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DISCIPLINA: SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Formação acadêmica do professor autor Gabriel de Araujo Sandri Advogado tributarista. Mestre em Ciências Jurídicas pelo CPCJ/UNIVAL. Professor Titular das disciplinas de Direito Tributário, Processo Tributário e Prática de Direito Tributário na UNIVALI e Professor em Pós-Graduações envolvendo assuntos tributários. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2860219726819973 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA O estudo sobre o Sistema Tributário Nacional, enraizado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, fruto da evolução do reconhecimento de direitos fundamentais dos contribuintes, possui importância sobrelevada, porquanto encartar a relação das principais limitações ao poder de tributar, amalgamado à razão ontológica do Direito Tributário. Com efeito, a sua existência possui uma umbilical relação de salvaguadar o contribuinte contra a ânsia arrecadatória insaciável do ente tributante, impondo-se regras (limitações ao poder de tributar) à intrincada e vetusta relação “fisco x contribuinte”, servindo como o liame que divide o respeito à liberdade e propriedade privada, do Poder Público e da necessidade de financiar os seus gastos. Afinal, é através da Constituição da República que se relacionam as espécies de tributos (teoria quinquipartida), suas características e limitações, a distribuição das competências tributárias e a imposição de respeito cogente aos princípios e regras tributárias, sendo que qualquer desvio de constitucionalidade impõe a irretorquível invalidade do tributo. Portanto, o objetivo desta disciplina é analisar o Sistema Tributário Nacional, os princípios e regras constitucionais tributárias, o conceito de tributo e as suas espécies, em grau de profundidade consentânea com o limite máximo de páginas desta apostila, haja vista que todos os temas tratados comportam estudos mais robustos e complexos. Assim, apresentar-se-á os principais elementos de cada tema proposto, deixando-se ao leitor, desde já, o convite para ampliar os respectivos estudos. Desse modo, dividir-se-á a abordagem nos seguintes itens: Sistema Constitucional Tributário, com os seguintes subitens: Competência e capacidade tributária; bitributação e bis in idem, status constitucional do Código Tributário Nacional; Princípios Constitucionais Tributários, subdivido entre os principais: legalidade, anterioridade, irretroatividade, isonomia, capacidade contributiva, vedação ao confisco, não-cumulatividade etc., Espécies de tributos, estudando-se em subitens: conceito de tributo, imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições sociais/especiais. UNIDADE 1 - SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO Objetivos de aprendizagem Analisar o fenômeno da competência e da sua relação com as limitações ao poder de tributar; Diferenciar competência de capacidade tributária e expor suas características; Identificar a natureza do Código Tributário Nacional à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. PARA INÍCIO DE CONVERSA Àqueles que se dedicam ao estudo do Direito Tributário é impossível não conhecer a fundo o Sistema Constitucional Tributário, sobretudo porque dele deriva a própria noção do poder de tributar e das suas consequentes limitações, formadores da mola mestra de toda a fenomenologia tributária. Nesse momento inicial, torna-se oportuno começar o estudo pela compreensão da competência tributária e das suas características. 1.1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA 1.1.1. Conceito Conceitualmente, competência tributária é o poder de legislar constitucionalmente confiado a um ente federativo, relativo a determinado fato tributável. Logo, há uma íntima relação entre competência tributária e o respeito aos princípios federativo, republicado e, notadamente, da legalidade. A doutrina não discrepa quanto ao conceito: “Competência tributária é a aptidão para criar tributos, mediante a edição do necessário veículo legislativo (art. 150, I, CR), indicador de todos os aspectos de sua hipótese de incidência. Em sendo a competência de natureza legislativa, somente as pessoas políticas a detêm” (Regina Helena Costa) “A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos” (Paulo de Barros Carvalho) NA PRÁTICA Em razão da distribuição da competência ser uma tarefa exclusiva da Constituição da República, costuma-se chamá-la de “Carta das Competências”. Nessa senda, para que um tributo possa ser juridicamente válido, é imprescindível que o ente que o tenha criado possua a competência tributária correspondente, sob pena de inconstitucionalidade congênita. Conquanto se ligar à imperiosa existência de um Poder Legislativo, somente a União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem ser titular de competência tributária. 1.1.2. Tipos de competência A competência tributária, salvo disposição constitucional em contrário, é privativa, isto é, somente aquele ente elencado pela CRFB/88 que pode legislar sobre determinado fato tributável (regra-matriz). Existem vários exemplos de outorga de competência privativa: Art. 149, caput, 153, 154, 155, 156 etc. A importância de se afirmar que a competência é, em regra, privativa, paira naquilo que não está dito. Por exemplo, ao se afirmar que compete à União instituir imposto sobre importação de produtos estrangeiros (art. 153, inc. I) está se dizendo, sem dizer, que não compete aos Estados, Distrito Federal ou Municípios. Porém, há casos de competência concorrente, que representa a possibilidade dos entes federados poderem legislar sobre determinada matéria enquanto outro ente “maior” não a houver legislado, isto é, pela dinâmica da competência concorrente, os. Estados ficam autorizados a legislar em caso de omissão da União, ou os Município em caso de omissão de ambos (art. 24, inc. I). SAIBA MAIS Os Estados utilizam a competência concorrente para tratarem da norma geral pertinente ao ITCMD e IPVA, ante a omissão da União quanto à regulamentação determinada pelo art. 146, inc. III, alínea “a”, para definir os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. (vide RE 601247). Em outros casos, a CRFB/88 prevê uma competência comum, atribuída concomitantemente a mais de um ente, como ocorre, por exemplo, no art. 145, relativo aos impostos (enquanto espécie), taxas e contribuições de melhoria, ou também no art. 149, §1º., quanto à contribuição social cobrada dos servidores públicos. ATENÇÃO No concernente aos impostos, a competência comum é com relação à espécie impostos e não às suas subespécies (IR, ICMS, ISS...). Ademais, essa classificação deve ser vista com ressalvas, pois não significa dizer, também, que sobre um serviço prestado pela União possa um Estado ou Município instituir taxas ou contribuições de melhoria em caso de obra pública. Ainda, há a competência extraordinária, que não deixa de ser um desdobramento da privativa, porém atua como uma “válvula de escape” para a obtenção de receitas em momentos críticos (guerra, calamidade pública, situações urgentes etc.), como ocorre com o Imposto Extraordinário de Guerra (art. 154, inc. II). Há, também, a competência residual da União poder instituir novos impostos (art. 154, inc. I) e novas contribuições sociais (art. 195, §4º.). Fala-se “residual”, porque somente pode legislar em relação a novos impostos ou novas contribuições que sejam distintos daqueles cuja competência já tenha sido especificado pela Constituição, não podendo possuir a mesma base de cálculo ou hipótese de incidência de outro imposto ou contribuição social, sob pena de se caracterizar como um falso adicional de tributo já existente, incorrendo em inaceitável bisin idem ou bitributação. Por fim, há a competência cumulativa da União que agrega, juntamente aos impostos de sua competência privativa (art. 153), a competência daqueles outorgados aos Estados, quanto aos territórios federais subdivididos em Municípios, e também os Estaduais e Municipais quanto aos territórios não subdivididos em Municípios (art. 147), bem como a competência cumulativa do Distrito Federal, que automaticamente acumula as competências outorgadas aos Municípios (art. 32, caput, e 147, in fine). Destarte, pela dinâmica da competência tributária, representada como o instrumento linguístico de partilha de poderes legiferantes entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, deve-se reconhece-la como um direito fundamental do contribuinte, pois somente pode estar obrigado a se submeter à obrigação tributária se vier legislada por ente competente, além de representar, em si, uma limitação ao poder de tributar, porquanto impor um enclausuramento, pela regra-matriz, daquilo que cada ente público pode instituir ou modificar. 1.1.3. Quadro resumo Privativa Comum Privativa Privativa União II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, IGF, I.Residual, I.Extraordinário Taxas e CM Contribuições sociais lato sensu; Contribuição dos servidores públicos Empréstimo Compulsório e Contribuição social residual Estados/DF ITCMD, IPVA e ICMS Taxas e CM Contribuição dos seus servidores públicos Municípios IPTU, ITBI e ISS Taxas e CM COSIP; Contribuição dos seus servidores públicos 1.1.4. Características A seguir, elencar-se-á as principais características da competência tributária. 1.1.4.1. Privatividade As pessoas políticas possuem faixas tributárias privativas, sendo que a aptidão para legislar outorgada a um ente político priva ou exclui os demais da mesma atribuição. 