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GEOGRAFIA URBANA Aline Carneiro Silverol A urbanização na atualidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as dimensões da produção e consumo dos lugares da cidade. Descrever o processo de formação da periferia urbana. Explicar as questões ambientais nos espaços urbanos. Introdução Atualmente, o processo de produção e ocupação do espaço urbano está associado a ciclos econômicos e à ampliação das relações capi- talistas pela globalização. A forma de produção e consumo desses locais também ocasionou uma alteração na maneira como as periferias passaram a ser vistas pelo capital. Além disso, a expansão da cidade e a produção de novos espaços também provocaram uma série de impactos ambientais que colocam em xeque o processo de urbani- zação na atualidade. Neste capítulo, você vai conhecer os fatores que levaram ao processo de produção e consumo do espaço urbano, bem como o impacto desse processo nas periferias urbanas e no meio ambiente das cidades. 1 Produção e consumo no espaço urbano O fenômeno da produção e do consumo nos espaços urbanos está associado acima de tudo ao movimento de capitais que ocorre nesses espaços ao longo do tempo, ou seja, as práticas e atividades econômicas e sociais relacionadas ao capitalismo atual que ocorrem nos centros urbanos. Quando analisamos a história e a evolução do processo brasileiro de urba- nização, entendemos que a urbanização foi e ainda é um fenômeno dependente da forma como o fluxo de capitais circula no meio urbano. Além disso, não basta o capital circular no espaço urbano; é preciso também que os diversos grupos sociais tenham, de alguma forma, acesso a ele. A produção do espaço urbano A abertura de capital por grande parte das empresas a partir dos anos 2000 aumentou o interesse fi nanceiro na produção do espaço urbano. Essas ações produziram efeitos importantes na composição e na estruturação das cidades. O espaço urbano é produzido por variadas ações promovidas pela reprodu- ção da força de trabalho, que envolve desde a compra de imóveis, passando por bens de consumo duráveis e não duráveis até serviços como saúde e educação. Dessa maneira, a produção do espaço só acontece quando o mesmo é con- sumido, pois somente assim pode ocorrer a circulação de capitais necessária para fomentar todo o processo de urbanização atual. A produção do espaço urbano fomenta, ao mesmo tempo, o consumo e a produção de capital. A utilização do solo urbano, bem como a melhoria em estruturas já existentes, constitui uma forma de mobilização e previsão de capital. Além disso, há o processo de renovação das estruturas a partir de novos interesses imobiliários e de especulação, como o estabelecimento das áreas de negócios (central business) nas grandes metrópoles. As mudanças que ocorreram e que alteraram a relação do capital com a urbanização modificaram a produção do espaço urbano. Associado a isso, as ações promovidas pelo Estado brasileiro em função da expansão do capitalismo e da abertura econômica transformaram a produção do espaço em uma atividade ainda mais mercadológica. As mudanças fomentadas pelo Estado tiveram por objetivo a criação de normas que regulamentassem a circulação de capitais e seu investimento na urbanização, tornando-a uma atividade mais rentável. A urbanização na atualidade2 Em 1993, com a aprovação dos fundos de investimento imobiliário pela Lei nº 8.668, e em 1997, com a promulgação da Lei nº 9.514, ou Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário, a segurança jurídica para os credores imobiliários foi garantida no Brasil. Além disso, a criação dos fundos de investimento imobiliário garantiu liquidez a esses investimentos, ampliando a relação mercadológica e especulativa aos investidores. A partir do momento em que todas as condições favoráveis ao capital estavam asseguradas, bastava estimular o consumo do espaço urbano pelas diversos grupos sociais e atividades econômicas. O consumo do espaço urbano A inserção de novos atores fi nanceiros na produção do espaço urbano, além de alterar a composição e a estruturação das cidades, também precisaria alterar o padrão do consumo espaço urbano. Para a viabilização e a continuidade da produção do espaço urbano, era preciso que ele fosse consumido de forma contínua, mantendo as engrenagens do sistema produção–consumo em cons- tante movimento. Nesse sentido, foi necessária uma grande reformulação da estrutura de crédito capitalista, com o aumento do crédito pessoal. A reformulação do sistema de crédito foi necessária em decorrência das medidas impostas pelo liberalismo econômico, que alterou as ações capitalistas a partir da década de 1980, o que promoveu o aumento da concentração de recursos controlados por investidores institucionais. As empresas passaram a financiar os investimentos de forma direta, mediante a emissão de debêntures e ações. Essa situação representou um grande prejuízo aos bancos comerciais, pois se tratavam dos principais responsáveis pelo financiamento produtivo. Assim, os bancos foram forçados a procurar novas alter- nativas de investimentos, surgindo então o crédito pessoal como alternativa de lucro. 3A urbanização na atualidade A partir dos anos 2000, com a estabilização da economia brasileira, as- sociada a ações do Estado, houve um crescimento exponencial do crédito imobiliário. Ao mesmo tempo, também cresceu a emissão de instrumentos financeiros diversos, cujo rendimento está relacionado à produção e ao consumo do ambiente urbano construído. Esse cenário propiciou uma grande expansão da atividade imobiliária por todo o país, multiplicando os lançamentos imobiliários e a diversidade de empreendimentos. Entretanto, é importante salientar que a aceleração do consumo do espaço urbano ocorreu a partir do momento em que o crédito habitacional também foi disponibilizado para as classes média e baixa, que tinham acesso restrito a esses créditos. A oferta de crédito para as classes média e baixa ocasionou um crescimento exponencial na urbanização, especialmente nas periferias das cidades. Em muitas cidades do Brasil, as construções típicas das áreas periféricas foram substituídas por empreendimentos imobiliários de baixo custo, como conjuntos de edifícios e casas (Figura 1). Figura 1. A expansão da periferia urbana em Curitiba, Paraná, a partir da oferta de crédito para as classes médias e baixas, alterando a paisagem urbana da cidade. Fonte: Wirestock Images/Shutterstock.com. A urbanização na atualidade4 Além disso, cabe ressaltar que o processo de concessão de crédito para as classes mais baixas foi provocado pela necessidade de aumento dos lucros das grandes incorporadoras. Essas empresas precisavam ampliar seu mercado consumidor e, para que uma grande parcela da sociedade pudesse consumir o espaço urbano, era preciso a adoção de incentivos financeiros. Nesse sentido, para que os produtos urbanos fossem consumidos, foram necessárias algumas mudanças, como a atuação das empresas em áreas distan- tes das regiões centrais. As áreas periféricas ganharam destaque no processo de urbanização atual, fato este que alterou a forma como as periferias são vistas pelo capital. 2 Periferia urbana O processo brasileiro de urbanização é resultado de um modelo de desenvol- vimento econômico que teve início no período colonial, quando os primeiros entrepostos para o despacho de mercadorias extraídas do Brasil Colônia passaram a atrair pessoas que foram se estabelecendo nesses lugares. Esse processo foi intensifi cado a partir da década de 1930, com o início da industrialização brasi- leira, que também foi um importante fator de atração populacional para as áreas centrais. Nesse sentido, a confi guração espacial refl etida ao longo das últimas cinco décadas demonstra as diferentes etapas do desenvolvimento econômico. O desenvolvimento econômico transformou o espaço urbano e as áreas centrais em fragmentos,cada qual apresentando certo valor, de acordo com seu potencial de gerar capital, determinado pela proximidade às áreas centrais e aos sistemas de transporte e outras infraestruturas. Com isso, houve uma valorização dessas áreas e um aumento da especulação imobiliária, excluindo parte da população do processo de integração econômica e social. Entre os anos de 1945 e 1980, o Brasil conheceu um intenso processo de urbanização, favorecido pela economia aquecida. Isso provocou um grande deslocamento populacional, alterando de forma importante a estrutura de- mográfica das cidades. A expansão urbana foi responsável pela criação de muitos empregos, com uma complexa divisão social do trabalho, integrando boa parte da população à dinâmica urbana. 