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ESTRUTURAS CURRICULARES: INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE UNIASSELVI-PÓS Autoria: Leandro Wendel Martins Indaial - 2020 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jairo Mastins Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: M386e Martins, Leandro Wendel Estruturas curriculares: Inter e transdisciplinaridade. / Leandro Wendel Martins. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 132 p.; il. ISBN 978-65-5646-256-1 ISBN Digital 978-65-5646-257-8 1. Estruturas curriculares. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 370 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES ..........................................................7 CAPÍTULO 2 CAMINHOS CURRICULARES NO BRASIL ...................................47 CAPÍTULO 3 TEMPOS MODERNOS E O CURRÍCULO ESCOLAR ..................89 APRESENTAÇÃO O livro da disciplina foi dividido em três momentos de exploração para o estudo das estruturas curriculares: origens e significados: intencionalidades históricas e dimensões; caminhos curriculares no Brasil e tempos modernos e o currículo escolar. As origens e significados estão relacionados com a busca dos fragmentos epistemológicos que ajudam a montar uma narrativa de entendimento do percurso do currículo ao longo da história, bem como suas intenções sociais, políticas e econômicas: as esferas de poder que exerceram papéis determinantes nos caminhos de construção das políticas educacionais. Neste sentido, será importante refletir o contexto de justiça curricular como proposta de políticas inclusivas que respeitem o bem comum. No segundo momento, o percurso dos currículos no país e as propostas de políticas públicas com aporte nas constituições entre império e república, para além, as convergências possíveis com as teorias curriculares e seus propósitos ideológicos. Contextos que proporcionam reflexões sobre a importância das intenções e os impactos na formação dos cidadãos. O estudo da contemporaneidade relacionada ao contexto das dimensões resgata políticas nacionais e internacionais que refletem em novas dinâmicas na constituição das propostas curriculares e, consequentemente, na didática e prática de ensino. Neste sentido, as formas de produzir e ser da sociedade exigem novas posturas pedagógicas em linguagens diversificadas, mas também sofrem imposições e intenções sociais, políticas e econômicas. A docência se transforma em caminhos polidocentes e o magistério requer posturas interdisciplinares de autoria e coautoria, ou seja, as comunidades escolares podem regular, inovar, adequar e conduzir currículos que atendam melhor aos interesses coletivos que suportem ações para o bem comum. CAPÍTULO 1 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer origens do termo e organização escolar ao longo dos tempos com relação aos currículos escolares, signifi cados do termo nas culturas escolares, políticas internacionais e suas refl exões no currículo escolar, além de dimensões sociais, econômicas, políticas e justiça curricular. Analisar o caminho histórico de formação da escola e dos currículos escolares e estabelecer bases para discussão dos caminhos contemporâneos. Entender a importância das refl exões para tomadas de decisões que impactam no desenvolvimento pleno dos estudantes. Refl etir e criar arcabouço sobre os elementos necessários aos contextos inclusivos e às necessidades de cada comunidade escolar. 8 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE 9 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste capítulo, estudaremos as origens do termo currículo escolar, seu signifi cado, sua história e suas dimensões. A origem e o signifi cado estão relacionados com a busca de fragmentos epistemológicos, visto que ajudam a estabelecer uma narrativa para a compreensão do currículo de história. Eles auxiliam também a compreensão das intenções sociais, políticas e econômicas do currículo: a construção de políticas educacionais no domínio do poder que desempenha um papel decisivo na trajetória do poder. Nesse sentido, é importante refl etir os antecedentes da justiça curricular como proposta de uma política inclusiva que respeite os interesses comuns. Agora que já estamos aquecidos e preparados para este tema, estamos prontos para iniciar nossos estudos. Vamos lá? 2 A ORIGEM DO TERMO E SEUS SIGNIFICADOS O tratamento da origem de um termo engloba inúmeros conceitos que ele adquire desde o surgimento, mas é pertinente que seja entendido a partir do signifi cado das palavras que o defi nem. Partindo desta premissa, o estudo de Hamilton (1993) colabora com o entendimento das origens dos termos: classe e curriculum no contexto da formação da escola como conhecemos hoje. No entanto, a leitura do artigo será de grande proveito para ampliação e melhor entendimento do contexto apresentado pelo autor. O termo, como aponta Hamilton (1993), tem origem do latim e signifi ca movimento ou percurso progressivo, em entendimento particular, o caminho percorrido. Segundo o autor, uma universidade solicitou de um professor, que seria contratado, um documento que revelasse seu histórico, tal documento foi batizado de curriculum vitae. As formas de relação com as universidades e colégios foram agitadas no fi nal da Idade Média e no Renascimento, pois marcaram as passagens de controle do clero para o estado monárquico e as mudanças de ordem religiosa, como as ocorridas nos países baixos. Desta forma, as relações econômicas e sociais pressionavam por novas maneiras de composição do modelo educativo, divididas em tempos, que determinaram as classes. 10 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE Tal contexto se construiu com base no ramismo, uma dialética possível em tempo de saberes transmitidos de maneira fi ndada, ao contrário do debruçar no assunto no sentido de descoberta. Hamilton (1993) revela que as scholas eram casas (moradias) de estudantes que passaram a oferecer estudos em tempos coletivos, que ao todo formavam 12 classes de um ano/letivo cada. Esses fatos mudaram a forma como os colégios e universidades conduziam a formação da tutoria de alunos para as salas padronizadas em tempos e conteúdos e, para além, fomentaram a criação dos currículos escolares divididos em blocos de conteúdos e pautados na transmissão de informações em tempos possíveis para as demandas econômicas e sociais daquelas épocas. Nesse contexto, se por um lado o modelo suprimiu o estudo pautado em tutoria, por outro, permitiu o acesso de muito mais estudantes no modelo de classes das escolas, que, por sua vez, atendia à demanda formativa para servir aos monarcas e aos burgueses. O currículo escolar passou a ser objeto de interesse do poder governamental e econômico porque determinava a qualidade do pensamento que podia formar para os estados-nações. A Revolução Francesa e a Industrial se valeram dessa forma de oferecer a educação,bem como estados, como a Prússia, e as suscetíveis histórias de controle do currículo escolar até a Contemporaneidade. Outra forma de estudar um termo se dá por meio dos dicionários específi cos que compõem pesquisas relacionadas ao contexto das áreas que engloba. Neste caso, o termo “Currículo”, com perspectiva sociológica, é tratado por Mangez e Liénard (2011, p. 163) no Dicionário de Educação. O “currículo” designa não somente o conteúdo do ensino, como também as formas de seleção, organização (p. ex. divisão e subdivisão em diferentes disciplinas) e transmissão (métodos pedagógicos, organização do tempo, do espaço e das relações durante as atividades em sala de aula). As relações com as correntes de pensamento, que infl uenciam o tipo de saber, positivista, construtivista ou performativa, também infl uenciam os currículos. Os autores seguem revelando o interesse da sociologia nas dimensões sociais, políticas e culturais, que levam o currículo como transformador e transformado. Nesse contexto, o currículo escolar pode mudar a sociedade com processos de emancipação, autonomia e novos saberes e, ainda, pode ser infl uenciado de acordo com as necessidades econômicas e políticas, que defi nem poderes e limites sociais. 