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Trabalho infantil no campo_ do problema social ao objeto sociológico


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Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 17, nº 27, 2012, 249-286
Trabalho infantil no campo: 
do problema social ao objeto 
sociológico
Valmir Luiz Stropasolas
Introdução à problemátIca de InvestIgação
A problematização sociológica do trabalho infantil1 é muito re-
cente entre nós, razão pela qual tem pouco eco ainda o debate que, nos 
planos acadêmico, político e social, tem-se realizado em todo o mun-
do, o que coloca a questão do trabalho das crianças entre, por um lado, 
as formas mais perversas da exploração na sociedade capitalista e, por 
outro, a ideia da legitimação do trabalho precisamente como modo de 
resistência à exclusão, em que se inserem algumas camadas populares 
mais desprotegidas. Na verdade, segmento expressivo das crianças tra-
balha e a questão está em distinguir as formas de trabalho legítimas – por 
exemplo, o trabalho escolar de aprendizagem, certas formas de ajuda 
familiar, algumas atividades econômicas protegidas e reguladas – de ou-
tras formas inaceitáveis, restritivas de direitos e associadas à exploração 
(Sarmento, 2009: 2). 
Embora se verifique a proliferação de estudos conduzidos por ins-
tituições oficiais e com abordagens sistemáticas sobre o tema do trabalho 
infantil, muitas destas iniciativas ainda não têm reconhecido suficiente-
mente as crianças como sujeitos, como também pouco tem valorizado a 
voz das crianças, subestimando a sua capacidade de elaborar e dar sen-
tido às suas práticas sociais e às representações que formulam em torno 
dos contextos em que vivem, que são permeados de heterogeneidades e 
singularidades. 
250 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Nesse sentido, o entendimento do modo de vida das crianças, a 
interpretação das suas visões de mundo e a compreensão dos sentidos 
do trabalho infantil não podem ser realizados no vazio social e cultural, 
necessitando se sustentar nas análises das condições sociais em que as 
crianças vivem, interagem e dão sentido ao que fazem (Sarmento; Pinto, 
1997: 20-22). Ainda se verificam lacunas importantes na compreensão 
das maneiras em que as crianças interagem social e culturalmente no 
cotidiano dos espaços sociais, sobretudo nas comunidades rurais. A ne-
gligência teórica-metodológica acaba reproduzindo a exclusão da fala 
e das próprias crianças na construção dos pressupostos e objetivos das 
investigações. 
As concepções teóricas clássicas na sociologia e os métodos e 
técnicas convencionais de investigação não instrumentalizam suficien-
temente os pesquisadores para abordar os espaços específicos do mun-
do das crianças, suas visões de mundo e expectativas. Verifica-se certa 
incompatibilidade entre esse público, que demonstra pouca disposição 
e interesse em responder a questionários fechados, assim como estudos 
baseados nos cálculos estatísticos dificilmente captam as representações, 
a sociabilidade e as culturas heterogêneas que compõem os universos 
infantis. 
No entanto, as técnicas quantitativas, como o questionário, não 
deixam de ser importantes para abordar variáveis em que se necessita 
garantir a representatividade do público investigado. Para colocar em 
relevo os significados atribuídos pelas crianças ao que fazem, pensam 
e analisam sobre os diversos elementos componentes do seu cotidiano, 
torna-se muito importante ajustar as ferramentas metodológicas supos-
tamente aplicáveis a sujeitos tão peculiares. Focalizar a vida cotidiana 
(Juan, 1991), adotar a prática do “olhar distanciado” proposta por Clau-
de Lévi-Strauss, a empatia, a aceitação e a disposição em compreender a 
“alma de criança”, combinam-se nessa complexa interação entre os su-
jeitos envolvidos na investigação, na abordagem do cotidiano das crian-
ças na família, na escola, no trabalho, na comunidade em que vivem, nos 
espaços em que se manifestam os jogos e as brincadeiras, nos ambientes 
em que se realizam as práticas, os ritos e os saberes vinculados especifi-
camente às unidades familiares de produção agrícola. 
Há outra perspectiva de análise e abordagem da infância, sobre-
tudo quando nos referimos às crianças rurais e sua interação no mundo 
do trabalho. O que se preconiza aqui é uma mudança de perspectiva no 
251Trabalho infantil no campo...
campo interdisciplinar dos estudos da criança, em especial, no campo 
sociológico. Mais precisamente, a investigação das crianças com base na 
infância como categoria geracional própria, o reconhecimento crítico da 
alteridade da infância com o devido esclarecimento dos diversos senti-
dos em que essa alteridade se exprime, considerando a variedade de con-
dições sociais, bem como o balanço crítico das perspectivas teóricas que 
construíram o objeto infância (sobretudo aquelas que fazem a projeção 
da criança como o adulto em miniatura ou como o adulto imperfeito em 
devir), conformam uma mudança de perspectiva – ou, se preferirmos, 
uma “mudança paradigmática” (James et al., 1998) – constitui o esforço 
teórico principal da sociologia da infância (Sarmento, 2005). 
Cabe ressalvar que, embora a categoria geração apresente algu-
mas especificidades quando nos referimos aos contextos rurais, ela não 
é restrita ao mundo rural, e a noção de trabalho infantil não deve ser 
entendida apenas como uma “questão rural”, tendo em vista as diver-
sas formas em que se manifestam essas categorias nos diferentes con-
textos societários. Entendemos que o desafio de redefinir o nosso olhar 
interpretativo em torno da infância, no caso, das crianças rurais, deve 
ser compartilhado por outras ciências sociais – nomeadamente a antro-
pologia, as ciências da educação e mesmo a psicologia que vem aos 
poucos reformulando suas interpretações e abordagens sobre a infância 
(Sarmento, 2005: 373) –, em razão de sua importância nas temáticas que 
envolvem a infância no campo. 
O conceito de alteridade que adotamos nesse artigo se alicerça na 
obra de Walter Benjamin, e tem como objetivo colocar em relevo a he-
terogeneidade e a diversidade de condições sociais e econômicas viven-
ciadas pelas crianças na sociedade contemporânea. Considerando que o 
preconceito, a discriminação e a desigualdade marcam indelevelmente 
a trajetória social das crianças, resgatamos a noção de alteridade para 
enfatizar a necessidade de, como investigadores ou docentes, desenvol-
vermos a capacidade de “nos colocar no lugar do outro”, e compreen-
der as especificidades que caracterizam as diferentes infâncias, entre as 
quais as crianças rurais. Enfim, para reconhecer, afirmar e valorizar as 
particularidades de gênero, geração, raça, etnia e classe social, presentes 
nas relações interpessoais que se estabelecem nos contextos sociais em 
que se inserem as crianças. 
Se, nos contextos urbanos, as crianças adquirem uma importância 
relativa em estudos, políticas, intervenções de instituições oficiais, entre 
252 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
outros, o que se verifica, antes de tudo, na constituição de um mercado 
global de produtos para a infância de importância econômica estratégica 
ou mesmo porque elas mobilizam atualmente um número crescente de 
adultos que trabalham com crianças, entre os quais professores, funcio-
nários públicos etc. (Sarmento, 2008), para os territórios rurais ainda se 
verifica um conjunto de fatores que envolve e determina a exclusão e a 
invisibilidade da infância rural, seja na academia, nas políticas públicas 
ou mesmo nos espaços públicos, fato que não deixa de contribuir deci-
sivamente para o aumento da importância singular dessas crianças na 
sociedade contemporânea. 
Como veremos em seguida, as crianças rurais são percentualmen-
te cada vez menos na sociedade contemporânea e a significativa redução 
do número dessas crianças, por comparação com outros grupos etários, 
torna particularmente sensível a sua presença/ausência nos equilíbrios 
demográficos, nas relações de afeto, na sociabilidade comunitária, na 
aprendizagem e sucessão patrimonial entre as gerações, na divisão so-
cial do trabalho agrícola familiar e aténa própria formação de rendimen-
tos da família. Que as crianças se tornem cada vez mais importantes à 
medida que são cada vez menos, esse é apenas um dos muitos paradoxos 
da infância (Qvortrup, 1991). 
O artigo coloca em relevo a inadiável tarefa de se buscar a so-
ciologização do conceito de trabalho infantil, procurando enfrentar os 
desafios, superar as dicotomias e buscar compreender os significados e 
as singularidades presentes nesse fenômeno social. Discute as principais 
interpretações em torno do sentido do trabalho infantil, com suas especi-
ficidades nos contextos rurais, a partir da análise das práticas e relações 
sociais em que se inscreve o trabalho das crianças nos processos produ-
tivos rurais. Focaliza, sobretudo, os fatores motivadores da inserção das 
crianças no trabalho agrícola familiar, verificados nas regiões coloniais 
do Sul do Brasil, especificamente, na região Oeste do Estado de Santa 
Catarina, onde realizamos pesquisas junto a crianças e jovens rurais.
o que dIzem os estudos sobre o número de crIanças
Segundo os dados do Censo Demográfico 2010, divulgados no 
Brasil pelo IBGE, diminui a quantidade de crianças e aumentou o nú-
mero de idosos; consequência dos declínios nos níveis de fecundidade e 
nas taxas de mortalidade nessas últimas décadas, aliado ao aumento da 
253Trabalho infantil no campo...
longevidade da população. Hoje, 7,6% da população são crianças com 
idade até cinco anos, número menor que o registrado pelo levantamento 
em 2000 (9,8%) e em 1991 (11,5%). Na outra ponta, a população de 
idosos, acima de sessenta e cinco anos, cresceu. Em 1991, os idosos 
representavam 4,8% da população, em 2000, 5,8%, e agora chegam a 
7,4%. Do total de 190.755.799 da população brasileira, 14.081.480 têm 
sessenta e cinco anos ou mais.
