômicos e Políticos. Nosso objetivo para esta aula é oferecer, por meio de uma visão histórica e crítica, um panorama dos principais acontecimentos da história econômica e política do Ocidente, das mudanças mais impactantes para os nossos dias e dos fatores que podem explicar os ciclos que determinaram o esgotamento dos sistemas econômicos e políticos e a sua substituição por outros. Só assim podemos ter uma visão crítica da economia contemporânea. Tudo está em constante transformação, mas são os conflitos de ordem econômica e política que movem as estruturas sociais. Os objetivos de aprendizagem desta aula são: • Conhecer os principais conceitos econômicos e políticos e as condições históricas nas quais eles se originaram. • Estabelecer relações entre esses conceitos para o entendimento da atuação das forças econômicas, bem como das forças políticas e das mudanças trazidas por elas. • Desenvolvimento de uma visão crítica acerca da materialidade e da representação no comportamento econômico e político. O desenvolvimento da sociedade ocidental está ligado diretamente ao desenvolvimento das forças econômicas e políticas. Se você prestar atenção nas coisas à sua volta, terá a percepção de que a economia e a política são indissociáveis do ser social e estruturam a totalidade da vida humana – social e cultural – dado o volume de informações que recebemos diariamente acerca desses assuntos. De todos os fatos sociais somos, primeiramente, dominados pela economia, e é dentro desse universo que construímos nosso imaginário. Muito se fala de sistemas econômicos, macroeconomia, microeconomia, política econômica, políticas públicas, política sociais, mas será que sabemos realmente o que isso tudo significa? Os acontecimentos que originaram o pensamento econômico e o pensamento político são muito antigos e fazem parte da gênese das cidades gregas e romanas. Resgatar esses acontecimentos é fundamental para o pleno entendimento da cultura ocidental, suas estruturas psicossociais, sua essência e sua cultura, hoje. 3 CONTEXTUALIZANDO As conturbações sociais são as grandes forças geradoras de mudança. Foram os conflitos e dilemas da cidade antiga que levaram os gregos e romanos a constituírem determinadas relações sociais de estratégias e de escolhas que reconfiguraram os sistemas político e de poder, cujas consequências ainda nos impactam. Quando conhecemos o ser humano no seu passado longínquo e acompanhamos sua trajetória, podemos nos colocar também em perspectiva e tomarmos consciência de quem somos. Redescobrir o passado coloca em xeque nossa civilização na medida em que não podemos pensar sobre nós mesmos se não dispusermos de alguma outra civilização que nos sirva de comparação. Aliás, foi esse o procedimento do homem da Renascença quando descobre a Antiguidade Clássica. São as situações de conflitos e os dilemas que provocam mudanças e nos obrigam a tomar decisões. Vivemos hoje o auge do capitalismo. O mundo contemporâneo viveu as suas crises e as consequências que delas sobrevieram. Mas, para entendermos o caminho que esse sistema econômico tão complexo percorreu, temos que voltar centenas de milhares de anos na história e desenvolver uma imaginação sociológica na tentativa de visualizarmos as relações humanas na produção da vida. Foi na luta pela sobrevivência que as primeiras formas econômicas, as primeiras ações racionais – premeditadas – e as primeiras políticas econômicas foram forjadas, o que levou Aristóteles a refletir sobre a nossa transformação em animais políticos, isto é, não mais fazendo parte da natureza. Não estamos mais programados pela natureza. Como humanos é que programamos a sociedade. A respeito disso, o filósofo alemão Ernst Cassirer (1997, p. 48) nos diz que “comparado aos outros animais o homem não vive apenas em uma realidade mais ampla, vive pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade... o homem vive em um universo simbólico”. O ambiente simbólico é muito importante para o entendimento sobre o que o mundo é, no sentido de que as coisas se revelam mais no que está oculto pelas representações do que pelo que é visível. É por meio desse conceito que entendemos o econômico, o político e as relações de consumo. Para além da materialidade do consumo, temos que considerar que é a cultura, a política, a 4 publicidade e a propaganda, o sonho, o desejo e a felicidade que dão conta, também, de explicar nosso comportamento. A história é aberta. Atentar apenas para o material seria circunscrever a economia uma perspectiva fechada. O consumo e o simbólico têm muita importância para a nossa reflexão. Para atingirmos nossos objetivos de aprendizagem vamos trabalhar os seguintes conceitos-temas: • Economia, modo de produção, meios de produção e forças produtivas. • Política, democracia, república e Estado. • Classe burguesa, Revolução Industrial e capitalismo. • Classes trabalhadoras, revoluções sociais e socialismo. Pesquise Os conteúdos da nossa aula foram divididos em quatro temas, ordenados de acordo com os objetivos que pretendemos alcançar. Faça a leitura dos textos e assista aos vídeos propostos nas aulas e anote suas dúvidas para que possamos esclarecê-las. TEMA 1 – ECONOMIA O mundo é dominado pela economia. Assim foi e assim será. Nós nos construímos em gostos, desejos, sonhos e escolhas a partir do que o econômico nos mostra. Tudo o que está a nossa frente, em sociedade, está, de alguma forma, dentro de alguma esfera econômica. E o que está diante de nós constrói não só bens materiais, como o nosso imaginário. É por isso que, para certos teóricos, a economia determina a consciência. Para Fernand Braudel (1996, p. 62), a história econômica é a que leva em consideração o sistema produtivo, a construção material da vida, as relações de trabalho entre pessoas, os trabalhadores e os assalariados. Tudo na sociedade – a política, a religião, o sistema de educação, o direito – está estruturado pela economia. O fenômeno econômico não se mostra nas coisas e nos fatos em si, mas na essência das coisas e dos fatos. A força econômica criou os clãs, as cidades e as nações e, mais tarde, conectou-os numa economia global. A economia é a força mais visível a influenciar o social. Nunes (2004) afirma que para entendermos as estruturas econômicas é preciso, antes de tudo, entender como as pessoas viviam nos primórdios da humanidade, como se organizavam para satisfazer suas necessidades de 5 sobrevivência, como foram