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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Nadia Studzinski Estima de Castro Alfabetização e letramento: a questão dos métodos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os métodos de alfabetização e os seus pressupostos teórico-metodológicos. Distinguir alfabetização de letramento. Apresentar a evolução do conceito de letramento e a sua aplicação no ensino. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a alfabetização e o letramento, com foco na questão dos métodos. Para tanto, você vai conhecer alguns métodos de alfabetização, considerando seus pressupostos teóricos e metodológicos. Nesse contexto, é necessário diferenciar alfabetização de letramento, de modo que você possa agir com base em um conhecimento específico e reflexivo sobre cada um desses conceitos. Assim, você vai conhecer a evolução do conceito de letramento. A ideia é que você observe, nesse percurso, de que forma acontece a aplicação do letramento no (e para o) ensino. Métodos de alfabetização Para esta leitura, considere que a alfabetização é um processo que está além da codifi cação e da decodifi cação dos códigos de determinada língua. Alfa- betizar signifi ca habilitar o aluno para agir nos contextos de mundo. Portanto, a alfabetização compreende conhecimento de mundo, além de conhecimento do código da língua. No geral, o processo de alfabetização se inicia antes do ingresso da criança na escola, pois ela já tem contato com o meio social em que está inserida e age em relação a ele. Na interação com esse meio, ela amplia os seus conheci- mentos de mundo e inicia o seu processo de desenvolvimento da linguagem. Conforme explica Ferreiro (1996, p. 24), “[...] o desenvolvimento da alfabe- tização ocorre, sem dúvida, em um ambiente social. Mas as práticas sociais, assim como as informações sociais, não são recebidas passivamente pelas crianças [...]”. A criança não é passiva no processo de aprendizagem; ela, na verdade, observa, questiona, aplica o seu conhecimento simbólico e, nesse movimento, vai construindo o seu mundo e a sua forma de aprender, inclusive desenvolvendo a linguagem. A alfabetização, no contexto da escola, significa a ampliação desse saber no sentido de capacitar a criança para a leitura e para a escrita da palavra, de forma que ela possa agir no mundo. Para que isso aconteça, existem dife- rentes métodos de alfabetização, os quais podem ser divididos em sintéticos e analíticos. Os métodos sintéticos podem ser do tipo: alfabético, silábico e fônico. O método alfabético opera da seguinte forma: a criança é apresentada aos nomes das letras e depois é incentivada a realizar combinações silábicas para construir palavras. Em seguida, a criança passa a ler sentenças curtas, de forma que esse processo vai se tornando mais complexo, até que ela leia histórias completas. Esse processo também é conhecido como soletração, pois o alfabetizando soletra as letras, depois as sílabas, até ser capaz de reconhecer a palavra. Por exemplo: “p”; “a”; “p” + “a”; “pa”; “t”; “o”; “t” + “o”, “to”; logo, “pato”. Esse é um método marcado pela utilização de cartilhas e está baseado no processo de decorar. Por esse motivo, ele recebe muitas críticas. Inclusive, é caracterizado pela não valorização dos conhecimentos prévios da criança. O método silábico, outro método sintético de alfabetização, de acordo com Frade (2005, p. 27), funciona da seguinte forma: “No desenvolvimento do método, geralmente é escolhida uma ordem de apresentação, feita segundo princípios calcados na ideia ‘do mais fácil para o mais difícil’, ou seja, das sílabas ‘simples’ para as ‘complexas’ [...]”. Nessa prática de alfabetização, são apresentadas palavras centrais, as quais são utilizadas para se trabalhar com as sílabas, que são destacadas das palavras e estudadas em famílias de sílabas, que por sua vez são parte de novas palavras. Esse método é caracterizado por ser um aprendizado mecânico, centrado na atividade de decorar sílabas para que seja possível reconhecê-las em novas palavras. Observe, na Figura 1, um exemplo de cartilha que utiliza o método silábico de alfabetização. Alfabetização e letramento: a questão dos métodos2 Figura 1. Método silábico: exemplo da cartilha de Sodré. Fonte: Sodré (1965, p. 9 apud FRADE, 2005, p. 29). Contudo, esse método