5A urbanização na atualidade Nesse período, houve uma grande oferta de trabalho nas áreas urbanas, transformando boa parte dos moradores em trabalhadores assalariados, o que possibilitou a integração desses grupos sociais à sociedade urbana já consolidada. A multiplicação dos postos de trabalho atraia cada vez mais grandes con- tingentes populacionais, que passaram a se concentrar nas áreas centrais, além de conferir às cidades um grande dinamismo, dando surgimento a redes e fluxos urbanos entre as cidades. Entretanto, apesar da expansão do mercado de trabalho e da inserção dessa parcela da população à dinâmica da cidade, o modelo econômico apresentava características concentradoras, tanto de renda quanto de população. Além disso, esse modelo se caracterizava por ser ao mesmo tempo excludente, já que o espaço urbano não apresentava os mesmos elementos e oportunidades para todos. As diferenças de renda entre a população trabalhadora e os responsáveis pelos meios de produção eram enormes, originando uma sociedade urbana com uma estrutura social complexa e fragmentada. A fragmentação da sociedade urbana refletiu-se no espaço urbano, com a segregação dos espaços de acordo com a renda e a atividade econômica. Se não havia espaço passível de ser consumido pela classe trabalhadora, era preciso encontrar locais que pudessem acomodar essa população e, ao mesmo tempo, mantê-las a serviço do capital nos centros urbanos. As periferias urbanas passaram então a representar o espaço urbano destinado e acessível ao consumo da classe trabalhadora urbana, graças à especulação imobiliária e aos interesses empresariais e políticos na gestão das áreas centrais. As áreas periféricas eram caracterizadas como locais desorganizados, onde o parcelamento do solo era feito de qualquer forma, sem a menor preocupação com o planejamento urbano e com a futura instalação de infraestruturas. Além disso, qualquer área era passível de ocupação e loteamento por parte de algumas incorporadoras, ou mesmo de ocupação irregular pela população. Assim, a ocupação de morros, encostas e margens de rios avançava de forma indiscriminada, sendo essas áreas comercia- lizadas a preços acessíveis, para que todos pudessem garantir o direito à casa própria (Figura 2). A urbanização na atualidade6 Figura 2. A ocupação das áreas periféricas de forma irregular e sem planejamento causaram e ainda causam graves problemas de ordem estrutural, já que a instalação de infraestruturas básicas, como redes elétricas e cloacais, não foram previstas. Fonte: Campanato (2008, documento on-line). A partir da década de 1980, a economia brasileira sofreu uma desaceleração, perdendo seu dinamismo. Uma das principais consequências da diminuição do ritmo econômico foi a precarização dos empregos e a redução dos postos de trabalho, o que fez diminuir a renda da população trabalhadora e também a circulação de capital nos centros urbanos. Como consequência, houve um deslocamento populacional para áreas pró- ximas aos centros urbanos e para as franjas das regiões metropolitanas, em função dos altos custos de vida. Esse movimento promoveu o crescimento das áreas periféricas de maneira geral, já que houve queda de renda por boa parte da população. Além disso, também estimulou o crescimento dos municípios em torno do município central, acentuando a formação de periferias metropolitanas. Com a crise associada às consequências da desaceleração econômica e da urbanização, os índices de pobreza aumentaram e se generalizaram nas periferias, evidenciando a grande desigualdade social existente no país. A partir da década de 1990, a implantação de reformas para a inserção do Brasil no processo de globalização, mediante a adoção de políticas neoliberais, promoveu a abertura do mercado brasileiro aos investimentos e a instalação de atividades econômicas multinacionais. 7A urbanização na atualidade Você pode estudar aspectos do processo de inserção do Brasil na economia global durante os anos 1990 acessando, no link a seguir, o artigo “Abertura econômica, em- presariado e política: os planos doméstico e internacional”, de autoria dos professores da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Mancuso e Amâncio de Oliveira. https://qrgo.page.link/KX9By A nova ordem econômica que nascia no Brasil promoveu uma mudança no mercado de trabalho, pois a classe trabalhadora não estava preparada para ingressar nesse novo contexto trabalhista, que exigia conhecimentos técnicos e escolaridade acima das que eram solicitadas para a execução dos serviços até a década de 1980. Assim, muitos trabalhadores perderam suas posições no mercado, aumentando a parcela pobre e de trabalhadores informais nas periferias e as desigualdades sociais. A partir da abertura de capital, muitas empresas passaram a investir no setor imobiliário e a buscá-lo como mais uma forma de obtenção de lucros. A produção do espaço urbano das grandes cidades passou a integrar o sistema financeiro de acumulação, alterando a dinâmica e a velocidade dos processos envolvidos na valorização imobiliária. Com a valorização cada vez maior dos espaços urbanos próximos às regiões centrais, a periferia urbana cresceu ainda mais. Para atender à demanda residencial das classes mais pobres, a ocupação das áreas periféricas ocorreu sem compromisso com o sistema de regulação do uso do solo e áreas de risco, entre outros, além de intensificar a fragmentação e segregação do espaço urbano. O mercado imobiliário ilegal também ganhou destaque, com a conivência do poder público, em benefício dos empresários do ramo imobiliário, que comercializaram muitas áreas de risco, causando prejuízos aos indivíduos e ao próprio Estado. Entretanto, as mesmas mudanças econômicas e políticas que ocorreram a partir da década de 1980, bem como a expansão do capitalismo, promoveram outras modificações importantes no cenário urbano. A necessidade de novas A urbanização na atualidade8 fontes de lucro e a potencialização do consumo do espaço urbano provocaram um processo de urbanização das periferias para atender ao capital investidor. As periferias, que antes constituíam locais de pouco interesse por parte dos investidores, passaram, a partir dos anos 2000, a serem áreas muito interes- santes do ponto de vista habitacional e de especulação imobiliária. A facilitação de aquisição de crédito pessoal e de subsídios governamentais, associada à busca por novos mercados consumidores, estimulou a produção imobiliária voltada às classes média e baixa. Esse fenômeno promoveu um aumento substancial na comercialização de unidades voltadas para essa faixa de renda. Contudo, é importante salientar que, apesar do interesse das incor- poradoras e da melhoria no aspecto do tecido urbano das periferias, tais locais não foram integrados aos outros sistemas urbanos existentes, permanecendo a segregação e a segmentação do espaço urbano. A visão da sociedade urbana periférica como um mercado consumidor em potencial tem alterado a ocupação dos novos espaços urbanos da periferia. A implantação de conjuntos residenciais de edifícios e casas populares passu a ocorrer mediante um parcelamento mais adequado de solo, com previsão de instalação das estruturasde responsabilidade governamental. Além disso, essas obras vêm alterando o visual das periferias, que antes eram conhecidas pelas casas muito simples e paupérrimas, sem nenhum acabamento externo, mas que agora apresenta conjuntos prediais e casas organizadas de maneira estética. Além de estimular a aquisição de imóveis por parte das classes de menor poder aquisitivo, as linhas de crédito também estimularam a reforma de muitos imóveis já existentes, tornando a periferia um lugar mais alegre e digno de viver, apesar das desigualdades sociais impostas pelo sistema capitalista. 3 As cidades e o meio ambiente Toda e qualquer cidade é um sistema complexo, que envolve indivíduos e grupos sociais e econômicos com interesses e objetivos distintos e que envolve também o meio ambiente. Assim, as interações na cidade ocorrem entre os diversos atores sociais e entre esses atores e o meio ambiente. Se a cidade é um sistema, a sociedade de forma geral e o meio ambiente também podem ser considerados sistemas que se inter-relacionam. A forma como interagem é determinante em uma série de comportamentos desses elementos. 9A urbanização na atualidade Para que isso ocorra, deve existir uma harmonia entre os sistemas. Ou seja, as cidades precisam de sistemas integrativos, que forneçam todas as regras e regulamentos, sistemas sociais e incentivos econômicos com um conjunto comum de metas e objetivos para a preservação e a integração da sociedade e da natureza à urbanização. As questões ambientais que enfrentamos desde o início da expansão dos centros urbanos estão relacionadas à ausência de planejamento adequado para o desenvolvimento das cidades e também para comportar o aumento popula- cional e as novas exigências da sociedade e da economia. O crescimento das cidades está relacionado a uma demanda cada vez maior por recursos naturais. Por sua vez, o aumento da demanda por infraestrutura, relações de consumo e energia exerce uma grande pressão sobre os recursos naturais limitados. Como consequência, as cidades entram em um processo que, a médio e longo prazos, pode se tornar insustentável. Apesar dos males potenciais do crescimento demográfico desordenado, a urbanização pode na verdade ser uma das chaves para um projeto humano mais sustentável no planeta Terra. Na TEDTalk disponível no link a seguir, intitulada “Como as megacidades estão mudando o mapa do mundo”, Parag Khanna fala sobre como a civilização de redes urbanas globais em ascensão promete reduzir a poluição e a desigualdade — e até mesmo superar rivalidades geográficas. https://qrgo.page.link/XoAXD Problemas ambientais urbanos As questões ambientais urbanas estão relacionadas aos impactos causados ao meio ambiente em função da implantação e crescimento das cidades ao longo do tempo. De certa forma, a maioria dos problemas ambientais urbanos A urbanização na atualidade10 está associada à maneira como ocorreu o processo de ocupação do território e a formação das primeiras cidades. Entre os principais problemas urbanos, destacam-se o saneamento básico, a ocupação de áreas de risco, o clima urbano, a poluição do ar, da água e do solo e as modifi cações da paisagem. Sustentabilidade urbana Um sistema urbano sustentável é aquele que, de forma planejada, permite que sua população tenha suas próprias necessidades atendidas e aumente seu bem-estar sem prejudicar o mundo natural nem colocar em risco as condições de vida de outras pessoas, seja no presente ou no futuro. A sustentabilidade urbana pode ser defi nida, então, como um estado desejável de condições urbanas que persistem ao longo do tempo, caracterizado por equidade, proteção do ambiente natural, uso mínimo de recursos não renováveis, vitalidade e diversidade econômica, autoconfi ança das comunidades, bem-estar individual e satisfação das necessidades básicas humanas (SOUZA, 2016). Além disso, a sustentabilidade urbana pode ser considerada como a capaci- dade dinâmica de um espaço urbano atender adequadamente às necessidades das populações presentes e futuras por meio de atividades de planejamento, desenvolvimento e gestão ambiental, econômica e social. No contexto da sustentabilidade urbana, a dimensão econômica propõe a maximização social e ambiental dos recursos humanos, energéticos e materiais por meio do fomento do desenvolvimento econômico a eles associados. Em uma política de sustentabilidade urbana, os processos devem ir além da mitigação de impactos; deve-se eliminar os impactos negativos e reverter as situações de insustentabilidade. Isso nos leva a reconhecer que existem limites que não devem ser violados, tanto sociais quanto naturais, o que instiga a dimensão econômica a encontrar novas oportunidades de inovação. A dimensão ambiental em um sistema urbano tem por objetivo manter a funcionalidade dos sistemas que dependem da natureza, além de controlar e minimizar os impactos sobre o meio ambiente e o espaço, visando a restauração e a manutenção dos ciclos naturais (Figura 3). 