as relações sociais em torno da produção e manutenção da vida. O medo da fome, o medo da escassez, a angústia da incerteza do futuro é que nos levou a poupar, visando a uma segurança futura e, em função disso, Nunes (1997, p. 31-34) considera a economia a ciência da escassez. Modos de produção históricos como o feudalismo, o capitalismo e o socialismo se fizeram acompanhar por culturas que lhes garantissem legitimidade por parte da sociedade. Sua continuidade dependeria da implementação de uma ideologia política, religiosa e jurídica. Os mandatários dos sistemas econômicos padronizam essas representações como verdades incontestáveis por meio desses mecanismos de poder simbólico. Caso haja contestação por partes das classes subalternas, entra em cena o poder coercitivo que, como força visível, vai repelir fortemente as forças que se insurgiram. O primeiro grande critério para o surgimento das classes sociais é o de propriedade privada dos meios de produção. Se o poder está nas mãos dos proprietários dos meios de produção, sobra para os não proprietários a força de trabalho. As desigualdades entre as classes sociaisnada mais são do que as diferenças econômicas. E por qual motivo isso aconteceu? As explicações dos grupos dominantes narram a história de um modo diferente e oposto à narrativa dos grupos dominados. Para Marilena Chauí (1994, p. 296): As classes possuem, como vimos, concepções diferentes e opostas acerca da origem destas transformações e desigualdades. Fica claro, então, que ao contrário das coisas que existem na natureza a sociedade é histórica, isto é, cria um ambiente artificial que vamos chamar de cultura. Não que as comunidades indígenas não possuem cultura; a diferença é que a comunidade está na história, mas não é histórica. Estar na história é mudar o curso da natureza, é criar uma cultura que, ao contrário da natureza onde todos somos iguais, é a parte do ambiente inventada pelo ser humano que nos diferencia. Isso denota que as lutas entre dominantes e dominados deixam resultados econômicos bem variáveis, como podemos observar pela desigualdade entre os povos. A história nos informa que as classes sempre lutaram entre si, que os povos subjugados sempre lutaram por autonomia econômica e soberania do território. A busca incessante pela inclusão social e a busca pela autonomia política formam o núcleo histórico na história mundial. 6 1.1 Um breve resumo da história econômica Nos primórdios da humanidade, os seres humanos viviam em grupos que se ocupavam basicamente de lutar pela sobrevivência. A única diferença entre eles era a divisão sexual do trabalho: os homens eram caçadores e as mulheres eram coletoras de frutos e outras plantas. Nada adicionavam à natureza, apenas consumiam as reservas de bens que a natureza tinha e que ia diminuindo com o tempo exatamente porque não existia cadeia de produção, só de consumo (Nunes, 1997, p. 36-38). A extração e o consumo aumentavam à medida que as técnicas se sofisticavam, como, por exemplo, o arco e flecha. Quando o grupo é pequeno, a sobrevivência é mais fácil porque os bens são abundantes; com o aumento da população, porém, a área além de ficar pequena passa a possuir cada vez menos comida. É preciso ganhar outros territórios; se acaso esses territórios estiverem ocupados, é preciso, então, guerrear contra seus ocupantes. Vem a guerra, a luta de todos contra todos, e os povos tornam-se rivais na busca de ter para si uma parte dos bens que natureza oferece. Os clãs não param de crescer. A necessidade de sobrevivência os mantém, cada vez mais, num estado incessante de beligerância. Clemência e empatia eram condições inexistentes. A morte do outro era a solução. O outro vivo diminuía a chance de sua própria sobrevivência. Começa a grande emigração e as pessoas passam a se espalhar pelo mundo na terra ainda pouco habitada (Hobbes, 1993, p. 30). Entre 50 e 15 mil anos atrás, a Europa, a Ásia, a África e parte da Oceania estavam habitadas, com suas populações em pleno consumo de bens naturais. A preocupação envolvendo o tamanho de território e a capacidade produtiva sempre se fez presente. Em 1718, Thomas Malthus produziu uma estatística sombria sobre o futuro, levando em conta o aumento incessante da população, o tamanho permanente do território e a diminuição das condições de sobrevivência. Para Malthus, os recursos naturais não se renovam no mesmo ritmo em que são consumidos. Enquanto a população cresce numa progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16...), a produção de alimentos cresce numa proporção aritmética (1, 2, 3, 4, 5...). Era urgente o controle sobre a natalidade, um “controle moral”. Como? Abstinência sexual (Malthus citado por Hunt, 2002, p. 68, 69). A teoria de Malthus não se comprovou. De fato, ele não contava com o progresso tecnológico que estava por vir, como a mecanização do campo, que 7 aumentou a produção alimentícia. Além disso, a emancipação da mulher foi decisiva no controle da fertilidade, bem como o ingresso delas no mercado de trabalho, e as políticas de bem-estar social nos países europeus de algum modo serviram para o controle da natalidade. A partir do período Neolítico há um aumento acelerado da população, seguido também pelo aumento da renda per capita. A explicação que a história econômica nos dá é que houve uma mudança fenomenal das técnicas de produção. Essa mudança foi tão essencial que os historiadores econômicos a chamaram de revolução neolítica. Foi o início da agricultura e da criação e domesticação de animais, atividades que garantiriam uma certa reserva de alimentos. A descoberta de lugares com abundância de caça e de pesca, aliada ao uso de recursos técnicos mais elaborados, permitiu que os seres humanos abandonassem o nomadismo e se fixassem. O sedentarismo demonstrou que as pessoas poderiam produzir melhor o seu trabalho, garantindo maior quantidade de excedente. Com isso reduziu-se a fome e assim foi possível o aumento da população (Nunes, 1997, p. 36-37). A divisão do trabalho – que era, basicamente, por sexo, em que as mulheres eram encarregadas da defesa das habitações, da coleta dos vegetais e da produção de alimento e os homens se ocupavam da caça e da fabricação de armas para esse fim – passa a ser, a partir da existência desse excedente, uma verdadeira revolução econômica, uma divisão mais especializada agora entre os que se dedicaram ao rebanho e os que se dedicaram à cultura da terra. De coletores