A Taxa de Fecundidade Total (TFT), definida como o número to-
tal de filhos que uma mulher teria ao final do período reprodutivo, va-
riou de 6,3 filhos por mulher, em 1960, para 2,9, em 1991, e diminuiu 
para 2,3, em 2000 (Rios-Neto, 2005). Os resultados da PNAD de 2003 
e 2008 apontam uma taxa de fecundidade total de 2,1 e 1,8 filhos por 
mulher, respectivamente, o que compromete o chamado nível de reposi-
ção. De acordo com análises feitas pelo Instituto de Pesquisa Econômica 
Aplicada, em 2009, essa queda iniciou-se no final dos anos 1960 e está 
implicando uma desaceleração do ritmo de crescimento da população 
brasileira e provocando importantes mudanças na estrutura etária desta 
população. Esta poderá diminuir a partir de 2030 e apresentar uma po-
pulação superenvelhecida, reproduzindo a experiência de vários países 
da Europa Ocidental, da Rússia, do Japão, entre outros.
A alta velocidade da queda da fecundidade e da mortalidade acar-
reta mudanças rápidas no ritmo de crescimento da população e, também, 
na distribuição etária e na oferta de força de trabalho, dentre outras. A 
mudança mais importante ocorrida nos últimos anos foi o envelhecimen-
to populacional, ou seja, uma mudança nos pesos da população. Pode-se 
observar nos dados da PNAD que a população menor de quinze anos, 
responsável por 33,8% da população total em 1992, passou a consti-
tuir 24,5% desta população, em 2008. Por outro lado, a população idosa 
que respondia por 7,9% da população brasileira passou a responder por 
11,1%. Por população idosa, considerou-se a população de sessenta anos 
e mais, tal como estabelecido pelo Estatuto do Idoso.
Para as populações rurais, embora a média de filhos por mulher 
seja maior que no meio urbano, verificou-se, também, uma queda acen-
tuada nas taxas de fecundidade, traduzindo um drástico recuo dos pa-
drões demográficos tradicionais das comunidades rurais em geral, consi-
derando que, para as populações desse espaço societário, ter um elevado 
número de filhos representava um patrimônio humano a ser mobilizado 
no trabalho agrícola familiar. 
254 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
No Brasil rural, a fecundidade era de 4,3, em 1991, contrastando 
com aquela de 2,3, correspondente às áreas urbanas (Berquó; Cavenaghi, 
2004: 4). Com um declínio de 19,2%, chegou a 3,4, em 2000, enquanto 
nas cidades, foi reduzida em apenas 5,2%, atingindo 2,2. Os resultados 
da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, 
PNDS-2006, mostraram que as maiores reduções na Taxa de Fecundida-
de Total (TFT) para o Brasil ocorreram onde os níveis eram mais altos, 
ou seja, nas áreas rurais, de 3,4 em 1996 para 2,0 em 2006; e, na região 
Norte, de 3,7 para 2,3 filhos por mulher, respectivamente. 
Isto é, o declínio da fecundidade na última década vai apontan-
do para uma homogeneização das taxas de fecundidade. No entanto, 
existem diferenciais grandes nos níveis de fecundidade, principalmente, 
para mulheres em diferentes categorias de instrução e rendimento médio 
mensal. De acordo com Berquó e Cavenaghi (2004), o Norte e o Nor-
deste, por apresentarem maiores proporções de populações rurais, com 
médias mais baixas de instrução e com médias menores de rendimento, 
apresentaram também as maiores taxas de fecundidades. Em 1991, era 
da ordem de 4,2 e 3,7, respectivamente, as quais foram reduzidas pela 
ordem, em 23,2% e 26,0%, no período 1991-2000, chegando a 3,2 e 2,7 
filhos por mulher, respectivamente nestas regiões. 
A região Oeste de Santa Catarina é a maior em superfície territorial 
e em quantidade de municípios do estado, abrangendo 118 de um total 
de 293. Além disso, é a principal região de produção agrícola, localizan-
do-se aí grandes complexos agroindustriais e segmentos cooperativos de 
grande porte produtores de carnes de suínos e aves, com expressão na-
cional, cuja base de produção está assentada na integração e/ou parceria 
com agricultores familiares. No entanto, esta região enfrenta problemas 
sociais e redefinições demográficas de grande amplitude, sobretudo a 
migração expressiva de jovens, a diminuição acentuada da quantidade 
de filhos(as) por família, a masculinização e o envelhecimento da po-
pulação rural, o que vem comprometendo a disponibilidade de mão de 
obra familiar e a sucessão rural em segmento importante de unidades 
produtivas familiares. Os resultados do Levantamento Agropecuário Ca-
tarinense, realizado em 2003 pela Secretaria de Estado da Agricultura e 
Desenvolvimento Rural de Santa Catarina, já indicavam a presença de 
28,5% de propriedades familiares sem sucessores. Os dados dos censos 
do IBGE sistematizados para uma pesquisa que realizamos nessa região 
ilustram essas problemáticas (Stropasolas, 2010). 
255Trabalho infantil no campo...
Essas informações comprovam a reduzida quantidade de jovens 
residentes nas comunidades rurais. De acordo com os dados do último 
Censo do IBGE, constata-se que a partir dos quinze anos de idade até 
a faixa etária entre trinta e trinta e quatro anos ocorre um “vazio” de-
mográfico, consequência da migração desse público para a cidade, com 
predominância de saída das filhas dos agricultores familiares. Conforme 
resultados de pesquisas que realizamos nessa região (Stropasolas, 2006; 
2010; Aguiar; Stropasolas, 2010), constatou-se a recusa de parcela ex-
pressiva das filhas de agricultores familiares em permanecer no campo 
e reproduzir a condição social vivida pelas mulheres rurais, migrando 
para as cidades em busca de uma profissão alternativa à agricultura. Os 
dados indicam também uma diminuição acentuada da fecundidade entre 
as mulheres rurais dessa mesma região, além do processo de envelheci-
mento das populações rurais masculina e feminina. 
O caráter seletivo dos processos migratórios recentes nas regiões 
de predomínio da agricultura familiar no Sul do Brasil, e que tem resul-
tado na “masculinização” do meio rural, vem instigando a realização de 
estudos especializados para a compreensão em profundidade dos fato-
res motivadores desse processo. Mais recentemente, os documentos das 
organizações internacionais de desenvolvimento como o IICA, a FAO 
e a Cepal internalizam essas problemáticas nas suas análisessobre as 
transformações sociodemográficas dos territórios rurais. Embora a mi-
gração seletiva não seja um fenômeno novo, o que impressiona é não só 
a ausência de estudos sistemáticos e recentes a respeito, mas, sobretudo 
a magnitude que ela parece estar assumindo nas áreas de predomínio da 
agricultura familiar do Sul do país. 
No que se refere à América Latina, especificamente, estudo da 
CEPAL (1995: 8) já indicava a existência de 5,2 milhões de homens 
a mais que mulheres na zona rural latino-americana. Nos grupos entre 
quinze e vinte e nove anos, esta diferença chegava a 1,8 milhão – haven-
do 12% a mais de jovens homens. Estudos mais recentes realizados em 
contextos específicos de nosso país feitos por Camarano e Abramovay 
(1999) e Froehlich et al. (2011) confirmam a ocorrência desse fenôme-
no. De acordo com os dados do Censo 2006 do IBGE, cerca de 80% dos 
municípios no Brasil com menos de 5 mil habitantes têm mais homens 
do que mulheres. Nos municípios com até 2 mil habitantes, há cento 
e cinco homens para cada cem mulheres. Os homens são maioria nas 
zonas rurais, e as mulheres nas zonas urbanas, considerando que, no 
país, a maioria da população rural vive nas zonas rurais dos pequenos 
256 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
municípios e, que, pelo menos em algumas regiões, esta população é 
majoritária nos municípios com até 20 mil habitantes.
No entanto, embora a masculinização do campo possa se constituir 
numa tendência geral, importa ressaltar que não é possível generalizar a 
ocorrência desse fenômeno para todas as regiões do país, sobretudo, para 
microrregiões do Nordeste brasileiro, ou mesmo para o Vale do Jequiti-
nhonha mineiro, onde se verificam particularidades como a migração se-
letiva de jovens rapazes para trabalhar na agroindústria sucroalcooleira e 
uma presença expressiva de mulheres chefiando as unidades familiares. 
Somente estudos específicos nesses contextos podem nos indicar as re-
definições demográficas em curso nesses territórios rurais.
Por outro lado, as pequenas cidades, consideradas urbanas pelo 
IBGE, conhecem uma experiência urbana, que é, frequentemente, frágil 
e precária (Wanderley, 2001). Nos quadros da modernização dos contex-
tos locais, privilegiou-se a concentração de bens e serviços indispensá-
veis ao conjunto da população nas aglomerações urbanas consideradas 
pólos regionais. Este fato acabou transformando as comunidades rurais e 
as pequenas localidades em espaços de precariedade e de desigualdade, 
dificultando o acesso dos grupos sociais a bens e serviços necessários. 
Naqueles pequenos municípios cuja população rural é majoritária e cuja 
atividade principal é a agropecuária, tanto a trama espacial e social como 
as trajetórias de desenvolvimento são preponderantemente rurais. 
O trabalho de Veiga (2002) questiona critérios oficiais comumente 
utilizados para quantificar as populações rurais e urbanas no Brasil em 
que se considera urbana toda sede de município (cidade) e de distrito 
(vila), sejam quais forem suas características. O autor demonstra, nas 
suas análises, que o Brasil é menos urbano do que se calcula, desde que 
se utilizem, mais comumente, os critérios adotados internacionalmen-
te. Todavia, mais do que uma preocupação meramente contábil, o autor 
ressalta a necessidade de uma renovação do pensamento brasileiro sobre 
as tendências de urbanização e de suas implicações sobre as políticas 
de desenvolvimento que o Brasil deve adotar. Para efeitos analíticos, o 
autor afirma que não se deveriam considerar como urbanos os habitantes 
de municípios pequenos demais, com menos de 20 mil habitantes. Por 
tal convenção, “que vem sendo usada desde 1950, seria rural a popula-
ção dos 4.024 municípios que tinham menos de 20 mil habitantes em 
2000, o que por si só já derrubaria o grau de urbanização do Brasil para 
70%.” (Veiga, 2002: 31-2).