11A urbanização na atualidade Figura 3. Um sistema ambiental equilibrado garante uma melhor qualidade de vida aos habitantes das cidades. Na imagem, o Parque Ecológico do Cocó, em Fortaleza, Ceará. Fonte: Fortaleza (2008, documento on-line). A natureza, assim como o ser humano, não é algo fixo e imutável. A socie- dade e o meio ambiente encontram-se em um fluxo constante, e as alterações no modo de vida da sociedade muitas vezes são tão significativas que afetam a própria natureza da vida na Terra. O meio ambiente possui uma grande capacidade de adaptação às mudanças, mesmo em situações em que a alteração é muito brusca e violenta. Compreender essa capacidade de adaptação, bem como adotar ações de preservação, é essencial para identificar como as nossas cidades podem ser sistemas urbanos sustentáveis. Para que o meio ambiente possa funcionar em equilíbrio e em harmonia com os centros urbanos, diversas medidas podem ser tomadas com relação ao uso e à preservação dos recursos, garantindo-os de forma igualitária para as gerações atuais e futuras. Entre elas, podemos citar: cuidados na seleção de matérias-primas para o desenvolvimento de produtos, avaliando a capacidade de regeneração desses recursos; a preservação da biodiversidade; o uso de energias renováveis; investimento em políticas que incentivem o aumento do A urbanização na atualidade12 ciclo de vida dos produtos; reutilização e reciclagem de produtos; redefinição de programas de manufaturas; utilização de meios de transporte de baixo impacto ambiental, entre outros. O ciclo de vida de um produto refere-se às etapas de sua produção, desde a extração da matéria-prima para a sua produção até seu descarte. Para cada etapa, observa-se quanto foi consumido de recursos e de energia e quais foram os impactos causados ao meio ambiente. Ou seja, quando pensamos em um produto e em sua sustentabilidade, todas as etapas e recursos despendidos para sua a produção devem ser avaliados. A dimensão social em um sistema urbano está associada às melhorias e à manutenção da qualidade de vida da sociedade. Para a sustentabilidade urbana, é necessário que a dimensão social esteja em equilíbrio com os progressos alcançados pelo desenvolvimento econômico e que foram proporcionados pelo uso dos recursos naturais. A sociedade é composta por seres humanos, que são animais sociais que consideram não só a felicidade e o bem-estar individual, mas também o da coletividade. O comportamento da coletividade reflete o desejo de difusão de prosperidade, segurança, saúde, educação, conectividade social, eficácia coletiva e de distribuição igualitária desses benefícios, todos os quais dão origem a um estado de bem-estar (ROSE, 2019). A sustentabilidade urbana, quando consideramos a dimensão social, tam- bém envolve o reconhecimento das relações e das interdependências entre o meio ambiente e sociedade. A existência humana depende da qualidade do meio ambiente, ou seja, de arpuro, temperaturas adequadas, solos aptos à produção agrícola e à ocupação urbana e segurança no abastecimento de água potável. As ações humanas que prejudicam o meio ambiente revertem-se em con- sequências negativas à própria sociedade, demonstrando a complexidade dos sistemas naturais e a necessidade de estudar a fundo seu funcionamento. Além disso, por serem sistemas abertos, não há como prever o tipo de resultado após uma determinada interferência humana. As dimensões econômicas, sociais e ambientais também possuem alguns subsistemas, que interferem no sistema urbano, como as questões políticas e culturais. Tais questões fazem parte do processo coletivo, uma vez que também 13A urbanização na atualidade regem os princípios da convivência humana. A questão política interfere nos aspectos financeiros, na relação do Estado com o capital privado e especial- mente na ética e honestidade na governabilidade urbana. Muitas vezes, a sustentabilidade urbana é quase impraticável devido a práticas corruptas nas esferas governamentais e da iniciativa privada. Já a questão cultural refere-se ao modo como as pessoas encaram a susten- tabilidade urbana. Atitudes simples da sociedade, como descartar o lixo nos locais corretos, economizar água, não fazer ligações clandestinas de esgotos, entre outras, não se refletem no comportamento-padrão de todos os cidadãos. Para que haja uma mudança nesse tipo de comportamento, são necessários investimentos em uma educação ambiental efetiva nas escolas, universidades e até mesmo no mundo corporativo, seja ele público ou privado. Dessa forma, para se atingir a sustentabilidade urbana, é fundamental adotar novas formas de observar e relacionar as dimensões econômica, social e ambiental, juntamente com seus subsistemas. Isso significa que a compreensão do sistema urbano como uma relação sistêmica é de grande importância para avaliar e planejar os cenários futuros do desenvolvimento das cidades. Tais perspectivas requerem a identificação e avaliação de oportunidades e ameaças capazes de contribuir ou atrapalhar no avanço da sustentabilidade urbana a médio e longo prazos, bem como sua inserção nas pautas de discussão das políticas públicas e privadas e em processos de gestão associados. CAMPANATO, V. 22 de março de 2008. Agência Brasil, 2008. Disponível em: http:// memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/galeria/2008-03-22/22-de-marco-de-2008. Acesso em: 17 fev. 2020. FORTALEZA. Wikiwand, 2008. Disponível em: https://www.wikiwand.com/pt/Fortaleza. Acesso em: 17 fev. 2020. ROSE, J. F. P. A cidade em harmonia: o que a ciência moderna, civilizações antigas e a natu- reza humana nos ensinam sobre o futuro da vida urbana. Porto Alegre: Bookman, 2019. SOUZA, C. S. Sustentabilidade urbana: conceitualização e aplicabilidade. 2016. 66 f. Dis- sertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em Tecnologias para o Desenvol- vimento Sustentável, Universidade Federal de São João Del Rey, Ouro Branco, MG, 2016. A urbanização na atualidade14 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Leituras recomendadas CARLOS, A. F. A.; SANTOS, C. S.; ALVAREZ, I. P. (Org.). Geografia urbana crítica: teoria e método. São Paulo: Contexto, 2018. LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999. LEITE, C. Cidades sustentáveis cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012. SANTOS, M. Ensaios sobre a urbanização latino-americana. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2010. SANTOS, M. Manual de geografia urbana. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2008. SANTOS, M. Urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: EDUSP, 2009. 15A urbanização na atualidade GEOGRAFIA URBANA Aline Carneiro Silverol A urbanização brasileira Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a evolução da população urbana brasileira. Explicar a urbanização e a estruturação da rede urbana brasileira. Descrever a urbanização contemporânea brasileira e os novos con- teúdos das metrópoles e das cidades médias. Introdução Desde os primórdios da colonização do Brasil, diversos acontecimentos conduziram à formação das primeiras vilas e cidades, especialmente os relacionados aos fluxos econômicos, que interferiram de forma direta e importante na dinâmica da urbanização. Ao longo da nossa história, a expansão e a diversificação da economia promoveram movimentos populacionais entre áreas rurais e áreas urbanas, aumentando a concen- tração demográfica das cidades, até ultrapassarem a porcentagem de habitantes das áreas rurais. Conforme a população foi aumentando e os fluxos de produtos e serviços foram se ampliando, as cidades e as taxas de urbanização aumentaram consideravelmente. Com isso, surgiram as grandes cidades e as metrópoles, além de toda uma hierarquia urbana. Neste capítulo, você vai analisar o processo de urbanização brasileira e toda a dinâmica envolvida para que as cidades atingissem suas configurações atuais. 