11 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 Posto isso, o currículo não é apenas o elencar de conteúdos divididos em disciplinas, mas um conjunto de pensamentos, normas, ideologias e saberes culturais que pretendem formar cidadãos em determinada perspectiva, tal como o currículo pautado em habilidades e competências, como será tratado adiante. Na pesquisa sobre o termo ‘currículo na educação a distância’, no Dicionário crítico de educação e tecnologias e de educação a distância, Rocha (2018) trata do termo partindo de pesquisas, nas quais curriculum vem do verbo latino currere, que quer dizer percurso a ser seguido ou correr e, ainda, que na tradição grega, Protágoras elaborou a primeira estrutura curricular chamada de trivium: formação em três disciplinas (lógica, gramática e retórica). Pouco depois, surgiu o quadrivium, formado por quatro disciplinas (aritmética, geometria, música e astronomia). O autor também se serve dos estudos de Hamilton (1993) ao revelar que na Universidade de Glasgow, em 1633, o termo aparece nos registros como referência a um curso. O conceito dinâmico do termo é perceptível porque compreende ações complexas de organização de intencionalidades, postas em diversas dimensões, bem como o resgate histórico se dá com a revelação de fragmentos que se juntam em narrativas possíveis e com o olhar de cada autor. No Minidicionário Aurélio, ‘currículo’ consta como as matérias constantes de um curso ou a forma reduzida de ‘curriculum vitae’, e ‘cursar’ signifi ca percorrer, andar e seguir curso (FERREIRA, 2010). O caminho intencionado parte de estruturas estabelecidas na sociedade, nas relações históricas e no contexto de experiências do planejador. Neste sentido, o currículo escolar passa a ser vivo quando há refl exão sobre o caminho e, sobretudo, quando é amparado por um planejador preparado para relacionar as inúmeras dimensões e necessidades de cada comunidade escolar. A prescrição ocorre das esferas legais para as escolas como determinantes da ação pedagógica, dos conteúdos e dos tempos de aplicação, mas a ação real ocorre nas escolas com a atuação dos profi ssionais e da comunidade escolar. As fi nanças, o espaço físico, a contratação de profi ssionais especializados, os materiais didáticos, as tecnologias, a empregabilidade e condições regionais, os documentos legais, os interesses econômicos e políticos e, sobretudo, o pensamento das pessoas (intencionalidades) formam o currículo escolar. Arroyo (2013) chama esse lugar de território em disputa, se não o foi desde sempre, pois ao mesmo tempo que garante o direito ao conhecimento, também 12 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE pode ser instrumento de manutenção de poder e de perpetuação de modelos rígidos de ação pedagógica. As diversas relações que fi xam diretrizes curriculares têm avançado muito na incorporação de princípios, valores e concepções avançadas de educação, de percursos formativos e de aprendizagem, mas têm difi culdade de inovar nas formas de organização dos conhecimentos e na organização dos tempos de trabalho. É núcleo duro, resistente. Essas inciativas e aberturas exigem resistência, contestando o caráter sagrado, hegemônico, inevitável que se impõem sobre os educandos e as escolas sobre o currículo e as avaliações e, sobretudo, sobre a criatividade e autoria docente (ARROYO, 2013, p. 38). A sociedade é dinâmica e sofre mutações constantes, as escolas são parte da sociedade, logo não poderão continuar em lugares que não existem mais fora de seus muros. No entanto, ao mesmo tempo em que as prescrições mudam e contribuem para políticas com novos olhares, também aumentam a necessidade de refl exão dos educadores e das comunidades escolares. Neste contexto, o currículo real (aquele que de fato é aplicado no dia a dia) deve ser refl etido, intencionado e praticado com conscienciosidade na busca pela formação integral: valores, saberes e fazeres que contribuem para um mundo melhor e ao mesmo tempo suprem os estudantes com caminhos para a autonomia e a competência na solução de problemas. O caminho (currículo) se tornou mais complexo e com isso aumenta a necessidade de valorar as experiências e expectativas dos sujeitos (todos). Arroyo (2013) trata dos autores de currículos que não captam as experiências dos sujeitos e os caminhos que percorrerão para buscar sua formação: a autoimagem. Posta a primeira aproximação deste texto com relação ao termo e suas implicações, serão retomadas situações históricas no próximo item, bem como as refl exões acerca das dimensões do currículo escolar. Contudo, haverá a necessidade de estudo cíclico composto por inúmeras aproximações, bem como os caminhos de pesquisa para além das referências apresentadas. 13 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 FIGURA 1 – NUVEM DE PALAVRAS DO TEXTO ESTUDADO FONTE: <https://www.nubedepalabras.es/>. Acesso em: 2 set. 2020. 1 Segundo Hamilton (1993), quais eram os interesses em tirar o controle do clero sobre as universidades no fi nal da Idade Médica? ( ) Interesses exclusivamente econômicos. ( ) Os monarcas queriam o controle total dos processos formativos e não se importavam com a questão fi nanceira. ( ) Ao mesmo tempo em que os monarcas queriam o controle havia o interesse econômico. ( ) Os alunos das universidades pressionavam por um sistema mais efi ciente que lhes permitisse melhores colocações na sociedade. 2 O que signifi ca o termo currículo? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ 14 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 3 Quais as relações que o currículo escolar estabelece com a formação da sociedade? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 3 INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS O propósito do resgate histórico tem relação com o assunto, por isso são cíclicos e assíncronos, ou seja, a intencionalidade não é estudar em linhas cronológicas rígidas, mas de relacionar o conhecimento resgatado para novas refl exões. A necessidade de reformulação dos currículos dosestados-nações da Europa era iminente em relação ao desenvolvimento dos Estados Unidos e das nações asiáticas, pois a preocupação era centrada na capacidade de produção de artefatos e tecnologia que pudessem concorrer com as demais regiões. Nesta aproximação, os estudos de Chizzotti e Casali (2012, p. 14) contribuem no entendimento deste processo encabeçado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nos anos 1990 procurou promover a integração cooperativa interna para o desenvolvimento econômico do bloco, criando mecanismos de incremento de sua competitividade. A uniformização econômica e cultural interna do bloco introduziu novas concepções e práticas de gerenciamento dos serviços públicos. Trouxe, na sequência, a necessidade de se pautar uma reforma dos sistemas nacionais de educação e dos currículos escolares, considerados anacrônicos para a requerida modernização econômica e 15 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 cultural dos Estados-membros. Entretanto, a pretensão da OCDE transcendeu seus limites territoriais, políticos e culturais: pautou a necessidade de uma urgente reforma do Estado no resto do mundo. A OCDE lançou em 1997 o Programme for International Student Assessment (PISA), que avalia as competências em leitura, matemática e atualmente em ciências. No entanto, a pergunta sobre quais as competências seriam avaliadas gerou necessidade de estabelecer caminhos de entendimento. Nesse contexto, a Defi nição e Seleção das Competências-Chave (DeSeCo Project) foi elaborada por especialistas entre 1997 e 2003 e estabeleceu que uma competência é mais complexa do que habilidades, pois reúne habilidades e conhecimentos em prol da solução de um problema específi co. Chizzotti e Casali (2012, p. 15) apontam nove competências-chave distribuídas em três categorias, que resultaram no relatório DeSeCo: Categoria 1 – Capacidade de (to be able to) usar ferramentas interativamente, tanto as físicas quanto as das tecnologias da informação e as socioculturais: a) a linguagem, os símbolos e os textos; b) o conhecimento e a informação; c) as tecnologias. Categoria 2 – Capacidade de interagir com pessoas e grupos heterogêneos, de diferentes culturas: a) relacionar-se bem com os outros; b) cooperar e saber trabalhar em equipe; c) saber gerir e resolver confl itos. Categoria 3 – Capacidade de agir de modo autônomo, responsavelmente: a) saber compreender, decidir e agir considerando o contexto social amplo; b) ser capaz de organizar e realizar planos de vida e projetos pessoais; c) ser capaz de fazer valer direitos, interesses, limites e necessidades. Os autores apontam que o relatório serviu de base para a elaboração dos currículos escolares dos estados-membros da OCDE e de outros estados pelo mundo. Neste sentido, observamos a elaboração dos currículos por competências em inúmeras nações no mundo, como recentemente o Brasil. A aproximação de outros momentos históricos, mesmo que de maneira rápida, revela a intenção de formação de nação por meio das propostas educacionais: a forma de educar espartana com ênfase no militarismo, o papel central dos mandarins na China antiga, a educação diferenciada entre meninos e meninas no Império Romano, o conhecimento guardado nos monastérios durante a Idade Média, a socialização da leitura na reforma protestante de Lutero, a catequização dos índios nas Américas, entre inúmeras outras. No entanto, a visão de habilidades e competências muda o modus operandi ramista da escola, pois as habilidades básicas e relacionadas ao instrucionismo 16 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE não servem ao sujeito que resolverá problemas e produzirá inovações, como pretendem as propostas emergidas da OCDE. O modelo de classes em tempos uniformes, leiautes idênticos com o professor no tablado transmitindo o conteúdo fi ndado em tempo, e o teor se opõem ao contexto do fazer, experimentar, resolver e criar. Para o bem e para o mal as propostas curriculares servem aos contextos de realidade, currículo real, pois conforme posto, sofrem interferência das esferas de poder, mas também são construídas por grupos de especialistas e contribuem para a visão dos saberes culturais e