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Reflexões acerca do adoecimento mental do trabalhador diante de crises econômicas

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Reflexões acerca do adoecimento mental do trabalhador diante de crises econômicas.
Murilo Braga Mota; acadêmico de Psicologia na UniFanor Wyden.
Camila Campos dos Santos, acadêmica de Psicologia na Unifanor Wyden.
Ticiana Santiago de Sá, mestre e doutora docente na UniFanor Wyden.
RESUMO
O presente trabalho aborda o adoecimento do trabalhador diante de um cenário de crise
econômica e as perspectivas mudanças no mercado de trabalho e ambiente laboral. É
importante entender como as medidas tomadas por essas organizações afetam as vidas da
classe trabalhadora e como funciona nosso atual modelo econômico. Os desdobramentos que
se seguem diante de crises e que comprometem a saúde e bem estar social do homem, como
as propostas de flexibilização que acabam por precarizar o trabalho e favorecer a uma
exploração da força de trabalho humana. Assim como as doenças mentais e psicossomáticas
que podem surgir desse ambiente de insegurança gerado pela crise.
Palavras-chave: saúde mental; organização de trabalho; relações de trabalho; estresse
ocupacional; burnout.
INTRODUÇÃO
A prática laboral pode ser interpretada como uma atividade que proporcione ao homem
bem-estar social e a conquista da dignidade. Em muitas culturas visto como edificante e
essencial ao ser humano. Mas nem sempre o trabalho foi visto dessa forma. Na Grécia
Antiga, por exemplo, o trabalho era destinado somente a pessoas pobres e escravos. O
conceito de homem livre não era associado ao trabalho e portanto a prática era deixada a
quem não exerceria funções artística ou filosóficas. Essa visão foi mudando com o passar do
tempo e a evolução do sistema capitalista, onde a produção e o desenvolvimento acelerados
tornaram-se sinônimos de poder.
Nessa nova concepção de trabalho a sua prática traz reconhecimento e orgulho, assim como a
aceitação social e a associação a função económica. Porém é no ambiente organizacional,
com uma série de fatores, que se tem presenciado o surgimento de doenças mentais, ou até
mesmo, o agravante de sintomas já existentes. Mas para entendermos a situação hoje
precisamos olhar um pouco atrás e compreender os fatores que nos trouxeram a esse
momento. Como a luta pelos direitos trabalhistas e o surgimento da relação patrão
funcionário.
A luta por direitos trabalhistas que garantam melhores condições à classe trabalhadora não é
recente. Movimentos como luddismo e cartismo no século XIX, lutavam pela redução da
carga horária trabalhada, descanso semanal remunerado, entre outros direitos, como a
participação da classe operária no parlamento, por exemplo.
Anos depois o México foi um dos primeiros países a oficializar direitos trabalhista,
entretanto, na época essas medidas levavam outro nome. Surgia então os direitos sociais, em
1917. Nela foi definido um salário mínimo que suprisse as necessidades do trabalhador, assim
como uma carga horária de oito horas diárias e folga semanal remunerada. Naquela mesma
década foi a vez da Alemanha aprovar sua nova constituição, no ano de 1919. Na versão
alemã os direitos trabalhistas também eram chamados de direitos sociais e foram elaborados
de acordo com orientações da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que havia
surgido recentemente.
No Brasil, a Constituição de 1934 abordava os direitos trabalhistas e garantia, assim como as
dos outros países, a carga horária, descanso semanal, além de, assistência médica. Mas foi
somente em 1943 que surgiu a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que abordava as
férias anuais remuneradas, folgas semanais remuneradas e 13°.
Mas em meio a um processo de globalização desse sistema capitalista muitas pessoas podem
acabar tendo esses direitos privados de alguma forma. A necessidade de uma produção cada
vez mais rápida e eficiente, porém que demande menos custos fazem com que as grandes
empresas passem a adotar medidas que impactam diretamente na vida de seus trabalhadores e
na sua saúde mental. A terceirização e a flexibilização do trabalho são meios utilizados para
atingir esses fins e que acabam por precarizar o trabalho do indivíduo. A ausência de vínculo
entre empregado e empregador sujeita essas pessoas a insegurança trabalhista e a perda de
identificação no ambiente laboral. Esses fatores são desgastantes e ocasionam o estresse no
indivíduo.
Para lidar com as situações adversas que são geradas nesse ambiente de insegurança o
trabalhador precisa de estratégias de enfrentamento, conhecidas como coping. Porém quando
não se tem essas estratégias o estresse e o desgaste emocional, ocasionado por essas medidas
podem levar ao surgimento de problemas mentais e psicossomáticos, como o burnout, por
exemplo.