1 Evolução da população urbana brasileira Durante alguns séculos, a população brasileira esteve concentrada nas áreas rurais, em função da própria dinâmica colonial e das capitanias hereditárias. As vilas que se formaram incialmente tinham por objetivo concentrar e despachar os produtos obtidos por meio da exploração agrícola e mineral para as metrópoles. A partir do século XVII, com a intensificação das relações comerciais, al- gumas vilas se transformaram em cidades e passaram a exercer certa influência regional, constituindo-se também em polos de atração populacional. De forma geral, a população urbana se distribuía pelos diferentes aglomerados urbanos, especialmente nas cidades litorâneas e fortemente concentradas na região Su- deste. Somente a partir da República Velha, entre o final do século XVIII e início do século XIX, é que esses sistemas regionais de cidades começaram de fato a se articular nacionalmente dentro de um processo de integração comercial. Em 1920, o Brasil apresentava uma população de aproximadamente 27 milhões e contava com 74 cidades maiores com mais de 20 mil habitantes, totalizando entre elas 4.552.069 residentes, ou seja, 17% do total da população (BRITO; HORTA; AMARAL, 2018). Entre 1920 e 1930, 58,3% das cidades com mais de 20 mil habitantes estavam localizadas na região Sudeste, em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e no Distrito Federal de então (Brito et al. 2001). A partir dos anos de 1930 e 1940, o processo de urbanização se tornou ainda mais intenso, incorporando grandes transformações estruturais na sociedade e na economia nacional impulsionadas pela urbanização. Nesse sentido, não apenas o território foi modificado, mas também a sociedade brasileira, que se tornava cada vez mais urbana. A urbanização do interior do território nacional foi acelerada pelo movimento dos capitais comerciais locais, fomentando o investimento de origem privada de companhias de energia, de telefone, de meios de transporte, instituições de ensino, entre outras. Além disso, a expansão desses investimentos também promoveu o surgimento de serviços como postos de gasolina, armazéns de mercadorias diversas e outras atividades que reforçaram a urbanização e o setor terciário. O aumento da população nas áreas urbanas foi ocasionado por uma série de fatores, dentre eles a crise internacional, que prejudicou o comércio agrí- cola, obrigando uma parcela significativa da população rural a migrar para as cidades. Além disso, o processo de industrialização também foi um fator de atração da população rural e de outras regiões, aumentando a migração interna.No entanto, apesar do dinamismo, a população urbana de então não havia superado a população que ainda vivia nas áreas rurais. A urbanização brasileira2 O censo demográfico realizado em 1940 revelou que apenas 31,2% da população brasi- leira, na época, que era de 41.236.315 habitantes, residia em áreas urbanas. Nas décadas seguintes, o percentual aumentou consideravelmente, com tendência crescente de urbanização, mas foi somente em 1970 que se registrou uma população urbana maior que a população rural (55,9%) (BRITO; HORTA; AMARAL, 2018). Até o final da Segunda Guerra Mundial, a base econômica da maioria das cidades e capitais do território brasileiro era fomentada pelas atividades agrícolas. Nesse contexto, essas cidades exerciam uma grande influência nas áreas ao seu redor, além de concentrar funções administrativas públicas e privadas. Por isso, o percentual da população rural oscilava, mas ainda era dominante a parcela de habitantes nas áreas rurais. À medida que as cidades se tornavam mais urbanizadas, diversas melhorias nas condições de vida, aliadas às iniciativas de saneamento e de saúde pública, reduziram as taxas de mortalidade, aumentando as taxas de crescimento vegetativo. Além disso, existia o trabalhado assalariado nas lavouras de café, o que atraiu migrantes nacionais e internacionais, provocando mudanças sig- nificativas no perfil da mão-de-obra. Ademais, a existência de trabalhadores assalariados gerou uma intensa comercialização de produtos alimentícios, além do fortalecimento do mercado interno. Contudo, a crise de 1929 interrompeu esse período de forte crescimento econômico e urbano que estava associado à produção cafeeira. A queda dos produtos agrícolas brasileiros, somada à dívida externa que o Brasil contraiu em função da economia cafeeira, obrigou o país a investir no mercado interno e a construir uma nova organização econômica, dessa vez estruturada na industrialização mediante a substituição de importações. Para compreender melhor os impactos da crise de 1929 no Brasil, assista ao vídeo disponível no link a seguir e amplie o seu conhecimento. https://qrgo.page.link/qF4zN 3A urbanização brasileira A combinação dessas mudanças provocou também dois tipos de migração que iriam persistir lado a lado durante meio século a partir de 1930: a ocupação das fronteiras agrícolas (Paraná, Centro-Oeste e Amazônia) e a migração de áreas rurais para áreas urbanas. A continuação da queda da mortalidade e o aumento do crescimento vegetativo contribuíram fortemente para alimentar esses dois fluxos durante várias décadas (MARTINE; MCGRANAHAN, 2010). O auge do crescimento da população urbana ocorreu entre 1950 e 1980, especialmente entre 1950 e 1960. A partir de 1970, o crescimento da população ainda era considerado elevado, embora não no mesmo ritmo verificado até a década de 1960. O crescimento demográfico urbano ocorreu em virtude do intenso fluxo migratório das áreas rurais para as áreas urbanas, associado às altas taxas de natalidade e baixas taxas de mortalidade, que também contri- buíram de forma relevante para o aumento da população urbana. Entretanto, é importante salientar que o crescimento da população urbana a partir da década de 1950 ocorreu em áreas específicas do território brasileiro. Nas demais regiões do Brasil, a população rural continuava em crescimento. Entre 1960 e 1980, ápice do ciclo de expansão das migrações, estima-se que elas foram responsáveis por 53% do crescimento da população urbana. Considerando a taxa de fecundidade dos migrantes rurais na cidade, ou seja, o efeito indireto da migração, sua participação total no crescimento da população urbana chegou a 65% (BRITO; HORTA; AMARAL, 2018). Quando analisado sob o ponto de vista espacial e social, o crescimento da economia urbano–industrial até o fim da década de 1970 foi muito intenso e desequilibrado. O crescimento e a urbanização estavam muito concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que gerou importantes desequilíbrios regionais, inclusive entre a cidade e o campo, pois não se conseguia gerar o número de empregos necessários para atender a toda a demanda de crescimento da força de trabalho que passou a estar presente nas cidades. As migrações internas foram responsáveis pela redistribuição da população do campo rumo às cidades, principalmente na região centro-sul, acima de tudo para o estado de São Paulo. Entretanto, apesar do crescimento econômico, os desequilíbrios provocaram nas cidades de destino a reprodução dos problemas econômicos e sociais enfrentados nas cidades de origem. A urbanização brasileira4 Entre 1970 e 1980, houve um significativo aumento da população urbana, se comparado à década anterior. Nas décadas de 1980 e 1990, a população total cresceu 26% enquanto a população urbana aumentou em cerca de 40%, demostrando que a movimentação populacional foi a responsável pelo incre- mento do número de habitantes nos centros urbanos. Entretanto, a partir da década de 1990 houve uma interrupção do cres- cimento populacional e de sua concentração nos grandes centros urbanos. A taxa de crescimento urbano caiu de 4,2% ao ano na década de 1970 para 2,6% na década de 1980, especialmente nas regiões metropolitanas. No decorrer da década de 1970, as metrópoles eram responsáveis por 41% de todo o crescimento urbano nacional, enquanto na década de 1980 essa proporção caiu para 30%. O ciclo de urbanização acelerada que perdurou por meio século estava sendo interrompido, e a queda do crescimento e da concentração populacional nas grandes cidades se manteve durante a década de 1990. Diversos fatores contribuíram para essa mudança no padrão de urbanização brasileiro, sendo os três principais a queda da fecundidade, a crise econômica que se instalou no país entre as décadas de 1980 e 1990 e a descentralização da atividade produtiva nos grandes centros urbanos. Esses fatores, associados a outros fenômenos, permitiram uma reorganização da hierarquia urbana e a alteração dos centros de influência urbana. 2 Urbanização e estruturação da rede urbana brasileira No início da colonização do território brasileiro, os colonizadores por- tugueses não tinham interesse em criar uma sociedade urbana, e sim estabelecer poucos núcleos urbanos no litoral brasileiro com a função de defesa e também como entreposto para a exploração do interior nos diversos ciclos extrativos e agrícolas que existiram durantes os séculos que se seguiram. Além disso, as classes sociais dominantes eram ligadas à economia rural e consideradas antiurbanas. Dessa forma, durante todo o período colonial e pela maior parte período imperial, as cidades criadas para defesa e entreposto não faziam parte de uma rede urbana propriamente dita, relacionando-se mais com a metrópole no exterior do que entre si, confi gurando pontos isolados no território. 