apresenta pontos positivos em relação ao método alfabético, pois trabalha com a unidade silábica e, como você sabe, quando os sujeitos falam, eles não produzem sons separados, mas sílabas. Logo, a etapa complexa de transformar letras (fonemas) em sílabas é superada por meio desse método. Outro método classificado como sintético é o fônico. O método fônico é caracterizado pela operação com o som das letras, ou seja, com os fonemas de dada língua. Com esse método, o alfabetizando aprende pela associação do som às palavras. Logo, o som é representado graficamente pelas letras. Nesse método, as vogais são ensinadas inicialmente; depois, parte-se para as consoantes e, em seguida, para as sílabas e para as palavras. A dificuldade está na pluralidade de grafias para os mesmos sons, tais como: “s”, “z”, “ç”, “ss”, entre outros. Na língua portuguesa, há muitas palavras com mesmo som e grafias diferentes; por exemplo: cheque e xeque, cessão e sessão. Isso pode gerar dificuldades de aprendizagem, sobretudo com relação ao registro escrito, quando se utiliza um método que associa um registro escrito com um som. 3Alfabetização e letramento: a questão dos métodos Além dos métodos sintéticos, existem os métodos analíticos. São eles: palavração, sentenciação e método global. Nessas estratégias, parte-se do todo para unidades menores. Ou seja, trabalha-se com unidades completas de linguagem para, em seguida, dividi-las em partes menores. Assim, por exemplo, a criança aprende primeiro a frase para depois dividi-la em unidades mais simples, como sílabas. A palavração, então, como método analítico de alfabetização, pressupõe a palavra. Assim, existe primeiro um contato com a palavra e um envolvimento com todos os sons da língua. Depois, a partir da aquisição de certo número de palavras, os alfabetizandos partem para a formação de frases. Na sentenciação, outro método analítico, a unidade inicial de aprendizagem está centrada na apropriação das frases. Logo, depois do domínio das frases, o alfabetizando parte para a análise das palavras, das quais são extraídas as sílabas para conhecimento e formulação de novos vocábulos. Por último, no método global, o alfabetizador utiliza o conto e a história para efetivar o processo de alfabetização. Esse método é composto por vários espaços de leitura, nos quais se destaca início, meio e fim. Essas três etapas são interligadas por frases que formam, no conjunto, um enredo de interesse. Leia o artigo de Mortatti (2006) “História dos métodos de alfabetização no Brasil”, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/KShtF Alfabetização e letramento Para iniciar esta refl exão, considere estas questões: um sujeito alfabetizado é, necessariamente, um sujeito letrado? E o que signifi ca ser alfabetizado e letrado? A alfabetização está relacionada com o processo de aquisição de deter- minada língua, seja ela oral ou escrita. O letramento, no entanto, pressupõe o processo de desenvolvimento da língua oral e escrita. Isso quer dizer que uma pessoa pode ser alfabetizada, mas não ter desenvolvido as habilidades pressupostas pelo letramento. Ou seja, ela domina o código de determinada Alfabetização e letramento: a questão dos métodos4 língua e é capaz de codificar e decodificar esse código (ou seja, sabe ler e escrever em determinada língua), mas, quando solicitada a interpretar e agir perante determinado texto, ela não se sente habilitada e não consegue fazê-lo. Essa é a principal diferença entre alfabetização e letramento. Em con- junto com essa reflexão, emerge o conceito de analfabeto funcional,aquele indivíduo que sabe ler e escrever, mas não é capaz de interpretar ativamente um texto. Ele não entende uma bula de remédio e não sabe responder a uma pergunta que solicite justificativa; ou seja, não sabe elaborar as suas próprias reflexões quando desafiado por determinado texto. Para Soares (2004, p. 14), [...] no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguís- ticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita — a alfabetização — e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita — o letramento. Dessa forma, a alfabetização está relacionada com a aquisição do sistema convencional de escrita de determinada língua, ou seja, com o domínio do código necessário para que seja possível codificar e decodificar os sinais de dado