os seres humanos passam a produtores ao agregar bens à natureza. Segundo Sabbatini (2001), acontece, nesse contexto, um notável aumento da inteligência. Em seu artigo “A evolução da inteligência”, Sabbatini (2011) diz que a capacidade criativa se manifesta principalmente nos eventos revolucionários. Podemos afirmar que essa época marcou um desses eventos, afinal, plantar, cuidar e depois colher não são atividades triviais: assim como a domesticação de animais, elas demandam um nível considerável de inteligência. E é justamente dessa mudança da produção que surge a ideia de propriedade. As novas atividades produtoras trouxeram aos seres humanos a possibilidade de, pela primeira vez, privatizar a produção para um melhor controle e cuidado, assim aumentando a produção de bens. Pequenos grupos ou famílias passam a ter a posse dos meios de produção e, a partir de então, 8 começam a calcular os custos e benefícios sobre cada produção e, mais tarde, a planejar inclusive a família. A ideia de propriedade privada dos meios de produção foi revolucionária para a época e causa embates polêmicos até os dias de hoje. No seu livro Liberalismo segundo a tradição clássica, Ludwig von Mises analisa que a propriedade dos meios de produção é o princípio regulatório que, dentro da sociedade, balanceia os meios limitados de subsistência. Isto é, quem é dono dos meios de produção teria melhor cuidado quanto ao número de descendentes, pois teria um controle da taxa de natalidade com relação à condição disponível de sobrevivência. Assim, para Mises (2010, p. 23) “não há uma terceira saída e isso também é válido para a princípio: é isso ou aquilo – ou a propriedade privada ou a fome e a miséria para todos”. Num outro momento do seu livro, Mises (2010) diz que cada indivíduo vira um rival de todos os outros numa luta pela sobrevivência. A única forma de melhorar o bem-estar é destruindo os rivais. Teria, então, que haver um poder institucional que regulasse as relações entre os seres humanos e concedesse proteção à propriedade privada. Uma nova revolução, agora institucional, surge na forma do Estado e se firma como protetora da propriedade privada, com os códigos comerciais garantindo a livre iniciativa. O fato histórico é que desde a propriedade privada existem minorias ricas e maiorias pobres. Se a Escola Clássica, da qual Adam Smith e Mises fazem parte, tende a ver a propriedade privada como uma tendência natural da sobrevivência do homem, é na Escola Histórico/Crítica de Marx e Engelsque se faz a leitura da construção histórica das desigualdades sociais. Não são as diferenças naturais do ser humano que provocam as desigualdades, mas os contextos sociais. Desde os primórdios, quando demos o salto qualitativo e passamos do nomadismo coletor à fixação em cavernas, nada mudou. As cavernas são, hoje, nossas casas, não mais construídas pela natureza, mas pelos humanos. Saiba mais Saiba mais sobre a história e os conceitos da economia assistindo ao vídeo do canal Danideias disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2 UklYyXFXMc>. 9 TEMA 2 – POLÍTICA Eis um assunto que não costuma despertar muito interesse nas pessoas. Muitas se consideram desinteressadas porque a política costuma se apresentar, no caso brasileiro, como fonte de corrupção ou por ter múltiplas definições. No entanto, a política não diz respeito apenas aos políticos, mas a todos os cidadãos. É imperioso entendermos a política para compreendermos desde uma simples leitura de manchete de um jornal a uma propaganda ou até para sabermos como participar das decisões sobre nossa escola, nosso bairro, nossa cidade e nosso país. Existe, invariavelmente, na política uma preocupação sistemática com a escolha. Você faz escolhas políticas quando vota no representante de classe, no presidente do centro acadêmico e até quando imagina quais políticas públicas devem existir. Por trás de toda a atividade política existe necessariamente uma atividade de escolha, isso em detrimento daquilo. Para fazermos escolhas acertadas temos que entender de política, Estado e leis. Para isso, temos que entender e conhecer a nossa sociedade, para podermos organizá-la melhor, adaptá-la para que todos se sintam cidadãos, porque ser político é ser cidadão. Os gregos e os romanos inventaram a política. Antes deles o poder político emanava da figura do governante. A pessoa do governante era o próprio poder. A justiça, as leis, as punições estavam à mercê de um único mandatário. Foi então que os gregos e depois os romanos criaram a ideia de espaço público, em que o poder não fosse mais encarnado em uma pessoa, mas sim constituído de leis que representam uma vontade coletiva em público, por meio de representantes diretos e indiretos nas assembleias e por meio do debate, da deliberação e do voto. Os gregos e os romanos tiveram a ideia de quebra de poder ou divisão do poder, arrancaram as leis do mando de uma só pessoa e as puseram em discussão dentro de um conjunto de instituições que representa a totalidade dos cidadãos. No espaço público, nenhuma vontade pessoal é lei porque, doravante, a vontade é coletiva, pública. O termo política deriva do radical grego politeia e teve como marco inicial a luta pela inclusão de todos nas decisões sobre cidade – a famosa polis grega –, fato que deu origem à figura política do cidadão, um dos eventos mais marcantes da antiguidade clássica. A ação política nasce como uma modalidade nova de se exercer poder, algo diferente do que até então se fazia, É nesse 10 sentido que o conceito de política em Atenas está intrínseca e primordialmente ligado à luta pela participação cada vez maior das pessoas nas coisas da cidade, assim como está indissociável de outro grande evento – a saber, a democracia, que veremos mais à frente. Os acontecimentos que levaram Atenas a esse novo regime de exercício do poder estão diretamente ligados ao desenvolvimento das cidades e à forma como a propriedade de terra estava dividida. Tanto em Roma quanto na Grécia a terra não era propriedade da comunidade, do rei ou do Estado, mas estava na posse de famílias cujo patriarca era autoridade única, o qual subordinava a tudo e a todos em troca de proteção e subsistência numa relação de dependência extremamente desigual. Os camponeses pobres, os artesãos e os comerciantes começam a se concentrar cada vez mais nas aldeias e disputar poder com as famílias agrárias (Chauí, 1994, p. 47). O mesmo fenômeno se observa