5A urbanização brasileira Para entender como a economia colonial influenciou o processo de urbanização, assista ao vídeo disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/2Dvsu Entretanto, os núcleos urbanos se comunicavam de alguma forma, e uma incipiente rede urbana no Brasil deu seus primeiros passos a partir do século XII. Ao final de 1720, o Brasil já contava com sessenta e três vilas e oito cidades, sendo considerada a primeira rede urbana formada no país. Nesse sentido, o país durante muitos séculos foi considerado um grande arquipélago. O território era formado por espaços que tinham uma rede de relações próprias, que eram ditadas por suas relações com o exterior, isto é, outros subespaços. Cada um deles apresentava polos dinâmicos internos, que exibiam uma relação escassa e não interdependente. A rede urbana formada a partir de 1720, bem como o processo de urba- nização, foi iniciada a partir da colonização do território brasileiro, sendo estimulada pelo próprio sistema social das colônias, que era formado pelos seguintes elementos: a organização política-administrativa, queenvolvia as capitanias he- reditárias, o governo geral e a organização municipal; as atividades econômicas, especialmente a agricultura de exportação e de subsistência; a estrutura social (classes sociais) propriamente dita; as atividades urbanas e os indivíduos nelas envolvidos, como o comércio, os serviços, o funcionalismo, a mineração, etc. Dessa forma, a urbanização se acelerou a partir do século XVIII, e as vilas e cidades ganharam mais importância a partir do momento em que as oligarquias agrárias elegeram as cidades como sua moradia principal. A classe social agrária só retornava às fazendas para acompanhar o andamento da produção e para resolver problemas relacionados à atividade (Figura 1). A urbanização brasileira6 Figura 1. Os núcleos urbanos passaram a ganhar importância com a migração da oligarquia agrária para as pequenas cidades. Fonte: Diego Grandi/Shutterstock.com. A urbanização brasileira atingiu sua maturidade no século XIX, à medida que as relações entre as cidades foram se expandindo. No período da República Velha (1889–1930), com a grande expansão da economia cafeeira e com o primeiro e expressivo surto de industrialização, as relações comerciais entre as diferentes regiões brasileiras, que até então eram consideradas “arquipélagos regionais”, se intensificaram. Os arquipélagos regionais eram articulados em torno das atividades agrí- colas e mantinham um sistema de cidades polarizadas, geralmente pelas capitais das Províncias, que seriam os futuros Estados na era Republicana. As capitais centralizavam os principais serviços públicos, a intermediação comercial e financeira das principais atividades econômicas regionais e os serviços ligados a exportação e importação. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que a integração do território brasileiro tornou-se viável. Nesse momento, foi realizada a interligação das estradas de ferro e a construção das estradas de rodagem, permitindo o contato entre as diversas regiões do país e especialmente dessas regiões com o núcleo urbano principal, São Paulo. Toda essa infraestrutura construída tinha por objetivo intensificar os programas de substituições de importações e, por consequência, promover o crescimento da urbanização com a ampliação da comunicação entre as redes urbanas. Assim, a 7A urbanização brasileira implantação da malha ferroviária e viária contribuiu para a interligação de cidades e redes urbanas mais isoladas, conferindo dinamismo e a expansão da urbanização. Na segunda metade do século XIX, com a produção do café, o estado de São Paulo passou a ser o polo dinâmico de uma grande área do território nacional, que abrangia o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Todo o aparato desenvolvido em função da economia, como a melhoria dos meios de transporte, incluindo a malha ferroviária e de portos, e dos meios de comunicação, trouxe uma dinamismo a essa região do Brasil. A dinâmica proporcionada pela produção e comercialização do café e pela divisão do trabalho foi fundamental para que o processo de industrialização se desenvolvesse primeiramente nessa região, atribuindo uma grande vantagem ao polo central, São Paulo (Figura 2). Figura 2. A cafeicultura foi uma das responsáveis pelo grande acúmulo de capital por parte da oligarquia agrária, utilizado no início da indus- trialização brasileira. Fonte: Andre Nery/Shutterstock.com. Em função da cafeicultura e do processo de industrialização, os movimentos migratórios internos e internacionais aumentaram. Estes últimos, fortemente financiados pela União, impunham limites à expansão dos deslocamentos populacionais internos, já que se dirigiam principalmente para os Estados onde mais se expandia a economia, ou seja, São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, os A urbanização brasileira8 imigrantes, especialmente os italianos, representaram importante mão-de- -obra nas fazendas cafeeiras e contribuíram para o incremento populacional das áreas urbanas na época da industrialização. Entre décadas de 1970 e 1980, que representam o ápice do processo de concentração urbana, cerca de metade da população urbana já residia nas aglomerações metropolitanas e nos centros dessas aglomerações. Nesse pe- ríodo, cidades com menos de 20 mil habitantes ainda apresentavam alguma relevância, já que concentravam cerca de um quarto (1970) e um quinto (1980) da população urbana do país. No decorrer do tempo, entretanto, sua participação relativa passou a apresentar uma tendência decrescente em favor das cidades maiores. Por outro lado, observa-se que a maioria da população que vive nos aglomerados metropolitanos residia em cidades com mais de 100 mil habitantes. No ano 2000, por exemplo, elas concentravam cerca de 92% da população total dos aglomerados metropolitanos(BRITO; HORTA; AMARAL, 2018). Nesse contexto, podemos dizer que o período compreendido entre os anos de 1930 até 1980 foi marcado por um processo constante de crescimento urbano e de concentração da população em cidades cada vez maiores. Esse processo estava relacionado às diversas etapas do desenvolvimento nacional e foi estimulado pelo crescimento demográfico, que alimentava o estoque de migrantes em potencial nas áreas rurais, assim como o crescimento vegetativo da população residente nas próprias cidades. Até a década de 1980, o ciclo de expansão da população urbana rumava para uma grande concentração da população nas grandes cidades, principal- mente nos centros urbanos que apresentavam uma população acima de 500 mil habitantes. Nessa época, 57% da população urbana já residiam em cidades com mais de 100 mil habitantes e 35% em cidades com mais de 500 mil. Após 1980, o ciclo de expansão começou a assumir um novo padrão, apresen- tando uma diminuição mais representativa das taxas de crescimento da população urbana e da evolução do seu grau de urbanização, além de uma maior participação das cidades com uma população entre 100 e 500 mil habitantes, que continuaram a crescer mais intensamente que as cidades com mais de 500 mil habitantes. A partir do final da década de 1980 e início da década de 1990, novos fenômenos passaram a ser observados nas cidades, como a aglomeração urbana e a formação das grandes metrópoles, bem como a descentralização da população em relação às grandes cidades e a busca por cidades menores. 9A urbanização brasileira 3 Urbanização contemporânea brasileira Enquanto a indústria comandava a economia, as aglomerações urbanas surgiam em função dos parques industriais, formando cidades com grande população e relevân- cia na hierarquia urbana. Essas cidades e suas redes urbanas eram articuladas em função da manutenção do processo de urbanização e industrialização, o que tornava os outros núcleos urbanos à sua volta dependentes das decisões das cidade-polo. No decorrer das décadas de 1980 e 1990, a indústria vinha perdendo força e influência na economia brasileira de forma gradativa, enquanto o setor de serviços experimentava um importante crescimento. Além disso, com a globalização, o perfil industrial foi sendo alterado: as grandes indústrias, com muitos empregados em sua linha de produção, foram sendo substituídas por fábricas de alta tecnologia. A mudança no perfil industrial exigia um novo tipo de espaço urbano, pois as grandes cidades já não eram tão atrativas, já que não havia necessidade de tanta mão- -de-obra, além dos custos operacionais nas grandes cidades serem mais elevados. O espaço urbano e as cidades foram sendo reestruturados em função da mudança do perfil industrial, além da interação entre as indústrias de alta tecno- logia, as atividades artesanais, que são desempenhadas pelas micro e pequenas empresas, e o setor de serviços. Essas duas últimas são também desempenhadas em espaços dispersos, especialmente nas cidades médias, em função do custo. Diante desse cenário, as grandes indústrias começaram a se deslocar para as cidades de porte médio, periféricas aos grandes centros urbanos, ondefoi possível diminuir os custos de operação, como aluguéis, salários dos traba- lhadores, mobilidade urbana, dentre outros. Foi assim, por exemplo, que a cidade de Cubatão, em São Paulo, localizada a 58 km da região metropolitana da capital, se consolidou como um importante parque industrial. Entretanto, as micro e pequenas empresas apresentam um papel fundamental na articulação espacial das cidades médias. Para essas empresas, as relações entre o cliente e o fornecedor são baseadas em custos relacionados a distância e, por isso, elas se aglomeram, organizando, de uma certa forma, o território. Essa articulação interna dos territórios aumenta a relevância das cidades médias como agentes do processo de descentralização das políticas públicas (SANTOS, 2008). Como já mencionado anteriormente, diversos fatores contribuíram para a mudança do padrão de urbanização no Brasil, dentre os quais podemos destacar a queda nas taxas de fecundidade, a crise econômica entre 1980 e 1990 e a própria descentralização da atividade industrial. A diminuição das taxas de fecundidade pode ser atribuída à própria di- nâmica do processo de urbanização. Uma família numerosa na cidade não era uma vantagem; ao contrário, significava maiores gastos, especialmente A urbanização brasileira10 com relação à habitação, e ainda representava um obstáculo à ascensão social e econômica. Dessa forma, houve uma redução das taxas de fecundidade, diminuindo a oferta de migrantes e o crescimento da população das cidades. Por sua vez, a crise econômica que o país atravessou entre as décadas de 1980 e 1990, em decorrência das consequências do choque do petróleo, que provocou o aumento dos juros internacionais, só fez crescer a dívida externa brasileira. Além disso, a crise promoveu uma forte queda na produção indus- trial. Os problemas econômicos acabaram gerando outras mudanças de grande significado, como o fim do regime militar e o retorno do regime democrático; o