dos caminhos de desenvolvimento que são importantes para os estudantes. No intervalo entre as duas Grandes Guerras, Freinet (1896-1966) desenvolveu uma proposta de formação integral que continha muitas ações para o desenvolvimento de habilidades e competências. Mesmo que atendesse à preocupação com o trabalho, o currículo escolar abrigava: ofi cinas diversas, o jornal mural, o livro da vida e os portfólios móveis construídos pelos professores e estudantes. Os estudos de Audet (2010) revelam que a época era de grandes pressões das classes trabalhadoras por mais autonomia e direitos, bem como o caminho de Freinet como professor/autor, que culminou na pedagogia freinetiana com intercâmbios e foco na formação individual e social. Quando da declaração de guerra de 1939, Freinet tornou- se suspeito aos olhos das autoridades militares, pois tinha contatos por toda a parte, inclusive com países inimigos. O Educador Proletário fi cou sob censura – mesmo sendo uma revista estritamente pedagógica – e tem de modifi car o seu nome, considerado provocador. A derrota da França em 1940 piorou a situação. Freinet foi internado pelas autoridades de Vichy porque era militante de esquerda e suspeito de ser simpatizante da Resistência que se organizava e a qual ele aderiu efetivamente em 1944 (AUDET, 2010, p. 256). Tais fatos mostram que a escola e o currículo podem ser autorais, mas dependem das articulações e dos estudos que fundamentam os seus sentidos de “caminho”. Maria Montessori (1870-1952), contemporânea de Freinet, também foi autoral em sua proposta de abordagem com alunos de inclusão, e provou que eles aprendiam, além de desenvolver princípios que resgatavam a tutoria em outra perspectiva e os períodos de desenvolvimento. Para Montessori, o trabalho é uma característica da espécie humana, e a criança é capaz de mostrar a seriedade de seu trabalho, mesmo que isso pareça uma brincadeira (DUBOC, 2010). 17 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 Nesta perspectiva, o currículo é um trabalho coletivo em qualquer dimensão que se apresente: do poder ao cotidiano da escola; mesmo que pareça apenas o elencar de blocos de conteúdos, constitui-se de elementos complexos e nunca será ingênuo se tencionado pela pesquisa e pelo estudo. Outro ponto importante sobre as intencionalidades são os campos de autoria, pois a didática e o método são intenções que podem provocar mudanças nas estruturas curriculares, o que reafi rma o paradigma dos currículos postos como sobreposição de conteúdos conceituais replicados sem as devidas refl exões sobre sua efetividade no processo de formação integral. Seguindo com passagens de feitos históricos, Loiola e Borges (2010) tratam da pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) na segunda metade do século XX, que partia do signifi cado real para os estudantes e perseguia processos de emancipação do pensamento. Freire não só criou métodos como infl uenciou educadores progressistas pelo mundo, e de maneira importante mostrou como a educação pode estar fora da escola, em todos os espaços em prol de comunidades diversas. Num mundo em que mais da metade da população sofre de fome e muitas pessoas não têm casa, emprego nem boa educação, Freire decide defender a ideia de que “os oprimidos” são capazes, apesar de tudo, de superar seu sentimento de impotência e agir por si mesmos a fi m de transformar socialmente a sua existência (LOIOLA; BORGES, 2010, p. 307). O currículo planejado (intencionado) que ainda não foi caminhado é lugar da inclusão e, sobretudo,do ideal de desenvolvimento integral que atenda aos signifi cados de estudar. Neste contexto, é preciso ver que ninguém precisa ser sujeito passivo de currículos prescritos, mas integrante de uma comunidade escolar que se empodera como autora e coautora de seu “caminho” de estudos. O diálogo leva a saberes mais apurados em contextos em que ninguém precisa ser apenas o ouvinte, e que pode provocar na humildade de comportamentos acolhedores o sentido de refl etir/agir/refl etir/reagir. O pressuposto de intenções de construções coletivas pode ser encontrado, em entendimento particular, na proposta de currículo escolar das comunidades escocesas. A Escócia possui uma lei de regimento da educação do país que data de 1980, e isso permite uma aproximação histórica mais recente para este estudo. As comunidades escolares possuem autonomia de contratação, gestão das verbas e de construção de propostas curriculares, apesar de existir um documento oferecido como precursor pelo governo federal e também se pautar em critérios apontados pela OCDE. 18 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE Entretanto, o relatório Building Society (2014) apresenta o resultado da construção de sociedade em atividades múltiplas realizadas pelos estudantes em ofi cinas, laboratórios, macroespaço escolar, tecnologias digitais e analógicas nos processos de pesquisa e construção. Isso implica propostas fl exíveis de interação com o currículo sugerido pelo governo federal do país. FIGURA 2 – LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL DA ESCÓCIA, CLD E BUILDING SOCIETY FONTE: <https://education.gov.scot/>. Acesso em: 2 set. 2020. Os conselheiros de cada comunidade escolar são os mediadores das discussões, planejamentos, execução e avaliação dos caminhos escolhidos democraticamente, segundo apontam os relatórios disponíveis no portal do governo. No entanto, a disposição de aproximações deve servir como exemplo para refl exão com relação aos caminhos históricos percorridos, com o objetivo de analisar, colher dados e iniciar aproximações para construções em cada comunidade escolar, sempre evitando movimentos de educação comparada, ou seja, da transposição de modelos entre comunidades, porque possuem características e necessidades diferentes entre si. Outro problema de propostas e modelos copiados está no impedimento de desenvolvimento de expertise por parte dos membros das comunidades, pois quando há cópia de modelo, o caminho muitas vezes imposto não foi pensado, discutido e vivenciado. Fica claro que todas as aproximações que foram realizadas neste estudo foram pautadas em intenções de desenvolvimento permanente, sejam sociais, políticas ou econômicas, que provocaram transformações sociais e trataram de problemas postos, por um ponto de vista, de uma determinada época. No próximo item, a busca pelo entendimento das dimensões que compõem o 19 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 currículo escolar como forma de acolher, criticar, ajustar, criar, entre outros verbos que defi nem caminhos autorais e coautorais de comunidades conscientizadas. FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO DA IDEIA DE INTENCIONALIDADE HISTÓRICA FONTE: <https://www.nubedepalabras.es/>. Acesso em: 2 set. 2020. 1 Quais são as principais diferenças entre o modelo ramista e a proposta centrada em habilidades e competências na composição dos currículos escolares? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________. 20 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE 2 Dentre as três categorias apontadas no relatório DeSeCo, qual trata da empatia e das ações de convivência? ( ) Categoria 2. ( ) Categoria 3. ( ) Categoria 1. ( ) As categorias não tratam da questão. 3 Pesquise a política educacional de um país e verifi que se faz menção ao PISA, à OCDE e ao currículo por habilidades e competências. Explique seu entendimento e cite as fontes (com hiperlink) dos lugares que pesquisou. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ __________________________________________________. 4 DIMENSÕES CURRICULARES O currículo escolar, como posto por Sacristán (2017), não é passível de ser racionalizado como algo acabado e totalmente sistematizado, pois se trata de um organismo vivo e mutável por necessidade humana. As refl exões sobre autoria e coautoria dos itens anteriores servem para provocar os movimentos de refl exão e o entendimento de remixagem entre: políticas (legislações), sociedade (comunidade escolar), economia (interesses de formação para negócios e os negócios) e a escola (profi ssionais da educação e estudantes), que fazem parte da cultura e da experiência humana. Disso resulta um conceito essencial para compreender a prática educativa institucionalizada e as funções sociais da escola. Não podemos esquecer que o currículo supõe a concretização dos fi ns sociais e culturais, de socialização, que se atribui à educação escolarizada, ou de ajuda ao seu desenvolvimento, de estímulo e cenário, o refl exo de um modelo educativo determinado, pelo que necessariamente tem de ser um tema 21 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 controvertido e ideológico, de difícil concretização num modelo ou proposição simples (SACRISTÁN, 2017, p. 15). O entendimento da complexidade da função escolar e das dimensões que compõem seus currículos redobra a necessidade de crítica e capacidade de construir processos intencionais, no entanto, o torna cíclico e oriundo da práxis, pois é na prática que ele se efetiva e se torna ‘caminho trilhado’. Grosso modo, se parece com um jogo de RPG, pois possui elementos prescritos, regras, interesses de vitória, mas deve ser