257Trabalho infantil no campo...
Assim, consideramos de fundamental importância inserir nas 
análises sobre a inserção do trabalho infantil no campo e, especifica-
mente, para explicar as especificidades do envolvimento das crianças 
no trabalho agrícola familiar, as implicações decorrentes das mudanças 
demográficas que vêm ocorrendo nas comunidades rurais, que trazem 
consequências para o perfil social das pessoas que permanecem no cam-
po, e para a disponibilidade de mão de obra nas unidades produtivas 
familiares. 
o que mostram os números sobre o trabalho InfantIl
 A legislação brasileira referente ao trabalho infantil orienta-se 
pelos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 19882. Os ar-
tigos 60 a 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 
13 de julho de 1990) tratam da proteção ao adolescente trabalhador. O 
ECA prevê também a implementação de um Sistema de Garantia de Di-
reitos (SGD). Por outro lado, cabe aos conselhos de direitos – de âmbi-
to nacional, estadual e municipal – a responsabilidade pela elaboração 
das políticas de combate ao trabalho infantil, proteção ao adolescente 
trabalhador e pelo controle social. Os conselhos tutelares são corres-
ponsáveis nas atividades de combate ao trabalho infantil, cabendo a eles 
zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes em geral, por meio 
de ações articuladas com o Ministério Público e o Juizado da Infância e 
da Adolescência. Finalmente, o tema do trabalho infantil está presente 
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu Título III, Capítulo 
IV, “Da Proteção do Trabalho do Menor”, alterado pela Lei da Aprendi-
zagem (Lei 10.097, de 19 de dezembro de 2000).
De maneira geral, esse conjunto de leis busca sintonizar-se com 
as atuais disposições da Convenção dos Direitos da Criança, da Orga-
nização das Nações Unidas (ONU), e das Convenções 138 e 182, da 
Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil ratificou em 2 
de fevereiro de 2000 a Convenção 182 da OIT, que estabelece que os 
Estados-Membros devem tomar medidas imediatas e eficazes para abolir 
as piores formas de trabalho infanto-juvenil3. 
Segundo o relatório da OIT, publicado em 2006, diminuiu em 11% 
o número de crianças trabalhadoras em nível mundial, no intervalo de 
tempo de 2000 a 2004, mais precisamente, baixou de 246 para 218 mi-
lhões o número de crianças envolvidas no trabalho infantil. Um dado 
258 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
em especial foi a redução de 26% no número de casos de crianças e jo-
vens, com idades entre cinco e dezessete anos, envolvidas em trabalhos 
considerados perigosos, ou seja, de 171 para 126 milhões, nesse mesmo 
período. De acordo com os interlocutores dessa organização, essa dimi-
nuição no contingente de crianças trabalhadoras deve-se a ações concre-
tas em nível mundial associadas à redução da pobreza e à educação de 
massas. 
Cabe salientar que, no caso brasileiro, políticas sociais implemen-
tadas pelo Estado, nesses últimos anos, com envolvimento da sociedade 
civil são ilustrativas desse fato. De acordo com o Relatório da OIT, foi 
na América Latina e no Caribe onde se verificaram os maiores alcances 
na redução do trabalho infantil. Na Ásia, verificou-se uma diminuição 
absoluta do número de crianças trabalhadoras, no entanto, no continente 
africano, embora tenha se verificado menor incidência de trabalho infan-
til, mais precisamente na África ao Sul do Saara, encontramos, em nível 
mundial, a mais elevada proporção de crianças envolvidas em atividades 
econômicas, aproximadamente 50 milhões de crianças trabalhadoras. 
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 
(PNAD), divulgados em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística (IBGE), a incidência de crianças trabalhadoras no Brasil, na 
faixa etária de cinco a treze anos, caiu de 4,5% da população desta faixa 
etária em 2006, para 4% em 2007. Embora tenha ocorrido uma queda 
percentual, ainda existem em torno de 1,2 milhão de crianças afetadas 
e/ou exploradas, nos mais diversos níveis, pelo trabalho infantil nas di-
ferentes regiões brasileiras.De acordo com esse levantamento, mais da 
metade desse público morava no campo, mais precisamente 60,7% das 
crianças trabalhavam em atividades agrícolas. 
Por outro lado, considerando-se a faixa etária acima de quatorze 
anos, reduziu-se para 32% o número de pessoas envolvidas com o tra-
balho no campo. Importa registrar que é justamente nesse espaço socie-
tário e, especificamente, entre as crianças mais novas que se constata a 
realização de trabalho não remunerado. Ou seja, a presença no trabalho, 
sem qualquer espécie de contrapartida, é mais acentuada nas atividades 
agrícolas (83,6%) que nas atividades não agrícolas (18,7%). Como vere-
mos posteriormente, as razões meramente econômicas não são suficien-
tes para explicar esse fenômeno, tendo em vista a manifestação de outras 
dimensões de cunho social e cultural inerentes às explorações agrícolas 
familiares. 
259Trabalho infantil no campo...
A maior parte das crianças que trabalham são do sexo masculino, 
mas as meninas são maioria quando se observa o trabalho doméstico. O 
fato de os rapazes aparecerem com maior frequência a desempenhar tra-
balhos na agricultura, sobretudo aqueles considerados perigosos e mais 
pesados, não significa dizer que trabalhem mais que as meninas e as 
adolescentes. As moças apresentam ritmos de trabalho mais regulares 
ao longo da semana e ao longo do ano. Os seus horários de trabalho 
mantêm-se muito extensos e preenchidos, mercê da sua constante inter-
venção nas rotinas inerentes à manutenção da casa e da família. Con-
centrando as suas atividades no domínio agrícola, os rapazes são mais 
influenciados pela sazonalidade desse trabalho. Por isso, embora possam 
apresentar índices de participação no trabalho mais elevados, nos mo-
mentos críticos da atividade agrícola, têm, na época de baixa atividade, 
horários e conteúdos laborais muito mais suavizados que elas. O que 
proporciona ao público masculino infantil e juvenil mais tempo para o 
lazer e maior flexibilidade e autonomia para participar das atividades 
vinculadas ao espaço público.
Dentre os fatores envolvidos na problemática do trabalho infantil, 
que contribuem para a complexidade desse fenômeno, a temática da edu-
cação se reveste de grande importância, tendo em vista as redefinições 
ocorridas recentemente no papel e lugar ocupado pela instituição escola 
ou mesmo pela valorização do estudo verificada entre as famílias de 
agricultores. Novamente, os dados da PNAD/2006 são reveladores desse 
fato, na medida em que a jornada de trabalho das crianças, muitas vezes 
acentuada (segundo o PNAD, 6,6% delas tinham uma jornada de 40 
horas semanais), não as impediram de estudar, pois 94,7% delas além de 
trabalharem (em diferentes intensidades) também foram à escola. Cifra 
esta muito semelhante às crianças que não trabalhavam, isto é, 95,7%. 
A partir de informações divulgadas em 2009 pela PNAD e em 
2007 pelo SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Bási-
ca, que mede o rendimento dos estudantes em matemática e português), 
pode-se fazer uma correlação, para determinados contextos regionais, 
entre os índices de trabalho infantil e os Índices de Desenvolvimento da 
Educação Básica (Ideb). De maneira geral, os dados indicam que quanto 
maior a incidência de trabalho infantil menores são os valores do Ideb. 
Os índices mais altos de trabalho infantil foram registrados nos estados 
do Nordeste (1.588.387) e do Norte (405.287), regiões que também pos-
suem o Ideb mais baixo, inferior a 4,0. O Ideb é calculado com base em 
uma escala de 0 a 10. 
260 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Contudo, além da necessidade de realizar estudos aprofundados 
para qualificar esta relação entre trabalho e rendimento escolar, outros 
aspectos também interferem nos índices desse rendimento. Entre esses, 
cabe destacar a precariedade na infraestrutura escolar, a débil formação 
dos professores, as enormes dificuldades vivenciadas pelas crianças das 
comunidades rurais mais distantes para se deslocar até as escolas etc. 
Conforme pode ser observado nos resultados dos Censos da Educação 
Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as crianças que nascem no 
campo têm muito mais chance de não frequentar (ou frequentar menos) 
a escola que uma criança nascida na cidade. Os números apontados nos 
estudos indicam o difícil quadro da educação rural no Brasil. É justa-
mente entre crianças e adolescentes que vivem em territórios rurais que 
encontramos os maiores índices de crianças não alfabetizadas. 
Por outro lado, é preocupante também a baixa qualidade do en-
sino, decorrente da precariedade na infraestrutura de ensino e da bai-
xa remuneração dos professores. Geralmente, o conteúdo ensinado nas 
cidades é levado para o campo sem problematização, desconsiderando 
as realidades locais. Para Soares et al. (2009), os projetos pedagógicos 
desenvolvidos na área urbana dos municípios, em que frequentam as 
crianças do campo, nem sempre reconhecem as especificidades consti-
tutivas da diversidade do mundo rural, desprezando tradições, valores 
e identidades individuais e coletivas em favor de um mundo “único”, 
“civilizado” e “educado” ao qual todos devem ser submetidos.
Se, por um lado, os indicadores numéricos divulgados por ins-
tituições de pesquisa são de grande valia para mostrar a presença e a 
dimensão do trabalho infantil no Brasil; por outro, é necessário fazer a 
ressalva de que os dados isolados dos seus contextos não são suficientes 
para se analisar a complexidade do problema, sobretudo no que diz res-
peito aos contextos rurais, havendo particularidades não contempladas 
nesses estudos. 