fim do ciclo de industrialização via substituição de importações; e a im- plantação das teorias neoliberais, incluindo a privatização de várias grandes empresas nacionais, a abertura da economia e a redução do papel do Estado. Todos esses fatores tiveram consequências que culminaram em um dos impactos mais importantes para o processo de concentração urbana, que foi o aumento do desemprego e da pobreza. As grandes cidades foram as mais afeta- das pela crise econômica, especialmente os setores industriais e de construção. A redução das oportunidades econômicas nas grandes cidades diminuiu e até inverteu, por algum tempo, os fluxos migratórios tradicionais, gerando fortes correntes de migração de retorno e até as primeiras correntes importantes de emigração para o exterior. Nesse contexto, as cidades não metropolitanas ou cidades médias se apresentaram como uma opção e uma nova oportunidade, e a partir daí foram registradas taxas de crescimento populacional maiores do que as taxas observadas nas cidades metropolitanas. Ademais, antes mesmo da crise econômica, já estava ocorrendo um processo de descentralização da produção, especialmente na região de São Paulo, o que sinalizava um novo padrão de urbanização e de crescimento das cidades. Somado a isso, também havia uma importante iniciativa por parte dos gover- nos para integrar as diferentes regiões do país por meio de incentivos fiscais e outros investimentos governamentais, como a Zona Franca de Manaus. Os próprios empresários aproveitaram essas iniciativas para descentralizar suas atividades, fugir dos problemas das grandes metrópoles, abrir novos mercados e aumentar sua lucratividade. Por outro lado, essa descentralização das atividades econômicas obser- vada entre as décadas de 1980 e 1990 não diminuiu a relevância das grandes metrópoles no cenário urbano nacional. Mesmo com duas décadas de cres- cimento econômico reduzido, as metrópoles brasileiras apresentaram um aumento populacional absoluto importante, pois, apesar da estagnação das cidades-polo, as periferias das grandes metrópoles continuaram crescendo a um ritmo acelerado. 11A urbanização brasileira A região metropolitana de São Paulo, apesar da descentralização das atividades industriais, permaneceu como a capital dos serviços administrativos, financeiros, educacionais e culturais mais modernos do país. Assim, podemos considerar que a área de influência do polo dominante foi mais expandido do que desconcentrado. A partir da década de 1990, uma nova ordem urbana foi sendo constituída na hierarquia urbana brasileira, com a reorganização e a mudança dos papéis das cidades, além do seu reposicionamento em relação à sua importância regional e nacional. Essas alterações se processaram em decorrência do novo padrão urbano, que mudou a forma como as cidades e suas redes urbanas se relacionavam. As mudanças observadas no decorrer da década de 1990 refletiram-se no aparecimento de uma nova rede urbana, com cidades mais ou menos qualifi- cadas dentro da hierarquia urbana, e localizadas longe dos locais tradicionais, como o interior do país. As cidades médias passaram a exercer influência e a atrair novos habitantes em decorrência das suas funcionalidades e do papel que desempenham na rede urbana regional, nacional e internacional. As cidades médias O processo de metropolização brasileiro esteve associado ao processo de industrialização de partes do espaço geográfi co e às dinâmicas de acúmulo de capital, que originaram nove regiões metropolitanas, as quais comandavam a organização do território. O desenvolvimento das cidades médias foi um aspecto fundamental dessa organização em um nível hierárquico inferior, atuando como polos regionais e contribuindo para a articulação das escalas de produção e consumo (SANTOS, 2009). Entretanto, o fenômeno metropolitano contemporâneo tem resultado em novas formas urbanas, que se caracterizam pela tendência à dispersão, alta mobilidade e desconcentração territorial, espalhando-se pelas áreas urbanas e rurais. Em vista disso, as cidades médias podem ser consideradas um fenô- meno oposto ao processo vivenciado inicialmente pelas grandes cidades que resultaram na metropolização. Por definição, as cidades médias não se encontram em um contexto me- tropolitano, possuindo uma posição definida na hierarquia urbana e na or- ganização do território. No entanto, com a relevância que foram adquirindo A urbanização brasileira12 com o tempo, essas cidades passaram a indicar o surgimento de um nível hierárquico intermediário. Portanto, as cidades médias brasileiras apresentam uma grande importância para o funcionamento das redes urbanas, pois possuem características que as aproximam das grandes metrópoles, como a oferta de bens e serviços e os demais fluxos econômicos, mas ao mesmo tempo não apresentam os mesmos problemas. BRITO, F.; HORTA, C. J. G.; AMARAL, E. F. L. A urbanização recente no Brasil e as aglome- rações metropolitanas. OFS Preprints, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.31219/osf. io/84b92. Acesso em: 30 jan. 2020. MARTINE, G.; MCGRANAHAN, G. A transição urbana brasileira: trajetória, dificuldades e lições aprendidas. In: BAENINGER, R. (org.). População e cidades: subsídios para o planejamento e para as políticas sociais. Campinas: Núcleo de Estudos de População, Unicamp; Brasília: UNFPA, 2010. SANTOS, M. Manual de geografia urbana. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2008. SANTOS, M. Urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2009. Leituras recomendadas CARLOS, A. F. A.; SANTOS, C. S.; ALVAREZ, I. P. (org.). Geografia urbana crítica: teoria e método. São Paulo: Editora Contexto, 2018. LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora Ufmg, 1999. LEITE, C. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012. SANTOS, M. Ensaios sobre a urbanização Latino-Americana. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2010. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados,e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 13A urbanização brasileira GEOGRAFIA URBANA Mait Bertollo O processo de urbanização Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever as condições históricas para a origem e o desenvolvimento das cidades. Explicar a urbanização na Revolução Industrial. Relacionar a urbanização contemporânea e novos conteúdos com a globalização e a economia flexível. Introdução Ao longo dos séculos, as principais cidades da história humanidade passaram por processos que consolidaram o arranjo espacial presente no espaço urbano. Para entender como o processo de urbanização re- dundou no que se vê no mundo atual, é preciso destrinchar os principais marcos históricos e tendências que pontuaram a evolução dessas grandes aglomerações sociais, econômicas e culturais. Neste capítulo, você vai estudar como surgiram as principais cidades da história e as condições para que elas se consolidassem. Você também verá como a Primeira e a Segunda Revoluções Industriais proporcionaram alterações substanciais nas cidades, tanto no âmbito espacial quanto social, político e econômico. Por fim, a urbanização contemporânea também será abordada, em seu desenvolvimento ligado às redes de transportes e telecomunicações e intensificado pela globalização. 1 Condições históricas para a origem e o desenvolvimento das cidades A aglomeraç ã o de habitantes e a concentraç ã o de construç õ es e infraestruturas como ruas, avenidas e pontes e de atividades econô micas como comé rcio, serviços e indú strias caracterizam o espaç o urbano, que correspondem às cidades. Registros histó ricos indicam que já havia cidades entre 3.500 a.C. e 3.000 a.C. Antes disso, a maioria dos grupos humanos era nô made, isto é, se deslocava periodicamente em busca de alimentos e abrigo. A história da humanidade revela que em todos os períodos houve desen- volvimento de té cnicas, numa contínua reinvenção de saberes em busca de melhorias das condições materiais. A prática da agricultura e a domesticação de animais são exemplos de té cnicas criadas, permitindo ao ser humano viver coletivamente em cidades. Isso somente foi possível quando a produção do campo passou a gerar excedentes suficientes para permitir que uma parcela da população passasse um longo período trabalhando em outros tipos de atividades, como artesanato, comércio etc. Assim, o sedentarismo trouxe novas possibilidades aos primeiros povoados e o domínio das técnicas já citadas. Ao longo do tempo, esses povoados foram erguendo fortificações e delimitações com o objetivo de proteção. Cada povoado, influenciado por fatores históricos e geográficos específicos, foi se organizando e se especializando em determinadas atividades sociais e econômicas. Cidades na Antiguidade As primeiras cidades surgiram na Mesopotâmia, atual região onde está lo- calizado o Iraque, por volta do ano 3.500 a.C., entre os rios Tigre e Eufrates. Esses rios propiciavam água, planícies e solos férteis para cultivo de várias culturas, elementos importantes para o estabelecimento de cidades. Nesse sentido, outras regiões também tinham condições semelhantes, como as regiões de vales dos rios Nilo, no Egito, Indo, na Í ndia, e Huang-Ho (ou Amarelo) e Yang-Tsé -Kiang (Azul) na China. Assim, foi possível nesses lugares desenvolver nú cleos urbanos que se expandem até os dias atuais. À medida que a produç ã o de alimentos foi se diversificando e aumentando, outros lugares que nã o tinham vales fé rteis també m foram capazes de desenvolver cidades. Com o passar do tempo, a produção de excedente foi crescendo e fomentou o comércio nas cidades, o que as tornou cada vez mais importantes política e economicamente, bem como populosas. Um exemplo é Atenas, na Grécia, que chegou a ter uma população superior a 200 mil habitantes entre os anos 508 a.C. e 322 a.C. Roma, uma das