em Roma, onde a plebe luta para diminuir o poder dos patrícios – chefes das famílias oligárquicas – em favor da participação da plebe na tribuna do Senado. O Senado romano era dominado pelas oligarquias agrárias e militares. A política, para Platão, prioriza o lado racional, a ser exercido pelos homens de virtude, sábios e prudentes – aptos, portanto, a governar a polis. O homem sábio e virtuoso tem controle sobre suas emoções e impetuosidades. Desejos e volúpias tornam-se, no homem sábio e prudente, moderação e temperança. Na polis, Platão compara a alma à sociedade. A classe dos sábios, os filósofos dotados de razão, governam; a classe militar, subordinada aos sábios, deve, com coragem, defender e proteger a polis, e os membros da classe econômica devem trabalhar para garantir a sobrevivência da cidade. Em sua famosa obra A República, Platão desenvolve essa fórmula para garantir uma harmoniosa administração. Em um dos diálogos da obra, aparece Sócrates definindo o ato de governar como estar a serviço dos governados e alegando que a concentração de poder nas mãos da oligarquia faz nascer a tirania. A cidade justa, para Platão, deve saber educar seus cidadãos (Platão, 2001, p. 25-35). Já Aristóteles, em seu livro A Política, ensina que é papel da ciência ocupar-se da felicidade dos cidadãos. Ele assinalou dois tipos de ética: a ética individual, que se preocuparia com a felicidade individual do homem na polis, e a ética política, que se preocuparia com a felicidade coletiva dos cidadãos na 11 polis. O objetivo de Aristóteles na sua obra é justamente investigar as formas de governo e as instituições com condições reais de garantir uma vida feliz a todos. Para designar o que é justiça, diz Aristóteles, devemos distinguir os bens partilháveis dos bens participáveis. A riqueza, por exemplo, é um bem partilhável porque pode ser distribuída ou dividida. Os bens participáveis não podem ser divididos, como é o caso da política ou da justiça. Você não pode distribuir a justiça porque pressupõe uma divisão. O conhecimento é um bem participável, mas não é possível ser dividido e sim compartilhado. A cidade justa sabe distinguir, exercer e realizar ambas as justiças. A justiça é ser desigual com os desiguais. Injusto é tratar igualmente os desiguais, como é o caso, por exemplo, dos donativos mandados às vítimas de uma catástrofe natural, distribuídos de forma igual tanto a quem perdeu tudo e a quem não perdeu nada. A posição de Aristóteles mostra que o conceito de igualdade nem sempre é igual ao conceito de justiça. Observe a imagem a seguir: Figura 1 – Concepções de igualdade Fonte: Fiocruz, 2018. Injusto, para Aristóteles, é, portanto, tratar os desiguais de forma igual. Por sua vez, os sofistas, filósofos e professores daquela época, ensinavam que a política nasce por convenção, quando as pessoas deliberam sobre o que é mais útil para a vida em comum. Elas vão convencionar regras e leis de convivência até que se tornem consenso, porque sabem que é mais vantajoso viver em sociedade do que isoladamente. A finalidade da política é simplesmente preservar esse consenso, que é a vontade da maioria. A polis e as leis são convenções humanas, e se são convenções, elas podem mudar desde que haja 12 justificativa para a mudança, isto é, sem que haja a destruição da ordem política. Para isso, todas as mudanças devem ser debatidas entre os cidadãos. Os sofistas ensinavam a retórica para que as pessoas pudessem argumentar. Ensinavam a arte da persuasão, do convencimento. Isso foi muito criticado por Sócrates, considerado patrono da filosofia. Sócrates criticava os sofistas e recomendava que, antes de querer convencer ou outros, cada um deveria buscar o autoconhecimento, pois só a partir daí teria condições de conhecer a verdade. Não é à toa que a expressão socrática “conhece-te a ti mesmo” tornou-seuma das mais conhecidas da filosofia. A ação política tem como marco inicial a luta pela inclusão de todos nas decisões sobre cidade – a famosa polis grega –, fato que deu origem à figura política do cidadão, um dos eventos mais marcantes da antiguidade clássica. Hoje, a definição de política assume diferentes sentidos. Não se restringe à atividade estatal, mas faz parte da nossa vida cotidiana, em todas as formas de relação social: no trabalho, na rua, na escola e até nas relações afetivas. Saiba mais No sentido de ampliar o seu conhecimento político, leia os artigos a seguir. O primeiro (disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgKigAL/res umo-sobre-os-contratualistas-locke-hobbes-rousseau>) refere-se aos Contratualistas, três pensadores – Hobbes, Locke e Rousseau – que teorizaram sobre as relações políticas e sociais entre cidadãos e Estado. O segundo link traz o artigo “Em torno do conceito de política social: notas introdutórias”, de Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna, tratando das políticas sociais como resultados das lutas pelos direitos da comunidade. Acesse: <http://antigo.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fArtigoCoppead.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2018. TEMA 3 – A DEMOCRACIA Se os gregos inventaram a política, eles consideram também que é só nela que a ética se realiza. A concepção de espaço público, entendida como negação do poder de uma só pessoa, faz surgir a democracia como sendo a igualdade de todos perante a lei e o direito de expor, discutir e votar a opinião em público. Se existe uma forma política da liberdade individual, é na democracia que isso é possível. Política é demo e vice-versa. http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgKigAL/resumo-sobre-os-contratualistas-locke-hobbes-rousseau http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgKigAL/resumo-sobre-os-contratualistas-locke-hobbes-rousseau http://antigo.