Ao se abordar a inserção de crianças e adolescentes nas atividades 
agrícolas é fundamental que se diferenciem as atividades inerentes à 
agricultura familiar daquelas restritas ao trabalho assalariado, que possui 
outras implicações e significados. Como veremos posteriormente, ao se 
explicitar a lógica de inserção das crianças no trabalho agrícola familiar, 
que se constitui no principal objetivo dessa reflexão, é ressaltado pelos 
autores o sentido de aprendizagem e socialização das crianças, além da 
261Trabalho infantil no campo...
sucessão geracional como elementos que explicam o envolvimento das 
crianças com o trabalho familiar. Antes de explicitarmos esta lógica fa-
miliar, colocaremos em relevo alguns aspectos gerais que distinguem a 
inserção das crianças nos processos produtivos rurais. 
a Inserção das crIanças nos processos produtIvos 
ruraIs e suas ImplIcações no debate sobre o traba-
lho InfantIl
As crianças rurais não formam um grupo social homogêneo, assim 
como são diferenciados as realidades e os contextos sociais, econômicos 
e culturais em que se inserem. Nessa mesma lógica, se inscreve a pro-
blemática do trabalho infantil que possui variações e diferentes manifes-
tações, condicionantes e razões para explicar a sua existência. Entre ou-
tros fatores, a pobreza, a escolaridade dos pais, o tamanho e a estrutura 
da família, o sexo do chefe de família, idade em que os pais começaram 
a trabalhar, local de residência, tipos de atividades econômicas, são os 
determinantes mais analisados e dos mais importantes para explicar a 
alocação do tempo da criança para o trabalho (Kassouf, 2007). 
Não é objetivo deste artigo fazer uma análise exaustiva sobre as 
categorias trabalho e infância, considerando a vasta literatura existente 
sobre esses conceitos. Não é nossa intenção, também, elaborar um qua-
dro abrangente sobre os diferentes contextos e as diferentes formas em 
que se insere o trabalho infantil no Brasil, o que certamente demandaria 
estudos aprofundados sobre este tema. Objetiva-se neste artigo anali-
sar as caraterísticas distintas e os fatores motivadores da inserção das 
crianças na divisão social do trabalho agrícola familiar, especificamente, 
nas regiões coloniais do estado de Santa Catarina, onde temos realizado 
pesquisas envolvendo a infânciae a juventude rural. 
Para analisar a inserção das crianças no trabalho agrícola familiar, 
que será objeto do próximo tópico desse artigo, cabe preliminarmente 
diferenciar o trabalho infantil vinculado às atividades de subsistência 
familiar implicadas na reprodução social e na sucessão geracional do pa-
trimônio familiar, daquilo que é considerado degradante e que acarreta a 
exploração do trabalho das crianças. Nesse processo, há uma diferença 
fundamental apontada por Schneider (2005) entre as atividades volta-
das à produção para uso próprio, autoconsumo etc., e os trabalhos que 
implicam ocupação formal e sistemática da força de trabalho fora dos 
262 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
estabelecimentos, na maioria das vezes, destinados à produção de bens, 
produtos e serviços de terceiros com a finalidade de obter remuneração 
pelo trabalho realizado. Isto não significa, necessariamente, que estas 
formas de trabalho impliquem a observância da legislação do trabalho 
ou que as formas de pagamento sejam em dinheiro ou que não haja o uso 
do trabalho infantil.
Nesta última situação, insere-se um conjunto diverso de sistemas 
produtivos em que se verifica uma presença marcante do agronegócio 
exportador de alimentos e matérias-primas e do trabalho assalariado no 
campo, demandando análises diferenciadas ao se enfocar o conceito de 
trabalho infantil, considerando a ocorrência nesse contexto de formas 
mais agudas de exploração do trabalho das crianças. Tendo em vista que 
diversos autores já analisaram com profundidade as características e os 
problemas envolvidos no trabalho infantil das crianças nesses contextos 
– entre os quais cabe citar Martins (1993), Marin (2006; 2010), Neves 
(1999; 2001), Silva (2000), entre outros – destacaremos apenas os as-
pectos principais apontados pelos autores. 
O estudo no Brasil que possivelmente mais colocou em relevo 
as profundas contradições e desigualdades de condições sociais viven-
ciadas pelas crianças rurais no Brasil foi feito por Martins (1993), que 
valoriza no seu trabalho as representações e a voz das crianças pesqui-
sadas nas regiões de fronteira entre o Centro-Oeste e o Norte do Brasil, 
contexto em que se verificou uma expansão muito grande do agronegó-
cio exportador. Além de explicitar a profunda precariedade vivida por 
essas crianças de origem rural na sua (não) infância, explicita os proble-
mas estruturais de uma realidade social afetada pelas políticas macroe-
conômicas nacionais e internacionais que, a longo tempo, tem gerado 
exclusão social, empobrecimento e condições desiguais de desenvolvi-
mento entre as regiões. Constata, enfim, que, no cotidiano das crianças, 
o tempo dedicado ao trabalho aparece em primeiro lugar, aparecendo 
posteriormente e com uma série de dificuldades o período da escola e, 
de forma circunstancial, como uma exceção, as brincadeiras; enfim, uma 
fragmentação da sociabilidade na infância dessas crianças. 
Como refere Quinteiro (2003), o alerta desse sociólogo adquire 
na atualidade maior relevância diante de diagnósticos que apontam as 
precárias condições sociais da criança e de suas famílias e, ainda, a au-
sência de trabalhos que enfoquem tais problemas como um fenômeno 
sociológico. O estudo feito por Neves (1999) no Nordeste brasileiro, que 
263Trabalho infantil no campo...
analisa as lógicas sociais em torno da exploração do trabalho infantil e 
as alternativas de prevenção, é uma exceção importante e uma referência 
na literatura que aborda a infância no espaço rural. 
Segundo Marin (2010), os empresários das cadeias produtivas do 
agronegócio brasileiro inseriram, nesses últimos anos, cláusulas sociais 
em seus contratos comerciais, bem como assinaram pactos de erradica-
ção do trabalho infantil e aderiram aos propósitos dos selos sociais, em 
virtude do crescimento da pressão internacional, expresso nas contínu-
as ameaças de boicotes às mercadorias produzidas com exploração do 
trabalho de crianças e adolescentes. Segundo o autor, essas iniciativas 
conferem legitimidade às empresas ligadas ao agronegócio nos merca-
dos globalizados, além de constituírem-se em valiosos investimentos em 
marketing social.
A inserção laborativa prematura dos filhos exprime a divisão fa-
miliar do trabalho e o sistema de valores morais que organiza a interde-
pendência de seus membros. Ao analisar os efeitos intergeracionais do 
trabalho infantil entre trabalhadores rurais da agroindústria sucroalcoo-
leira no Nordeste brasileiro, Neves (2001) constata que todos os mem-
bros da família, desde cedo, assumem responsabilidades na constituição 
dos bens fundamentais ao consumo. A ética expressa na aceitação do 
sacrifício é assim constitutiva do ethos desta categoria de trabalhadores, 
também sintetizadora de diversos valores de referência comportamental. 
Segundo a autora, a ausência de instituições que ofereçam apoio aos pais 
na tarefa de socialização dos filhos facilita a dependência do trabalho e 
a aceitação de condições adversas, portanto, mais facilmente impostas. 
O trabalho aparece então como recurso de enquadramento moral dos po-
bres e os empregadores como os agentes mais próximos e viabilizadores 
da sobrevivência, do crédito e do apoio diante do inesperado. 
Já Silva (2000) constata, em sua pesquisa feita com crianças tra-
balhadoras na cultura da cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro, que, ao 
pensar sobre o próprio corpo durante o trabalho, a grande maioria delas 
sofria com as extensivas jornadas de trabalho no corte da cana, que as 
obrigavam a acordar muito cedo e renunciar ou diminuir o tempo desti-
nado às brincadeiras; “o tempo para que o corpo pudesse com plenitude 
e sem pressão entregar-se às conjecturas lúdicas. A maioria referia-se 
sempre ao trabalho na infância como detonador de sofrimento, dor e 
fadiga, nunca de ludicidade e relaxamento” (Silva, 2000: 256). Além da 
cana-de-açúcar, existem outros sistemas produtivos de base empresarial 
264 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
no campo brasileiro em que se verifica a presença do trabalho infantil 
(entre os quais, o sisal, o carvão vegetal, a fruticultura comercial, olea-
ginosas etc.), cujas particularidades foram ou vêm sendo abordadas na 
literatura (Kassouf, 2007, indica os principais estudos empíricos sobre 
trabalho infantil no Brasil). 
Estudos realizados pela PNAD e pela OIT estabelecem uma analo-
gia questionável entre o trabalho realizado nas unidades de agricultores 
familiares na forma de “ajuda”, que possui um caráter pedagógico-so-
cializador, e aquele executado por contratação (assalariamento ou outra 
forma de pagamento) e submetido aos rigores do controle e do discipli-
namento e, em muitos casos, com exploração da mão de obra infantil. 
Segundo Schneider (2005), em determinadas circunstâncias, o senso co-
mum e mesmo a legislação corrente acabam percebendo a intensificação 
das jornadas de trabalho e o recurso ao emprego dos filhos meramente 
como formas de aviltamento ou promoção da auto ou (super)exploração 
da força de trabalho, esquecendo-se que, para eles, o trabalho pode as-
sumir sentido produtivo e dignificante. Cabe salientar, no entanto, que 
estas considerações não podem servir para justificar ou legitimar o uso 
do trabalho de crianças em atividades agrícolas, sobretudo em atividades 
penosas ou que oferecem riscos.