1.1.4.2. Indelegalibilidade Os entes federativos, ao receberem a competência da própria CRFB/88, não a podem delegar a outro(s) ente(s) tributante(s), nem mesmo, evidentemente, às pessoas que não possuem Poder Legislativo (empresas, autarquias, fundações, associações, pessoas físicas etc.), sob pena de inconstitucionalidade, haja vista que o trato da competência é uma matéria eminentemente constitucional, porquanto se atrelar à organização da República Federativa do Brasil. O próprio Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172/66) dispõem em seu art. 7º., ab initio, ao regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, inc. II), que a competência tributária é indelegável. 1.1.4.3. Incaducabilidade Não há prazo para o ente competente exercer a competência tributária, podendo editar a lei cabível a qualquer momento. Pode-se ilustrar essa característica pela peculiaridade do Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, inc. VII), atualmente inexistente, pois, embora a respectiva competência tenha sido confiada à União desde a promulgação da CRFB/88, não editou a lei complementar necessária à criação do respectivo tributo. 1.1.4.4. Inalterabilidade A inalterabilidade representa a impossibilidade do Ente Federativo ampliar as dimensões da competência recebida, a fim de poder atingir fatos tributáveis que não recebeu o poder para tributar. Advém da própria noção da regra-matriz tributária e do caráter de superposição do Direito Tributário. Diz-se que o Direito Tributário possui a característica de superposição porque, para poder ser aplicado/instrumentalizado, precisa se valer de conceitos que estão previstos em outros ramos do direito. Desse modo, não cabe ao legislador tributário transmudar o conceito dos termos delimitados pela constituição (renda, importação, serviço público, obra pública etc.). somente para o deleite da tributação. Deve, antes, respeitar todo o aporte semântico encrustado nos termos adotados pelos ramos do direito incumbido de regulamentá-los. Como ilustração dessa inalterabilidade, pode-se afirmar que o momento da transmissão da propriedade de bens imóveis é definido pelo art. 1.245, do CC/02, como sendo o instante do registro do título translativo no Registro de Imóveis. Se esse é o momento da ocorrência da transmissão da propriedade para o Direito Civil, então não pode o Direito Tributário definir outro aspecto temporal, sob pena de ofender a dinâmica da competência, pela perspectiva da sua inalterabilidade, e as regras da sua regulamentação previstas nos arts. 109 e 110, do CTN. 1.1.4.5. Irrenunciabilidade Porquanto a competência tributária se tratar de matéria de Direito Público Constitucional, de índole naturalmente indisponível, ao menos para o legislador infraconstitucional, não se admite que os Entes Tributantes possam abrir mão de suas competências, em razão da indisponibilidade do interesse público subjacente. Podem, quando muito, optar por não legislar, sendo que qualquer norma que visasse renunciar a competência não produziria qualquer efeito. 1.1.4.6. Facultatividade Os entes tributantes possuem a faculdade para exercer, ou não, suas respectivas competências tributárias, não podendo haver ingerência dos demais poderes ou entes federados em obrigar o exercício legislativo àquele que detém a competente. Por exemplo, se um Município presta efetivamente um serviço público, específico e divisível, pode criar uma taxa para custear suas despesas ou, se preferir, pode arcar com os custos pela arrecadação dos impostos, fica a seu critério político. 1.2. CAPACIDADE TRIBUTÁRIA Em que pese a capacidade tributária (ativa) não faça propriamente parte do Sistema Tributário Nacional, conquanto se tratar de matéria definida em lei stricto sensu, torna- se oportuno estudá-la, a fim de evitar confusões com o fenômeno da competência. 1.2.1. Conceito e características A capacidade tributária ativa é a aptidão para cobrar e fiscalizar a cobrança do tributo. Em suma, é a função de executar a lei tributária que fora criada pelo ente competente. Diferentemente da competência, a capacidade admite delegação a outras pessoas jurídicas de direito público, privado e, até mesmo, pessoas físicas (art. 7º., in fine, do CTN), por exemplo: empresas recolhedoras de lixo domiciliar podem possuir capacidade para cobrar a taxa em nome próprio/ tabeliães, pessoas físicas, cobram emolumentos (taxas) também em nome próprio, fruto da delegação da capacidade ativa, patrocinada pela lei regente do respectivo tributo. Logo, quem define o ente competente é a CRFB/88, mas quem define o detentor da capacidade tributária ativa é o ente que recebeu a aludida competência. Portanto, a capacidade tributária ativa é definida pela lei do ente competente, que pode mantê-la para si, quando fiscaliza e realiza a cobrança, ou pode delegar a outrem. SAIBA MAIS Um tributo é classificado como parafiscal quando quem detém a competência não é quem exerce a capacidade. Noutras palavras, é parafiscal o tributo que, por força de delegação da capacidade tributária ativa, legalmente atribuída pelo titular da competência, é arrecadado e fiscalizado por outrem, que passa a dispor dessa receita para a consecução dos seus objetivos. Na mesma banda, diversamente da competência, a capacidade se encontra submetida à observância de prazos decadenciais (art. 150, §4º., do CTN, para os tributos sujeitos ao lançamento por homologação, sem o emprego de fraude, dolo ou simulação; art. 173, do CTN, para os demais casos) para constituição do direito ao crédito e prescricionais (art. 174, do CTN) para o exercício da sua correspondente pretensão jurídica, revelando-se a sua inerente caducabilidade, haja vista que ninguém pode ficar eternamente refém do fisco por crédito não constituído a tempo e modo. Deveras, o exercício da capacidade é de índole compulsória (não facultativa), sendo um dever funcional da autoridade legalmente encarregada de exercê-la, através do ato administrativo denominadolançamento tributário, sob pena de responsabilidade (art. 142, do CTN). 1.2.2. Quadro resumo Pode-se diferenciar a competência da capacidade tributária ativa com base no seguinte quadro resumo: Competência Capacidade Conceito Aptidão para legislar Cobrar e fiscalizar Fonte CRFB/88 Lei stricto sensu do ente competente Privatividade Sim, salvo disposição em contrário (comum, concorrente, cumulativa etc.) Sim, sob pena de gerar dúvida a quem pagar Delegabilidade Não (art. 7º., ab initio, do CTN) Sim (art. 7º., in fine, do CTN) Alterabilidade Não, sob pena de permitir uma deturpação à dinâmica da distribuição de competência, embora, teoricamente, admita redistribuição por Emenda Constitucional Sim, pela perspectiva do ente competente poder redefinir o sujeito ativo Não, pelo prisma do detentor delegatário da capacidade, que deve cobrar o tributo conforme concebido em lei Renunciabilidade Não Não, sob pena de renúncia de receita. Contudo, em casos que envolvam o exercício da autonomia federativa, pode-se admitir, por exemplo, a renúncia da competência pelo Município quanto à capacidade de cobrar o ITR, desde que faça a revogação do convênio perante a União (art. 153, §4º., inc. III), visto se tratar de uma opção Facultatividade Sim Não, sob pena de dever funcional 1.3. BIS IN IDEM E BITRIBUTAÇÃO A bitributação ocorre quando há a tributação de um mesmo fato jurídico (hipótese de incidência ou base de cálculo) por mais de uma pessoa e, bis in idem, quando há a tributação de um mesmo fato jurídico por mais de uma vez pela mesma pessoa. Uma análise apressada pode induzir à interpretação equivocada de que a única diferença entre ambos é a identidade, ou não, das pessoas que tributam o mesmo fenômeno mais de uma vez. Na bitributação haverá geralmente uma situação de usurpação de competência, pois, em regra, não se admite que a CRFB/88 possa outorgar a mais de um ente político a competência para instituir tributo sobre determinado fato, sob pena de tornar a própria distribuição desnecessária, a permitir odiosas sobreposições de tributação. No bis in idem, o ente tributante pode possuir, ou não, a competência pertinente, mas se não a tiver, todas as cobranças são inválidas, porquanto inconstitucionais. Com efeito, no bis in idem típico, o ente possui a competência para legislar e ofertar a tributação, mas o faz mais de uma vez, acarretando numa cobrança reiterada sobre o mesmo fenômeno. Por exemplo, quando o Município cobra o IPTU de 2020 de um imóvel mais de uma vez, em duplicidade à mesma pessoa (proprietário), ou quando o cobra uma vez do proprietário e outra do posseiro. Como se pode perceber, o bis in idem também não é, em regra, juridicamente tolerado, pois se o ente tributante pudesse cobrar o mesmo tributo mais de uma vez, o pagamento não teria o condão, por exemplo, de extinguir a obrigação tributária, o que seria inconcebível e tornaria a sujeição perpétua e inesgotável. Todavia, há casos de bis in idem constitucionalmente autorizados, como ocorre, ilustrativamente, com o PIS (art. 239) e a COFINS (art. 195, inc. I, alínea “b”), porque ambos possuem o mesmo fato tributável (auferir receita ou faturamento) e base de cálculo (valor da receita ou faturamento), sendo que a tributação ocorre cumulativamente, sem prejuízo da do outro (art. 2º., da Lei nº. 9.718/98). Também há casos de bitributação autorizada constitucionalmente, como ocorre nos Impostos Extraordinários de Guerra (art. 154, inc. II), pois a doutrina conjectura que a expressão “compreendidos ou não em sua competência tributária” admitiria a criação do IEG sobre fatos cuja competência foi outorgada aos Estados, por exemplo. Destarte, caso não haja autorização constitucional expressa, os cenários de bis in idem ou bitributação não são, a rigor, permitidos. 