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Fundamentos e Metodologia da Educação Infantil A História da Educação Infantil no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula, vocês serão capazes de: • conhecer um pouco sobre a história da educação infantil em nosso país; • reconhecer as melhorias em relação à compreensão da infância e ao atendimento dessas crianças de 0 a 5 anos de idade; • analisar os reais avanços e perceber a necessidade de melhorias em relação a primeira etapa da educação básica; • compreender melhor as políticas implantadas no atendimento das crianças. Caro(s) estudante(s), na aula 02 conhecemos a biografia e as contribuições de teóricos importantes para a construção do campo educacional, especialmente para a educação infantil. Atente-se para as próximas reflexões! Na aula 03 dialogaremos a respeito da história da educação infantil no Brasil. Perceberemos que as mudanças decorrentes em nosso país acompanharam as transformações que ocorreram em diversas partes do mundo, porém, com características próprias. Bons estudos! 3º Aula 23 1 - A História da Educação Infantil no Brasil 2 - O Brasil República 3 - Os Avanços da Educação Infantil Essa aula é de grande relevância para os que fizeram a opção de trabalhar com a educação, especialmente a etapa educação infantil. Compreender a história significa entender o porquê dos acontecimentos na atualidade e assim analisar as reais mudanças acerca da educação. Vamos lá? 1 - A História da Educação Infantil no Brasil A partir da segunda metade do século XIX, inicia-se um processo de modificações que se dá logo após o período abolicionista, quando se percebe um aumento na migração da zona rural para a zona urbana, surgindo condições para certo desenvolvimento cultural e tecnológico e para a proclamação da República como forma de governo. A abolição da escravatura no Brasil desencadeou novos problemas decorrentes do destino dos filhos dos escravos, que já não iriam assumir o papel de pais. Suscitou também no aumento de filhos abandonados, o que levou à busca de soluções para o problema da infância. Na tentativa de amenizar os problemas relacionados a essa nova realidade, criaram então, creches, asilos e internatos, instituições estas que na época eram destinadas a cuidar de crianças pobres, com o intuito de esconder o problema das crianças abandonadas. A procura por uma solução rápida fazia com que buscassem um culpado, e a família recebeu esse demérito. Por outro lado, a construção de uma sociedade moderna, presente no final do século XIX, visava à realização de projetos sociais, que reunissem condições para que fossem compreendidas pela elite do país, as normas educacionais do Movimento das Escolas Novas, que se deram na Europa e vinham sendo trazidos ao Brasil. Inúmeros debates foram gerados a partir da ideia de “jardim de infância” entre os políticos da época. Muitos deles criticavam por acreditar que se tratava de simples depósitos de crianças. Outros defendiam por esperar que ao contrário, fosse um lugar que as crianças obtivessem um bom desenvolvimento infantil sob a influência das escolanovistas. A grande polêmica tinha como âmago o seguinte: se os jardins de infância possuíam objetivos como a caridade e destinavam- se aos mais pobres, não deveriam ser mantidos pelo poder público. Enquanto se discutia sobre as reais finalidades, eram criados no Rio de Janeiro os primeiros jardins de infância, nos anos de 1875 e, em São Paulo, em 1877, sob os cuidados de entidades particulares. Somente alguns anos depois, surgiram os primeiros jardins de infância públicos, que, contudo, dirigiam seu atendimento às crianças, filhos de pais com melhores condições financeiras. Vejamos alguns dos primeiros jardins de infância públicos: Seções de estudo • 1896 o da Escola Normal Caetano de Campos em São Paulo; • 1909 o de Campos Sales; • 1910 o de Marechal Hermes; • 1922 o de Bárbara Otoni, sendo esses três últimos no Rio de Janeiro. Nesse período, a preocupação com as crianças pobres também era enfatizada em toda imprensa e nos debates legislativos. Rui Barbosa considerava o jardim de infância como sendo a primeira etapa do ensino primário. Em 1822 apresentou um projeto de reformulação da instrução no país, diferenciando salas de asilo (nome dado a locais destinados à crianças), escolas infantis e jardim de infância. Ele observou o fortalecimento de um movimento de proteção à infância, que partia de um sentimento preconceituoso sobre a pobreza, defendendo um atendimento caracterizado como donativo aos menos favorecidos. Para refletir Vimos que no início a preocupação em relação ao atendimento das crianças se deu, pelo fato da necessidade de protegê-las. E atualmente, como funciona o atendimento as crianças? Estamos preparados para fazer da prática algo significativo? Que melhorias são almejadas pelos educadores? 