regido pelo desejo consciente dos participantes. Por isso que é necessário o estudo de suas dimensões e a conscientização de refl etir para construir o caminho mais adequado para cada comunidade escolar. Logo, não se trata de apenas elencar conteúdos postos em áreas do conhecimento para aplicá-los sem discussão, pois também abrange o discutir a formação integral do estudante e das necessidades da comunidade. Por exemplo, se um currículo prescrito (legal) não aborda questões importantes para os estudantes de uma escola, como fi losofi a para desenvolver o pensamento, a comunidade tem o Projeto Político-Pedagógico (PPP) como dispositivo (legal) para a oferta da fi losofi a. O currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza, enfi m, num contexto, que é o que acaba por lhe dar signifi cado real. Daí que a única teoria possível que possa dar conta desses processos tenha que ser do tipo crítica, pondo em evidência as realidades que o condicionam (SACRISTÁN, 2017, p. 21). Por isso, compor caminhos de conscientização de como ler criticamente e colocar em discussão na comunidade, em cenários que possa ser remixado, reescrito, adotado e criado, o currículo que melhor atender ao contexto de uma escola específi ca, torna-se ação cíclica. Para além, das experiências negativas de educação comparada, os estudos de Benito (2017) apontam o termo comunidade escolar comnecessidade plural: comunidades escolares, pela visão de que uma difere da outra em sentidos múltiplos. No caminho de entendimento das dimensões, Sacristán (2017) estabelece oito subsistemas que compõem o sistema educativo, e consequentemente infl uenciam na construção dos currículos escolares. 22 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE FIGURA 4 – SISTEMA CURRICULAR FONTE: Sacristán (2017, p. 23) O âmbito da atividade político-administrativa. A administração educativa regula o currículo como faz com outros aspectos, professores, escolar etc. do sistema educativo, sob diferentes esquemas de intervenção política e dentro de um campo com maiores ou reduzidas margens de autonomia. Às vezes, chegamos a entender por currículo o que a administração prescreve como obrigatório para um nível educativo etc., por ser muito presente o alto poder de interversão que tem esta instância neste tema dentro de nosso contexto, com o consequente poder de defi nição da realidade e da negação ou esquecimento do papel de outros agentes talvez mais decisivos. Este âmbito de decisões deixa bem evidente os determinantes exteriores do currículo, ainda que estejam legitimadas por serem provenientes de poderes democraticamente estabelecidos (SACRISTÁN, 2017, p. 23). O sistema educacional descrito por Sacristán (2017) é o espanhol que, por vezes, aproxima-se do sistema brasileiro. Neste sentido, a gestão escolar (secretarias, supervisão, direção, coordenação) interfere no currículo em vários âmbitos e maneiras. 23 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 No entanto, a gestão democrática da escola pública, que é posta em lei, pode atenuar o controle soberano e burocrático, em ciclos de construções coletivas que realmente promovam as discussões necessárias. Desta forma, mesmo que os legisladores determinem imposições que não são pertinentes em determinadas comunidades escolares, o caso pode ser posto em evidência e modifi car a ação na escola, até mesmo, a revisão de políticas públicas podem ser propostas, porém, vale lembrar que a falta de gestão ou de legislação adequada também compromete o currículo escolar. O subsistema da participação e de controle. Em todo sistema educativo, a elaboração e concretização do currículo, assim como o controle de sua realização, estão a cargo de determinadas instâncias com competências mais ou menos defi nidas, que variam de acordo com o campo jurídico, com a tradição administrativa e democrática de cada contexto. A administração sempre tem alguma competência neste sentido. Todas essas funções são desempenhadas pela própria burocracia administrativa, seus corpos especializados, como é o caso da inspeção, mas, à medida que um sistema se democratiza e se descentraliza, deixa para outros agentes algumas decisões relativas a certos aspectos ou componentes. As funções sobre a confi guração dos currículos, sua concretização, sua modifi cação, sua vigilância, análise de resultados etc. também podem estar nas mãos de órgãos do governo, das escolas, das associações e sindicatos de professores, pais de alunos, órgãos intermediários especializados, associações e agentes científi cos e culturais etc. Todo currículo se insere num determinado equilíbrio de seus conteúdos e formas (SACRISTÁN, 2017, p. 23). Novamente, a necessidade de práticas democráticas para a discussão das importâncias em formas e tempos da função da escola e do caminho que os alunos percorrerão, fi ca exposta com as colocações do autor, e convergem com o sistema brasileiro. As práticas que podem favorecer caminhos de interação e criação de discussões pertinentes, por vezes, são tímidas em algumas comunidades. No entanto, o espaço de refl exão e estudo pode levar ao contexto de: assembleias de classe e de escola, conselhos escolares, reuniões pedagógicas frequentes, grêmios, discussões abertas no poder legislativo da região, avaliações de clima, entre outras ações que podem fomentar decisões pautadas no diálogo e no melhor entendimento do contexto das práticas postas em leis e normas. A ordenação do sistema educativo. A própria estrutura de níveis, ciclos educativos, modalidades ou especialidades paralelas ordenam o sistema educativo, falando em linhas gerais, de forma muito precisa, as mudanças de progressão 24 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE dos alunos pelo sistema. Regulam as entradas, o trânsito e as saídas do sistema, servindo-se, em geral, da ordenação do currículo, e expressam através dele as fi nalidades essenciais de cada período de escolaridade. A distribuição de cultura entre distintos grupos sociais é determinada, em boa medida, com base na diferenciação dos currículos de cada ciclo, nível ou especialidade do sistema. É um dos caminhos de intervenção ou parcela prática em mãos da estrutura político-administrativa que rege o sistema. Os níveis educativos e as modalidades de educação cumprem funções sociais, seletivas, profi ssionais e culturais diferenciadas, e isso refl ete na seleção curricular que tem como conteúdo expresso e nas práticas que se criam a cada caso. À medida que tenha uma descentralização de decisões, ou quando existe optatividade curricular no nível de escolas, a ordenação pode fi car em níveis de decisão mais próximos dos usuários (SACRISTÁN, 2017, p. 24). A herança ramista está prescrita e serve de resistência para um sistema que pode sofrer pressões constantes por mudanças em estrutura, tempos e formas. As propostas de currículo por competências em algumas instituições se mostram atuantes nas quebras do modelo enraizado por séculos, pois ao tencionarem os currículos com propósitos diversifi cados, acabam por modifi car o modelo ramista, que se torna impraticável. Outro ponto importante é a escuta ativa dos estudantes que apontam as insatisfações nos modelos, postos tais como linhas de produção industrial, por vezes, o acesso a outras formas de conhecer são mais atrativos e dinâmicos que as carteiras enfi leiradas e o conteúdo conceitual cobrado como saber fi ndado. Por fi m, deve haver conscientização de que movimentos de mudanças são processuais e levam tempo para se constituírem. Logo, não se trata de fazer tudo diferente de um dia para o outro, mas de construir e articular caminhos possíveis para esses movimentos. O sistema de produção de meios. Os currículos se baseiam em materiais didáticos diversos, entre nós quase que exclusivamente os livros-texto, que são os verdadeiros agentes de elaboração e concretização do currículo. Como prática observável, o currículo por antonomásia é o que fi ca interpretado por esses materiais que o professor e os alunos utilizam. Práticas econômicas, de produção e distribuição de meios, criam dinâmicas com uma forte incidência na prática pedagógica: criam interesses, passam a ser agentes de formadores de professorado, constituindo um campo de força muito importante que não costuma receber a atenção que merece. Esta prática costuma estar ligada a uma forma de ordenar o progresso curricular: por níveis, ciclos, cursos, disciplinas ou áreas etc. Os meios não são meros agentes instrumentais neutros, pois têm um papel de determinação muito ativo, sobretudo em nosso sistema, ligado a uma forma 25 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 de exercer o controle sobre a sua prática, a estreita margem de decisão de que dispôs o professorado, a sua baixa formação e as condições de trabalho desfavoráveis (SACRISTÁN, 2017, p. 24). Muito se coloca sobre os livros-texto (livro didático) e, decerto, infl uenciam o currículo escolar na perspectiva mercadológica (econômica) como na constituição de conteúdos, ordens, tempos e formas, porém os livros seguem determinações externas de políticas legais e de leitura crítica de professores e especialistas. A autoria e coautoriade materiais, bem como a construção