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fArtigoCoppead.pdf 13 Demo é o radical grego para povo e cracia para governo – logo, governo para o povo. A democracia surge limitada: só alguns, considerados cidadãos, é que podiam participar das decisões. Os estrangeiros, os escravos, as mulheres e as crianças estavam excluídos desse processo. O assim conhecido voto censitário, seletivo, não deve nos causar muito espanto, pois, no decorrer da história, certas categorias sociais só puderam exercer seu papel de cidadão há pouco tempo, como é o caso dos trabalhadores, dos pobres, dos negros e das mulheres. Esse conceito vem sendo questionado e aprimorado em acirradas disputas por participação por partes dos excluídos do processo democrático. A luta aumenta na medida em que as pessoas vão tendo consciência da política e da organização da cidade (Chauí, 1995, p. 47). No caso grego, a democracia era direta, não havia representação política, isto é, o próprio cidadão podia expressar sua opinião diretamente. Isso significa que o cidadão tinha que ter conhecimento sobre a polis e, acima de tudo, saber discursar. Podemos notar que a prática de se discursar perante uma plateia começa também na polis grega. Na democracia indireta, é preciso elegermos alguém para nos representar, por isso, chamamos essa forma democracia representativa. No Brasil, tivemos alguns períodos de suspenção da democracia e, em todos eles, houve intensos protestos, todos reprimidos com violência. A Constituição de 1934 tornou o voto um direito de todos e um dever. Por isso o voto é obrigatório. A cidadania sempre foi um direito duramente conquistado pelos povos oprimidos e a obrigatoriedade de voto deve ser entendida como um chamamento de todos a exercer seu papel de cidadão. Se nos imiscuirmos de votar, outros votarão e – pode acontecer – escolherão representantes com ideias prejudiciais a você. Principalmente num país com o nosso histórico de corrupção, nossa fiscalização aos políticos deve fazer parte da nossa rotina cidadã. Por isso, o ato de votar requer muita responsabilidade. Devemos qualificar nosso voto, prestar atenção aos candidatos, acompanhar a sua gestão e exigir o cumprimento das promessas que o fez vitorioso no pleito eleitoral. Se não agirmos assim, não adianta dizermos que estamos numa sociedade democrática. Temos que ter conhecimento político e interesse pelo ambiente social para elegermos quem de fato vai nos representar. O texto constitucional diz que a democracia precisa andar junto com o povo, mas se o povo não souber 14 o que é ser cidadão, de nada adianta estarmos em uma sociedade democrática. Entendeu por que (no Brasil) o voto é obrigatório? Tudo isso tem a ver com justiça social, com liberdade – liberdade de exprimir ideias, de existir, de ter acesso ao conhecimento a à informação. É preciso despertar em nós a consciência crítica, a consciência política – tudo isso se chama justiça social. Quanto mais educação, quanto mais consciência política, menos se gasta em saúde e em segurança. Indivíduos educados são cidadãos inclusos em direitos sociais. A desigualdade social e o desnível educacional geram um ambiente de violência. Precisamos de um Estado que trabalhe para a inclusão. Excluídos sociais refletem uma política desumana. Pessoas despossuídas de cidadania não têm por que exercer a política. Pessoas excluídas da cidadania refletem as falhas do Estado Democrático de Direito. O conceito de cidadania é indissociável do conceito de democracia. Ela só pode existir na e pela democracia. Quando somos cidadãos, temos condições de sugerir leis que melhorem a comunidade em que estamos inseridos, que cuidem do nosso bem-estar. Temos um pesado legado histórico sendo governados por elites econômicas. O poder econômico também elege políticos para que atuem unicamente em seus interesses. O povo, os trabalhadores sempre saem prejudicados quando os interesses puramente econômicos dão o tom da política. Por outro lado, também temos avanços sociais históricos. A Constituição de 1988 é resultado das vitórias sociais vindas do povo cidadão, consciente. Esses avanços só foram possíveis com a participação social e política. Quem sabe dos seus direitos, protege-os. Temos que nos perguntar qual a origem do nosso desinteresse pela coisa cívica, quais interesses estão por trás na nossa falta de educação política, de qualidade, da nossa falta de consciência crítica. Será que eu, como trabalhador, como mulher, como negro, como criança, como idoso, como deficiente, como consumidor, conheço os meus direitos? Quem reconhece e exerce seus direitos, cumpre também seus deveres. No Brasil, a democracia representativa está de acordo com o conceito de República Federativa, que é a forma de governo em que o Estado se constitui de modo a atender ao interesse geral dos cidadãos. Embora os conceitos de República e Federação estejam aprofundados no nosso próximo tema, adiantamos um pouco para assinalar que na República o povo é soberano, isto é, governa o Estado por meio de seus representantes. Percebam o tamanho da 15 nossa reponsabilidade ao colocarmos alguém no governo. O voto passa a ser a única arma de que dispomos para termos a cidade, o Estado e a nação que queremos. Quando votamos, somos sujeitos da nossa história e não objetos à disposição de outrem. Quando somos educados para a cidadania, emancipamo- nos, e de objetos passamos a ser protagonistas da nossa história. A ausência da educação cidadã tem gerado dois graves problemas sociais: a apatia social (o distanciamento, o “tanto faz”) e o analfabetismo político. Não saber quem é o candidato em que vai votar é gravíssimo. É anular a democracia. Temos que nos qualificar enquanto cidadãos. As conquistas da democracia ganham relevo com a Revolução Francesa, a mais intensa das revoluções, no sentido de que derrubou estruturas históricas e desmanchou núcleos de poder até então intocáveis. Essa revolução teve intensa participação popular. Homens e mulheres mobilizadospela mesma causa: abaixo os privilégios, garantam-se direitos sociais e vida digna para todos. O povo trabalhava para, basicamente, manter os privilégios da nobreza, sem nenhuma contrapartida social. A nobreza francesa foi o maior estamento dominante de todas as casas reais europeias. Considerado o Segundo Estado, não precisava, junto com o clero, pagar impostos, entre tantos outros privilégios. A Revolução Francesa acontece em meio a grande revolta e indignação. O povo exige representação no parlamento francês. Esse parlamento vinha atuando unicamente com o Primeiro e o Segundo Estado (clero e nobreza), excluindo a participação do Terceiro Estado (o povo). A revolta pela omissão redunda num dos momentos mais tensos do processo revolucionário: a invasão do povo ao Palácio de Versalhes, um verdadeiro símbolo de poder, luxo e riqueza construído no século XVII por Luiz XIV, o mais absoluto dos monarcas franceses. Figura 2 – Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes Crédito: Mister_Knight/Shutterstock. 