idioma. O letramento, por sua vez, considera a capacidade do indivíduo de utilizar esse sistema em atividades sociais que envolvam leitura, escrita e ação no contexto de inserção. Ou seja, é a capacidade de interpretar o contexto e utilizar os textos mais adequados para as neces- sidades emergentes dele. Isso, portanto, está além do domínio do código, pois trata da língua em uso. Pense, por exemplo, em um manual de orientações para a realização de um exame médico; a alfabetização possibilita que as orientações sejam lidas, mas a habilidade de agir de acordo com o que está prescrito nas orientações depende da capacidade de interpretar o que é lido. Outro exemplo é a realização de uma receita culinária; há uma lista de ingredientes e uma sequência de execução; logo, não basta ler os itens, mas é preciso agir com essa informação para obter um resultado positivo. O mesmo acontece com a produção de texto, por exemplo, em que o aluno é desafiado a elaborar uma sequência argumentativa. Ele precisa, além de codificar, construir um texto coeso e coerente para que o leitor compreenda as ideias apresentadas. Para isso, o autor deve respeitar as exigências do tipo de discurso desenvolvido, o que varia conforme o gênero textual empregado (conto, narrativa, piada, poema, trabalho acadêmico, etc.). Para além do domínio do código, é preciso conhecimento desse código em ação. 5Alfabetização e letramento: a questão dos métodos É possível afirmar, então, que a alfabetização representa o domínio do sistema alfabético e ortográfico de determinada língua. Já o letramento implica o desenvolvimento das habilidades de uso desse sistema. Ou seja, para cada situação, a utilização do código é singular. Isso, portanto, exige do alfabeti- zando capacidade de leitura do contexto e adequação da utilização do código. A alfabetização não é um evento, mas um processo. Além disso, ela não consiste somente em ler e escrever os signos do alfabeto; implica também compreender o funcionamento da estrutura da língua e o modo como ela é utilizada. Logo, a apren- dizagem da leitura e da escrita é um processo dinâmico. Tal processo é realizado por duas vias: uma técnica, que é a alfabetização, e outra vinculada ao âmbito social, que é o letramento (LOPES; ABREU; MATTOS, 2010). O letramento aplicado ao ensino O conceito de letramento, de acordo com Soares (2004), surge devido à ne- cessidade de reconhecer e estabelecer um nome para as práticas sociais de leitura e escrita. Tais práticas são mais complexas do que aquelas derivadas da aprendizagem do sistema de escrita. Dessa forma, no início dos anos 1980, tem-se a invenção da palavra “letramento” no Brasil. Isso ocorre de forma simultânea em diversas partes do mundo. De acordo com Soares (2004), tem-se illettrisme na França e literacia em Portugal. Todas essas palavras passam a ser utilizadas, então, para nomear fenômenos distintos daquele denominado “alfabetização” (alphabétisation). Nos Estados Unidos e também na Inglaterra, de acordo com a autora, a palavra literacy já estava registrada nos dicionários desde o final do século XIX, mas é no final dos anos 1990 que ela passa a ser entendida como a nomeação de um fenômeno distinto. O conceito, então, passa a estar relacionado com o nível de competência dos alunos frente aos processos de leitura e de escrita. Nesse contexto, diferenciam-se os conceitos de alfabetização e letramento. O primeiro é um processo marcado pela aprendizagem do sistema de escrita; e o segundo é um processo centrado nas práticas sociais de escrita e leitura. Essa diferenciação emerge nas sociedades sobretudo pela constatação de que “[...] Alfabetização e letramento: a questão dos métodos6 a população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita [...]” (SOARES, 2004, p. 6). Portanto, pressupõe-se que, além de serem alfabetizados, os indivíduos devem ser capazes de ler, escrever e utilizar a leitura e a escrita (SOARES, 2004). Mas de que forma é possível efetivar essa prática no contexto da sala de aula? Para o desenvolvimento do letramento, no sentido de capacitar os indivíduos para o uso da leitura e da escrita nos diferentes contextos, é necessário um processo de ensino centrado no trabalho com os gêneros textuais, sejam eles orais ou escritos. Quanto mais contato com os diferentes gêneros o aluno tiver, mais habilitado estará para atuar no contexto social. Isso ocorre, primeiro, porque ele saberá ler e interpretar a informação que está sendo compartilhada e, segundo, porque ele vai reconhecer as exigências para a apresentação de determinado gênero, de forma a ser capaz de produzir os seus próprios textos de acordo com essas exigências. Para Soares (2004, p. 14), “[...] a concepção “tradicional” de alfabetização, traduzida nos métodos analíticos ou sintéticos, tornava os dois processos in- dependentes [...]”