1.4. DO STATUS CONSTITUCIONAL DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL A Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966, conhecida como Código Tributário Nacional, que trata, dentre outros assuntos, das normas gerais de direito tributário, foi concebida formalmente como Lei Ordinária, sob a égide da Constituição da República de 1946, a qual não diferenciava as Leis entre Ordinárias e Complementares. Com o advento da Constituição da República de 1967, houve a previsão em seu art. 19, §1º., sobre a necessidade de as normas gerais de direito tributário serem reguladas por Lei Complementar. Do mesmo modo, a Emenda Constitucional nº. 1/69 e a própria CRFB/88, em seu art. 146, mantiveram a exigência de Lei Complementar para tratar das normas gerais de tributação. Diante desse cenário, o CTN foi revogado pelas mencionadas Constituições, visto não ter sido concebido pelo rito de aprovação das leis complementares? Pelo princípio da continuidade da ordem jurídica, houve um juízo de recepção constitucional do CTN (art. 34, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), adaptando-o à nova realidade constitucional que exige Lei Complementar para tratar das normas gerais de direito tributário, sob pena de, ao revogá-lo, suprimir-se a lei autorizativa do exercício de poder cobrar tributo, inviabilizando-se, em atenção ao princípio da legalidade administrativa, a própria arrecadação tributária, fonte principal da receita estatal. Assim, atualmente, o CTN é uma lei formalmente ordinária, porém materialmente complementar e, por isso, somente pode ser modificada por Lei Complementar. Ademais, nos assuntos tributários, o CTN é uma Lei Complementar Intercalar, possuindo uma supremacia hierárquica sobre as demais normas ordinárias. Logo, as normas tributárias infraconstitucionais não podem ir de encontro às regulamentações do CTN. Evidentemente, os artigos do CTN incompatíveis com a CRFB/88 não foram recepcionados, possuindo diversos dispositivos tacitamente revogados por antinomia (por exemplo, art. 15, inc. III, arts. 21, 26, 65, todos do CTN), e alguns se tornaram desnecessários, por serem preceitos inócuos, posto que regulamentam aquilo já integralmente tratado pela CRFB/88. Nada obstante, o CTN constitui o principal texto normativo regrador da tributação, depois da CRFB/88. PARA FINALIZAR Analisou-se na presente Unidade o fenômeno da competência tributária, suas características e distinções com relação à capacidade tributária ativa, sendo inclusive reconhecida, na perspectiva do contribuinte, como um direito subjetivo de não se sujeitar às exações criadas por pessoas destituídas de competência, em inegável limitação ao poder de tributar. Além disso, aproveitou-se o ensejo para se diferenciar bitributação de bis in idem, bem como para examinar o status constitucional do CTN como norma formalmente ordinária, porém materialmente complementar. UNIDADE 2 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Objetivos de aprendizagem Analisar os princípios constitucionais tributários; Avaliar a importância do princípio da capacidade contributiva e dos seus desdobramentos; Ilustrar as aplicações práticas dos princípios constitucionais tributários. PARA INÍCIO DE CONVERSA Os princípios constitucionais tributários compõem o núcleo duro da tributação, reconhecidos como direitos fundamentais dos contribuintes, de observância obrigatória na aplicação do Direito Tributário. Algumas previsões são de índole principiológica, porém outras são formatadas como regras puras, em que pese sejam comumente batizadas simplesmente como princípios. Nesta unidade, estudar-se-á os principais “princípios” tributários previstos na constituição. SAIBA MAIS Para um maior aprofundamento sobre a possível distinção entre regras e princípios, vide (1) ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005. (2) DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de NelsonBoeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (3) ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. 2.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA Um dos mais notáveis princípios constitucionais, conquistado a duras penas na transição do Estado Monárquico ao Estado Liberal, com forte conotação libertatória, autoriza fazer tudo aquilo que a lei não proíba, porque a lei, aqui, seria uma limitação do povo ao próprio povo, no uso da sua soberania, mediante a expressão da vontade exercida através dos seus representantes (parlamentares). Para os cidadãos, a legalidade possui previsão genérica no art. 5º., inc. II, da CRFB/88, no sentido de ser permitido fazer, ou deixar de fazer, tudo aquilo que não for proibido, ou obrigado, por lei em sentido estrito, e para o Estado, no art. 35, caput, da CRFB/88, representando a possibilidade de poder fazer somente aquilo permitido por lei. Em suma, para “proibir” o Estado de agir, bastaria não o autorizar, mas para proibir o cidadão é imprescindível haver lei proibitiva. No entanto, diante da sua fulcral importância à tributação, há previsão específica sobre o princípio da legalidade tributária no art. 150, inc. I, §6º., da CRFB/88, no sentido de dispor ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir, aumentar ou reduzir tributo sem lei que o estabeleça, cujo elemento é ínsito à noção de tributo (art. 3º., do CTN). Portanto, trata-se de um típico direito subjetivo de primeira dimensão de exigir que o Estado aja, no ato de regular e cobrar tributo, em consonância aos estritos contornos legais. Nesse ponto, o CTN regulamenta o princípio da legalidade tributária em seu art. 97, exigindo lei em sentido estrito para criar, no sentido de prever todos os aspectos da norma jurídico-tributária (matéria: hipótese de incidência, subjetivo: sujeito ativo e passivo, quantitativo: base de cálculo e alíquota, temporal: momento da ocorrência do fato tributável, espacial: âmbito territorial de aplicabilidade), aumentar ou reduzir tributos, sendo que a simples atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo pode ser feito por ato infralegal, mas qualquer outra modificação da base de cálculo que implique torna-lo mais oneroso é imprescindível decorrer de lei. Pelo ensejo, somente lei em sentido estrito, isto é, ato normativo proveniente do Poder Legislativo, tem o condão de respeitar o princípio da legalidade tributária, porque a tributação, diante da sua característica compulsória, por invadir a esfera subjetiva- patrimonial dos contribuintes, exige, com base nesse princípio, a concordância no seu pagamento, manifestada indiretamente pela população, mediante seus representantes parlamentares. Entretanto, no art. 153, §1º., da CRFB/88, há uma mitigação do princípio da legalidade no ponto em que permite ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei (eis a presença da legalidade), alterar as alíquotas de alguns impostos extrafiscais, tais como o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produto Industrializado e Imposto sobre Operações Financeiras (crédito, seguro, câmbio e títulos e valores mobiliários), além do CIDE-Combustível (art. 177, §4º., da CRFB/88). Perceba-se que o Poder Executivo, nesses casos, não pode modificar os demais aspectos desses tributos, mas somente alterar a sua alíquota, dentro das balizas mínimas e máximas definidas em lei. 2.2. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA O princípio (regra) da anterioridade tributária impõe a observância de um prazo entre a publicação da lei que institui ou aumenta tributo e o início da sua vigência, com o escopo de preservar a segurança jurídica, pela vedação à surpresa de aumentos abruptos da carga tributária. ATENÇÃO O princípio da anterioridade não se confunde com o vetusto e sepultado princípio da anualidade, que somente permitia a cobrança de tributos no ano-calendário subsequente se estivesse expressamente previsto na respectiva lei orçamentária, exigindo-se uma ratificação anual das leis tributárias. A anterioridade é uma modernização daquele princípio da anualidade, posto que não mais se exige a reiterada renovação da cobrança nas leis orçamentárias. Desdobra-se, atualmente, em duas anterioridades: anual (art. 150, inc. III, alínea “b”), que veda cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; e mitigada/noventena/nonagesimal (art. 150, inc. III, alínea “c”), introduzida a partir da EC nº. 42/03, que veda cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado a aplicação da anterioridade anual. Exercício financeiro é equivalente a ano calendário, sendo o interstício compreendido entre o dia 1º. de janeiro e 31 de dezembro. Logo, pela aplicação isolada da anterioridade anual, um tributo criado ou majorado só pode vigorar a partir do dia 1º. de janeiro do ano subsequente (ano X+1) ao que a lei tenha sido publicada. Assim, se fosse publicada no dia 31 de dezembro (ano X), poderia vigorar no dia subsequente (01/01/X+1). Pela aplicação isolada da anterioridade mitigada, o tributo criado ou majorado pode vigorar somente após decorridos noventa dias – e não três meses, pois no direito prazos em dias se contam, obviamente, em dias – da data da sua publicação, podendo ser cobrado no mesmo exercício financeiro – desde que o tributo igualmente não se sujeite à anterioridade anual, conforme se verá a seguir. Todavia, a CRFB/88 prevê algumas