METODOLOGIA
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa bibliográfica de artigos encontrados por meio do
Google Acadêmico, onde é abordado o adoecimento do trabalhador em situações de crise
econômica. Assim como dados extraídos de pesquisas realizadas pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) Em nossa pesquisa foram encontrados 136 resultados
publicados na última década, onde foram escolhidos . Utilizamos o método qualitativo para
apresentação dos dados encontrados de maneira descritivo.
Nos resultados foi demonstrado como a relação do sujeito e o seu ambiente de trabalho pode
ser causador de bem estar social e realização pessoal, mas também pode ser potencial
adoecedor. O adoecimento poderá ser causado por medidas adotadas pela organização que
acarretam em um desgaste físico e emocional ou que impeça o indivíduo de progredir e
atingir sua própria realização pessoal. (DERISSO, ANDRADE, DERISSO, 2009)
Conseguimos então relacionar esse processo desgastante com o surgimento de doenças ou
agravante de situações estressoras. O burnout é uma das doenças que surgem dentro do
ambiente laboral e está diretamente associada à prática. O aumento exponencial dos casos é
um alerta para a maneira como atual modelo econômico vem impactando na vida das
pessoas. (SOUSA, MENDONÇA, ZANINI, NAZARENO, 2009)
A crise econômica atual também está relacionada a esse adoecimento da classe trabalhadora e
em uma escala maior. O sistema capitalista, que funciona sob um modelo de alta performance
e exige produções cada vez maiores de seus trabalhadores, tiverem sua indústria desenvolvida
sob os modelos taylorista e fordista. Mas esse modelo de trabalho está mudando devido a
recessão e o crescimento do número de desempregados, que agora migram para trabalhos
informais e claramente precarizados, como aponta Ricardo Antunes em seu artigo "A crise, o
desemprego e alguns desafios atuais."
RESULTADOS
Crise econômica.
A economia brasileira na década 2000 experienciou o aumento da oferta de emprego e uma
melhora significativa na qualidade de vida em relação a remuneração e economia saudável,
que aumentou o poder aquisitivo dos trabalhadores. Mas a partir de 2008 esse evento
começou a arrefecer devido a crise econômica internacional que afetou o setor industrial e
provocou a demissão de boa parte de seus trabalhadores. Outros eventos no decorrer dos anos
propiciaram o agravante dessa crise que se estendeu a outros meios de produção e sustento e
atingiu uma parcela maior da população. O desemprego atinge hoje 12,6 milhões de
brasileiros, segundo o IBGE, o que significa 11,8% da população. A maior parte dos
desempregados vem do setor privado.1
Esse cenário de crise faz com que muitas pessoas deixem de ter uma renda aceitável para
manter seu custo de vida e faz com que elas se sujeitem a outras ocupações para a garantia de
algum rendimento como forma de sobrevivência. É nesse momento que as pessoas vão para o
mercado de trabalho informal, onde as condições são precárias e abaixo do mínimo
estabelecido pela legislação social e trabalhista vigente (MARCIO POHMANN, 2009). Nesse
momento de maior oferta de mão de obra por valores menores,empresas optam pela
terceirização de seus serviços visando a redução de custos e o fim do vínculo empregatício
que garante seguridade social a esse trabalhador.
Como tática para amenizar o custo dos serviços as empresas aumentama rotatividade dos
colaboradores. Demitindo funcionários com maiores salários e contratando pessoas para a
mesma função, mas com menor valor salarial.
1 ALVARENGA, Darllan; SILVEIRA, Daniel. Desemprego fica em 11,8% em agosto e atinge 12,6 milhões, diz
IBGE. In: G1 Economia. [S. l.], 27 set. 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/09/27/desemprego-fica-em-118percent-em-agosto-diz-ibge.ghtml.
Acesso em: 19 nov. 2019.
Essas medidas tomadas pelos empregadores gera um ambiente de insegurança e adoecedor.
Essas condições propiciam o surgimento de doenças mentais ou o agravante de sintomas já
existentes. Crises de ansiedade, depressão e mais recentemente a síndrome de burnout, que
tem se tornado muito recorrente, passam a fazer parte da rotina dessas pessoas. Que sem a
assistência necessário dentro do ambiente organizacional tem sua saúde realmente
comprometida.
Precarização do trabalho.