mais importantes cidades da Antiguidade e capital do Império Romano do Ocidente, atingiu no século IV, durante o início da Era Cristã, mais de 900 mil habitantes. À medida que as conquistas de novos lugares ocorriam, novas cidades eram formadas, conformando as primeiras redes urbanas. Um exemplo é o Império Romano, que, a partir de Roma, sua principal e mais importante cidade, O processo de urbanização2 expandiu-se para o Oriente Médio, Norte da África e Europa Ocidental, esta- belecendo diversos núcleos populacionais. O declínio do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., marcou o fim da Idade Antiga e o início da Idade Média, e teve como implicação a decadência do processo de urbanização vigente e o início de um processo de ruralização que durou boa parte da Idade Média. No período feudal, entre os séculos V e XV, as cidades passaram por um momento de perda de importância, quando grande parte da populaç ã o passou a habitar feudos, que eram espaço de produç ã o agrí cola. Apenas quando o modelo de produç ã o medieval entrou em decadência, as cidades voltaram a se sobressair como lugares de negó cios e poder. Cidades no feudalismo A Idade Média, período entre os séculos V e XV, foi caracterizada principal- mente pelo sistema chamado feudalismo. Nesse período, o sistema produtivo, a economia, a política e a sociedade passaram por grandes transformações, com a Igreja Católica como centro do poder. Os feudos se isolaram e passaram a ser autônomos, limitando e diminuindo as transações comerciais entre as diversas regiões. Assim, as cidades fi caram restritas a núcleos pequenos, protegidos por grandes fortifi cações para garantir a segurança de castelos e igrejas dentro dos feudos. Contudo, o renascimento do comércio e o surgimento de núcleos populacionais mais dinâmicos, sobretudo na Itália, marcaram o reinício do processo de urbanização. Essa mudança já identificada no final do século XIII, e consolidada no século XV, é chamada de Renascimento, movimento caracterizado por reformas nas áreas da cultura, política e economia. Nesse momento, também se acentuam as diferenças entre a cidade e o campo, demarcando esses dois espaços e suas atividades principais. Com o passar do tempo, o poderio econômico e político acabou se concentrando nas cidades, o que atraiu mais pessoas a habitar o espaço urbano, por maior oferta de alimentos e serviços, relativa segurança, diversos tipos de trabalho e potenciais condições para melhoria de vida. Cidades na Idade Moderna Para compreender como se constituem as cidades modernas, é importante reconhecer o desenvolvimento do mercantilismo como o fato que resultou na retomada do processo de urbanização no mundo. Com a intensifi cação do comércio entre as regiões, as cidades recuperaram seu papel de destaque, centralizando o poder político e econômico. O desenvolvimento das cidades 3O processo de urbanização transpôs os limites dos feudos e das fortifi cações, já que começaram a se de- senvolver em torno dos castelos e das igrejas e a crescer próximas às inúmeras e dinâmicas rotas de comércio. Nesse período, as redes urbanas passam a se delinear como um conjunto de cidades que se articulam por meio dos fl uxos de capitais, pessoas, mercadorias e informações, que se consolidará e se intensifi cará nos séculos subsequentes (BENKO, 1996). O mercantilismo foi um conjunto de práticas econômicas ampliadas no continente europeu entre os séculos XV e XVIII, baseadas no intervencionismo estatal, no co- lonialismo e no metalismo. Nesse contexto, o colonialismo foi um tipo de política desenvolvida para exercer poder e autoridade sobre um território estrangeiro, ocupado e conduzido militarmente pelo país colonizador, a metrópole. As ações eram muitas vezesrealizadas contra a vontade dos habitantes locais, que geralmente perdiam a posse de terras e direitos. Por sua vez, o metalismo, também é chamado de bulionismo, era a exploração e uso de metais preciosos, principalmente após a colonização do continente americano. Esses metais eram utilizados para realizar trocas comerciais e como moeda de compra e venda de diversos itens por meio do uso da prata e do ouro como as primeiras moedas da Modernidade. 2 A urbanização na Revolução Industrial A intensifi cação e expansão de atividades comerciais e o crescimento das cidades estão profundamente ligados à Primeira e à Segunda Revolução Industrial. As cidades conhecidas como contemporâneas passaram a comportar indústrias que transformavam matérias-primas em produtos para vendê-los a diversas regiões, inclusive para as colônias situadas nos continentes americano e africano. A Primeira Revolução Industrial A Primeira Revolução Industrial ocorreu aproximadamente entre 1760 e 1850, e foi um importante momento de ascensão urbana. Cabe lembrar que o urbanismo, que são as técnicas para organização das aglomerações humanas, como condições de habitação às populações das cidades, teve seu ápice apenas a partir de meados do século XX, quando muitos países iniciaram seu processo de industrialização. O processo de urbanização4 Dessa forma, para que as cidades abrigassem as indústrias que se desen- volviam nesse período — bem como os trabalhadores e todas as infraestru- turas necessárias para que a produção acontecesse —, foi preciso haver uma intensa transformação do espaço. Assim, o campo e a cidade se transformam e a natureza também sofreu grandes mudanças. Os trabalhadores do campo começaram a se deslocar para as cidades principalmente pela necessidade de mão-de-obra e pela busca de melhores condições de vida. Esse processo, chamado de êxodo rural, resultou no aumento populacional das cidades e no seu crescimento estimulado pela industrialização. Nesse contexto, com a chegada acentuada de pessoas vindas do campo, começam a ser construídas cada vez mais moradias urbanas (CORRÊA, 1990). Como consequência, o sistema de transporte começou a ser transformado, o comércio se tornou mais intenso e pujante e houve grande expansão terri- torial das cidades, sucedendo problemas sociais e de saúde, como poluição, falta de saneamento básico, moradias precárias para os trabalhadores, falta de distribuição de água potável, etc. Na época da Primeira Revolução Industrial, houve também uma intensifi- cação do sistema colonialista, impulsionada pela busca por matérias-primas para a fabricação de diversos produtos. O Brasil, por exemplo, fornecia algodão e café, enquanto outros países que também eram colônias na América do Sul e no continente africano, que eram pouco ou nada industrializados, também tiveram suas matérias-primas exploradas por países industrializados para o incremento da sua própria produção. Assim, o sistema colonialista de exploração atendia aos interesses da Revo- lução Industrial. Além da exploração de matéria-prima, havia a escravização de povos nativos, como no caso do Brasil, em que o trabalho era realizado por povos indígenas ou africanos escravizados. Isso ocorreu do século XVI ao século XIX. A matéria-prima e a produção agrícola procedentes da exploração escrava era comercializada com países europeus industrializados, destacando- -se a supremacia da Inglaterra na aquisição desses produtos. Essa matéria-prima servia de base para produzir mercadorias nos países industrializados e vendê-las para o mundo todo, inclusive para os países que forneciam essa matéria-prima. Foi criada, a partir daí, a primeira divisão entre países industrializados e países agrários fundados em exploração de produtos minerais e agrícolas (SANTOS, 1993). Os países industrializados construíam e aprimoravam as técnicas de pro- dução, estabelecendo indústrias próximas a rios e jazidas de carvão mineral, já que o funcionamento dessas indústrias se dava pela siderurgia e motores a vapor. As máquinas utilizavam o calor como forma de energia, em que a água, 5O processo de urbanização sob alta temperatura, era convertida em energia mecânica. As consequências foram o crescimento de grandes cidades industriais e mudanças espaciais. A natureza foi sendo cada vez mais modificada, com a transformação dos usos econômicos, por exemplo, nas margens dos rios por indústrias e, con- sequentemente, o aumento da poluição, desmatamento e retificação dos rios com a expansão das cidades (SANTOS, 1996). A Segunda Revolução Industrial A urgência por maior e mais intensa produção para vender as mercadorias industrializadas em maior escala para outros países conduziu, no século XIX, à chamada Segunda Revolução Industrial, com destaque para a invenção do motor a explosão e a produção e uso da energia elétrica. O uso do motor à explosão foi e ainda é direcionado principalmente para os transportes, como os automóveis, que surgiram no fi m do século XIX, bem como para alguns tipos de máquinas industriais. A energia elétrica, o motor a explosão e as fontes de energia como ga- solina e diesel foram inventos que tiveram suporte do desenvolvimento das ciências. As pesquisas científicas começaram a ter maior influência sobre o desenvolvimento tecnológico utilizado para a expansão industrial a partir de fins do século XIX. Isso permitiu que o setor industrial pudesse dar um salto de produção, levando a um aumento extraordinário no acúmulo de capitais. Portanto, o desenvolvimento científico em muitas áreas do conhecimento passou a convergir com interesses capitalistas. Na Segunda Revolução In- dustrial, o desenvolvimento da ciência foi essencial para a concretização das transformações e gerou a expansão tanto na produção quanto no acúmulo de riquezas (CHESNAIS, 1998). O grande número de invenções e o uso dessas tecnologias a partir da Se- gunda Revolução Industrial resultaram em mudanças impactantes em vários âmbitos, como na economia rural e urbana e na expansão e modificação das localizações das indústrias, comércio, habitações, redes de transporte, etc. (SANTOS, 