exceções à anterioridade anual e à mitigada, sendo importante compreender os efeitos de cada uma delas isoladamente, pois há tributos que são excetuados de uma, porém não da outra. Caso um tributo esteja na regra geral, sujeitando-se a ambas as anterioridades, observe-se que o momento temporal que divide a aplicação é o dia 2 de outubro, pois corresponde à noventa dias antes do término do ano. Desse modo, se a lei vier a majorar um tributo sujeito à regra geral no dia 2 de outubro, pouco importa qual das anterioridades será aplicada, posto que ambas remeterão a vigência para o dia 1º. de janeiro. Portanto, se publicada antes do dia 2 de outubro, aplica-se a anterioridade anual, se depois desse dia, aplica-se a mitigada. Segue a lista das exceções a cada uma das anterioridades, observando-se que a redução de tributo não se sujeita à referida trava legal. Tributo Anterioridade anual Anterioridade nonagesimal II, IE e IOF Excetuado Excetuado Emp. Compulsório – despesas extraordinárias, calamidade pública ou guerra Excetuado Excetuado IR Aplica-se Excetuado IPI Excetuado Aplica-se Imposto Extraordinário de Guerra Excetuado Excetuado IPVA Aplica-se Excetuado - Base de Cálculo IPTU Aplica-se Excetuado - Base de Cálculo ICMS-Combustível Excetuado Aplica-se CIDE-Combustível Excetuado Aplica-se Contribuições Sociais destinadas à Seguridade Social Excetuado Aplica-se A mesma tabela pode ser composta em relação às possibilidades de aplicação das anterioridades, entre tributos imediatos, anuais, nonagesimais e regra geral. Evidentemente, aplica-se a regra geral a todos os tributos que não possuam exceções. Início da vigência Tributos Fundamentação Imediata II, IE, IOF, IEG, EC (Guerra e calamidade), redução do tributo. Art. 150, §1º., da CRFB/88 Anual IR, Base de cálculo do IPTU e do IPVA Art. 150, §1º., da CRFB/88 90 dias IPI, Contribuições sociais destinadas à seguridade social (art. 195), CIDE- Combustível e ICMS- Combustível Art. 150, §1º., da CRFB/88 Art. 195, §6º., da CRFB/88 Art. 155, §4º., inc. IV, alínea “c”, da CRFB/88 Regra geral (anual e mitigada) Os demais tributos não relacionados anteriormente. Por interpretação a contrariosensu ATENÇÃO A majoração das alíquotas do IPTU e do IPVA se sujeitam à regra geral, assim como o Empréstimo Compulsório previsto no art. 148, inc. II, da CRFB/88, sendo excetuado somente o do inc. I. Atente-se também ao caso do IPI, pois, apesar de ser um tributo extrafiscal, sujeita-se à anterioridade nonagesimal, sendo excetuado, tão somente, da anterioridade anual. 2.3. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE O princípio (regra) da irretroatividade visa proteger o princípio da legalidade e, por conseguinte, o da segurança jurídica, ao vedar cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado (art. 150, inc. III, alínea “a”, da CRFB/88), incrustando-se no brocardo tempus regit actum. Além disso, visa garantir, juntamente com a anterioridade tributária, o provisionamento dos custos das operações tributáveis, em respeito à capacidade contributiva. Afinal, as leis devem possuir eficácia prospectiva, regulamentando fatos futuros. A noção da irretroatividade já faz parte dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, no sentido de definir que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º., inc. XXXVI, da CRFB/88), podendo, no caso de aplicação da lei penal mais benéfica, retroagir em favor do réu (art. 5º., inc. XL, da CRFB/88). Inspirando-se nessa lógica protetiva do Direito Penal, o CTN, ao regular esta limitação ao poder de tributar, prevê a possibilidade de a lei sancionadora em assuntos fiscais retroagir em benefício do infrator, desde que não haja a consumação de coisa julgada ou ato jurídico perfeito (art. 106, do CTN). ATENÇÂO Para as normas tipicamente tributárias, inexiste a aplicação da retroatividade benigna, aplicando-se, sempre, a lei vigente no momento da consumação do fato tributável (art. 144, do CTN). Hipoteticamente, caso exsurja uma nova lei prevendo que uma multa de 30% passou para 20% e ainda não haja coisa julgada sobre a validade da multa de 30%, ou haja ato jurídico perfeito representado pelo pagamento antes da vigência da nova lei, haverá a aplicação da retroatividade benigna em favor do contribuinte infrator, reduzindo-se a multa para o novo patamar de 20%, mesmo que o fato ilícito tenha sido praticado sob a vigência da multa anterior (30%). Portanto, diferentemente da retroatividade benigna do Direito Penal, que suplanta a coisa julgada, a retroatividade in bona partem das sanções tributárias possui essas limitações. Há, também, a previsão da “retroatividade” prevista no art. 106, inc. I, do CTN, referente às normas expressamente interpretativas, que admitiriam retroagir em qualquer caso, tanto para beneficiar quanto para prejudicar o contribuinte. Com efeito, não se trata de uma típica retroatividade de lei, mas da fixação de uma interpretação, dentre várias possíveis, que passa a iluminar os respectivos casos com base na intepretação autêntica do Poder Legislativo, agora definida em lei expressamente interpretativa. SAIBA MAIS Sobre a tentativa de aplicação retroativa à norma expressamente interpretativa (LC nº. 118/05), a fim de fulminar a aplicação da consagrada “tese dos cinco mais cinco” atinente à contagem da prescrição da ação de repetição de indébito dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, vide o Tema de Repercussão Geral nº. 4. 2.4. PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA Atrelado à própria noção de justiça, o princípio da isonomia tributária – este sim, um típico princípio – se apoia na clássica concepção de Aristóteles, no sentido de dever tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Embora paradoxal, tratar todos igualmente equivaleria a desrespeitar o princípio da isonomia, posto que nem todos são iguais ou se encontram em situação equivalente, seja em sua perspectiva jurídica ou natural. Afinal, na natureza, nada é perfeitamente igual. Tem-se, então, que o respeito à isonomia pressupõe uma análise em relação a algo, sobre o qual se fará o juízo da necessidade de um tratamento igualitário, sem distinções, ou da indispensabilidade de uma desigualação justificada, tendente ao reequilíbrio das relações intersubjetivas. Portanto, deve-se, primeiro, adotar um critério de comparação (elemento de discrimen) e, a partir dele, julgar se as situações iguais, com base nesse critério, estão sendo tratadas diferentemente, em ofensa ao aludido princípio, ou se as situações diversas estão sendo tratadas diferentemente, dentro de um juízo de razoabilidade. Notadamente, sua análise possui uma relação íntima com a aplicação de valores. Nada obstante, existe na CRFB/88 previsões genéricas referentes ao princípio da isonomia, desde o preâmbulo (assegurar a igualdade), passando pelo art. 3º., incs. III e IV, art. 5º., caput e inc. I, dentre outros, bem como há previsões específicas ao direito tributário, no art. 150, inc. II, 151, inc. I, 152, 173, §2º., além de determinação cogente de aplicação de tratamento diferenciado e favorecido quanto às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (art. 146, inc. III, alínea “d” e parágrafo único). Um excelente critério diferenciador advém do respeito ao princípio da capacidade contributiva, a ser analisado no próximo tópico. 2.5. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Em evolução ao princípio da isonomia tributária, o princípio da capacidade contributiva impõe que a tributação esteja estribada no limite do suportável, variável no espaço- tempo em relação a cada sujeito (ou coletividade de sujeitos), impedindo a tributação em ofensa desproporcional ao direito de propriedade, liberdade e livre iniciativa, preservando-se o mínimo existencial e o não-confisco. Diante da obrigação cívica de todos contribuírem para a manutenção do Estado (dever de solidariedade), o tributo, caracterizado pela sua ínsita compulsoriedade, torna-se um “mal necessário”, haja vista que as pessoas dificilmente contribuiriam de maneira voluntária. Nem por isso o Ente tributante está legitimado a abusar do seu direito de tributar, encontrando um limite factual na própria noção de capacidade contributiva. Aliás, a capacidade contributiva é o limite máximo da tributação possível, cujo patamar se altera constantemente, no espaço, tempo e em relação a cada pessoa, além da dinâmica psicológica atrelada à consciência de retributividade das receitas arrecadas, tornando a sua constatação objetiva extremamente complexa, embora inegavelmente existente. Portanto, é impossível afirmar, aprioristicamente, por exemplo, que a capacidade contributiva limita a tributação em “tantos porcentos” sobre uma determinada grandeza econômica (base de cálculo). É possível aferir, contudo, quando esse limite está sendo afligido, pela comoção social gerada em decorrência de uma tributação desproporcional, conforme ilustrado em diversos momentos da humanidade. Nessa medida, é um dos principais norteadores da tributação, devendo-se considerar, quando possível, as características pessoais do contribuinte, a fim de ofertar uma tributação justa e suportável. Ainda, conforme demonstrado pela “Curva de Laffer”, o simples aumento da carga tributária não representa, inexoravelmente, um aumento proporcional da arrecadação. A tributação se pauta em fenômenos econômicos sujeitos à lógica de mercado (lei da oferta e procura), sendo que uma tributação exacerbada (alíquota de 100%, para se dar um exemplo grotesco) fulminaria a arrecadação, posto que desestimularia