de materiais junto aos estudantes são importantes ferramentas de aprendizagem e adequação de caminhos: a pesquisa sempre será metodologia para aprender, resolver problemas e criar utopias. O livro didático, assim como qualquer outro, é estático e depende da interação com o humano para ganhar algum movimento. Neste sentido, quanto mais preparadas e críticas forem as equipes pedagógicas, mais o livro estará posto em momentos pertinentes nas sequências didáticas dos cursos, turmas ou de um estudante. Há a opção de não adoção e, sobretudo, da lucidez de que o livro não comporta um currículo escolar, pois comporta apenas saberes dispostos de maneira sequencial e que as aproximações destes saberes se dão de múltiplas formas e para inúmeros fi ns, os quais devem ser planejados: autoria e coautoria. Isso vale para os processos de formação continuada em serviço, aquela que ocorre na escola com base nas necessidades de cada comunidade, pois os processos podem ser autorais, bem como promoverem a participação de diversos profi ssionais externos: a capacidade crítico-refl exiva pode regular esses processos. Os âmbitos de criações culturais, científi cos etc. Na medida em que o currículo é uma seleção de cultura, os fenômenos que afetam as instâncias de criação e difusão do saber têm uma incidência na seleção curricular. Trata-se de uma infl uência que se exerce mais ou menos diretamente, com mais ou menos rapidez e efi cácia, e que se divide de modo desigual em diversas coletividades acadêmicas e culturais. A importância desse subsistema e sua comunicação com o currículo é evidente por duplo motivo: porque as instituições onde se localiza a criação científi ca e cultural acabam recebendo os alunos formados pelo sistema educativo, o que gera necessariamente uma certa sensibilização e pressão para os currículos escolares, por um lado, pela infl uência ativa que exerce sobre eles, e, por outro, selecionando conteúdos, ponderando-os, impondo fi rmas de organização, 26 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE paradigmas metodológicos, produzindo escritos, textos etc. Os grupos de especialistas na cultura formam “famílias” que têm continuidade e criam dependências nas coletividades de docentes, especialmente dos níveis mais imediatos à criação, e, principalmente, quando professores são especialistas em alguma área ou disciplina (SACRISTÁN, 2017, p. 24). A universidade tem o papel de produzir conhecimentos para o bem comum e de formar profi ssionais que reverberem esses saberes para as bases de todos os setores sociais. Este universo, o da pesquisa, atua em muitas frentes que englobam as avaliações de egressos escolares, por estarem nos caminhos oferecidos pelas universidades, os dados e vivências que são colhidos na interação e na interatividade entre escola/universidade, e em muitos outros âmbitos de contribuição. Contudo, é preciso valorar os caminhos de trocas e diálogos entre as instituições e seus membros, e um dos caminhos são as posturas éticas dos pesquisadores, que devem ter a intenção de contribuir para a melhoria das práticas, ou seja, atuar em prol de processos que valorizem bons trabalhos, os esforços de melhoria, e que procurem estabelecer processos continuados de estudo. Subsistema técnico-pedagógico: formadores, especialistas e pesquisadores. Os sistemas de formação de professorado, os grupos de especialistas relacionados com essa atividade, pesquisadores e peritos em diversas especialidades e temas de educação etc., criam linguagens, tradições, produzem conceitualizações, sistematizam informações e conhecimentos sobre a realidade educativa, propõem modos de entendê-la, sugerem esquemas de ordenar a prática relacionados com o currículo, que têm certa importância na sua construção, incidindo na política, na administração, nos professores etc. Cria-se, digamos, linguagem e conhecimento especializado que atuam como código modelador ou, ao menos, como racionalização e legitimação da experiência cultural a ser transmitida através do currículo e das formas de realizar tal função. Costuma expressar-se não apenas na seleção dos conteúdos culturais e em sua ordenação, mas também na delimitação dos objetivos específi cos de índole pedagógica e em códigos que estruturam todo o currículo e seu desenvolvimento. A incidência desse subsistema técnico costuma ser operativa em aspectos mais periféricos, cuja infl uência depende da própria capacidade de respostas às necessidades dominantes do sistema educativo e de seu ascendente sobre os mecanismos de decisão. Um peso que varia de determinados níveis educativos para outros. Em menor medida, seu papel tem sido e é crítico (SACRISTÁN, 2017, p. 25). No Brasil há importante produção de pesquisas que partem do entendimento e colaboração com as comunidades escolares, assumindo caráter de imersão 27 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 e construção. Neste rol, podemos destacar: pesquisa-ação, pesquisa crítico- colaborativa, pesquisa participativa, entre outras. Estas construções permitem a geração de conhecimento e de formação para práticas refl exivas, posta no sentido de ação/refl exão/ação. Colocar em ação práticas de aproximação é necessidade urgente, que pode e deve ser discutida nas ações possíveis de pequenos coletivos e, também, em propostas de políticas públicas que levem ao sentido de colaboração com suporte. O subsistema de inovação. Nos sistemas educativos complexos, dentro de sociedades desenvolvidas, a sensibilidade sobre a qualidade aumenta, sua renovação qualitativa ganha importância, os interesses de acomodação constante dos currículos às necessidades sociais também se tornam manifestos – funções difi cilmente cumpridas por outros agentes que não aqueles especifi camente dedicados a renovar o sistema curricular. Entre nós, essa instância mediadora, de frente para a intervenção de todo o sistema, não existe, o que se explica pelo modelo de intervenção administrativa existente sobre o currículo e pela falta de consciência sobre sua necessidade, mas trata-se de um aspecto que, como um campo de ação limitado, apareceu através de grupos de professores e momentos de renovação pedagógica. Isso é sintoma de uma necessidade. É evidente que uma renovação qualitativa da prática exige produção alternativa de materiais didáticos e sistemas de apoio direto aos professores em sua prática que grupos isolados não podem resolver massivamente. Em outros sistemas educativos, as estratégias de inovação curricular e os projetos relacionando inovação de currículos e aperfeiçoamento de professores têm sido uma forma frequente e efi caz de fazer reformas curriculares (SACRISTÁN, 2017, p. 25). A inovação, em entendimento particular, além de compreender a produção de algo inédito ou a modifi cação de algo existente, precisa estar amparada por condições de possibilidade de execução. Tal premissa pode ser acolhida por instâncias que coexistam nas comunidades escolares, pelo entendimento de necessidade de mudanças frente à forma de agir e produzir para além dos muros da escola, e nas políticas e intenções das esferas de poder. O fato pode estar relacionado à postura de experimentação, em aproximações de acerto/erro que desencadeiam processos de expertise, pois se não houver o movimento de exploração de possibilidades, “inovar” continua no lugar de utopia, ou pior, de espaço para propostas prescritas ou coisifi cadas (produtos) inseridos nas escolas sem processos de conscienciosidade. Quando ocorre a quase inevitável associação das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) com o entendimento de inovação, é prudente 28 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE esclarecer que os estudos das TIDC na educação também são pautados pelo desejo de autonomia, humanismo e perpetuação de valoreshumanos: fazer o que, para o bem de quem? O subsistema prático-pedagógico. É a prática por antonomásia, confi gurada basicamente por professores e alunos circunscrita às instituições escolares, embora se coloque a necessidade de ultrapassar esse campo muitas vezes isolado. O que comumente chamamos ensino como processo no qual se comunicam e se fazem realidade as propostas curriculares, condicionadas pelo campo institucional imediato e pelas infl uências dos subsistemas anteriores. É óbvio que o currículo faz referência à interação e ao intercâmbio entre professores e alunos, expressando-se em práticas de ensino- aprendizagem sob enfoques metodológicos muito diversos, através de tarefas acadêmicas determinadas, confi gurando de uma forma concreta o posto de trabalho do professor e o de aprendiz dos alunos. Naturalmente, através de todos estes subsistemas, em cada um deles, se expressam determinações sociais mais amplas, sendo o currículo um teatro de operações múltiplas, de forças e determinações diversas, ao mesmo tempo em que ele também, em alguma medida, pode converter- se em determinador das demais. Se o sistema escolar mantém particulares dependências e interações com o sistema social em que surge, não poderia ocorrer o contrário ao conteúdo fundamental da escolarização (SACRISTÁN, 2017, p. 25-26). O fazer com os outros (Do it whith others) pode ser uma expressão que acolha aos professores e alunos em suas práticas cotidianas, pois estamos em tempo de construir coletivamente e não de perpetuar atitudes de atribuir culpabilidade aos outros. São muitos os casos em que o professor se torna o culpado do insucesso e as condições de sua prática são esquecidas no discurso, no lugar conveniente para o narrador do problema. A sociedade responde por seus equipamentos (todos), e a escola é um equipamento genuinamente social, que erra e acerta, que caminha para algum lugar com o aval dos membros da sociedade. Logo, se este equipamento é importante para estes membros, ele deve ser amparado, assumido e cuidado por todos, sobretudo, em processos de fazeres coletivos. Para além, a hipocrisia é um caminho perverso que gera mais desigualdades: os profi ssionais que ganham muito e os que ganham pouco, os que estudam no luxo e outros que estudam nas escolas de lata, as escolas com nomes importados e as que não oferecem o ensino da segunda língua, e daí por diante. Buscar o caminho da equidade é uma urgência social. 