2 - O Brasil República Em 1889, com a proclamação da República, o cenário de renovação ideológica trouxe também modificações nas questões sociais. O Instituto de Proteção e Assistência à Infância foi criado por particulares, no ano de 1899, e precedeu a criação do Departamento da Criança, em 1919, agora, por iniciativa governamental, que partiu da preocupação com a saúde pública e acabou por gerar a ideia de assistência científica à infância. Com esse propósito, surgem inúmeras escolas infantis e jardins de infância, alguns deles criados pelos europeus para atender seus filhos. Em 1908, surgiu a primeira escola infantil, em Belo Horizonte e, em 1909, o primeiro jardim de infância municipal no Rio de Janeiro. Levantamentos realizados em 1921 e 1924 mostraram um crescimento de 15 para 47 creches e de 15 para 42 jardins de infância em todo o país (Kuhlmann Jr., 2000, p.5). Todavia, na época os investimentos estavam destinados aos primeiros anos do ensino primário que atendia parte da população em idade escolar. Enquanto isso, a urbanização e a industrialização nos centros urbanos maiores, intensificadas no início do século XX, foram responsáveis por diversas mudanças, tanto na estrutura familiar, quanto na organização do mercado de trabalho. A atividade industrial exigiu muita mão de obra, levando as mulheres a se empregarem nas indústrias. Houve então a necessidade de se dispor de um lugar adequado para deixar os filhos enquanto trabalhavam. Porém, esse não era um problema que as indústrias estivessem preocupadas em solucionar, deixando para as próprias mulheres resolver de 24Fundamentos e Metodologia da Educação Infantil maneira emergencial, procurando em seu próprio núcleo familiar pessoas que pudessem cuidar das crianças em troca de dinheiro. Essas pessoas foram denominadas de “criadeiras” e estigmatizadas como “fazedoras de anjos” em consequência da alta mortalidade de crianças cuidadas por elas. As mortes eram em consequência das más condições de higiene e de materiais, segundo a justificativa dada na época. Hoje, porém, acrescentaríamos também como uma das causas os problemas psicológicos decorrentes da separação da criança de sua família. Entretanto, embora a necessidade de ajuda para cuidar dos filhos estivesse ligada à situação econômica, isso não era visto como uma responsabilidade social, mas ao contrário, era tido como um favor prestado e certas pessoas. Inspirados nos manifestos ocorridos nos Estados Unidos e na Europa, os trabalhadores começaram a exigir melhores condições de trabalho e um local apropriado para as mulheres deixarem os filhos enquanto trabalhavam. Tal manifesto se deu na década de 20 e no início da década de 30. As conquistas se deram graças a alguns empresários, que a fim de enfraquecer o manifesto resolveram conceder alguns benefícios sociais. Para isso, fundaram vilas operárias, clubes para filhos de operários em cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e outras no interior de Minas Gerais e no norte do país, iniciativas que foram seguidas gradativamente por outros empresários. As poucas conquistasocorreram em certas regiões através de conflitos. As reivindicações dos trabalhadores, iniciadas pelos empresários, foram dirigidas para o Estado que atuaram como força de pressão para a criação de creches, escolas maternais e parques infantis por parte de órgãos governamentais. Em 1923, a primeira regulamentação do trabalho da mulher, defendia a criação de creches e salas de amamentação durante as jornadas de trabalho. Em 1922, no Rio de Janeiro, ocorreu o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, onde foram discutidos vários temas como, por exemplo: a educação moral e higiênica e o aprimoramento da raça, com ênfase no papel da mulher como cuidadora. Nesse contexto, surgiram as primeiras regulamentações do atendimento de crianças pequenas em escolas maternais e jardins de infância. Diante de tais acontecimentos, alguns educadores se preocupavam com a qualidade do trabalho pedagógico, apoiavam movimentos de renovação pedagógica conhecida como “escolanovismo”. Os debates que estavam acontecendo no país, falavam no sentido da transformação radical das escolas brasileiras, trazendo a questão educacional para o centro das discussões políticas nacionais. Em 1924, educadores interessados nos Movimentos das Escolas Novas criaram a Associação Brasileira de Educação. Lourenço Filho publicou no ano de 1929 o livro Introdução ao estudo da Escola Nova, mostrando novos conceitos entre os educadores brasileiros. Em 1932, surge um Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, documento que tinha como propósito defender pontos relevantes como: a educação