. De um lado, a alfabetização era entendida como a aquisição do sistema convencional de escrita, o aprender a ler como decodificação e a escrever como codificação. Esse processo precedia o letramento, marcado pelo desenvolvimento de habilidades textuais de leitura e de escrita, que possibili- tariam o convívio com tipos e gêneros variados de textos e de portadores de textos, assim ampliando a compreensão das funções da escrita. Alfabetização e letramento, até então, eram entendidos como conceitos separados, que ope- ravam isoladamente e em momentos distintos. Com a evolução do entendimento dos dois conceitos e a prática deles em sala de aula, surgiu uma concepção mais atual, segundo a qual “[...] a alfabeti- zação não precede o letramento, [mas] os dois processos são simultâneos [...]” (SOARES, 2004, p. 15). Assim, conservam-se os dois termos a partir do enten- dimento de que eles denominam processos “[...] interdependentes, indissociáveis e simultâneos [...]”, mas “[...] são processos de natureza fundamentalmente diferente, envolvendo conhecimentos, habilidades e competências específicos, que implicam formas de aprendizagem diferenciadas e, consequentemente, procedimentos diferenciados de ensino [...]” (SORES, 2004, p. 15). Assim, com o avanço e a inserção do conceito de letramento no âmbito escolar, observa-se que é possível praticá-lo a partir da familiarização do aluno com a cultura escrita. Ou seja, para praticar o letramento na sala de aula, é necessário possibilitar variadas experiências de leitura e de escrita, promovendo “[...] conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material 7Alfabetização e letramento: a questão dos métodos escrito [...]” (SOARES, 2004, p. 15). Agora, afirma-se que o letramento e a alfabetização ocorrem de forma simultânea. Assim, o professor pode trabalhar com ambos os conceitos nas mesmas situações. Ele pode destacar questões relacionadas com “[...] consciência fonológica efonêmica, identificação das relações fonema–grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita [...]” (SOARES, 2004, p. 15). Alfabetização e letramento são conceitos que se somam. Na prática de sala de aula, o professor deve considerar os seguintes eixos (LOPES; ABREU; MATTOS, 2010): compreensão e valorização da cultura escrita; apropriação do sistema de escrita; leitura; produção de textos escritos; desenvolvimento da oralidade. FERREIRO, E. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 1996. FRADE, I. C. A. S. Métodos e didáticas de alfabetização: história, características e modos de fazer de professores: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale, 2005. LOPES, J. R.; ABREU, M. C. M.; MATTOS, M. C. E. Caderno do educador: alfabetização e letramento 1. Brasília: Ministério da Educação, 2010. (Programa Escola Ativa). SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 5–17, 2004. Alfabetização e letramento: a questão dos métodos8 Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Leituras recomendadas AIUB, T (org.). Português: práticas de leitura e escrita. Porto Alegre: Penso, 2015. (Série Tekne). FAVERO, L. L. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino da língua materna. São Paulo: Cortez, 2000. KOCH, I. V. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2010. MORTATTI, M. R. L. História dos métodos de alfabetização no Brasil. 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.pdf. Acesso em: 15 dez. 2019. SARAIVA, J. A. (org.). Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano de ação. Porto Alegre: Artmed, 2008. E-book. VIANA, F. L.; RIBEIRO, I.; BARRERA, S. D. (org.). DECOLE - Desenvolvendo competências de le- tramento emergente: propostas integradoras para a pré-escola. Porto Alegre: Penso, 2017. 9Alfabetização e letramento: a questão dos métodos
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