29 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 Sacristán (2017) também contribui com o entendimento de que toda a prática pedagógica gravita em torno de um currículo, pois há a necessidade de um caminho que justifi que o tempo, a dedicação e a intenção do processo formativo. Logo, o estudo do currículo serve para relacionar, condensar e inter-relacionar processos de construção, reconstrução e criação de “caminhos”. Posto isso, logo após a leitura da fi gura de representação dessa seção, o tópico “currículo, didática e contemporaneidade” buscará refl etir a prática pedagógica relacionada ao currículo, justamente como sugerem as ideias de Gimeno Sacristán. FIGURA 5 – REPRESENTAÇÃO DA IDEIA DE DIMENSÃO CURRICULAR FONTE: <https://www.nubedepalabras.es/>. Acesso em: 2 set. 2020. 4.1 CURRÍCULO, DIDÁTICA E CONTEMPORANEIDADE As gramáticas escolares, como esclarece Cordeiro (2019), foram enquadradas como estruturas de longa duração. No entanto, os modelos base 30 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE de produção das práticas educativas se pautam nos modelos de currículo e vice- versa, ou seja, o currículo está para a didática assim como a didática está para o currículo: se é que podemos separar de fato os campos de estudo. Em linhas gerais, de entendimento particular, a didática busca o modo de prática das ações de ensino/aprendizagem, as maneiras de relação do caminho no processo de estudo, o como oferecer de maneira efetiva e plausível. Ao mesmo tempo em que se consolidava um modelo dominante de escolarização, certos países e certas propostas pedagógicas eram escolhidas, por parte dos especialistas envolvidos nos mecanismos de difusão desse modelo, como sociedades de referência. Assim, as experiências pedagógicas da Inglaterra, da França, dos Estados Unidos, da Suíça, da Bélgica ou da Alemanha iriam funcionar como situações exemplares a serem imitadas ou mesmo copiadas por todos os outros países (CORDEIRO, 2019, p. 17). O autor ainda esclarece que esses modelos eram adaptados, que não chegavam idênticos em todos os lugares. Basta uma breve pesquisa para que as tentativas de educação comparada sejam expostas atualmente: Finlândia, Coreia do Sul, Austrália, Inglaterra, Estados Unidos, França, Suécia etc. Para além, não apenas as propostas da OCDE se tornaram afronteiriças como as propostas curriculares dos estados-nações e a forma (didática) que praticavam a educação nas escolas. O discurso de adoção de metodologias importadas pode ser ouvido com frequência: aqui nós utilizamos a metodologia tal, como fazem no lugar tal. Por outro lado, o discurso de autoria de currículos e práticas também é ouvido, com menor eco, em contexto de experiência particular. Tais premissas inserem a forma do fazer no mesmo patamar de refl exão de autoria de currículos escolares: àquela de erros e acertos, tempos de construção e desenvolvimento de expertise. Se desde o fundador da disciplina no século XVII, associamos a didática (e o ensino) a uma arte, é preciso entender que essa noção costuma ser usada no sentido derivado da ideia também grega da techné, que para nós viria a se associar mais à noção de “técnica” do que à “arte”. O sentido de arte, nesse contexto, pode ser mais entendido como uma técnica, como um modo específi co e especializado de realizar uma tarefa ou ofício, isto é, como o saber técnico do artesão, do operário, do trabalhador (CORDEIRO, 2019, p. 19). Os dizeres de Comenius sobre a didática, postos por Cordeiro (2019), apontam preceitos científi cos que orientam a atividade educativa, com isso, nem o caminho de importação de modelos e nem o caminho de autoria e coautoria desobrigam o embasamento que justifi quem o modo de fazer escolar. 31 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 Quando o autor relaciona a didática com o currículo escolar, destaca a importância da relação que temos com a cultura, e hoje podemos dizer que a escola não é a única fonte de acesso, se é que algum dia foi, ao conhecimento. Isso implica nos confl itos e nos perigos de autonomia total, sem fi ltros, ou seja, sem o suporte de formação integral que desenvolva habilidades críticas e de refl exão para utilizar o conhecimento com atendimento ao bem comum. Por outro lado, a pressão dos estudantes e da forma de produzir e viver são fatos consumados, pois um exige ambientes que se relacionem com o modo de vida cotidiana e o outro demanda por profi ssionais que trabalhem coletivamente e resolvam problemas complexos. Neste sentido, não se trata de valorar apenas a ‘escola ativa’ e nem de apedrejar a ‘escola tradicional’, trata-se de embasar, discutir e criar caminhos possíveis para integrar, realizar e desenvolver caminhos mais agregadores para todos. A crescente complexidade, volume, rapidez e fl exibilidade do conhecimento na sociedade contemporânea põe em questão a centralidade daquele corpus fi xo e determinado de conhecimentos que constituíam o saber escolar. De um lado, admite-se com clareza que ninguém pode dominar todo o conhecimento sozinho. De outro lado, o ideal de um conhecimento totalizante, composto pela soma dos diversos saberes parciais, não parece sufi ciente do ponto de vista social. Assim, torna-se mais importante no ensino a proposição das “questões sem resposta”, isto é, o principal passa a ser a proposta de desenvolvimento do espírito e das capacidadesde investigação, interrogação e dúvida. Com isso, mais do que transmissão de saberes, o ensino e o professor precisam se ocupar de permitir que os alunos dominem técnicas, habilidades e competências de pensar e operar com o conhecimento. Isso tende a ser confundido, às vezes, com a ideia de que os conteúdos não têm mais importância. Não se trata disso: o conhecimento continua importante, mas não é o principal objetivo do ensino escolar (CORDEIRO, 2019, p. 55-56). Essa visão implica no acentuamento de investigação dos docentes, entre acolher e pesquisar, e da negação de lugar único dos psicologismos transmitidos como receita de fazeres didáticos, pois as cobranças de mensuração de qualidade e a rigidez de sistemas burocráticos podem inibir as ações de inovação (CORDEIRO, 2019). Neste sentido, é na escola, na prática que há maior oportunidade de sair do discurso e realmente trabalhar no sentido de ação/refl exão/ação. Os cursos de formação de professores são uma oportunidade necessária para esse movimento, mas, sobretudo, o lugar de fazer o movimento é na escola. 32 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE Segundo Cordeiro (2019), outro ponto importante de discussão entre currículo e didática se dá no disparate relacionado ao modo de enxergar a criança e o modo como ela habita na sociedade contemporânea. Por exemplo, a escola tenta concorrer com a mídia e, por vezes, torna-se menos atrativa para as crianças, que por sua vez, relacionam-se apenas com o presente, o imediato, sem relacionar seus interesses com futuro ou passado. Já os adultos pretendem que as crianças estejam em lugares protegidos dos perigos do mundo e, por vezes, querem o presente como réplica do passado. Tais confl itos de interesses pressionam o currículo e a forma de conduzir o processo escolar para campos de batalha, quando deveriam tentar o diálogo como forma de construir suas propostas de caminho. Por outro lado, o caminho pode estar na exploração dos signifi cados que os estudantes encontram na escola: a dimensão afetiva e relacional. O conjunto de oportunidades e desenvolvimento de hábitos e valores podem contemplar oportunidades de construções mais discutidas e refl etidas. Os problemas da escolarização sempre existiram, em âmbitos e tempos históricos diferentes. Por exemplo, o período da escolarização em massa foi marcado por práticas excludentes relacionadas à aptidão atribuída aos estudantes, ou seja, havia os que tinham talento para a coisa escolar e os que não tinham, consequentemente, postos para fora. Contudo, o currículo escolar também engloba a forma de fazer escolar, que, por sua vez, exige desenvolvimento de modus operandi refl etido, embasado e cíclico. Novas propostas curriculares não podem ser postas como entrega de documentos para que o outro resolva a ação, pois devem também inovar no sentido de corresponsabilidade em todas as dimensões: da formação de professores, das políticas públicas e do cotidiano escolar coletivo de fato. Premissas que não possuem respostas imediatas e nem mágicas que resolverão os confl itos, mas que indicam caminhos necessários e que, talvez, tenham as tentativas como ponto único de chance de progresso. 