como função pública, a existência de uma única escola, e a co-educação de meninos e meninas, necessidade de um ensino ativo nas salas de ensino gratuito e obrigatório. Partindo daquele movimento alguns educadores brasileiros como Mário de Andrade, em São Paulo, propunham a propagação de praças de jogos nas cidades, à semelhança dos jardins de infância de Froebel, tal como ocorria em vários locais da América Latina, como Havana, Buenos Aires, Montevidéu e Santiago. Essas praças originaram os parques infantis construídos em várias cidades do país. Surgiram assim, novos jardins de infância e, ainda, cursos para a formação de professores, mas nenhum deles direcionado ao ensino de crianças das camadas populares. Apesar de na década de 30, já terem sido criadas algumas instituições oficiais voltadas à proteção à infância, foi na década de 40 que prosperaram iniciativas governamentais na área de saúde, previdência e assistência. Nesse quadro de tensões sociais presentes na década de 30 e a procura por regulamentações das relações entre patrões e empregados, na busca de manter a ordem, o Estado fundou uma estratégia combinada de repressão e de concessões às reivindicações dos operários, dentro da legislação social. O governo Vargas (1930-1945), uniu a necessidade de se manter os interesses da pátria, como o de reconhecer alguns direitos políticos dos trabalhadores, como a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, de 1943, que contém algumas indicações sobre o atendimento dos filhos das mulheres trabalhadoras com o objetivo de facilitar a amamentação durante a jornada de trabalho. Percebe a importância dos manifestos na busca de melhorias e conquistas acerca da educação de crianças? Continuemos a leitura! Desde o início até a década de 50, poucas foram as creches que não faziam parte das indústrias e estas eram de responsabilidades filantrópicas, laicas e, principalmente religiosas, ou seja, o governo pouco fazia diante da necessidade de se criar instituições adequadas para o cuidado das crianças. Mesmo assim, os trabalhos com as crianças tinham assumido um caráter assistencialista, que se limitava à preocupação de se alimentar, cuidar da higiene e da segurança física, sendo pouco valorizado o trabalho pedagógico, visando ao desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças. Em 1953, o Departamento Nacional da Criança passou a integrar o Ministério da Saúde, sendo substituído em 1970 pela Coordenação de Proteção Materno-Infantil. Apesar de os textos oficiais da época defenderem que as creches e os jardins de infância necessitassem de material apropriado para a educação de crianças, o atendimento a elas não deixou de ser assistencialista. Durante a segunda metade do século XX, a característica do sistema econômico adotado no Brasil fez com que a maioria da população não tivesse uma condição de vida satisfatória. Ao mesmo tempo, o aumento da industrialização e da urbanização no país contribuiu para a ampliação da participação da mulher no mercado de trabalho. Assim, creches e parques infantis que ofereciam períodos integrais foram sendo cada vez mais procurados, agora, não apenas por mulheres de classes menos favorecidas, mas, também por trabalhadoras do comércio e funcionárias públicas. No início desse período, uma mudança importante 25 ocorreu com o surgimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aprovada em 1961 (Lei 4024/61), que aprofundou a perspectiva apontada desde a criação dos jardins de infância: sua inclusão no sistema de ensino. Assim dispunha essa lei: Art.23 – “A educação pré-primária destina-se aos menores de até 7 anos e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância”. Art.24 – “As empresas que tenham aos seus serviços mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré-primária”. Toda essa situação era refletida pelo momento vivido na época em relação ao contexto sóciopolítico e econômico do início da década de 60, que seria modificado pelo governo militar a partir do ano de 1964, com importantes reflexos sobre a educação em geral e a educação das crianças pequenas em especial. 