1996). Nas cidades, o motor a explosão e a eletricidade romperam com imposições de localização ainda vigentes na Primeira Revolução Industrial, em que as indústrias tinham que se localizar obrigatoriamente próximas aos rios e às jazidas. Isso produziu outro tipo de organização, pois as disposições físicas das O processo de urbanização6 cidades se transformaram. As cidades começaram a ser adaptadas ao advento dos automóveis e sistemas de transporte como bonde e metrô, passando a crescer até onde esses veículos podiam chegar. Essas novas bases tecnológicas geraram também um importante desen- volvimento da chamada indústria pesada, como a metalurgia, a siderurgia, máquinas e equipamentos industriais. Os motores a explosão, além de estimular a fabricação de automóveis, também expandiram a indústria do petróleo. Outro elemento importante foi o incremento da tecnologia para a geração de energia elétrica, resultando no motor elétrico e nos primeiros eletrodomésticos, que transformam as casas e os tipos de máquinas usados nas fábricas. Para a produção dessas mercadorias e seu aprimoramento, houve grandes investimentos, sucedendo em associação de empresas para aumento da capa- cidade produtiva e competitiva. Simultaneamente, diversos bancos e demais instituições financeiras iniciaram a participação em atividades industriais, desenvolvendo a partir daí os mercados de capitais e as bolsas de valores. Os bancos se tornaram também donos dessas empresas e começaram a investir na produção. Nesse contexto, iniciou-se uma extraordinária concentração de capital por um pequeno número de empresas, que ao ampliarem seus lucros também ampliavam seu parque industrial, resultando no desaparecimento de pequenas empresas de alguns setores. Nessa fase do capitalismo, iniciou-se o chamado capitalismo financeiro ou capitalismomonopolista (SANTOS, 1996). Quando o capitalismo monopolista se estabeleceu, ocorreu a nítida divisão entre os chamados países desenvolvidos industrializados e os países subdesen- volvidos de economia agrária. Nesse contexto, Inglaterra, Alemanha e França eram os mais industrializados, destacando-se também os Estados Unidos; já países da América do Sul, como o Brasil, Colômbia, Peru, e do continente africano, como aqueles localizados na chamada África Subsaariana, forneciam e fornecem matérias-primas e detêm um grande mercado consumidor, com população crescente. As relações comerciais entre os países a partir da Segunda Revolução industrial se intensificaram, realçando o fato de que os países subdesenvolvidos que eram colônias deixaram de sê-las. O sistema internacional dessa época, anterior ao contemporâneo, tem então como principal característica os países subdesenvolvidos no papel de fornecedores de matérias-primas e com papel político de pouca importância (CORRÊA, 1990). 7O processo de urbanização 3 A urbanização contemporânea Ao analisar as condições históricas para o nascimento e desenvolvimento das cidades, é possível notar que a urbanização apresenta frequentemente fortes vínculos com a indústria. As atividades industriais transformam o espaço urbano e o contexto da urbanização contemporânea fomenta também a atividade do setor terciário da economia, conhecido pelo comércio e pela prestação de serviços. Tais elementos geram um circuito espacial produtivo, que impacta em todas as escalas do espaço geográfi co. Num passado recente, as indústrias se localizavam nas grandes metrópoles, mas atualmente elas se deslocam para cidades médias, ou mesmo para países em desenvolvimento (LE GOFF, 1998). Esse movimento tem o objetivo de buscar mão-de-obra barata e incentivos fi scais, bem como leis ambientais menos rígidas ou inexistentes. Metrópoles como São Paulo e Nova York estão se tornando cada vez mais cidades prestadoras de serviços, isto é, cidades do setor terciário. Ainda que as fábricas se desloquem para outras regiões, os setores administrativo, fi nanceiro e de pesquisa tendem a permanecer no local de origem, tornando essas cidades cada vez mais especializadas num setor terciário sofi sticado. O circuito espacial produtivo é um conceito da geografia utilizado para compreender os fluxos acelerados e em rede de bens, informações e capital, resultando na mundia- lização da produção, do consumo e dos serviços, elemento que constitui o fenômeno da globalização (SANTOS, 1986; SANTOS; SILVEIRA, 2001). O circuito espacial produtivo aborda a conhecida “cadeia produtiva” (de abordagem econômica), sob a ótica do espaço, ponderando sobre as novas divisões territoriais do trabalho e na especialização dos lugares. Como exemplo, podemos citar a produção de vacinas, cujo circuito espacial produtivo mundial envolve elementos advindos de vários países, desde o vírus inativado, que vem geralmente de países europeus, até os plásticos da seringa, que podem vir dos Estados Unidos, e sua derradeira montagem, que pode se dar no Brasil. O aumento e desenvolvimento da urbanização pode ser observado, por exemplo, a partir do dado de que em 1950 a populaç ã o urbana representava menos de 30% da populaç ã o mundial. Desde entã o, a urbanizaç ã o vem ocor- rendo de forma acelerada em todo o mundo. Atualmente, a população urbana representa mais de metade da populaç ã o mundial (Figura 1). O processo de urbanização8 Figura 1. Evolução da população urbana mundial de 1950 a 2016. Fonte: United Nations (2018, documento on-line). Ainda que em muitos paí ses a populaç ã o rural supere a urbana, a tendê ncia é que essa proporç ã o se reverta ainda neste sé culo. No Brasil, oito em cada dez habitantes vivem em cidades (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017). A evolução dos transportes e das telecomunicações, principalmente nas últimas décadas do século XX e nas duas primeiras décadas do século XX, pelos elementos da globalização, afetou diretamente a dinâmica das cidades, pois elas passaram a se interligar, criando conexões comerciais, econômicas, políticas e sociais, influenciando-se mutuamente em escala tanto regional quanto global. Assim, há uma profunda relação entre o desenvolvimento das cidades e a globalização, pois o papel delas no cenário mundial transformou- -se significativamente. Cabe ressaltar que a globalização é entendida como um período em que há um processo de intensa e ampla integração econômica e política internacional, caracterizado pelo avanço nas técnicas ligadas aos sistemas de transporte e de comunicação. Esse fenômeno de caráter mundial se acentuou no fim do século XX e se mantém no século XXI (SANTOS, 1996). Nesse contexto, algumas cidades se tornam megacidades e/ ou cidades globais. As cidades globais exercem influência econômica e política sobre várias regiões do planeta, principalmente no âmbito financeiro, cultural e de serviços. Entre as cidades classificadas como globais, podemos citar Nova York, Londres, Tóquio, Paris, Frankfurt, Zurique, Los Angeles e Chicago. Nota-se que as cidades globais estão situadas em países desenvolvidos. Os países desenvolvidos apresentam frequentemente uma rede urbana densa e articulada, por causa da elevada densidade de urbanização, assim como um sistema 9O processo de urbanização econômico dinâmico, com significativo consumo interno, além de uma rede de transportes e comunicações tecnologicamente sofisticada. Nos países subdesen- volvidos, que têm industrialização concentrada em apenas alguns pontos ou têm menor densidade de industrialização, a rede urbana geralmente é desarticulada e linear, direcionada para as regiões exportadoras, como os portos, derivando um tipo de conexão fragmentada entre as cidades e as regiões de cada país. As redes urbanas, nesse caso, tendem a se adensar em regiões onde há gran- des aglomerações urbanas integradas por redes de transporte e comunicação. As redes de metrópoles conectadas são chamadas de megalópoles, presentes, por exemplo, na porção ocidental da Europa, no sudeste do Japão e na região nordeste dos Estados Unidos. Nas últimas décadas, importantes redes urbanas foram estabelecidas em países subdesenvolvidos, como a região sudeste do Brasil, no conhecido eixo Rio de Janeiro–São Paulo–Campinas, e as regiões concentradas nas cidades de Buenos Aires, na Argentina, e Cidade do México. No início do século XXI, a internet permitiu a criação de redes globais, que conectam pessoas, empresas, instituições e lugares, com potencial de facilitar o acesso a serviços, informações e mercadorias. Um exemplo são as cidades de menor porte: até o advento da internet, uma cidade pequena dependia dire- tamente de cidades maiores e mais próximas para ter acesso a determinadas mercadorias. Atualmente, em alguns setores da economia, já não se aplica mais essa dependência, visto que há a possibilidade de compras pela internet, em que a ligação entre os lugares se dá de forma instantânea e simultânea. A rede urbana, na atualidade, se torna mais complexa, principalmente pelos usos de tecnologias de transporte e comunicação. Essa rede pode ser qualificada pela interdependência entre diferentes cidades e se estabelece a partir dos fluxos de dados, mercadorias, capitais, pessoas e informações. Assim, cada cidade de uma rede urbana estabelece relações com as demais com base nos serviços que cada uma delas tem a oferecer e tem a demandar (HARVEY, 2005). No contexto da urbanização contemporânea, é importante distinguir a urbanização em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Nos países desen- volvidos, as Revoluções Industriais provocaram um processo de urbanização gradativo: num primeiro momento, a população se concentrava em torno das indústrias em áreas centrais; conforme o processo de industrialização se intensificou, as fábricas se deslocaram para as cercanias das grandes cidades, principiando um processo de especialização dos
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