16 A Figura 2 mostra a Sala dos Espelhos, uma das mais espetaculares dependências do Palácio de Versalhes e um dos mais odiados símbolos de ostentação da monarquia. A revolta popular, em qualquer lugar da história, reflete sempre a ira cívica contra os privilégios de alguns em detrimento do direito para todos. O direito de votar e ser votado – o direito, portanto, de ser ouvido – está contemplado no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Isso não significa que estamos em uma democracia plena – longe disso –, mas com educação consciente podemos e devemos questionar se somos de fato, ou por que não somos todos, iguais perante a lei. Temos que conhecer a nossa Constituição, o que ela diz sobre igualdade de salários entre homens e mulheres, entre negros e brancos, sobre impostos para ricos e impostos para pobres, sobre salário mínimo, sobre moradia, educação e segurança. Conhecendo nossa Carta Magna, passamos a exigir dos nossos políticos o seu cumprimento. É das mãos dos políticos eleitos pelas classes populares conscientes que saem as políticas públicas, justamente porque é esse contingente popular que mais necessita da presença do Estado – e é de quem o Estado mais se ausenta. Ricos não precisam de políticas públicas e, por isso, muitas vezes agem contra elas. O Estado brasileiro ainda mantém certas regalias a setores restritos, como fornecimento de carro e motorista, auxílio-moradia (para quem já tem moradia) e temporadas de férias maiores para certas categorias de trabalhador. Sem uma contrapartida por parte do povo, aqueles que detêm o poder acabam solapando direitos. Isso não acontece só no Brasil: as pesquisas de Tomas Piketi (2013) dão conta de que 1% da população mundial concentra mais de 50% da riqueza produzida. Toda a luta social no Brasil sofreu derrota, mas sempre teve avanço. Foi assim com os Inconfidentes, com os direitos trabalhistas, com o fim do voto censitário, com a Lei do Divórcio e com o fim da Ditadura Militar. Significa que tivemos muita gente corajosa. Então, se nos incomoda a injustiça social, a fome, o analfabetismo e a violência, os imperativos democráticos nos convocam à ação política. É nos espaços de miséria que nasce a violência social. Infelizmente a mídia no Brasil costuma referir-se aos movimentos populares de forma preconceituosa e pejorativa. Movimentos ambientalistas, dos sem-moradia, dos sem-terra, das mulheres, dos LGBTQ+, entre outros, são comumente propagandeados como movimento de desocupados, vagabundos, vadias, 17 violentos, perigosos e ameaçadores da ordem pública. Porém uma coisa é o que a mídia diz, outra coisa é ir lá, onde as coisas acontecem, para compreendermos. Saiba mais “Social democracia: definição”. Disponível em: <http://www.politize.com.br/social-democracia-o-que-e/>. Acesso em: 11 jun. 2018. TEMA 4 – A REPÚBLICA A República é um dos pontos centrais na obra filosófica e política de Platão e de Aristóteles. Nessa obra, os filósofos propõem uma nova forma de governar e um novo modo de vida que comporiam a política ideal para o povo grego. Esse ideal, além de colocar filósofos como governantes por serem pessoas sábias, de virtude e temperança, cria também uma nova metodologia de vida que prepara os cidadãos para ocuparem posições sociais na comunidade. Embora tenha tentado duas vezes implantar seu ideal republicano, Platão não logrou êxito, talvez porque seu projeto levasse muito tempo para ser implantado. Em suma, na República de Platão todos seriam educados para servir ao bem comum, evitando os vícios da vida egoísta. Nessa República, para evitar os maus hábitos os filhos seriam tirados de suas mães assim que nascessem. Até os 10 anos, as crianças teriam atividades físicas e estudariam música, a fim de cultivar bons sentimentos e caráter. Dos dezesseis aos vinte anos, cultivariam valores religiosos, entendendo que Deus está em todos os lugares e é o fundamento vital para o progresso, pois tranquiliza e encoraja as pessoas (Platão, 2001, p. 51). No diálogo Politeia, escrito por Platão entre 380 e 370 a.C., o grande ideal é que todos tenham plena consciência de que o bem comum deve prevalecer sobre os interesses particulares. Assim, todos teriam oportunidades iguais, porém ocupando cargos diferentes na sociedade. Aos dirigentes do Estado não seriam concedidos privilégios. Teriam uma vida regrada, morariam todos em um local comum, consumindo uma culinária vegetariana e possuindo apenas o estritamente necessário para sua sobrevivência. 18 Aristóteles é outro filósofo clássico a caracterizar o modo de governo na República. Propõe que a autoridade civil ou política adequada é aquela que rege homens livres e iguais e que estejam unidos por interesses públicos comuns. Na Roma Antiga, a ideia de república ganha força na medida em que cresce o interesse pelo fim da monarquia. Com a implantação da República, houve um fortalecimento do Senado, do qual apenas os patrícios participavam por serem os únicos com direitos políticos. A plebe, do qual fazem parte os trabalhadores e parte do exército, estava excluída da vida política, mas, por serem em muito maior quantidade, começam a exigir participação. Os patrícios eram os poderosos donos de terra e formavam a aristocracia romana. Concentravam o poder e as terras cada vez mais, causando pobreza e acirrando os ânimos dos pequenos produtores e comerciantes, bem como da população pobre. O empobrecimento generalizado e o aumento do número de escravos geram uma população andarilha, e os conflitos crescentes entre plebeus e patrícios sinalizam uma grave crise na República (Mateucci, 1991, p. 116). Diante dessas graves situações sociais e a fim de evitar o fim da República, os senadores criam os Triunviratos, em que três homens vindos de três estratos sociais diferentes governariam Roma ao mesmo tempo, representando, cada qual, os respectivos segmentos sociais de origem. Naquilo que ficou conhecido como o Primeiro Triunvirato, o patrício Crasso representava as elites ricas, o general Pompeu representava o exército e o general Júlio César representava o povo. Júlio César possuía um grande carisma entre as camadas mais humildes de Roma e logo despertou a inveja de Crasso e Pompeu, que passaram a disputar a centralização do poder. Júlio César vence a disputa e assume o poder, iniciando então um processo de reformas sociais, dentre as quais o combate à corrupção, a diminuição de impostos, a distribuição de cereais ao povo e a construção de obras públicas. Além disso, obrigou proprietários a