3 - Os Avanços da Educação Infantil Historicamente percebemos grandes avanços na educação das crianças de 0 a 5 anos de idade no Brasil. Novos conceitos e condições estão se firmando e tudo isso devido à junção de alguns fatores como: • grande aumento da demanda; • esclarecimento sobre o papel da educação infantil; • maior comprometimento de políticas públicas na área. O primeiro se dá pela necessidade de atendimento às crianças de 0 a 6 anos que vem crescendo cada dia mais em nossa sociedade, resultantes de intensas transformações que englobam fatores sociais, econômicos e culturais. Dessa maneira, o atendimento a essa demanda, também contribui com tais mudanças. Mudanças essas que repercutem na maneira de criar os filhos a partir do momento em que mulheres que têm crianças pequenas compreendem a necessidade de trabalhar fora, auxiliando no sustento da família e, muitas vezes, sendo o único meio de se adquirir alguma renda. Atualmente, muitas mulheres são responsáveis por esse sustento por serem divorciadas, situação muito comum nos nossos dias. Há também as que trabalham não apenas por necessidade, mas pelo desejo de realização pessoal e profissional. Com essas mudanças surgem também inúmeros questionamentos que envolvem a composição e as relações de poder da família, nascendo então novas formas de organização familiar como, por exemplo: manutenção e tarefas de casa divididas entre marido e mulher, criação dos filhos somente pela mãe, na maioria das vezes, ou pela avó, a união de companheiros do mesmo sexo, são alguns deles. Hoje, em todas as classes sociais, a preocupação dos pais ou responsáveis quanto ao desenvolvimento saudável inclui a procura por instituições que garantam não apenas a educação, mas também, o cuidado, dividindo com eles as tarefas. O segundo fator se dá pelo melhor esclarecimento sobre qual o verdadeiro papel da educação infantil, que tem ocorrido diante de inúmeras pesquisas realizadas e também pela prática reconhecida dos educadores. A psicologia até pouco tempo atrás defendia a ideia de que o ambiente ideal para crianças crescerem e se desenvolverem era o ambientefamiliar. Poucos estudiosos acreditavam, focalizavam a interação das crianças como forma de aprendizagem e aquisição de conhecimentos. No entanto, vale ressaltar que a realidade é muito mais complexa. A criança vive em grandes comunidades, é cuidada por pessoas diferentes, sejam elas parte da família ou não e nem por isso tornam-se menos desenvolvidas ou saudáveis. O ambiente da creche nos apresenta um novo desafio, o de compreender o desenvolvimento da criança em um contexto que não seja aquele já vivido anteriormente e os responsáveis por essas crianças são profissionais que não têm o mesmo envolvimento afetivo que a mãe, e os companheiros mais interessantes para a interação são as outras crianças da mesma idade. Cada vez mais, estudos mostram como criar um lugar adequado para o melhor desenvolvimento, cuidado e educação dessas crianças. Com isso, podemos citar alguns deles: • ambiente adequado e organizado em instituições de educação em grupo; • interação entre crianças e entre crianças e educadores; • integração das crianças e famílias a essas instituições; • inclusão de crianças portadoras de necessidades educacionais especiais; • organização de rotinas e currículos apropriados; • formação inicial e continuada dos educadores; • promoção da qualidade do atendimento na educação infantil. Em geral, pesquisas mostram que é possível um atendimento de qualidade às crianças mesmo nos seus primeiros anos de vida, mas, é extremamente importante que a família seja participativa e interaja com a instituição a fim de uma parceria com os mesmos objetivos. Através de uma dedicação diária, tais instituições de educação infantil podem, certamente, tornarem-se um espaço agradável, estimulante e seguro para a criança, concedendo a ela a oportunidade de um desenvolvimento significativo e muito prazeroso. O último fator, que engloba o maior comprometimento de políticas públicas, ou seja, a maneira como o Estado participa da organização e funcionamento de vários setores da sociedade. Elas oferecem a esses setores regras, metas e diretrizes que orientam o desenvolvimento dos mesmos. A política pública nasce da capacidade de negociação entre o governo e a sociedade. Ao estado cabe a regulamentação e o gerenciamento da política pública fruto dessa negociação. Apesar de diversos problemas apresentados pelas políticas públicas, não podemos negar os grandes avanços que ocorreram especialmente a partir da Constituição de 1988, que oferece a possibilidade de fiscalização das ações do governo por parte de cidadãos comuns, dando oportunidade de uma participação mais ativa, ou pelo menos deveria assim 26Fundamentos e Metodologia da Educação Infantil ser, através de seus representantes do poder executivo e da sociedade. No caso da educação infantil, observamos que em muitos municípios há um aumento no número de experiências inovadoras. Impulsionados pelas atuais concepções da infância e de atendimento em instituições e utilizando-se de organismos de participação do Estado e da sociedade, criam programas alternativos. Para uma participação mais consciente visando à melhoria desse atendimento tão necessário nos dias atuas, implica em um movimento de corresponsabilidade, assumindo definitivamente o papel de cidadão, no qual, diretores, educadores, pais e governantes muito têm a