a própria ocorrência do fato tributável. Do mesmo modo, uma alíquota muito módica estaria deixando uma parte arrecadável sem tributação, havendo margem para o aumento da carga tributário em linha com o aumento da arrecadação. Porém, em alguma parte do intervalo entre 0% e 100% se encontra a tributação perfeita, ou a tributação máxima possível, na qual se consegueextrair a maior quantidade de receitas públicas sem prejuízo da demanda. Ao se passar desse ponto (tributação ótima ou perfeita), que varia diuturnamente, possuindo uma inerente elasticidade – eis a complexidade da capacidade contributiva –, o aumento da carga tributária resultará numa redução da arrecadação, visto que o custo do tributo desestimularia a prática do fato tributável, sendo um indicativo do malferimento da capacidade contributiva. Há uma positivação relativa – conquanto ser aplicável a todos os tributos, e não somente aos impostos – desse princípio no art. 145, §1º., da CRFB/88, cujo respeito não se restringe ao aconselhamento ao Legislador, mas um evidente limitador econômico da tributação possível. Todos os governantes, independentemente do espaço tempo, abrangendo desde os primórdios da humanidade organizada até os dias atuais, que tentaram suplantar o limite da capacidade contributiva, falharam em manter uma tributação abusiva, alguns perdendo o posto, outros o reinado e alguns a própria cabeça, como Luis XVI, na época da Revolução Francesa, cujo estopim deriva da tributação elevada, destituída de uma retributividade estatal aceitável. Não obstante, por questões de dinâmica fiscal, a capacidade contributiva é tendencialmente melhor observada nos tributos pessoais, que consideram as características personalíssimas do sujeito tributado quando da delimitação do valor a pagar, a exemplo do Imposto de Renda (faixa salarial, gastos com saúde, educação, filhos, previdência complementar etc.), em relação aos tributos reais, que incidem sobre uma coisa (propriedade, mercadoria, serviço etc.), como ocorre na tributação sobre o consumo, cujos principais exemplos seriam o ICMS e o IPI. Nessa baila, objetivando aproximar a tributação sobre bens, serviços e consumo das noções de capacidade contributiva, a CRFB/88 determinou o respeito da técnica da seletividade, proporcionalidade e progressividade. SAIBA MAIS Conforme se pôde perceber, o estudo sobre a capacidade contributiva demanda um aprofundamento que escapa ao escopo da presente apostila, deixando-se, contudo, a seguinte recomendação de leitura, infelizmente ambas em inglês: (1) ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2. ed. Chicago: Madison Books, 1992. (2) WANNISKI, Jude. Taxes, Revenues, and the “Laffer Curve”. in: PERETZ, Paul (Org.). The politics of american economic policy making. 2. ed. New York: Routledge, 2015. 2.5.1. Da progressividade e proporcionalidade A progressividade é um método de aplicação da capacidade contributiva, através da elevação gradual das alíquotas incidentes sobre a base de cálculo do tributo, à medida que esta se amplia, isto é, quanto maior a base de cálculo, maior também será a proporção da incidência (alíquota), como ocorre atualmente, à guisa de exemplo, com a tabela de incidência do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. Presume-se, por esta técnica arrecadatória, que quanto maior for a riqueza auferida (base de cálculo), maior seria a capacidade de contribuir, permitindo um incremento gradual da proporção de incidência (alíquota), sem que isso incorra em ofensa à capacidade contributiva, pois quanto maior for a riqueza de alguém, mais necessário será utilizar a estrutura social para protegê-la, impondo-se uma maior “contribuição”. No caso do Imposto de Renda, a propósito, a CRFB/88 exige que seja progressivo (art. 153, §2º., inc. I). Para o IPTU, faculta a progressividade (art. 156, §1º., inc. I), e para o ITR a impõem com finalidade extrafiscal de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas (art. 153, §4º., inc. I). De outra banda há a técnica da proporcionalidade, na qual a alíquota permanece estanque, independentemente do incremento da riqueza tributada (base de cálculo). Sobre o assunto, o STF possui entendimento que a proporcionalidade já atende à capacidade contributiva, devendo a progressividade restringir-se aos impostos cujos dispositivos constitucionais a mencionam, tendo em vista a ausência de previsão constitucional em relação aos demais. Nesse sentido é a Súmula nº. 656: “é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis – ITBI, com base no valor venal do imóvel”. Sem olvidar do respeito ao entendimento do STF, desprezaram o fato da progressividade ser um corolário do princípio da capacidade contributiva e da solidariedade, aplicável a todos os tributos. Contraditoriamente, o próprio STF reconheceu a possibilidade do ITCMD ser progressivo, a despeito de qualquer autorização constitucional expressa nesse sentido (RE 562045). À luz da capacidade contributiva, tornar-se-á inadequado uma tributação regressiva, que reduza a alíquota aplicável à medida que se eleva a base imponível. 2.5.2. Da seletividade A seletividade, como corolário da aplicação da capacidade contributiva aos tributos reais, pressupõe que bens e serviços de primeira necessidade, essenciais à sobrevivência humana, em atenção ao respeito à dignidade (razão de essencialidade), devem possuir carga tributária inferior aos bens e serviços supérfluos, usufruídos para mero deleite. Portanto, a distinção de alíquota ocorre em razão do tipo do bem/serviço e não, propriamente, em correlação com a sua base de cálculo, como ocorre com a progressividade. Aplica-se, de forma obrigatória, ao IPI (art. 153, §3º., inc. I, da CRFB/88), e facultativa ao ICMS (art. 155, §2º., inc. III, da CRFB/88). SAIBA MAIS Um exemplo de aplicação da seletividade do IPI ocorre na tributação do cigarro industrializado, cuja alíquota é a máxima permitida, no patamar de 300%. 2.6. PRINCÍPIO DA NÃO-CONFISCATORIEDADE A CRFB/88 estabelece, como limitação ao poder de tributar, utilizar tributo com efeito de confisco (art. 150, inc. IV), cujo conceito, embora indeterminado, impõe que a tributação não possa ser elevada ao ponto de sufocar o fenômeno tributável, evitando aniquilar ou tornar inútil a sua realização. Há uma umbilical ligação entre capacidade contributiva e vedação à confiscatoriedade, costumando-se afirmar que um tributo incorreu em confisco quanto houver suplantado o limite da capacidade contributiva, em nível de insuportabilidade da carga tributária. O STF já decidiu que “resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte” (ADI nº. 2.010- 2/DF). 2.7. NÃO-CUMULATIVIDADE A técnica contábil da não-cumulatividade representa uma compensação do tributo que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, sendo de aplicação obrigatória ao IPI (art. 153, §3º., inc. II, da CRFB/88) e ICMS (art. 155, §2º., inc. I, da CRFB/88), com o fito de neutralizar a tributação em cascata, em sistema de créditos (entradas) e débitos (saídas), próprio de uma conta corrente fiscal representativa de uma ínsita compensação. Com a não-cumulatividade, evita-se a aplicação exponencial do tributo incidente sobre as diversas etapas de circulação (ICMS) e/ou industrialização (IPI), correspondendo a uma tributação efetivada sobre o valor final da mercadoria, independentemente da quantidade de intervenientes na sua operação de circulação, sendo que os recolhimentos realizados nas etapas anteriores (por exemplo, entre o produtor e o atacadista, ou entre o atacadista e o varejista, ou entre o fornecedor do insumo e a indústria, no caso do IPI) representam simples antecipações do imposto devido, porquanto possibilitarem o aproveitamento do crédito correspondente, compensáveis nas operações futuras. O respeito à não-cumulatividade possui uma relação umbilicalmente ligada às noções de isonomiatributária (art. 150, inc. II, da CRFB/88), capacidade contributiva (art. 145, §1º., da CRFB/88) e preservação da livre concorrência (art. 170, inc. IV, da CRFB/88), porquanto deter o condão de impedir o aumento artificial da carga tributária, derivada de uma tributação em cascata, com consequente desestímulo à intensa circulação de bens e serviços. Pela dinâmica não-cumulativa, há uma neutralização dos intervenientes na cadeia econômica de circulação de mercadoria e serviços, posto que manterá preservado a tributação sobre o valor final da mercadoria/serviço independentemente da quantidade de pessoas envolvidas entre a sua origem e o consumidor final. Há, constitucionalmente, a previsão da aplicação da técnica da não-cumulatividade a outros tributos, como no caso do Imposto Residual (art. 154, inc. I), das Novas Contribuições Sociais (art. 195, §4º.) e a faculdade de utilizá-la quanto ao PIS e a COFINS (art. 195, §12º.), cuja aplicação, na prática, ocorre somente às pessoas tributadas pelo lucro real (Lei nº. 10.637/02 e Lei nº. 10.833/03). 2.8. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA As imunidades tributárias são limitações ao poder de tributar e, por essa razão, seriam irrevogáveis e admitiriam interpretação extensiva, porquanto elencam pessoas, bens e/ou situações (ou operações) que o ente tributante, detentor da competência tributária, está proibido de envolver no aspecto material ou subjetivo/pessoal da norma impositiva-fiscal. Em linguagem simplória, a imunidade seria equivalente a uma não- competência tributária, ou seja, a uma proibição de legislar em assuntos fiscais protegidos constitucionalmente da tributação. Por ser uma limitação da competência, trata-se de assunto exclusivamente constitucional, demarcatória da intributabilidade. Diferenciam-se das isenções, porque estas representam exceções à hipótese de incidência, são tratadas em leis infraconstitucionais, revogáveis, desde que atendido o disposto no art. 178, do CTN, e interpretadas literal e restritivamente (art. 111, inc. II, do CTN). Existem imunidades espalhada ao longo de todo o texto constitucional, relativo a impostos, taxas e contribuições sociais, porém, na sequência, abordar-se-á somente aquelas mais relevantes ao presente estudo. 