Para o autor, o exercício do trabalho infantil nas unidades de agri-
cultura familiar não possui o sentido de uma ocupação tout court e que 
as crianças que exercem atividades não remuneradas e/ou destinadas à 
produção para o próprio consumo não podem ser equiparadas a indiví-
duos economicamente ativos e tão pouco ser contabilizadas como pesso-
as ocupadas pelas estatísticas oficiais. Mais precisamente:
Os trabalhos realizados pelas crianças dentro das unidades de agricul-
tores familiares são complementares aos processos produtivos, não se 
destinam a obter remuneração e possuem um sentido pedagógico e de 
socialização. Contudo, não se podedizer o mesmo daquelas situações 
em que o trabalho infantil é realizado fora da unidade produtiva, onde 
então assume o caráter de uma ocupação, mesmo que não formalizada 
do ponto de vista jurídico legal, visando a venda da força de trabalho e 
a obtenção de remuneração por esta (Schneider, 2005: 23).
Levantamentos feitos pela PNAD, nesses últimos anos, mostram 
que a parcela hegemônica das crianças na faixa etária entre cinco e quin-
ze anos que trabalham no ramo agrícola do Brasil enquadram-se na cate-
goria dos trabalhadores que oferecem ajudas e auxílios dentro do domi-
cílio, sendo por isso classificados pela PNAD como não remunerados e 
265Trabalho infantil no campo...
para o próprio consumo. Nas duas regiões brasileiras em que se verifica 
a presença predominante da agricultura familiar na estrutura fundiária, 
também, constata-se um elevado percentual de crianças com idades entre 
cinco e quinze anos que trabalham em atividades que, provavelmente, 
são tarefas de apoio e ajuda aos pais dentro do estabelecimento agrope-
cuário ou até mesmo nos afazeres do domicílio. 
Como se refere Schneider (2005), trata-se, em essência, de tra-
balhos auxiliares que não implicam trocas mercantis, remuneração e, 
tampouco, geração de vínculos empregatícios formais. Se resgatarmos 
Chayanov (1974), veremos que, nas unidades familiares, o trabalho e a 
produção possuem um caráter coletivo e indivisível, pois todos traba-
lham com a finalidade de viabilizar o empreendimento. Muitas vezes, 
esta diferença assenta-se, fundamentalmente, em uma construção sim-
bólica, que se constitui em uma representação do significado e do senti-
do do trabalho que orienta os valores e a visão de mundo de indivíduos 
e dos grupos sociais. 
O que pretendemos enfatizar nesta reflexão é que a divisão social 
do trabalho agrícola familiar é uma estratégia para viabilizar sua re-
produção social, constituindo-se num traço essencial de sua identidade 
social. Nesse sentido, mobilizar o trabalho das crianças e dos jovens 
possui razões que não se explicam apenas por motivações econômicas e, 
dificilmente abarcaremos toda a sua dimensão fundamentando-se apenas 
em indicadores estatísticos ou quantitativos. No nosso ponto de vista, 
não podemos apontar – sem uma devida problematização – essa lógica 
inerente à agricultura familiar como um ato de exploração do trabalho 
das crianças por parte dos pais. Visando contribuir com esse debate, 
apresentamos a seguir alguns elementos que configuram esta lógica nas 
unidades familiares de produção na agricultura. 
a lógIca camponesa e a Inserção das crIanças no 
trabalho agrícola famIlIar
A utilização nos estudos rurais, no Brasil, dos conceitos de cam-
ponês e, mais recentemente, de agricultura familiar nunca foi consensual 
nem mesmo harmônica entre os diversos interlocutores. Pelo contrário 
sempre foi marcada por divergências de cunho teórico, ambiguidades 
e, polêmicas entre aqueles que adotam estas noções. Camponeses ou 
agricultores familiares, adotamos estes termos para designar as famílias 
de agricultores que – mais ou menos modernizadas ou tecnificadas – em-
266 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
pregam nos seus processos produtivos mão de obra predominantemente 
familiar, dependendo principalmente da renda de seu próprio estabeleci-
mento para o sustento dos membros do grupo doméstico. 
Partimos do pressuposto de que estas categorias sociais são diver-
sas e heterogêneas social, econômica e culturalmente, com interesses, 
projetos de vida e visões de mundo muitas vezes diferentes entre os inte-
grantes do próprio grupo familiar, ilustrado nas hierarquias de poderes, 
desigualdades e conflitos de gênero e geração encontrados, em muitos 
casos, no seio das unidades produtivas familiares. Estas características 
peculiares verificadas nessa categoria social, marcada por singularidades 
na organização da produção, do consumo e da vida social, não deixam 
de influenciar e condicionar os processos de socialização, as representa-
ções, os valores e a trajetória social das crianças rurais. 
Mesmo nos contextos sociais rurais em que a maioria das proprie-
dades agrícolas são de base familiar, como é o caso do Sul do Brasil, 
há uma heterogeneidade muito grande em relação aos diferentes per-
fis sociais das unidades agrícolas familiares. Além de camponeses e/ou 
agricultores familiares descendentes de imigrantes europeus não ibéri-
cos, entre os quais, sobretudo italianos, alemães, austríacos, poloneses 
etc., encontramos descendentes de luso-brasileiros, reconhecidos como 
“caboclos”, comunidades quilombolas, indígenas etc., constituindo um 
leque bastante amplo de diferentes etnias em que se verifica a presença 
de unidades produtivas com base familiar.
Considerando esta diversidade de contextos e realidades sociocul-
turais, ocorrem também diferentes formas e níveis diferenciados de in-
serção das crianças no trabalho agrícola familiar. Para as intenções desta 
análise, focaremos o trabalho infantil na agricultura familiar constituída 
de descendentes de imigrantes italianos e alemães, que colonizaram o 
Oeste de Santa Catarina, região em que se verifica a predominância des-
se público nas comunidades rurais e na qual realizamos pesquisas. 
Nas propriedades familiares rurais típicas dessa região, não é nada 
simples separar o que é trabalho doméstico de trabalho produtivo, ou 
mesmo trabalho produtivo de trabalho reprodutivo, tendo em vista a 
complexidade que se estabelece nessa forma social. Muitas vezes, esta 
unidade familiar é vista como um trabalhador coletivo, em que todos(as) 
colaboram para o conjunto do empreendimento. Obviamente, que esta 
visão pode acarretar vieses de gênero e geração. Paulilo (2004), ao estu-
dar o trabalho das mulheres rurais percebeu que a distinção entre traba-
267Trabalho infantil no campo...
lho “pesado” feito pelos homens e trabalho “leve” feito pelas mulheres 
não se devia à qualidade do esforço despendido, mas ao sexo de quem 
o executava, de tal modo que qualquer trabalho era considerado leve 
se feito por mulheres, por mais exaustivo, desgastante ou prejudicial à 
saúde que fosse. A autora vê o mesmo fenômeno se repetir quando da 
divisão entre trabalho doméstico e trabalho produtivo. 
Embora com especificidades, a denominação de “ajuda” aos es-
forços realizados por crianças, sobretudo meninas, no trabalho agríco-
la familiar traz implicitamente esta conotação ideológica que reproduz 
desigualdades e descontentamentos entre os integrantes dos estabeleci-
mentos familiares. Isto não significa dizer que esta “ajuda”, estes tra-
balhos enquadrados nessa noção sejam de menor importância ou que 
não possam ser prejudiciais à saúde. De maneira geral, são atividades 
laborais que não são remuneradas porque destinam-se a auxiliar ou com-
plementar as diversas tarefas e serviços que são executados na unidade 
produtiva familiar. 
O trabalho é uma categoria polissêmica construída socialmente 
e (re)produzida historicamente pelos descendentes de imigrantes euro-
peus, que colonizaram o Sul do Brasil nos séculos XIX e XX, como 
um elemento fundamental do ethos desses camponeses, um referencial 
simbólico de uma identidade étnica, cujas “virtudes” e particularidades 
procuram ser repassadas através de um processo de aprendizagem no 
próprio grupo doméstico, em que a geração ascendente transmite os va-
lores e saberes práticos às gerações subsequentes, num processo que 
nem sempre é homogêneo, muito menos harmônico. 
Obviamente que, se considerarmos outras realidades com presen-
ça da agricultura familiar no Brasil ou mesmo outras categorias sociais 
de base familiar presentes nas comunidades rurais da região Sul, en-
contraremos outras visões de mundo, valores e racionalidades no que 
se refere à categoria trabalho, que se expressam nas diferentes formas 
de organização e de finalidades dos processos produtivos, nas diversas 
maneiras de inserir as crianças nas atividades produtivas, bem como nas 
trajetórias sociaisformuladas pelos membros desses grupos domésticos 
específicos. 
Renk (2000) entende ser necessário relativizar a assertiva de Men-
dras (1984), segundo a qual o indivíduo nasce camponês e não se tor-
na camponês. Para a autora, o indivíduo nasce na condição camponesa, 
no entanto, este fato não prescinde da construção social dessa condi-
268 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
ção, ou seja, da necessidade de produção social do que significa “ser 
agricultor(a)”, visando a sua reprodução enquanto tal. Aqui se insere 
o papel desempenhado pela transmissão do saber agrário, agronômico, 
telúrico, do saber prático, transmitido de pai para filho, como prática 
pura sem teoria (Bourdieu, 1989: 22). Embora os avanços da ciência e 
da tecnologia no campo das ciências agrárias, bem como a disponibili-
dade atual de um leque bastante amplo de oportunidades de capacitação 
formal ou informal, ainda o principal mecanismo para se formar e repro-
duzir a profissão de agricultor(a) familiar continua sendo o aprendizado 
prático através do saber-fazer transmitido de geração em geração. 
No Brasil, não se tem referências precisas acerca do modo como 
surgem novos profissionais da agricultura, mas é possível estimar que 
parcela significativa aprende e inicia-se na atividade agrícola através das 
relações familiares, sendo a profissão transmitida de pai para filho. Nes-
te sentido, a iniciação das crianças no trabalho agrícola acaba adquirindo 
um sentido pedagógico e constitui-se no aprendizado fundamental para 
formar um novo profissional do ramo agrícola (Schneider, 2005). Para o 
autor, além do papel de socialização das crianças, o processo de aprendi-
zagem da profissão é também um ritual de seleção do futuro herdeiro da 
unidade familiar, pois é justamente na hora da escolha do herdeiro que 
os pais podem levar em conta aspectos observados ao longo da trajetória 
individual e profissional do filho escolhido, considerando, obviamente, 
as habilidades para o trabalho aprendidas desde a infância.