33 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO DE CURRÍCULO, DIDÁTICA E CONTEMPORANEIDADE FONTE: <https://www.nubedepalabras.es/>. Acesso em: 2 set. 2020. 1 Nos textos estudados, quais são as indicações de condução dos processos de formação e formação continuada em serviço para as construções e refl exões dos docentes? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 34 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE 2 Escolha uma das dimensões curriculares e desenvolva uma resenha crítica sobre ela, sempre com embasamento teórico sobre suas colocações. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 3 Sobre as dimensões apontadas por Sacristán (2017), qual é o papel das comunidades escolares com relação ao currículo e as suas necessidades? ( ) Aceitar as demandas legais e cumprir exatamente como está prescrito nos documentos. ( ) Discutir apenas com os gestores quais são as ações necessárias e treiná-los para cobrar a execução do plano estabelecido. ( ) Discutir coletivamente as propostas e compor de maneira democrática um caminho refl etido por todos. ( ) Buscar por experiências parecidas em outras comunidades e aplicar o novo currículo da mesma forma como estas desenvolveram o processo. ( ) Contratar uma equipe de assessores que faça esse movimento e determine como deve ser aplicada a proposta curricular da escola. 4 Quais considerações são possíveis diante do papel dos gestores escolares perante o currículo escolar? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _________________________________________________. 5 Você presenciou ou pode exemplifi car um fato confl itante entre a forma de aplicar o currículo e a reação contrária dos alunos? Como agiria com base no que estudou sobre o assunto? R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ 35 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 6 Pesquise uma proposta curricular que contenha caminhos de construção coletiva como ponto de seu desenvolvimento. Para isso, procure por elementos que descrevam a forma como o currículo foi desenvolvido. Por fi m, faça um resumo dos pontos que indiquem essas práticas para esta questão, e guarde o material pesquisado para utilização no fórum da disciplina. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 5 JUSTIÇA CURRICULAR Este é um assunto polêmico, sobretudo, se pautado por ideias de meritocracia, em que cada cidadão é responsável única e exclusivamente por suas conquistas e, apenas, por isso está em posição de sucesso ou insucesso. Talvez, uma rápida olhada no entorno mostre que existem diferenças de acesso na sociedade, e que ainda existem acessos com o mesmo nome e com qualidades duais. No entanto, apesar de importante fomentador de assuntos do cotidiano, o senso comum não pode, sozinho, embasar as práticas curriculares em prol da solução de problemas, pois há a necessidade de recorrer aos conhecimentos epistemológicos e, também, aos conhecimentosfi losófi cos, aliás, isso para todo este estudo. A frase ‘as diferenças estão bombando na escola’, dita por uma professora 36 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE e citada na obra de Candau et al. (2013), refl ete a problemática de acolhimento e tratamento de questões ligadas aos mais diversos atores: negros, indígenas, LGBT, mulheres, quilombolas, população de campo etc. O sentido de equidade leva ao entendimento de que todos serão atendidos em suas necessidades para desenvolvimento e acolhimento: Para alguns autores, a construção da democracia supõe colocar a ênfase nas questões relativas à igualdade e, portanto, superar ou relativizar as diferenças. Construir uma sociedade em que todos(as) sejam considerados(as) e os direitos fundamentais sejam consolidados para todos(as) os(as) cidadãos(ãs) é a meta a ser atingida. Outras posições defendem que a ênfase na igualdade leva à negação das diferenças e à subordinação e inferiorização dos grupos que não respondem ao padrão de referência como que, ao ser analisado de perto, privilegia aqueles que são brancos, homens, ocidentais e “normais”. Partindo desta posição, defendem com tal ênfase a diferença, a igualdade fi ca em um segundo plano e a sociedade se fragmenta em grupos que reforçam suas especifi cidades (CANDAU et al., 2013, p. 143-144). Essa relação dialética entre igualdade e diferença proposta pelos autores pode levar ao caminho da equidade, em que o respeito a si e ao próximo é uma premissa para a paz e atende ao sentido de justiça. Muito próximo disso está a necessidade de olhar o currículo escolar como precursor de caminhos formativos para o bem comum: ações que benefi ciam a totalidade. A abrangência dessa ideia não está apenas em uma dimensão da escola, pois engloba: políticas públicas, amparo legal para os casos omissos, os currículos em todas as esferas de atuação até chegar à escola e seu cotidiano. No entanto, para que sejam currículo real precisam atingir a prática pedagógica. Por que a educação não pode ser multicultural? Para Candau et al. (2013), pode e muitos autores defendem essa ideia. Por exemplo, há livros-texto que apresentam a cultura africana e indígena nas linguagens da Arte como forma de abordar todas as riquezas culturais que o Brasil herdou destas culturas. Outra perspectiva são trabalhos que envolvem os valores humanos de maneira contextualizada e interdisciplinar com abordagens refl exivas sobre: educação para a saúde, paz, equidade, igualdade, respeito a si e ao próximo, justiça, respeito aos animais, conservação do ambiente, preservação, educação para o consumo etc. Por fi m, os autores relatam as possibilidades de interculturalidade e de experiências sistêmicas neste caminho, ou seja, a articulação dos direitos em 37 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 vivências planejadas e no cotidiano, em que podem acontecer as tentativas de desrespeito ao preceito de equidade. Partindo para um novo prisma da visão de justiça curricular, o relatório Tic Educação (2018) levantou o uso da internet nas escolas brasileiras. Contexto que reafi rma o desejo dos estudantes em ter acesso à internet e utilizar tecnologias e, que em entendimento particular, é ponto de justiça curricular (COMITÊ GESTOR DE INTERNET NO BRASIL, 2019). A premissa que pode auxiliar neste entendimento parte da própria proposta da BNCC, no sentido do desenvolvimento de habilidades para o uso de tecnologias e suas linguagens. Voltando ao relatório Tic Educação (2018), a proposta curricular da cidade de São Paulo aponta as necessidades de desenvolvimento seguindo premissas que convirjam o uso das tecnologias com os valores humanos e desenvolvimento para o bem comum (COMITÊ GESTOR DE INTERNET NO BRASIL, 2019). Os esforços para o enfrentamento desses desafi os se concentram na realização de um conjunto de aprendizagens consideradas relevantes e necessárias, gerando o desenvolvimento sustentável e o progresso da própria sociedade que almejamos, ou seja, o Currículo da Cidade tem como premissa planejar e trabalhar de maneira colaborativa para que o currículo escolar resulte da confl uência de vários campos do saber, contribuindo, assim, para que os estudantes construam uma visão macro da realidade e percebam os benefícios que podem obter se utilizarem saberes interdisciplinares para entender e participar no mundo (COMITÊ GESTOR DE INTERNET NO BRASIL, 2019, p. 72). Logo, a oferta de acesso aos modos de fazer e ser da sociedade contemporânea se torna uma necessidade de formação integral e, porventura, seu bloqueio ou falta na escola se tornam modos de excluir e tornar injusto o currículo que omitir essas premissas. O relatório mostra disparates com relação ao acesso à internet nas escolas públicas e particulares, isso não quer dizer que as escolas públicas não possuam acesso, mas que possuem em menor número que as particulares em locais de estudo dos alunos, como a sala de aula e as bibliotecas, o que apenas se reverte nos laboratórios de informática. Para além, ambas não possuem acesso integral em nenhum local de estudo dos alunos. Isso posto, a refl exão que pode reverberar desta leitura é o contexto de vivência solicitado nos currículos por habilidades e competências, até mesmo para desenvolver habilidades comportamentais de adequação aos momentos e ambientes coletivos, e utilizar a internet para a construção de momentos de estudo e pesquisa. 