2.8.1. Imunidade recíproca Pela imunidade recíproca (art. 150, inc. VI, alínea “a”, §§2º. e 3º., da CRFB/88), é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, extensivo às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (§2º.), quanto ao patrimônio, à renda e aos serviços, desde que vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, sendo afastada nos casos de desvirtuamento das suas finalidades precípuas ou quando explorem a atividade econômica em concorrência com os empreendimentos privados (§3º.). Tal proibição à competência tributária teria a finalidade de evitar que um ente federado pudesse atingir a autonomia dos demais entes (art. 18, caput, da CRFB/88), e, destarte, tem como uma das suas finalidades garantir a preservação do pacto federativo e a independência entre os entes federados (v.g., por analogia, art. 60, §4º., inc. I, da CRFB/88 – núcleo duro da constituição), bem como para evitar o uso político indevido do tributo (retaliação econômica), além de impedir uma tributação do estado pelo próprio estado, em oneração desnecessária à atividade estatal. Exemplificando, o Município não pode cobrar IPTU de um imóvel urbano da União, assim como a União não pode cobrar ITR sobre um imóvel rural do Município, eis a razão da reciprocidade. ATENÇÃO A imunidade recíproca abrange unicamente os impostos e não os demais tributos, como taxas, contribuição de melhorias, contribuição social ou empréstimo compulsório. SAIBA MAIS Conquanto se tratar de assunto eminentemente constitucional, há diversos casos, julgados pela sistemática da repercussão geral, podendos elencar os temas 115, 224, 235, 235, 385, 402, 412, 437, 644, 884. 2.8.2. Imunidade sobre templos de qualquer culto Com nítida intenção de preservar a laicidade do Estado, a liberdade religiosa (art. 5º., inc. VI, da CRFB/88), a livre manifestação da crença em algo metafísico e a preservação da não interferência do Estado na religião, a imunidade “religiosa” veda a cobrança de impostos sobre templos de qualquer culto (art. 150, inc. VI, alínea “b”, da CRFB/88), cujas raízes remontam à própria origem da civilização, compreendendo o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais do templo (§4º.). Igualmente, há um cuidado constitucional de evitar o uso político indevido do tributo, no sentido de restringir/limitar/desestimular, pela via do tributo, o exercício de uma determinada crença. SAIBA MAIS O STF já definiu que não cabe à entidade religiosa demonstrar que utiliza o bem de acordo com suas finalidades institucionais, mas ao respectivo ente tributante (ARE 800.395 AgR), e que a imunidade alcança o IPTU sobre os imóveis alugados a terceiros (RE 325.822). Também já aplicou essa imunidade aos cemitérios, por representar uma extensão de entidade de cunho religioso (RE 578.562), deixando de reconhecê-la à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião (RE 562.351). 2.8.3. Imunidade dos partidos políticos, das entidades sindicais dos trabalhadores e das entidades de assistência social e de educação Num único preceito normativo, a CRFB/88 reunião algumas entidades protegidas pela imunidade quanto à cobrança de impostos sobre o patrimônio, renda e/ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (art. 150, inc. VI, alínea “c”, da CRFB/88), desde que atrelados às suas finalidades essenciais (§4º.). Os “requisitos legais” constam, em boa medida, no art. 14, do CTN. A proteção dos partidos políticos, das suas fundações e dos sindicatos dos trabalhadores decorre da preservação da democracia, liberdade de pensamento e de associação, além de restringir, novamente, o uso político indevido do tributo. Quanto às instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, a finalidade dessa imunidade é de estímulo (atividade prestigiada constitucionalmente), no sentido de facilitar o desempenho, pelos próprios jurisdicionados (sociedade civil), dessas atividades de incumbência inerente ao Estado prestacional. Com efeito, a tributação sobre essas atividades sem fins lucrativos teria o condão de lhes drenar os recursos necessários ao desenvolvimento desse importante mister. SAIBA MAIS Na mesma linha da imunidade sobre templos de qualquer culto (“b”), o STF reconhece a imunidade do IPTU sobre as entidades relacionadas na alínea “c”, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas (Súmula Vinculante nº. 52), inclusive aos lotes vagos (Tema de repercussão geral 693). Os “requisitos da lei” é matéria constitucionalmente reservada à lei complementar (art. 146, inc. II, da CRFB/88; ADI 1.802). Há repercussão geral julgada quanto à inaplicabilidade dessa imunidade no tocante ao ICMS incidente sobre os produtos adquiridos na condição de contribuinte de fato (Tema 342). 2.8.4. Imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão A vedação da cobrança de impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão possui previsão no art. 150, inc. VI, alínea “d”, da CRFB/88, cuja proteção se agrega objetivamente à própria coisa imune (livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão), independentemente da pessoa que realiza a respectiva operação. Infere-se que a sua finalidade é estimular o acesso àcultura, ao conhecimento e à informação, liberdade de pensamento, do direito à crítica e de posicionamento ideológico (político, econômico, social, religioso etc.), a fim de evitar, direta ou indiretamente, uma censura tributária. Mais uma vez, tem o escopo de evitar o uso político indevido do tributo. Note-se que a imunidade abrange a coisa (livros, jornais, periódico e o papel empregado), independentemente do seu conteúdo (vedação à censura) e não a pessoa que o comercializa, posto que deverá arcar com os impostos inerentes à sua atividade econômica (IR, IPTU, IPVA, ITBI, ITR etc.). Pela dinâmica do possível, trata- se de uma imunidade quanto ao ICMS, IPI, II e IE sobre tais bens. SAIBA MAIS Súmula nº. 657, do STF: “A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”. Aplica-se aos livros eletrônicos (e-book) (Tema 593), os componentes eletrônicos de unidade didática (Tema 259), álbum de figurinhas (RE 221.239), apostilas (RE 183.403), sendo que não abrange os serviços prestados por empresas que fazem a distribuição, o transporte ou a entrega de livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão (RE 530.121 AgR). 2.8.5. Exportações Com o objetivo de incentivar as exportações, indispensável à saudável balança comercial e à obtenção de divisas, a CRFB/88 prevê a imunidade de alguns impostos e contribuições sociais sobre as operações destinadas à exportação. Nesse sentido, o art. 149, §1º., veda a incidência de Contribuição Social de Intervenção sobre o Domínio Econômico-CIDE sobre as receitas decorrentes da exportação; art. 153, §3º., inc. III, ao impor que o IPI não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior; art. 155, §2º., inc. X, alínea “a”, quanto ao ICMS sobre as operações destinadas ao exterior; e art. 156, §3º., inc. III, ao definir que cabe à lei complementar excluir da incidência do ISSQN a exportação de serviços para o exterior (a regulamentação ocorre pelo art. 2º., da LC nº. 116/03). 2.8.6. Outras imunidades Conforme dito, há imunidades relativo a taxas, geralmente atrelado à impossibilidade de cobrança de custas processuais e emolumentos cartorários (art. 5º., incs. XXXIV, alíneas “a” e “b”, LXXIII, LXXIV, LXXVI, LXXVII) e a contribuições sociais das entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei (art. 195, §7º.) e sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da previdência social (art. 195, inc. II, in fine), além daqueles específicas a determinados impostos: ITR de pequenas glebas rurais (art. 153, §4º., inc. II); ICMS sobre o ouro como ativo financeiro (art. 155, §2º., inc. X, alínea “c”); da tributação exclusiva do ICMS nas operações interestaduais envolvendo derivados de petróleo, mantendo-a no Estado do consumidor (art. 155, §2º., inc. X, alínea “b”); ICMS sobre comunicação gratuita (art. 155, §2º., inc. X, alínea “d”, em que pese, aqui, seja de tributação impossível, haja vista que a gratuidade faz desaparecer eventual base tributável); proibição de cobrança de outros impostos, além do ICMS, II e IE, sobre energia elétrica, telecomunicações, derivados de petróleo e minerais do País (art. 155, §3º.); ITBI sobre os imóveis integralizados ao capital social de pessoa jurídica, salvo se esta possuir, como atividade preponderante, o comércio ou locação de imóveis ou arrendamento mercantil (art. 156, §2º., inc. I); sobre a transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária (art. 184, §5º.), dentre outros. Há que se recordar, também, da imunidade musical prevista no art. 150, inc. VI, alínea “e”, da CRFB/88, cuja aplicação pratica é bastante reduzida, porque, diante dos avanços tecnológicos (streaming de áudio e vídeo), é pouco fecundo o comércio de música e vídeos musicais. PARA FINALIZAR Examinou-se nesta unidade as principais limitações ao poder de tributar previstas no texto constitucional, como os princípios constitucionais, com destaque ao da capacidade contributiva e da legalidade, além do estudo sobre as imunidades tributárias, concebidas como limitações à competência tributária, mediante a eleição constitucional de situações salvaguardadas da tributação. UNIDADE 3 - ESPÉCIES DE TRIBUTOS Objetivos de aprendizagem Compreender o conceito de tributo; Diferenciar as espécies tributárias; Sintetizar as características dos impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais/especiais. PARA INÍCIO DE CONVERSA A compreensão do fenômeno tributário perpassa, invariavelmente, pela análise do conceito de tributo e das características que distinguem as suas espécies: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais/especiais. 