No que se refere, especificamente, aos processos de socialização, 
nos contextos rurais, a sociabilidade das crianças se realiza principal-
mente em torno das redes familiares e de vizinhança. No entanto, cada 
vez mais as relações sociais e de afeto desse público se complexificam, 
considerando o estreitamento das relações campo-cidade, possibilitada, 
além de outros fatores, pela mobilidade social do público infanto-juvenil 
e pelo aumento no fluxo de informações geradas pelas redes de comuni-
cação e pela inclusão digital. Nesse sentido, redefinições nos processos 
de sociabilidade passam a ocorrer a partir do momento em que as crian-
ças de menor idade começam a passar grande parte do seu tempo fora do 
contexto familiar – na escola, em diversas atividades extracurriculares 
ou em centros infantis de dia. Os lugares da infância podem ser vistos à 
luz dos fluxos que os atravessam, as escolas estão associadas a outras es-
colas, a agregados familiares, centros de atividades extracurriculares etc. 
(Schueler; Delgado; Muller, 2005).
269Trabalho infantil no campo...
Nas comunidades rurais e, sobretudo, na agricultura familiar, as 
crianças aprendem a conviver desde cedo com a realidade das atividades 
produtivas realizadas pelos membros do grupo doméstico, num cotidia-
no que associa a sua participação e o aprendizado na divisão social do 
trabalho, nas relações de sociabilidade, manifestações lúdicas e a vida 
escolar. São estimuladas a incorporar uma ética em que o trabalho tem 
um valor relevante como base da subsistência, como meio privilegiado 
de ganhar a vida e de honrar seus compromissos. As crianças e os ado-
lescentes, em geral, aprendem desde muito cedo um conjunto diferen-
ciado – por gênero e geração – de papéis sociais nos espaços público e 
privado, em que se conformam regras, hierarquias e poderes expressos 
na divisão social do trabalho agrícola familiar e implicados na reprodu-
ção do patrimônio fundiário entre as gerações. 
Nessa forma singular de divisão social do trabalho familiar, a or-
ganização do processo de aprendizagem não se realiza separadamente 
das atividades produtivas, nem ocorre em lugares diferenciados do am-
biente cotidiano de trabalho que sejam destinados exclusivamente aos 
aprendizes, particularmente, às crianças. Aprender e ensinar fazem parte 
do mesmo contexto social de ação em que ocorrem as atividades da vida 
cotidiana da comunidade e da unidade produtiva familiar, e no qual os 
sujeitos se inserem de forma diferenciada em função das suas possibili-
dades de participação e dos seus objetivos.
De acordo com Gomes (2008), nesse tipo peculiar de organização 
social, são as próprias crianças que, muitas vezes, se propõem a partici-
par de alguma atividade e são acolhidas na sua tentativa. Tais formas de 
participação funcionam como situações de aprendizagem in loco. Mesmo 
que seja somente para uma atenta observação, a criança toma parte da si-
tuação, sendo que seu grau de participação vai depender em grande parte 
da sua direta solicitação. Já segundo Brandão (1986: 128), as situações, 
as redes e os processos através dos quais o saber flui de uma geração a 
outra não são tão espontâneos e não tão impessoalmente dissolvidos em 
outras práticas sociais como parece. Para o autor, embora não existam 
mecanismos formais institucionalizados para a transmissão de saberes 
na agricultura de base camponesa, há um conjunto de relações sociais 
no âmbito da divisão sexual e geracional do trabalho familiar, em que se 
configura um ambiente de aprendizagem no qual se reproduzem de pais 
para filhos(as) os conhecimentos, as técnicas e as práticas adotadas nos 
processos produtivos. 
270 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
É interessante ressaltar que, do ponto de vista dos adultos (ou 
dos maiores), este convívio continuado com as crianças requer habili-
dades, pois ele pressupõe que não se interrompam as atividades – que 
frequentemente não devem e nem podem ser interrompidas –, mas que 
se possa levar em conta a presença das crianças. Em outras palavras, 
reitera Gomes (2008), a presença de “potenciais aprendizes” não im-
plica a suspensão da ação de quem executa alguma tarefa ou atividade, 
que continua seu curso, permitindo, porém níveis diferenciados de in-
teração. Tais habilidades de convívio são aprendidas e desenvolvidas; 
assim como podem ser “desaprendidas” quando não se faz nenhum uso 
delas. 
Na pesquisa que realizamos em determinadas localidades rurais 
da região Oeste de Santa Catarina (Stropasolas, 2010), fundamentada no 
estudo de casos múltiplos, abordou-se, entre outros objetivos, a inserção 
e a intensidade de participação das crianças na divisão social do trabalho 
agrícola familiar e a presença do lúdico e do lazer no mundo da infância. 
A metodologia utilizada contemplou a aplicação de um questionário, en-
trevistas semi-estruturadas e dinâmica de grupo de discussão, incluindo 
prioritariamente as crianças e, de forma complementar, algumas entre-
vistas com os pais e familiares. O questionário abrangeu setenta e duas 
crianças de escolas públicas estaduais e municipais de Lacerdópolis e 
Coronel Martins, situados na região Oeste catarinense. Sendo que, dos 
entrevistados(as), trinta e seis foram do sexo feminino e trinta e seis 
do sexo masculino, abrangendo as faixas etárias de cinco a nove anos, 
dez a doze anos, e treze a quatorze anos de idade. Para cada faixa etária 
referida, foram aplicados vinte e quatro questionários (doze meninos e 
doze meninas).
Com o objetivo de abordar as representações e noções construídas 
pelas próprias crianças, particularmente, em torno dos principais con-
ceitos e questões abordados na pesquisa, foram organizados grupos de 
discussão nas escolas através de dinâmicas que reuniram as crianças em 
círculos e com a mediação do pesquisador, que teve o papel de levantar 
questões para estimular o debate. As crianças participantes foram sele-
cionadas com a ajuda da direção das escolas, considerandoas diferen-
tes faixas etárias, dividindo-se proporcionalmente as crianças por sexo, 
envolvendo várias comunidades rurais dos municípios e com filhos(as) 
de agricultores familiares representativos da realidade local. Com as 
crianças, foram apresentados e debatidos os objetivos da realização dos 
grupos de discussão.
271Trabalho infantil no campo...
A intensidade e as características que configuravam/configuram 
o ambiente de trabalho na infância e adolescência, no espaço rural pes-
quisado, dependem das condições objetivas e subjetivas de cada famí-
lia, que se apresentam bastante diversificada nas localidades. Embora 
a ausência das crianças no ambiente do trabalho não seja a regra no 
conjunto das famílias de agricultores, a frequência e a intensidade de 
sua participação oscilam, dependendo do caso considerado, aflorando 
aqui algumas variações no seio desta categoria social, sendo as con-
dições econômicas e produtivas, a disponibilidade de terra e de mão 
de obra alguns fatores determinantes desta variação. Importa salientar, 
também, que estes “afazeres” realizados na infância aparecem internali-
zados nas representações dos pais e das próprias crianças como “ajuda” 
e não como trabalho em si.
Percebe-se, a influência de uma norma cultural perpassando as 
condutas do grupo doméstico, pois são estimulados, na prática, a com-
preender a importância do envolvimento de todos no trabalho agrícola 
familiar, assumindo algumas tarefas desde pequenos, como forma de 
assumir os compromissos e a responsabilidade de quem é treinado para 
executar atividades que, por envolverem uma quantia significativa de 
recursos financeiros (cujo mau gerenciamento, muitas vezes, pode com-
prometer o patrimônio da propriedade), bem como riscos e incertezas 
muito grandes, não se pode falhar. Assim, nesta economia peculiar, ca-
racterística da agricultura familiar, em que os mesmos agentes que pla-
nejam são os que decidem e executam, a transmissão do conhecimento e 
das atribuições é feita, para as crianças, no âmbito do trabalho. 
Nos casos estudados, há uma clara divisão de tarefas entre as 
crianças, sobretudo em função dos sexos. O trabalho da casa, de manei-
ra geral, é atribuído como sendo de responsabilidade feminina, embora, 
mais recentemente, verificou-se uma participação significativa de me-
ninos desempenhando esse papel. Cabe salientar que a partir da faixa 
etária de seis a oito anos, a mãe começa a fazer a iniciação das meninas 
nas atividades domésticas. Assim como suas mães, as meninas além de 
trabalhar na casa, não deixam de realizar alguns afazeres na roça. No 
entanto, nesse ambiente verifica-se uma presença mais marcante dos ho-
mens, os quais costumam iniciar os meninos desde cedo nas atividades 
aí desenvolvidas, mesmo que isto represente apenas uma “ajuda” e sem 
exigir esforços físicos mais acentuados por parte dos filhos. Começando 
desde muito cedo a tirar leite, em torno de nove anos, as meninas são 
estimuladas a internalizar um padrão cultural que atribui, sobretudo, à 
272 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
esfera feminina a realização dos trabalhos e dos cuidados vinculados a 
esta atividade. Embora o nível de dedicação ao trabalho esteja na depen-
dência da idade, não há muita distinção entre as tarefas executadas por 
jovens e adultos, sejam homens ou mulheres (Silva, 2001: 140).
Das propriedades visitadas, parcela expressiva possui integração 
com as agroindústrias. Coletamos informações referentes à participação 
das crianças nas atividades vinculadas a avicultura, bovinocultura de 
leite e suinocultura. De maneira geral, verificou-se que é significativa 
a presença das crianças no cotidiano dessas atividades, acompanhando 
os demais membros da família nos afazeres diários. A suinocultura é a 
atividade entre as três relacionadas em que se verifica a menor partici-
pação das crianças, por outro lado, a bovinocultura de leite se destaca 
como a atividade com maior presença das crianças junto aos seus pais, 
principalmente as meninas.