empregar homens livres e estendeu cidadania romana aos habitantes das províncias (Goldsworthy, 2011, p. 45). As elites, sentindo-se prejudicadas, começaram a conspirar. Como toda a reforma social que beneficia povo provoca descontentamento nas classes abastadas, em Roma nãofoi diferente. O aumento cada vez maior do apoio das classes populares a Júlio César levou os patrícios (a elite) a conspirarem, e ele 19 acaba sendo traído e assassinado em pleno Senado romano. Os assassinos são os senadores patrícios desapontados e preocupados com as políticas populares de César. Políticas populares são políticas públicas de inclusão social e consequente empoderamento do povo, e isso significa perda de poder e de privilégio das classes dominantes. Os ideais republicanos inclinam-se sempre pela descentralização do poder e por maior participação das classes sociais nas decisões políticas. É uma demanda política vinda sempre dos que estão excluídos do poder decisório. Essa forma de governo nunca agradou às elites econômicas e aos representantes do poder tradicional dos reis. Mesmo na Idade Média, quando a Igreja Católica dominou a política, essas ideias eram tidas como heréticas, dada a implantação da crença no poder divino do papa e nos desígnios de Deus para o povo. Obediência e resignação eram o tom da virtude (Bobbio, 1991, p. 320- 334). Os filósofos e pensadores políticos sempre buscaram a forma de governo ideal. Dentre as várias formas conhecidas – Monarquia, Aristocracia ou Anarquia –, a mais discutida e buscada sempre foi a República. República vem de res publica, ou seja, coisa pública, e surgiu como contraponto à Monarquia (que se define como poder de um só) para permitir a participação dos cidadãos nas deliberações do interesse da maioria. Montesquieu, em O espírito das leis, observa que a forma republicana de governo visa restringir o poder absoluto dos reis, dividindo-o em três instâncias: executivo, legislativo e judiciário. Pelo fato de que os homens são livres e iguais e na impossibilidade de que todos exerçam a autoridade ao mesmo tempo, deve- se haver a alternância no exercício do poder. Dessa forma, todos ascenderão a ele na medida em que uns mandam e outros obedecem, de forma alternada. O ideal do bem comum considera o poder como coisa pública, ou seja, espaço público. Outro autor clássico que conceitua o significado de República é o romano Cícero (Comparato, 2006), que, no primeiro século da Era Cristã, contrapõe a República não só ao poder do rei, mas também aos governos injustos que negligenciavam e se omitiam ao Interesse da Maioria. Dizia ainda Cícero que não haveria paz e felicidade longe de uma sábia e bem organizada política (Comparato, 2006, p. 616-618). Para Rousseau (Comparato, 2006), a ideia de soberania popular e a ampliação para a maioria na participação da vida pública só seria possível 20 quando o ser humano tivesse seus interesses fundamentais – moradia, alimento, educação, saúde, emprego – atendidos. Essas condições básicas eram, na época, privilégio de uma minoria tradicional e conservadora. Frente ao privilégio hereditário de poucos, Rousseau elege a razão para definir a democracia e a soberania popular e as legitima como instrumentos de luta por autonomia moral e política. Todos estariam doravante sujeitos às leis do Estado – leis estas deliberadas e acordadas pela participação plena de todos os cidadãos. O sentimento comunitário deve prevalecer sobre o interesse particular. Rousseau destaca que uma das mais importantes funções do governo consiste em prevenir a extrema desigualdade das fortunas – não mediante a expropriação dos tesouros dos ricos, mas pela supressão de todos os meios de se acumular a riqueza; não pela construção de asilos para os pobres, mas impedindo-se que os cidadãos se tornem pobres (Comparato, 2006, p. 250-258). Os princípios constitucionais são o valor mais elevado inscrito na Constituição da República Federativa do Brasil para interpretar, aplicar ou mesmo mudar elementos da Constituição. São os Princípios Republicanos que os constituintes estabeleceram como o fundamento de todo sistema normativo e como balizadores da criação da Coisa Pública. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, esses princípios constitucionais aparecem no art. 5º e seus muitos incisos (Dallari, 1992, p. 23). No Estado Democrático de Direito, a sociedade torna-se autônoma, administrando-se por si e rechaçando grupos que queiram se perpetuar no poder. Nesse sentido, são fundamentais os Princípios Republicanos e o Direito de Voto. Segundo a Constituição Federal de 1988, o Brasil é uma República Federativa. Nos sistemas democráticos, a República é caracterizada pelo fato de o chefe de governo ser eleito para um mandato. Não se pode confundir a forma de governo – que pode ser República ou Monarquia – com o sistema – que pode ser presidencialista ou parlamentarista. Uma República pode ter os dois sistemas, e a monarquia contemporânea só pode ter o sistema parlamentarista. No Brasil, desde 1889 nosso regime é republicano. Federação (do latim foedus, foedera) significa aliança, pacto, contrato ou governo federal. Assim, o sistema político no Brasil é o federalismo, isto é, um Estado soberano composto por vários entes territoriais relativamente autônomos e dotados de governo próprio. No caso, os Estados brasileiros são unidos a fim 21 de formar a federação. Cada Estado tem sua própria legislação, mas o Estado Federal é soberano, inclusive para fins de direito internacional. O jurista Dalmo de Abreu Dalari (1992) resume as características fundamentais do Estado Federal: “A união faz nascer um novo Estado e, consequentemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estado”. Cada ente federado usa o nome “estado”, embora não se trate de um Estado propriamente dito. A Constituição é a base jurídica do Estado Federal, e não existe a possibilidade de se desligar da federação. A secessão é vetada pela Constituição Federal, uma vez que as unidades federadas entregaram a sua soberania quando se uniram para formar o Estado Federal. Só este detém a soberania. O poder político é compartilhado pela União e pelas unidades federadas. Há ferramentas específicas para que os poderes de cada unidade participem das decisões do país. No nosso caso, temos o Legislativo bicameral, em que uma das casas – o Senado – comporta três representantes de cada estado. Na outra casa legislativa, são os representantes do