3.1. TRIBUTO Nos termos do art. 146, inc. III, alínea “a”, da CRFB/88, cabe à lei complementar definir o que é tributo, o que impossibilita a sua definição. Desse modo, pela dicção do art. 3º., do CTN, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Em síntese, tributo se caracteriza pela presença concomitante de quatro elementos: (1) prestação pecuniária, (2) compulsória, (3) instituída em lei e, para se diferenciar das multas, (4) que não constitua sanção de ato ilícito. A peculiaridade de ser “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” é uma consequência do tributo, sendo prescindível à sua qualificação. Assim, para a sua adequada compreensão, impende-se analisar, cartesianamente, cada uma dessas características elementares, ainda que suscintamente. 3.1.1. Prestação pecuniária A característica do tributo ser uma prestação pecuniária pressupõe que o seu adimplemento, a rigor, deve ocorrer mediante pagamento em dinheiro (moeda corrente nacional, salvo disposição em contrário – art. 143 e 162, inc. I, do CTN), diante da liquidez que lhe é inerente, impossibilitando o seu cumprimento in labore ou in natura, ainda que o CTN tenha admitido algo equivalente a “moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”. Em resumo, trata-se de uma obrigação em dinheiro. Por exemplo, um prestador de serviço, sujeito a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, não se pode adimplir com a obrigação tributária principal através da prestação de um serviço ao Município competente (in labore), ainda que detenha valor de mercado equivalente ao do tributo devido, porquanto, se admitido, transverter-se-ia o elemento da prestação pecuniária qualitativa ao tributo. O mesmo se diga da impossibilidade de adimplir tributo in natura, como ocorreria com a entrega de parte da produção de veículos automotores como forma de pagamento do IPI devido à União. Pelos aludidos exemplos, tanto a União, quanto o Município, por intermédio dos pressupostos elementares do tributo (prestação pecuniária), exigirão o adimplementos em dinheiro. Eis a razão pela qual o serviço militar obrigatório, em que pese ser uma prestação compulsória, instituída em lei e que não decorre de uma sanção por ato ilícito, não é considerado tributo, porque não se trata de uma prestação pecuniária. Nada obstante, a LC nº. 104/01, ao alterar o CTN, introduziu a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei (art. 156, inc. XI, do CTN), como uma nova modalidade de extinção do crédito tributário que, a priori, destoaria da necessidade de adimpli-lo em pecúnia. Contudo, trata-se de hipótese excepcional de extinção do crédito tributário, o que somente reforça a qualidade pecuniária da obrigação tributária. SAIBA MAIS No âmbito federal, a dação em pagamento em bens imóveis encontraregulamentação no art. 4º. e seguintes, da Lei nº. 13.259/16, fruto da conversão da MP nº. 692/15, relegando a normatização efetiva a ato do Ministro da Fazenda. Os detalhes da atual regulamentação constam na Portaria PGFN nº. 32/2018. 3.1.2. Compulsório A obrigação tributária exsurge da ocorrência do fato imponível, independentemente da vontade das partes envolvidas em querer, ou não, praticá-lo. A perspectiva de incidência, portanto, é objetiva, não se avançando no animus do agente tributado. Afinal, trata-se de um obligatio ex lege – e, logo, não voluntário –, distinguível de um obligatio ex contractu ou ex voluntate, os quais demandam, para o surgimento da respectiva obrigação, um respeito à autonomia da vontade. Nessa senda, a relação tributária exsurge independente da vontade das partes (fisco ou contribuinte), pois decorre da vontade da lei, sendo o contribuinte compelido a adimplir com a sua obrigação (independentemente do seu querer) e o fisco de lhe exigir seu cumprimento (independentemente de querer fiscalizar). 3.1.3. Instituído mediante lei Conquanto o tributo seja um obligatio ex lege, de índole compulsória, somente a lei em sentido estrito, isto é, ato normativo proveniente do Poder Legislativo, tem o condão de instituir tributo, em respeito ao princípio da legalidade, democracia e tripartição de poderes. Por conseguinte, somente o Legislador competente possui a atribuição constitucional indelegável de instituir tributo, em exercício da competência tributária, o que inviabiliza a possibilidade de criação de tributo pelo Poder Executivo ou Judiciário. Assim, para que o tributo esteja instituído, a lei deve abordar todos os aspectos da norma jurídico-tributária: material (hipótese de incidência), subjetivo ou pessoal (sujeito ativo e passivo), quantitativo (alíquota e base de cálculo), temporal (momento do surgimento da obrigação) e espacial (âmbito jurisdicional de aplicação da norma, podendo ser implícito), sob pena de somente revelar intenção de criar tributo, mas sem criá-lo. 3.1.4. Que não constitua sanção de ato ilícito Com o escopo de diferenciar o tributo da multa, que também é uma prestação pecuniária, compulsória e instituída em lei, porém decorrente da prática de um ato ilícito, a título de sanção, o tributo não constitui pena e, pois, não pode incidir sobre a prática de atos não tolerados pelo ordenamento jurídico, sendo objeto da tributação somente a prática de condutas lícitas. Nesse ponto, não se pode tributar a prática de furto, roubo, estelionato etc., haja vista se tratarem, inegavelmente, de atos ilícitos (crimes). Contudo, pela dinâmica conhecida pela metáfora pecunia non olet (dinheiro não tem cheiro), a impossibilidade de se tributar o ato ilícito não impede a tributação sobre os frutos provenientes dessa prática. Nessa linha, seria admitido, por exemplo, tributar com IPVA os veículos adquiridos com recursos obtidos de forma ilícita (tráfico de drogas, corrupção, furto, prostituição etc.), independentemente da podridão (“mau cheiro”) do recurso que lhe deu origem. Afinal, a exoneração da incidência tributária sobre fatos imponíveis que possuem origem relacionada à prática de atos ilícitos, equivaleria a um malsinado privilégio aos transgressores da lei, em detrimento daqueles que a respeitam, em indefectível ofensa à isonomia tributária. 3.2. ESPÉCIES DE TRIBUTOS Examinado o conceito de tributo, passa-se a analisar as suas espécies, com base na teoria quinquipartida, que as divide em cinco: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuição especial/social. 3.2.1. Impostos Os impostos compõem a única espécie tributária cuja receita arrecadada está desatrelada de qualquer contraprestação estatal específica relativa ao contribuinte (art. 16, do CTN), sendo inconstitucional a sua vinculação direta a uma despesa pré- estabelecida (art. 167, inc. IV, da CRFB/88). ATENÇÃO A não-afetação dos impostos, prevista no art. 167, inc. IV, da CRFB/88, veda a correlação direta de um imposto específico a uma determinada despesa, porém não impede, evidentemente, que da arrecadação dos impostos, isto é, da soma de vários impostos arrecadados, uma parte seja destinada à alguma despesa, como ocorre, por exemplo, com a repartição das receitas tributárias regulada pelo art. 157 e seguintes da CRFB/88. Assim, os impostos podem (e têm) como hipótese de incidência situações fático- jurídicas que revelem um signo presuntivo de riqueza (renda, propriedade, consumo etc.), atrelada ao sujeito tributado, que independem de qualquer correlação com uma determinada atividade estatal. Os impostos existem, com viés arrecadatório (não-contraprestativo), em razão das necessidades financeiras do Estado, sendo que muitas delas (serviços coletivos) não podem ser imputadas a um único sujeito (ou grupo determinado de sujeitos), mas devem ser suportadas pela coletividade, haja vista que o Estado não tem como função precípua obter riqueza mediante a exploração de atividade econômica – aliás, é-lhe função excepcional (art. 173, da CRFB/88). Nesse passo, tem como razão de existência, mas não a única (porque também pode ser usado para arcar com despesas específicas e divisíveis, prestadas diretamente ao contribuinte, desde que não se tenha criado uma taxa para custeá-la), possibilitar o custeio das despesas prestadas à toda a coletividade (ut universi), em atenção ao princípio da solidariedade da manutenção do Estado. Logo, os impostos existem porque o Estado precisa de recursos financeiros para a realização das suas diversas atribuições constitucionais (segurança pública, infraestrutura, saúde, educação, jurisdição etc.). Não há, portanto, uma retributividade direta entre aquilo arrecadado e uma dada prestação estatal (a receita de IPVA não será necessariamente utilizada para a manutenção ou melhoramento das estradas, mas ajudará na manutenção das despesas do Estado como um todo), devendo-se adimplir com a obrigação de pagar imposto em decorrência da sua inerente compulsoriedade, sem se desgarrar, contudo, da umbilical relação com a capacidade contributiva, em atenção à competência tributária constitucionalmente distribuída em fenômenos econômicos distintos (renda, importação, propriedade etc.). No tocante à competência tributária afeta aos impostos, abre-se a classificação entre impostos determinados e impostos previamente indeterminados. 