Outro aspecto que deve ser considerado quando se pretende dar 
conta da complexidade embutida na problemática do trabalho infantil 
diz respeito às modificações recentes nos sistemas produtivos agrícolas 
e pecuários vigentes nos territórios rurais. Com a modernização dos pro-
cessos produtivos constituintes dos sistemas agroindustriais, decorrentes 
da inserção das empresas produtoras e exportadoras de alimentos e ma-
térias-primas, como é o caso de grandes conglomerados agroindustriais 
no Sul do Brasil, acentuam-se as exigências (decorrentes dos mercados 
globalizados) de aumento na escala, na produtividade e na qualidade 
das mercadorias produzidas em série nessas cadeias produtivas, entre as 
quais podemos citar a avicultura, a suinocultura, a fumicultura, a fruti-
cultura, entre outros. 
Como consequência desse processo, renovam-se as regras e as 
exigências dessas empresas com as famílias de agricultores integrados 
e/ou parceiros dessa relação contratual, acarretando cada vez mais a 
difusão e a exigência de adoção de novas tecnologias, maquinários e 
equipamentos nas propriedades dos agricultores que, para manterem-se 
nesses circuitos produtivos e no mercado, devem necessariamente ade-
quarem-se às exigências impostas por tais segmentos produtivos. Perce-
be-se, assim, uma sobrecarga das pessoas que permanecem nas unidades 
produtivas familiares, inclusive entre os mais novos, tendo em vista a 
redução da mão de obra na família com a diminuição da taxa de natali-
dade e a migração acentuada dos filhos(as), sobretudo a partir dos quinze 
anos de idade. 
273Trabalho infantil no campo...
Nas situações em que as famílias possuem um patrimônio ma-
terial (máquinas e equipamentos), fundiário e financeiro mais elevado, 
constata-se, também, a exigência de mobilização da mão de obra de to-
dos os integrantes do grupo doméstico que permanecem na propriedade, 
com influências no trabalho infantil (em muitos casos, demandando o 
trabalho das crianças mais novas) ou mesmo em outras dimensões do 
processo de socialização dessas crianças, considerando a excessiva jor-
nada cotidiana de trabalho (muitas vezes sem descanso semanal) dos 
adultos e dos filhos(as) maiores residentes nesses estabelecimentos. Para 
Schneider (2005), o uso bem-sucedido e adequado da força de trabalho 
dos membros que compõem a unidade doméstica é determinante para 
sua viabilidade econômica e, portanto, sua reprodução como grupo so-
cial que trabalha e produz. Isto explica porque os agricultores familiares 
operam com uma racionalidade que acaba levando à intensificação de 
suas jornadas de trabalho e, na maioria das vezes, colocando em ativida-
de o máximo de membros disponíveis na família, inclusive as crianças, 
os jovens, os idosos e, eventualmente, as esposas encarregadas da prole. 
Na pesquisa que realizamos no Oeste catarinense (Stropasolas, 
2010), ao indagarmos às crianças se gostam ou não de trabalhar nas ati-
vidades em que estão envolvidas, elas afirmam, em sua grande maioria, 
que sim, destacando positivamente os afazeres na atividade leiteira. No 
entanto, em relação à “ajuda” que prestam nas atividades vinculadas 
à avicultura e à suinocultura percebemos que, embora seja verificada 
uma proporção semelhante entre os que gostam e os que não gostam de 
trabalhar nessas atividades, há uma maior rejeição das crianças a deter-
minados afazeres que realizam nestes sistemas produtivos. 
Em relação à dimensão do lúdico e das atividades de lazer realiza-
das pelas crianças entrevistadas, verificamos que, na maioria dos casos, 
os depoimentos indicam que as crianças brincam o suficiente e, pra-
ticamente todas as crianças envolvidas na pesquisa, praticam esportes 
regularmente, seja na comunidade, em casa ou na escola (maior frequên-
cia). Cabe salientar, no entanto, que os jogos coletivos na comunidade se 
restringem aos finais de semana, enquanto, na escola, são mais presentes 
no cotidiano. Por outro lado, entre os meninos a resposta“quase todos 
os dias” apresenta uma maior frequência, sobretudo na faixa etária de 
dez a quatorze anos, enquanto é entre as meninas que se verifica uma 
maior recorrência na resposta “de vez em quando”. Os esportes pratica-
dos são futebol (maior frequência), futebol de salão, vôlei, basquete e 
handebol. 
274 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Atualmente, ainda que as crianças não deixem de brincar no am-
biente lúdico da propriedade ou da comunidade de origem, como outras 
crianças integrantes das novas gerações elas vivenciam modificações 
importantes no cenário em que se desenrola o lúdico no seu cotidiano, 
entre as quais a diminuição progressiva das brincadeiras realizadas no 
ambiente natural (rio, terra, “potreiros” e/ou pastagens naturais, matas 
etc.), o ambiente escolar passa a adquirir uma grande importância na fre-
quência cotidiana das brincadeiras na infância, a presença da tecnologia 
moderna, as redes de informação e a televisão aceleram o ritmo do coti-
diano, encurtam distâncias e fazem parte do seu brincar. Cabe salientar 
também, a diminuição do número de crianças nas comunidades rurais e, 
consequentemente, das “turmas”. 
as InIcIatIvas em busca de resolução da problemátI-
ca do trabalho InfantIl 
O trabalho infantil é um fenômeno social persistente, com raízes 
na estrutura socioeconômica da sociedade, que se sustenta simbolica-
mente de uma cultura favorável à utilização do trabalho de menores, as-
sociado normalmente às esferas informais da atividade econômica e com 
uma causalidade multifatorial (Sarmento, 2009). Nessa conformidade, o 
trabalho infantil deve ser analisado tendo em conta as múltiplas relações 
em que ele se insere e as suas determinações sociais, nomeadamente, o 
modelo econômico de desenvolvimento, as concepções dominantes e o 
estatuto social atribuído às crianças, como grupo geracional específico, 
o desempenho das políticas sociais e a sua incidência nas situações de 
exclusão social. Embora haja especificidades, dependendo do contexto 
social rural, inclusive casos de famílias consolidadas economicamente 
mobilizando o trabalho das crianças, a exploração do trabalho infantil 
possui uma correlação forte com a exclusão social, e em especial, com 
a pobreza dos agregados familiares. Isto implica que o combate à ex-
ploração do trabalho infantil se integre, em simultâneo, na vertente da 
luta contra a pobreza e no esforço pela promoção efetiva dos direitos 
da criança e pela inclusão social. (Sarmento, 2009; Sarmento, Tomás, 
Melro, Fernandes, 2005). 
De maneira geral, verifica-se, nesses últimos anos, uma redução 
da exploração do trabalho infantil, decorrente, sobretudo, das iniciativas 
desencadeadas por programas governamentais em parceria com orga-
nismos da sociedade civil, particularmente a OIT, a Unicef e a ONU. 
275Trabalho infantil no campo...
Para isso, contribuíram as medidas inovadoras recentes proporcionadas 
por esses programas de intervenção, como é o caso do PETI5 no Brasil, 
disponibilizando recursos, articulando uma rede de instituições públicas 
e privadas, o que permitiu maior agilidade e amplitude nas atividades 
desenvolvidas, bem como obtiveram alcances em termos de melhor qua-
lificação do corpo de profissionais envolvidos, a partir da realização de 
capacitações e estudos específicos sobre o público de crianças afetadas 
pelo trabalho infantil. 
Contudo, ainda há uma distância expressiva entre os alcances dos 
programas e a realidade dos números de crianças afetadas e/ou explo-
radas pelo trabalho infantil, seja no Brasil ou mesmo em boa parte dos 
países do mundo. Entre os diagnósticos, a constatação dos números, a 
definição do público a ser inserido nas ações das instituições, a interven-
ção na realidade, a realização efetiva dos direitos das crianças e a sua 
inclusão social há um longo e complexo caminho a ser percorrido.
Por outro lado, diante das constatações cada vez mais crescentes 
de que existem características específicas distinguindo o trabalho das 
crianças na agricultura familiar, evidenciado particularmente nas pes-
quisas que realizamos na região Oeste de Santa Catarina, caberia uma 
análise mais pormenorizada nesse contexto em torno da eficácia dos 
resultados alcançados e as implicações decorrentes das iniciativas que 
visam à erradicação do trabalho infantil, desencadeadas através de ações 
e recursos governamentais (com participação da sociedade civil), como 
é o caso do PETI, no intuito de se averiguar em que medida ocorre efe-
tivamente uma adequação entre a problemática do trabalho infantil na 
agricultura de base familiar e os conceitos e estratégias mobilizados e 
conduzidos no âmbito desse programa ou mesmo em outros com obje-
tivos similares.
Como aponta Carvalho (2004: 59), as ações do PETI focalizam 
prioritariamente as “piores formas” de ocupações precoces o que, por si 
só, já delimita claramente um segmento do público infantil do campo e 
uma perspectiva distinta daquilo que é verificado, de forma recorrente, 
nos espaços ocupados pela agricultura familiar em Santa Catarina, so-
bretudo no contexto de nossas pesquisas. Considerando a relevância e a 
emergência no tratamento analítico desta questão instigante e, tendo em 
vista que ela não estava prevista no escopo deste artigo, sugere-se um 
estudo à parte para a abordagem qualificada deste campo de pesquisa 
emergente nos territórios típicos da agricultura familiar, como é o caso 
276 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
das regiões coloniais do Sul do Brasil. 