próprio povo que a ocupam. A forma federativa limita a concentração de poder nas mãos do governo central e contribui com a democracia, ao contrário das unidades confederadas, que podem se dissociar do todo, pois não entregaram suas soberanias ao poder central. Saiba mais Os artigos indicados a seguir aprofundam a reflexão sobre a República e o Estado Democrático de Direito. São de leitura obrigatória. O link a seguir traz o artigo “O princípio republicano”, de Paulo Márcio Cruz e Sérgio Antônio Schmitz. Acesse: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/viewFile/1226/1029>. Acesso em: 11 jun. 2018. O link a seguir traz o artigo “Compliance: nova modelagem contra a cultura de tolerância”, de Jessé Torres Pereira Junior e Taís Boia Marçal. Você deve clicar no link <http://revistadoutrina.trf4.jus.br> e procurar pelo título do artigo. TROCANDO IDEIAS Como vimos ao longo desta aula, estamos inexoravelmente presos a um sistema de ideias que não podemos modificar à vontade. As ideias políticas e https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/viewFile/1226/1029 http://revistadoutrina.trf4.jus.br/ 22 econômicas batem à nossa porta, e precisamos abri-la. Precisamos recebê-las. Claro que falar da importância desses conhecimentos é chover no molhado, mas quando percebemos que as decisões que tomamos influenciam os outros e que fazemos economia e política a toda hora, é porque temos consciência de que se não nos interessarmos por estes saberes seremos governados pelos que se interessam. Não nos interessarmos por economia significa deixar que outras pessoas, muitas vezesmal-intencionadas, tomem conta da nossa vida financeira. Com política é a mesma coisa, inclusive, isso é tudo o que os desonestos da vida pública querem. Só a nossa consciência crítica pode impedir que a máquina pública, que deve servir somente ao povo, seja manipulada por interesses contrários ao bem- estar da população. Se as nossas instituições estão corrompidas, é de se perguntar o que estamos fazendo que não superamos isso. Com todo nosso conhecimento, por que não fazemos diferente? Por que não passamos da fase da indignação para a ação? A verdade é que temos ainda uma democracia muito incipiente no Brasil, com pouco comprometimento da população e uma débil cultura política. Um estudo da Economist Intelligence Units, que todos os anos elabora o Índice da Democracia, mostra o Brasil como a 51ª democracia de melhor qualidade no mundo em um grupo de 167 países. Nossa colocação indica que a nossa democracia é falha, de acordo com a classificação dos autores da pesquisa. Além dos países desenvolvidos e de longa tradição democrática, nossos vizinhos Chile e Uruguai estão na nossa frente. Muitas vezes é difícil encontrar dados confiáveis sobre um assunto, e as fontes encontradas simplesmente não se esforçam em transmitir as informações de forma inteligível ou minimamente imparcial. Mas um dos benefícios imediatos de se empenhar tanto em aprender sobre política é que se acaba por estimular outros. Então, não tenha dúvida, o primeiro passo para mudar é entender, e entender é começar pelo básico, aprendendo sobre os sistemas econômicos e políticos. Nesse caminhar é que vamos adquirindo gosto pelos conteúdos e nos tornamos cidadãos conscientes capazes de formar nossos próprios pontos de vista, sem precisar ficar replicando conteúdo de fontes duvidosas. Agir para mudar a política pode começar na sua faculdade, na sua escola e em sua cidade. Sim, a participação política de todos é determinante para 23 melhorar a qualidade da nossa democracia, o nosso equilíbrio econômico e a forma como se faz política no nosso país. NA PRÁTICA Existem dois eixos indissociáveis de análises para se entender uma sociedade. O econômico e o político. Assista aos dois vídeos a seguir, o primeiro falando sobre economia e o segundo sobre política, e com base neles faça uma resenha crítica (mais ou menos 2 laudas) sobre a realidade brasileira. • Vídeo 1: <https://www.youtube.com/watch?v=4i8Fkh9d4CE>. Acesso em: 11 jun. 2018. • Vídeo 2: <https://www.youtube.com/watch?v=wEDBwvhNTCo>. Acesso em: 11 jun. 2018. FINALIZANDO O estudo do pensamento econômico e político mostra que não há tema revestido de verdades absolutas. O desenvolvimento das teorias responde à influência dos interesses dos grupos dominantes da sociedade, que apresentam suas soluções sob uma luz favorável e põem obstáculos às ideias contrárias. É da maior importância, portanto, verificar como os conflitos se manifestam, pois é por meio deles que novos beneficiados surgem, visto que são resultado de uma nova consciência social. Mas o grande projeto humano, em que economia e política se unirão para que ninguém seja negligenciado, está ainda muito longe de acontecer, porém não é impossível. A desigualdade é, sem dúvida, o maior problema do nosso país. Para mudá-la, é preciso conhecê-la de perto, entender suas origens, e só depois tomarmos as decisões acertadas. https://www.youtube.com/watch?v=4i8Fkh9d4CE https://www.youtube.com/watch?v=wEDBwvhNTCo 24 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 1991. BOBBIO, N. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995. COMPARATO, F. K. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. DALLARI, D. de A. O que é participação política. São Paulo: Brasiliense, 1992. GOLDSWORTHY, A. César: a vida de um soberano. São Paulo: Record, 2016. MATEUCCI, N. Dicionário de Política. Brasília: Edunb, 1993. NUNES, A. J. A. Os sistemas econômicos. Coimbra: Editora Coimbra, 1997. PLATÃO. A República. São Paulo: Martin & Claret, 2001. SABBATINI, R. M. E. A evolução da inteligência. Revista Cérebro & Mente, fev./abr. 2001. MISES, L. V. Ação humana: um tratado de economia. São Paulo: LVM Editora, 2010. BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV – XVIII. Tradução de Telma Costa. 3 vols. São Paulo: Martins Fontes, 1995b (v. 1), 1996a (v. 2), 1996b (v. 3). HOBBES, T. De cive: elementos filosóficos a respeito do cidadão. Tradução de Ingeborg Soler. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. Conversa inicial Contextualizando TEMA 1 – ECONOMIA 1.1 Um breve resumo da história econômica TEMA 2 – POLÍTICA TEMA 3 – A DEMOCRACIA TEMA 4 – A REPÚBLICA TROCANDO IDEIAS NA PRÁTICA Vídeo 1: <https://www.youtube.com/watch?v=4i8Fkh9d4CE>. Acesso em: 11 jun. 2018. Vídeo 2: <https://www.youtube.com/watch?v=wEDBwvhNTCo>. Acesso em: 11 jun. 2018. FINALIZANDO REFERÊNCIAS
Compartilhar