aprender e colaborar nesse processo. Tornar a instituição de educação infantil mais transparente pode ser o início de uma nova forma de estabelecer políticas públicas mais desafiadoras e construtivas, fazendo com que esses ambientes cumpram com sua função de educar com qualidade, educando-as para o exercício da cidadania. Políticas de Cuidado e Educação da Criança pequena no Brasil A “Roda dos Expostos”, uma instituição para educar crianças cujos pais não podiam fazê-lo, foi o primeiro tipo de atendimento oferecido às crianças pequenas no Brasil. Em função da alta taxa de mortalidade (cerca de 50%), houve um incentivo à criação de creches, no final do século XIX, para que os pais não abandonassem seus filhos na “Roda” (Montenegro, 2001). Apesar de terem ocorrido algumas iniciativas em anos anteriores, o ano de 1899 pode ser considerado como um primeiro marco no que diz respeito ao atendimento à criança pequena, pois nesse ano foi fundado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro e a primeira creche para filhos de pais trabalhadores do país, nessa mesma cidade (Kuhlmann, 1998). Os primeiros jardins de infância surgiram antes das creches, em 1883. Tratavam-se, porém, de instituições privadas e, como nos Estados Unidos da América, as crianças de famílias abastadas foram as que primeiro tiveram acesso a esse tipo de serviço. Com o intuito de diferenciá-los das creches – destinadas às crianças da classe trabalhadora – empregava- se com frequência o termo “pedagógico” (Kuhlmann, 1998). Em outras palavras, os jardins de infância, para as crianças ricas, visavam à educação; as creches, para as crianças pobres, tinham por objetivo o “cuidado”. Ao longo do século XX, ocorreram várias transformações nesse cenário. A partir da década de 1920, o processo de industrialização provocou mudanças estruturais na sociedade brasileira semelhantes àquelas ocorridas nos Estados Unidos da América. Todavia, durante vários anos o governo não se preocupou em regulamentar e fiscalizar os serviços de atendimento à criança pequena. Mesmo quando a legislação trabalhista do governo do Presidente Getúlio Vargas (1930- 1945) estabeleceu a obrigatoriedade da criação de creches para abrigar os filhos de mães trabalhadoras durante o período de amamentação, tal conquista legal não se tornou realidade. Durante o regime militar (1964-1985), porém, o governo encarregou-se de construir algumas creches. Em consonância com as políticas americanas da época, o atendimento à criança pequena visava à promoção de uma educação compensatória. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei 5.692), de 1971, a oferta de educação anterior à educação obrigatória (7 aos 14 anos) pretendia preparar as crianças oriundas das camadas sociais mais baixas para a alfabetização, a fim de diminuir os altos índices de fracasso escolar (Kramer, 1984). Essa mesma concepção estava presente em outros programas de atenção à primeira infância, os quais buscavam “compensar carências” (nutricionais, sanitárias, afetivas e sociais). Em 1977, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) lançou o “Projeto Casulo” que visava à criação e à manutenção de creches comunitárias. Segundo Vasconcellos, Aquino e Lobo (2003), até nesse projeto havia o predomínio da função assistencialista nas creches. “Acreditava-se em rígidas e inflexíveis etapas do desenvolvimento e priorizavam-se as questões ligadas à saúde das crianças (alimentação, nutrição e medicação)” (p. 244). Ainda segundo essas autoras, em 1981, o Ministério da Previdência e Assistência Social publicou um documento intitulado “Vamos Fazer uma Creche?”, no qual propôs que as creches e pré-escolas assumissem, além da “função guardiã”, a “função pedagógica”. Dito de outra maneira, pela primeira vez, apareceu a proposta de superação da dicotomia entre “cuidar” e “educar” presente também nas políticas de atendimento à criança pequena no Brasil. Com o processo de redemocratização do país e, especialmente, após a promulgação da nova Constituição (Brasil, 1988), o atendimento às crianças a partir do nascimento foi estabelecido como um direito da própria criança e de sua família e reconhecido como um dever do Estado, pela primeira vez na história do país. Dois anos mais tarde, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA de 1990 (Brasil, 1991) reiterou o direito de cidadania da criança, definindo seus direitos de proteção e educação. Finalmente, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei 9.394), de 1996, a educação das crianças de zero a seis anos passou a integrar o sistema brasileiro de ensino. A LDB/96define a Educação Infantil – destinada à faixa etária de zero a seis anos – como a primeira etapa da Educação Básica e afirma que essa “tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psíquico, intelectual e social” (art. 29). Neste mesmo artigo, fica estabelecido que os serviços de atendimento à criança pequena (creche e pré-escola) complementam a ação da família e da comunidade. Esta mesma lei também beneficia as crianças pequenas com necessidades especiais ao definir a educação especial como uma modalidade da educação escolar que permeia a todos os níveis de ensino. O artigo 58 prevê a existência de serviços especializados na escola regular e o atendimento educacional a partir da Educação Infantil. É também digno de nota que a resolução CNE/CNB Nº 2 (Brasil, 2001) propõe a participação da família na tomada de decisões quanto à necessidade e ao tipo de atendimento especial mais adequado à criança (art. 1º e art. 9º). No que diz respeito às políticas de saúde específicas para as crianças pequenas, também ocorreram alguns avanços. O acompanhamento e avaliação contínua do crescimento e desenvolvimento passaram a ser compreendidos como um direito da criança e um dever do Estado e foram definidos 27 como uma das cinco ações básicas do programa de Assistência à Saúde da Criança. Crescimento e desenvolvimento passaram a ser compreendidos como indissociáveis, mas distintos: “enquanto o crescimento se define por mudança de tamanho, o desenvolvimento caracteriza-se por mudanças em complexidades e funções” (BIBLIOTECA VIRTUAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p.20). Nesse programa, compreende-se a saúde não apenas como ausência de doença, mas como a qualidade de vida oferecida à criança e considera-se importante levar em conta o contexto em que ela vive. O Ministério da Saúde criou o “Cartão da Criança” como um dos instrumentos necessários para implementar essas ações, além de promover cursos de capacitação para os profissionais. No entanto, o último inquérito nacional de demografia e saúde realizado no país (PNDS, 1996) mostrou que, embora a maioria das crianças tenha o seu cartão e as mães o levem quando vão à consulta nos serviços de saúde, menos de 10% têm o peso da criança anotado e menor percentagem ainda têm a curva de crescimento da criança anotado no cartão. Isto demonstra que os profissionais de saúde têm dado pouco valor ao crescimento da criança, pouco fazendo em favor do bom desenvolvimento da criança. (Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde, 2001, p.8) Em nosso país, como nos Estados Unidos da América, parece que os pediatras não dispõem de formação e instrumentos adequados para diagnosticar problemas de desenvolvimento. Atenção! O texto que lerá agora é parte de um artigo da revista HISTEBRB On- line, Campinas, n.33, p.82. Publicado em março de 2009 com o título: A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: AVANÇOS, RETROCESSOS E DESAFIOS DESSA MODALIDADE EDUCACIONAL, escrito por Jaqueline Delgado Paschoal e Maria Cristina Gomes Machado. A Educação das Crianças: A Particularidade Brasileira Diferentemente dos países europeus, no Brasil, as primeiras tentativas de organização de creche, asilos e orfanatos surgiram com um caráter assistencialista, com o intuito de auxiliar as mulheres que trabalhavam fora de casa e as viúvas desamparadas. Outro elemento que contribuiu para o surgimento dessas instituições foram as iniciativas de acolhimento aos órfãos abandonados que, apesar do apoio da alta sociedade, tinham como finalidade esconder a vergonha da mãe solteira, já que as crianças “[...] eram sempre filhos de mulheres da corte, pois somente essas tinham do que se envergonhar e motivo para se descartar do filho indesejado”(RIZZO, 2003, p.37). Numa sociedade patriarcal, a ideia era criar uma solução para os problemas dos homens, ou seja, retirar dos mesmos a responsabilidade de assumir a paternidade. Considerando que, nessa época, não se tinha um conceito bem definido sobre as especificidades da criança, a mesma era “[...] concebida como um objeto descartável, sem valor intrínseco de ser humano” (RIZZO, 2003, p.37). Fatores como o alto índice de mortalidade infantil, a desnutrição generalizada e o número significativo de acidentes domésticos, fizeram com que alguns setores da sociedade, dentre eles os religiosos, os empresários e educadores, começassem a pensar num espaço de cuidados da criança fora do âmbito familiar. De maneira que foi com essa preocupação, ou com esse “[...] problema, que a criança começou a ser vista pela sociedade e com um sentimento filantrópico, caricativo, assistencial é que começou a ser entendida fora da família” (DIDONET, 2001, p.13). Enquanto para as famílias mais abastadas pagaram uma babá, as pobres se viam na contingência de deixar os filhos sozinhos ou colocá-los numa instituição que deles cuidasse. Para os filhos das mulheres trabalhadoras, a creche tinha que ser