38 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE Quando o apontamento é sobre as escolas rurais e os equipamentos para acesso à internet em 2018, o relatório não aponta nenhuma região brasileira com índices de inclusão total, mas as regiões Sul e Centro-Oeste possuem maior cobertura, seguidas da região Sudeste com coberturas mais tímidas e Norte e Nordeste com os menores índices de cobertura. Neste sentido, quando se trata de formação integral do cidadão brasileiro, esses disparates promovem injustiça curricular. O contexto histórico revelado por Chizzotti e Ponce (2012) se traduz em perpetuação e práticas dos interesses de formação dos estados-nações e de suas demandas de poder, no entanto, os autores tratam da justiça pelo ponto de vista dos direitos. O currículo deve atender ao interesse de formar uma unidade solidária, partilhando normas e valores comuns, mediante um programa de conhecimentos básicos obrigatórios para todos os cidadãos que devem ter, nessa concepção, igualdade de direitos. Incumbe ao Estado vincular uma moral de vida coletiva, difundir um conjunto de saberes, linguagens e práticas cuja aquisição depende da escola, e propor uma referência comum para todos como meio indispensável para participar da vida social e assumir um posto de trabalho (CHIZZOTTI; PONCE, 2012, p. 28). Nesse sentido, a escola deve ser o lugar onde a cultura é ofertada na mesma medida para todos os cidadãos, sempre na perspectiva de medida máxima para todos, fora desse contexto se torna dual e favorece partes separadas, e o pior, perpetua essas separações de graves consequências para toda a sociedade. Para além, a questão da parte que os sujeitos pertencem e não escolhem, por imposição, neste caso, cabe uma questão de refl exão: o estudo de 2012 está contido apenas naquele tempo ou há convergências com o tempo atual? O currículo dos sistemas de ensino de extração liberal, por outro lado, preconiza ações do Estado e políticas de educação sensivelmente diferentes: compete aos particulares, indivíduos ou associações, organizar e prover a educação, incumbindo o Estado de garantir os padrões curriculares de qualidade (standards) e estabelecer os critérios de avaliação para disponibilizar condições de escolha aos pais, no caso de crianças e adolescentes (CHIZZOTTI; PONCE, 2012, p. 28). Novas preposições surgem com relação aos sistemas de extração liberal postos pelos autores, agorano sentido de modelo permitido, escolhido, e por mais que digamos que muitos não têm consciência do que escolhem, essas ideias surgem com discursos de igualdade, melhoria e atendimento aos cidadãos. Será mesmo que em um sistema de educação privatizada os responsáveis 39 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 pelos estudantes poderão escolher a escola? Todos terão condições de ofertar as propostas que melhor atendem às crianças? Logo, a justiça perpassará pela decisão de aceitação ou refutação destas propostas se forem concretizadas, e ambas impactarão o estudo escolarizado, os currículos, e principalmente a vida destes estudantes. Não obstante disso, o impacto também atinge as políticas de formação de professores com extinção de cursos de formação de professores da Educação Básica e a crescente atribuição do papel a instituições que mal conseguem manter as médias nas avaliações de controle do governo. Não há como pensar o currículo sem os seus sujeitos. É na prática pedagógica que o currículo ganha vida. Ele é um instrumento social que supõe a participação de cada um quando visa: à autonomia do indivíduo em comunidade; à preparação para viver e (re) criar a vida com dignidade; e à construção permanente de uma escola que valorize o conhecimento, que seja um espaço de convívio democrático e solidário e que prepare para a inserção na vida social pelo trabalho (CHIZZOTTI; PONCE, 2012, p. 34). A escola norteada por propostas curriculares inclusivas atende aos mais diversos tipos de necessidades de estudo, se por um lado as políticas públicas são necessidades de cobrança e participação dos cidadãos, por outro as ações cotidianas também se apresentam como urgentes e imprescindíveis. A justiça curricular está nas ações de acolhimento, de não desistência no progresso do estudante, de sua formação integral e da superação de pontos de confl itos, como forma de negar a evasão e a exclusão em práticas cotidianas. Valorizar como princípio e fazer valer como objetivo o direito à educação, contemplado tanto pelo modelo republicano quanto pelo liberal, é também indispensável. Por fi m, ter dois princípios como norteadores de lutas e ações: valorizar a escola como espaço de convívio democrático e solidário e os sujeitos envolvidos no processo curricular, especialmente os professores, cuja voz tem sido calada. Os educadores são interlocutores importantes na defi nição das políticas públicas de educação e na elaboração das propostas curriculares. Se o currículo ganha vida na prática pedagógica, ele será tão mais vivo quanto mais valorizados e qualifi cados forem os que lhe dão vida (CHIZZOTTI; PONCE, 2012, p. 35). Postas as importantes colocações de Chizzotti e Ponce (2012) no sentido de caminhos possíveis para efetivação de currículos mais autorais, justos e alinhados aos interesses de comunidades escolares, há outros caminhos imbricados no processo de construção do sentido de justiça. 40 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE A inclusão de todos os cidadãos na escola provocou paradigmas e exigências de preparo para a adequação da escola no acolhimento destes estudantes. Neste contexto, o preparo das equipes pedagógicas dá suporte à integração de todos, bem como salas de recursos, atendimentos especializados, adoção de tecnologias assistivas, entre outros aportes. Isso, em entendimento particular, aponta a capacidade da escola em superar desafi os e de construir caminhos colaborativos em prol de ações para o bem comum, pois a mobilização da inclusão requer o engajamento de toda a comunidade escolar e gera histórias de sucesso e autorrealização em suas trajetórias. Os recursos e serviços que garantem bons caminhos de estudo, tais como: transporte, alimentação, saúde e bons espaços escolares do ensino público se somam ao rol. Para além, a garantia de imparcialidade no sentido laico que acolha sem restrições. Há importância em levantar dados para refl etir as propostas que podem atender às comunidades em todos estes sentidos, e tantos outros que podem ser necessários para cada particularidade. A dignidade está em acolher, aceitar e compor coletivos que ao mesmo tempo que se dedicam no sentido de atender melhor, podem provocar a perpetuação destas ações pelo exemplo e diálogo constante. Logo, não se trata de agir sozinho e de maneira isolada, e muito menos de atribuir individualmente funções que contemplem caminhos de justiça curricular, mas se trata de convidar, comprometer de maneira conscientizadora e de também planejar essas ações. Por exemplo, a aquisição de um novo recurso ou a contratação de um profi ssional que agregue no sentido de acolher, não é uma atribuição isolada, mas a certeza de mais necessidade de refl exão, cuidado e trabalho colaborativo. Ações de estudo são precursoras de entendimento para tomadas de decisões que promovem construções no sentido de justiça, tais como: acompanhar o egresso para entender quais trajetórias podem ter os estudantes no futuro, para identifi car os pontos que porventura necessitam de melhoria, bem como conhecer a comunidade por meio de coleta de dados e, sobretudo, da análise destes dados para ações diversas. Estabelecer parcerias com universidades para caminhos de estudo e explorar equipamentos urbanos no sentido de incluir e ofertar melhores espaços e recursos também são ações possíveis. Convergir estudos em prol do aprimoramento é sempre caminho no sentido de atender melhor. Por fi m, o cerne deste movimento 41 ORIGENS E SIGNIFICADOS: INTENCIONALIDADES HISTÓRICAS E DIMENSÕES Capítulo 1 de estudo pode remeter ao sentido de como cada um gostaria que fossem as atitudes em prol de seu acolhimento, independente da necessidade que apresentasse. FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO DO TEXTO SOBRE JUSTIÇA CURRICULAR FONTE: <https://www.nubedepalabras.es/>. Acesso em: 2 set. 2020. 1 A inclusão diz respeito ao(s): ( ) Estudantes que possuem laudo de equipe multidisciplinar. ( ) Conjunto de ações que permite o ingresso e permanência de todos na escola, bem como ao contexto de oferta de oportunidades que contemplem o sentido de formação integral. ( ) Rol de obrigações do governo com repasse de verbas, compra de recursos e contratação de profi ssionais. ( ) Tratamento da diversidade em casos especiais postos em lei. 42 ESTruTurAS CurriCuLArES: iNTErDiSCiPLiNAriDADE E TrANSDiSCiPLiNAriDADE 2 Pesquise, cite e comente uma lei, posta como política pública, que trate do direito à igualdade. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 3 Entreviste um diretor escolar e pergunte quais são as ações de acolhimento e garantia de justiça curricular que são desenvolvidas em sua comunidade escolar. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. 4 Retome o texto e diante de suas experiências na escola refl ita o que já está posto em prática e o que ainda falta para apoiar a diversidade e as ações de justiça curricular. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O currículo escolar engloba todas as ações da comunidade, sentido que pode e deve extrapolar os muros da escola e envolver o cotidiano de todos, em ações de aproximação e de intenções para o desenvolvimento integral. No entanto, sua história começa com intenções e dimensões que