Outras abordagens e interpretações em torno dos significados 
do trabalho infantil colocam em relevo as perspectivas de análise e as 
iniciativas das próprias crianças, a partir de formas coletivas de inter-
venção destacando o exercício da cidadania ativa na busca por direitos 
vinculados à problemática do trabalho infantil. Em nível de América La-
tina, cabe ressaltar o papel exercido pelo Movimiento de Adolescentes y 
Niños Trabajadores Hijos de Obreros Cristianos (MANTHOC), que nas-
ceu em Lima, no Peru, em 1976, o primeiro movimento de meninos, me-
ninas e adolescentes trabalhadores na América Latina. Atualmente, exis-
te um amplo movimento nacional de crianças trabalhadoras organizadas 
no Peru, que agrupa mais de trinta e quatro organizações, envolvendo 
em torno de 15 mil integrantes desse público. Segundo Muñoz (2008), 
seus integrantes entendem a infância como sujeito para a mudança social 
e as crianças e adolescentes como sujeitos econômicos e políticos com 
um papel a cumprir. Afirma que a corrente de pensamento abolicionista, 
frequentemente, não percebe a realidade do contexto de aguda pobreza e 
exclusão em que vive a maioria das crianças. 
Segundo o entendimento dos interlocutores desse movimento, a 
intervenção visando à erradicação do trabalho infantil sem medidas al-
ternativas pode precarizar ainda mais a situação de pobreza das famílias. 
Suas lideranças defendem que o trabalho não pode ser concebido como 
um mal em si mesmo, devendo ser compreendidas as condições em que 
ele se desenvolve. Reclamam proteção jurídica para que possam realizar 
suas atividades laborais em condições dignas, embora esta visão não 
deixe de trazer polêmicas. 
Esses movimentos de NATs integram e são dirigidos por crianças 
e adolescentes entre dez e dezoito anos, que vivem em estado de pobreza 
e trabalham principalmente na economia informal urbana, estando orga-
nizados em nível local, nacional e internacional. Suas ações na esfera 
pública são diversas, estão dirigidas à promoção dos direitos da infância 
e contra as condições de exploração do trabalho, a discriminação e a vio-
lação de seus direitos. Segundo Muñoz (2008), as ações do movimento 
representam uma postura alternativa e incômoda para a realidade social, 
pois possuem a capacidade de provocar conflito na medida em que ques-
tionam a visão e as normas politicamente corretas. Enfim, representa a 
postura de valoração crítica que resulta inconveniente para os grupos 
conservadorese para os organismos internacionais.
277Trabalho infantil no campo...
Para a autora, a visão majoritária do trabalho infantil segue alicer-
çada em concepções próprias da cultura ocidental, existindo uma grande 
confusão em torno da diferenciação entre trabalho e exploração infan-
til. A atual visão hegemônica está representada pela OIT que, ao longo 
dos anos, tem passado de uma ação normativa (convênios internacionais 
do trabalho) a uma ação programática (Programa IPEC). Nesse orga-
nismo, tem predominado a visão do trabalho exclusivamente como um 
problema social e danoso para as crianças. Por outro lado, a maioria dos 
estudos têm se concentrado em destacar a função negativa do trabalho 
infantil para a reprodução e o desenvolvimento da sociedade, em que as 
crianças são vistas unicamente como vítimas e objeto de proteção.
Assim, compreender a diversidade e a complexidade dos signifi-
cados do trabalho para as crianças exige que se contemplem as diversas 
dimensões que interagem nesse fenômeno social. Ao mesmo tempo em 
que se busca diagnosticar as condições em que se realiza o trabalho, é 
importante ouvir das próprias crianças e de suas famílias as razões que 
justificam esse trabalho. Embora, em grande parte dos casos, as explica-
ções repousem nas razões econômicas, nem sempre o fenômeno se reduz 
a isso. Em síntese, para uma maior compreensão da noção de trabalho 
infantil, torna-se indispensável se conhecer as condições de vida, as re-
lações de parentesco, interconhecimento e de vizinhança, os processos 
de socialização em que interagem as crianças rurais e os contextos so-
ciais em que se inscreve a cultura do trabalho familiar. 
consIderações fInaIs
As ações que visam a eliminação das piores formas de trabalho in-
fantil serão infrutíferas se não tocarem nos efeitos perversos do mercado 
de trabalho, sobretudo nos diversos elos que integram as cadeias produ-
tivas vinculadas a determinados setores do agronegócio, em que se re-
produzem ainda níveis inaceitáveis de exploração das condições de tra-
balho, com baixos salários, controle e dependência dos trabalhadores(as) 
aos patrões, subjugando, nas mais diversas formas, os membros das fa-
mílias de agricultores, e afetando diretamente as crianças, que, em mui-
tos casos, são incorporadas precocemente ao trabalho. 
Nesse sentido, se a solução do problema da exploração do traba-
lho infantil deve obrigatoriamente colocar as necessidades e as deman-
das desse público em primeiro plano, o conjunto de medidas não deve se 
restringir exclusivamente às crianças, pois elas integram grupos domés-
278 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
ticos que são cotidianamente prejudicados e afetados pelos mecanismos 
excludentes de mercado, por condições precárias de trabalho, renda e 
salário, pela migração de jovens, pelo abandono institucional, isolamen-
to social e precariedade de acesso às políticas públicas. 
Diversas iniciativas e ações concretas orientadas à eliminação do 
trabalho infantil vêm sendo implementadas em nível de sociedade, Esta-
do, organizações internacionais, ONGs etc., fundamentadas no aparato 
legal de proibição do trabalho de crianças, e no alicerce simbólico e va-
lorativo construído por instituições internacionais (OIT, ONU etc.), com 
o apoio dos governos, que deslegitimam a sua prática social. Em decor-
rência, as avaliações de programas e projetos públicos ou privados vêm 
indicando a redução significativa das piores formas de trabalho infantil. 
Contudo, análises mais qualitativas indicam, também, uma tendência de 
estabilização nos índices dos resultados alcançados, sobretudo para a re-
alidade brasileira, com indicadores ainda preocupantes desse fenômeno 
social. Enfim, certo esgotamento das estratégias e medidas realizadas 
para a solução desse problema, que se reveste de difícil solução, de gran-
de complexidade e multidimensionalidade. 
Esta problemática torna-se ainda mais complexa quando nos re-
ferimos às peculiaridades do trabalho precoce no âmbito da agricultura 
familiar. Singularidades estas nem sempre contempladas e problemati-
zadas suficientemente por determinados estudos realizados por institui-
ções nacionais e internacionais ou mesmo nas intervenções de progra-
mas de organizações oficiais nesse contexto, como é o caso da PNAD, 
OIT, PETI. Muitas vezes, concebe-se o tema da exploração do trabalho 
infantil de forma homogênea e generalizante, equiparando-se o trabalho 
de “ajuda” ou a contribuição das crianças na divisão social do traba-
lho agrícola familiar (que, de maneira geral, insere-se em processos de 
aprendizagem, socialização e sucessão familiar) àqueles realizados pelo 
público infantil em sistemas produtivos agrícolas de base empresarial, 
que são executados sob forma de contratação (assalariamento ou outra 
forma de pagamento da mão de obra). 
No que se refere, especificamente, aos contextos sociais e econô-
micos no campo brasileiro em que se verifica um processo estrutural de 
empobrecimento dos agrupamentos familiares, os programas de alívio à 
pobreza ou mesmo os que compõem a denominada rede básica de prote-
ção social deveriam ser articulados a estratégias e medidas estruturantes 
orientadas para a superação da pobreza, da exclusão e das desigualda-
279Trabalho infantil no campo...
des sociais. Para isso, torna-se fundamental a viabilização de políticas 
multidimensionais, amplas, duradouras e que considerem a necessidade 
de se superar também os mecanismos excludentes dos mercados, bem 
como a concentração da propriedade da terra, a desigualdade de renda 
e de oportunidades, fatores que acabam afetando, sobremaneira, a con-
dição social das crianças rurais e suas famílias, com implicações na sua 
inserção precoce no trabalho (assalariado ou familiar), na reprodução 
da exploração do trabalho infantil em determinados setores produtivos 
agropecuários. 
Cabe salientar, também, a importância e a urgência de se imple-
mentar políticas governamentais orientadas para uma transformação e 
melhoria do ensino público, fundamentado nos princípios da Educação 
do Campo, que vem sendo proposto por movimentos sociais rurais, enti-
dades representativas dos trabalhadores rurais e da agricultura familiar, 
além de intelectuais, pesquisadores, docentes etc. Para isso, ressalta-se 
a relevância da participação da sociedade civil no desenvolvimento e no 
controle das políticas sociais implementadas nos territórios rurais. 
Com relação ao tema do trabalho infantil no campo brasileiro, 
antes mesmo de se constituir como problemática sociológica, o trabalho 
infantil caracterizou-se por ser um problema social com visibilidade e 
repercussão pública. A noção de “trabalho infantil” vem sendo muitas 
vezes abordada de forma a-problemática, isto é, como um conceito nor-
mativo, sem complexidade nem ambiguidade, mais precisamente, uma 
atividade ilegal das crianças, praticada clandestinamente e socialmen-
te condenável. No entanto, esta concepção vem sendo questionada, de 
forma recorrente, por uma opinião pública comumente orientada para a 
aceitação da atividade econômica das crianças em nome da socialização, 
contra a “ociosidade”, e dos valores educativos do “trabalho”. 
Seja a visão não problematizada do “trabalho infantil” como um 
“mal social”, seja a visão muitas vezes conservadora embutida nas re-
presentações que enfatizam o caráter educativo do trabalho precoce na 
infância, o que prevalece na noção de “trabalho infantil” é uma concep-
ção não sociológica deste fenômeno social. Enfim, a sociologização do 
conceito de trabalho infantil – ou seja, a compreensão dos significados 
das diversas e heterogêneas formas de inserção laboral do público in-
fantil nos processos produtivos agrícolas, explicitando-se as motivações 
sociais e culturais e os fatores estruturais que fundamentam o trabalho 
precoce no campo, constitui-se, assim, como uma tarefa inadiável, indis-
280 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
pensável e extremamente relevante. 
(Recebido