em tempo integral: para os filhos de operárias de baixa renda, tinha que ser gratuita ou cobrar muito pouco, ou para cuidar da criança enquanto a mãe estava trabalhando fora de casa, tinha que zelar pela saúde, ensinar hábitos de higiene e alimentar a criança. Essa origem determinou a associação creche, criança pobre e o caráter assistencial da creche (DIDONET, 2001, p.13). É importante ressaltar que, ao longo das décadas, arranjos alternativos foram se constituindo no sentido de atender às crianças das classes menos favorecidas. Uma das instituições brasileiras mais duradouras de atendimento à infância, que teve seu início antes da criação de creches, foi a roda dos expostos ou roda dos excluídos. Esse nome provém do dispositivo onde se colocam os bebês abandonados e era composto por uma forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória e fixado na janela da instituição ou das casas de misericórdia. Assim, a criança era colocada no tabuleiro pela mãe ou qualquer outra pessoa da família; essa, ao girar a roda, puxava uma corda para avisar a rodeira que um bebê acabava de ser abandonado, retirando-se do local e preservando sua identidade. Por mais de um século a roda de expostos foi a única instituição de assistência à criança abandonada no Brasil e, apesar dos movimentos contrários a essa instituição por parte de um segmento da sociedade, foi somente no século XX, já em meados de 1950, que o Brasil efetivamente extinguiu-a, sendo o último país a acabar com o sistema da roda dos enjeitados (MARCÍLIO, 1997). Ainda no final do século XIX, período de abolição da escravatura no país, quando se acentuou a migração para as grandes cidades e o início da República, houve iniciativas isoladas de proteção à infância, no sentido de combater os altos índices de mortalidade infantil. Mesmo com o trabalho desenvolvido nas casas de Misericórdia, por meio da roda dos expostos, um número significativo de creches foi criado não pelo poder público, mas exclusivamente por organizações filantrópicas. Se, por um lado, os programas de baixo custo, voltados para o atendimento às crianças pobres, surgiram no sentido de atender às mães trabalhadoras que não tinham 28Fundamentos e Metodologia da Educação Infantil onde deixar seus filhos, a criação de jardins de infância foi defendida, por alguns setores da sociedade, por acreditarem que os mesmos trariam vantagens para o desenvolvimento infantil, ao mesmo tempo foi criticado por identificá-los com instituições europeias. As tendências que acompanharam a implantação de creches e jardins de infância, no final do século XIX e durante as primeiras décadas do século XX no Brasil, foram: a jurídico- policial, que defendia a infância moralmente abandonada, a médico-higienista e a religiosa, ambas tinham a intenção de combater o alto índice de mortalidade infantil tanto no interior da família como nas instituições de atendimento à infância. Na realidade, cadainstituição “[...] apresentava as suas justificativas para a implantação de creches, asilos e jardins de infância onde seus agentes promoveram a constituição de associações assistenciais privadas”(KUHLMANN Jr., 1998, p.88). Nesse período, foi criado o Instiuto de Proteção à Infância do Rio de Janeiro pelo médico Arthur Moncorvo Filho, que tinha como objetivos não só atender às mães grávidas pobres, mas dar assistência aos recém-nascidos, distribuição de leite, consulta de lactantes, vacinação e higiene dos bebês. Foi considerada uma das entidades mais importantes, mormente por ter expandido seus serviços por todo o território brasileiro. Outra instituição importante criada nesse ano foi o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, este precedeu, em 1919, a criação do Departamento da Criança, que tinha como objetivo não só fiscalizar as instituições de atendimento à criança, mas combater o trabalho das mães voluntárias que cuidavam, de maneira precária, dos filhos das trabalhadoras (KUHLMANN Jr., 1998). Devido a muitos fatores, como o processo de implantação da industrialização no país, a inserção da mão de obra feminina no mercado de trabalho e a chegada dos imigrantes europeus no Brasil, os movimentos operários ganharam força. Eles começaram a se organizar nos centros urbanos mais industrializados e reivindicaram melhores condições de trabalho; dentre estas, a criação de instituições de educação e cuidados para seus filhos: os donos das fábricas, por seu lado, procurando diminuir a força dos movimentos operários, foram concedendo certos benefícios sociais e propondo novas formas de disciplinar seus trabalhadores. Eles buscavam o controle do comportamento dos operários, dentro e fora da fábrica. Para tanto, vão sendo criadas vilas operárias, clubes esportivos e também creches e escolas maternais