3.2.1.1. Impostos determinados Os impostos determinados são aqueles cuja regra-matriz foi constitucionalmente delimitada quando da outorga da competência a um determinado ente tributante, sendo possível aferir, dedutivamente, qual seria a hipótese de incidência, base de cálculo e sujeito passivo do imposto. Nesse ponto, tem-se como impostos determinados aqueles descritos no art. 153 (União), 155 (Estados e Distrito Federal) e 156 (Municípios e Distrito Federal), cujas regras-matrizes constam nos seus respectivos incisos. 3.2.1.2. Impostos previamente indeterminados Os impostos previamente indeterminados, por sua vez, são aqueles cuja regra-matriz não foi delimitada pela CRFB/88, não sendo possível precisar, de antemão, quais seriam os potenciais sujeitos passivos, hipóteses de incidência e bases de cálculo. Figura como exemplo de imposto previamente indeterminado o imposto residual previsto no art. 154, inc. I, da CRFB/88, também conhecido como novos impostos, pela autorização da União, mediante lei complementar, de criar novos impostos não cumulativos. Para ser um novo imposto, não pode ser igual a um já existente, isto é, não pode possuir a mesma hipótese de incidência e/ou a mesma base de cálculo (binômio identificador). Por exemplo, a União, a pretexto de estar criando um novo imposto, não pode adotar como base de cálculo o valor da mercadoria, pois essa grandeza já é utilizada pelo ICMS. De todo modo, não se é possívelprecisar como será o fenômeno da incidência de um novo imposto, por isso é classificado como previamente indeterminado, o mesmo ocorrendo com o Imposto Extraordinário de Guerra (art. 154, inc. II). 3.2.2. Taxas As taxas são, por expressa disposição constitucional de sua regra-matriz (art. 145, inc. II, da CRFB/88), tributos instituídos em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Serviço público pressupõe uma obrigação de fazer, sendo algo dinâmico e intangível. Poder de polícia, a despeito do conceito previsto no art. 78, representa as atividades do Estado realizadas em prol da coletividade, como o ato de fiscalizar, vistoriar, permitir, limitar, autorizar, conceder, proibir, embargar, cobrar etc. Tanto um, quanto o outro, possuem inegavelmente um custo para ser realizado e, se forem específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte de forma efetiva ou potencial, podem ser custeados por taxas. Do contrário, devem ser mantidos com outros recursos, geralmente proveniente dos impostos e/ou contribuições sociais. Assim, na linguagem do art. 79, do CTN, considera-se específico (inc. II), quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas; e divisível (inc. III), quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários. Em análise mais direta, um serviço é específico quando se é possível precisar exatamente o que será prestado em troca do pagamento da taxa, e divisível quando for possível identificar as pessoas que estão recebendo pelo referido serviço, das que não estão recebendo. Nesse norte, se não for possível precisar exatamente o que será prestado, o serviço carece de especificidade (segurança pública, por exemplo, é um serviço público inespecífico, pois não é possível aferir em que consiste exatamente, haja vista que se pode realizar inúmeras condutas a pretexto de realizar a segurança, como aumentar o efetivo policial, as rondas num bairro, investimento em educação, porque população mais educada tende a ser menos violenta etc.) e, mesmo que específico, não seja possível identificar e separar as pessoas que o estejam usufruindo das que não estejam, então será indivisível (como ocorre com a iluminação pública que, embora seja um serviço específico, não é divisível, posto que não ressoa possível prestá-lo somente às pessoas que adimpliram com o seu respectivo valor, devendo ser prestado indistintamente à toda a coletividade, por questões de segurança pública). Logo, possuem uma estrita vinculação de sua receita com o financiamento do poder de polícia ou do serviço público que lhe serviu de hipótese de incidência, revelando- se um forte caráter contraprestativo (Estado x contribuinte e vice-versa). Essa, aliás, é uma das principais diferenças entre as taxas e todas as demais espécies tributárias, servir como um tributo vocacionado à justiça fiscal, porquanto ter a função precípua de desonerar a coletividade quanto ao financiamento do exercício do poder de polícia ou da realização do serviço público que são prestados de forma específica e divisível (uti singuli) a determinado (ou determinável) contribuinte. Noutras palavras, se somente um contribuinte está usufruindo do poder de polícia ou do serviço público, nada mais justo que somente ele – e não toda a coletividade – arque com os custos da sua realização. Logo, pela mesma lógica, porém por uma análise a contrario sensu, tem-se que impor a um determinado contribuinte o pagamento de uma taxa, cujo serviço ou poder de polícia subjacente seja usufruído indistintamente por toda a coletividade – ou, ao menos, por outras pessoas que não tão só o respectivo contribuinte –, é corromper a natureza ontológica das taxas, o que certamente revelaria a sua inconstitucionalidade. Assim, da mesma forma como não é adequado onerar a coletividade por ações públicas específicas realizadas a (e usufruída por) somente algumas pessoas identificáveis (divisibilidade), também não o é (adequado) onerar algumas pessoas por ações que são usufruídas indistintamente por todos. Por conseguinte, em razão das taxas estarem estritamente vinculadas ao poder de polícia ou serviço público que lhe deu origem, o valor a ser cobrado do respectivo contribuinte deve corresponder ao custo equitativo dessa atividade pública – o que não significa dizer que se exige uma perfeição aritmética do custo –, diante do seu inerente caráter sinalagmático, não podendo representar um “lucro” ou “superávit” à administração pública. Com relação à base de cálculo, as taxas devem se apoiar em grandezas que revelem o aumento ou decréscimo do custo do serviço ou poder de polícia prestado, exigindo- se uma correlação direta entre a base e o custo. Se quanto maior for base adotada (metragem do imóvel, por exemplo), maior também seja o custo do serviço ou poder de polícia (vistoria in loco, por exemplo), então se trata de uma base de cálculo válida. Eis a razão pela qual as taxas não podem ter base de cálculo própria de impostos (art. 145, §2º., da CRFB/88), haja vista que as grandezas tributadas pelos impostos não possuem qualquer relação com os custos dos serviços públicos ou do poder de polícia. Afinal, qual serviço público específico e divisível se tornaria mais oneroso em razão do maior valor de uma mercadoria? Nenhum! SAIBA MAIS Súmula Vinculante nº. 29, do STF: “As taxas que, na apuração do montante devido, adotem um ou mais elementos que compõem a base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não se verifique identidade integral entre uma base e outra, são constitucionais”. Por exemplo, uma taxa pode adotar como parâmetro de cálculo a metragem do imóvel, sua localização, quantidade de banheiros etc. – desde que relacionado ao custo –, mas não pode adotar o seu valor venal, visto que já atua como base de cálculo de imposto (IPTU/ITBI). Obviamente, não se está a exigir uma perfeição aritmética na definição do valor das taxas, ao ponto de se ter que calcular, até mesmo, o quanto de tinta fora gasto nas canetas utilizadas pelos agentes públicos que realizaram um determinado poder de polícia. Todavia, porquanto representarem tributos diretamente contraprestativos, devem deter uma razoável equivalência entre o valor cobrado e o custo do serviço, sob pena de desnaturar a sua essência e descambar para um tributo meramente arrecadatório, frustrando a sua razão ontológica e índole constitucional. 3.2.3. Contribuição de melhoria A contribuição de melhoria é uma espécie tributária de competência de todos os entes tributantes que tem como hipótese de incidência a realização de uma obra pública que acarrete uma indissociável valorização imobiliária (art. 145, inc. III, da CRFB/88, arts. 81 e 82, do CTN), possuindo como base de cálculo um limite individual, correspondente ao quanto de valorização o respectivo imóvel experimentou em decorrência da obra pública, e um limite global, aferido pelo rateio do custo da obra entre todos os potenciais beneficiários, prevalecendo o menor dentre esses dois limites. ATENÇÃO Em que pese seja um tributo de competência comum, é evidente que somente aquele ente tributante que suportou a respectiva despesa possui competência para instituir a correspondente contribuição de melhoria, não sendo possível que uma obra financiada e realizada exclusivamente pela União possa, por exemplo, gerar uma contribuição de melhoria cobrada e arrecada pelo Município onde esteja localizada. Obra pública é o bem público, estático e tangível (pavimentação já concluída, escola já construída, praça já arborizada etc.), diferentemente do serviço público, que é dinâmico e intangível, relativo a uma obrigação de fazer. Embora possua inspirações na lógica das
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