para os filhos dos operários. O fato dos filhos das operarias estarem sendo atendidos em creche, escolas maternais e jardins de infância, montadas pelas fábricas, passou a ser reconhecido por alguns empresários como vantajoso, pois mais satisfeitas, as mães operárias produziam melhor. (OLIVEIRA, 1992, p.18). Ao longo das décadas, as poucas conquistas não se fizeram sem conflitos. Com o avanço da industrialização e o aumento das mulheres da classe média no mercado de trabalho, aumentou a demanda pelo serviço das instituições de atendimento à infância. Para Haddad (1993), os movimentos feministas que partiram dos Estados Unidos tiveram papel especial na revisão do significado das instituições de atendimento à criança, porque as feministas mudaram seu enfoque, defendendo a ideia de que tanto as creches como as pré-escolas deveriam atender a todas as mulheres, independentemente de sua necessidade de trabalho ou condição econômica. O resultado desse movimento culminou no aumento do número de instituições mantidas e geridas pelo poder público. Essas instituições ganharam enfoque diferente, passando a ser reivindicadas como um direito de todas as mulheres trabalhadoras e era baseado no movimento da teoria da privação cultural. Essa teoria, defendida tanto nos Estados Unidos na década de sessenta como no Brasil em meados de 1970, considerava que o atendimento à criança pequena fora do lar possibilitaria a superação das precárias condições sociais a que ela estava sujeita. Era a defesa de uma educação compensatória. Kramer (1995, p.24). ao discutir esse assunto, ressalta que o discurso do poder público, em defesa do atendimento das crianças das classes menos favorecidas, parte de determinada concepção de infância, já que o mesmo reconhece esse período de vida da criança de maneira padronizada e homogênea. A ideia é de que as crianças oriundas das classes sociais dominadas são consideradas “[...] carentes, deficientes e inferiores na medida em que não correspondem ao padrão estabelecido; faltariam a essas crianças privadas culturalmente, determinados atributos ou conteúdos que deveriam ser nelas incutidos”. Por esse motivo e a fim de superar as deficiências de saúde e nutrição, assim como as deficiências escolares, são oferecidas diferentes propostas no sentido de compensar tais carências. Nessa perspectiva, a pré-escola funcionaria, segundo a autora, como mola propulsora da mudança social, uma vez que possibilitaria a democratização das oportunidades educacionais. Ambas as funções podem ser desmistificadas. Ao nível da primeira função, considera-se a educação como promotora da melhoria social, o que é uma maneira de esconder os reais problemas da sociedade e de evitar a discussão dos aspectos políticos e econômicos mais complexos. A proposta que ressurge, de elaborar programas de educação pré- escolar a fim de transformar a sociedade no futuro, é uma forma de culpar o passado pela situação de hoje e de focalizar no futuro quaisquer possibilidades de mudança. Fica- se, assim, isento de realizar no presente ações ou transformações significativas que visem a atender às necessidades sociais atuais (KRAMER, 1995, p.30). Enquanto as instituições públicas atendiam às crianças das camadas mais populares, as propostas das particularidades, de cunho pedagógico, funcionavam em meio turno, dando ênfase à socialização e à preparação para o ensino regular. Nota-se que as crianças das diferentes classes sociais eram submetidas a contextos de desenvolvimento diferentes, já que, enquanto as crianças das classes menos favorecidas 29 eram atendidas com propostas de trabalhos que partiam da ideia de carência e deficiência, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil (KRAMER, 1995). Com a preocupação de atendimento a todas as crianças, independente de sua classe social, iniciou-se um processo de regulamentação desse trabalho no âmbito da legislação. Parece que estamos indo bem. Então, para encerrar esse tópico, vamos recordar: Retomando a aula 1 – A História da Educação Infantil no Brasil Abordamos sinteticamente a respeito da história da educação infantil no Brasil e percebemos que inicialmente as crianças de classes menos favorecidas eram tratadas diferentes das crianças de uma classe econômica superior. 2 – O Brasil República Foram apresentados os primeiros jardins de infância e sua finalidade de caráter assistencialista. 3 – Os Avanços da Educação Infantil Analisamos os avanços acerca da educação infantil no Brasil e retomamos, com base no artigo escrito por Paschoal e Machado (2009), questões sobre as especificidades das crianças brasileiras. Vale a pena Pro dia nascer feliz - João Jardim, 2005. Vale a pena assistir Forest Gump - O Contador de Histórias - Robert Zemeckis, 1994. Minhas anotações