Ricardo Antunes afirma em seu artigo "A crise, o desemprego e alguns desafios atuais" que a
precarização desses postos de trabalho tem crescido devido à propostas de flexibilização de
trabalho. Essas flexibilizações surgem em meio à promessas de manter os postos de trabalhos
e aumento de produção. É assim que vem o aumento exponencial de trabalhos terceirizados,
assim como as formas de trabalho assalariado e instável que dominam como
empreendedorismo, mas que não deixa de ser uma maneira de exploração do trabalho com
um custo menor. Flexibilizar também significa repassar os riscos do Estado e das empresas
para o indivíduo (BECK, 2000; NAZARENO, 2003).
Em uma sociedade globalizada e informatizada como a nossa é comum que tenhamos acesso
a diversos aplicativos que terceirizam serviços e os barateiam para os consumidores. Como
aplicativos de entrega de comida ou carona, por exemplo. Esses trabalhadores são
considerados autônomos, pois não tem nenhum contrato de trabalho com as grandes empresas
a que presta serviços. Dessa forma vendem sua força de trabalho por um valor menor e sem
direitos garantidos. É nesse momento que percebemos a falácia do “empreendedorismo” e
entendemos como uma forma de exploração.
Países como Inglaterra, Espanha, EUA e Grécia, por exemplo, tiveram a maior de taxa de
desemprego das últimas décadas e por isso foram os que mais persistiram na flexibilização de
leis trabalhistas, com esse argumento de manter os empregos e continuar a geração de renda.
Porém, alguns dos que realmente colocaram em prática diversas medidas que flexibilizam o
trabalho continuaram a ver seu número de desempregados aumentar. Países como EUA,
Argentina e Espanha.
Adoecimento mental do trabalhador.
A gestão das organizações e seus setores de RH costumam identificar a ocorrência de crises,
que podem ser provocadas por diversos motivos. Seja pela alteração organizacional da
empresa, alterações tecnológicas, intensificação de trabalho ou até mesmo por alguma
alteração específica em determinados setores. (SILVA, 1992).
Essas ocorrências costumam aumentar e se tornarem-se constantes diante de crises
econômicas que implicam na demissão de funcionários. O que gera a insegurança nos
empregados e às vezes a intensificação da produção diante da ausência de mão de obra
suficiente e a necessidade de manter os lucros elevados. Como afirma Edith Sellgmann Silva
em seu artigo A inter-relação trabalho - saúde mental: um estudo de caso:
"Circunstâncias de ordem conjuntural- como recessão econômica - nas quais aumenta a insegurança no emprego
e efetivamente muitos assalariados são dispensados, representam igualmente momentos em que se intensificam
exigências que atingem a esfera mental. Assim poderá ocorrer um aumento de atendimento de crises de
ansiedade e de suas diversas expressões psicossomáticas - episódios de taquicardia, sufocação, diarréias
nervosas etc., no setor médico de uma empresa determinada na qual estejam ocorrendo grandes modificações.
Mas também em setores de produção, regiões ou países afetados por crises, os registros psiquiátricos refletem
tais impactos.' Em tais situações, também o aumento das tentativas de suicídio merece
especial atenção."
O estresse é o primeiro fator adoecedor que o indivíduo terá de lidar. O estresse pode ser
interpretado de duas maneiras, o eustress, quando o inquietação é benéfica ao homem e pode
ser proveitosa e o distress, quando o indivíduo é afetado de maneira negativa e se persistente
pode ser prejudicial e agravante. O estresse como fenômeno psicossocial só passou a ser
estudado a partir de 1930 por Hanz Selye. O estresse é definido por Lippe (2001 apud
Tavares, Tadeucci, & Inocente, 2011, p.3) como:
“Uma reação do organismo com componentes físicos e/ou psicológicos, causada pelas alterações
psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que, de um modo ou de outro, a
irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz.”
Foi ele, inclusive, que viu a necessidade de se estudar o estresse em contextos específicos.
Sendo um desses contextos o ocupacional. A presença do estresse ocupacional não é
necessariamente o indicador de alguma patologia. Ele é sinal que fatores como as condições
de trabalho ou a atividade em si não estejam favorecendo esse indivíduo. Mas é um
importante fator a ser observado pois tem relações diretas com outros problemas enfrentados
pelos trabalhadores como o surgimento da ansiedade, depressão obesidade, entre outros.
No contexto de crise a qual nos referimos podem se configurar como fatores estressores a
relação hierárquica dentro da organização, a divisão do trabalho ou o excesso dele, como nos
casos onde o número de trabalhadores é reduzido como forma de redução de gastos, mas o
nível de trabalho continua grande. Diante desses eventos surge a necessidade de desenvolver
estratégias de enfrentamento por parte do trabalhador. Essa prática é conhecida como coping
e nela há de se considerar o evento estressor, o indivíduo e o ambiente a qual se está inserido.
Nos casos onde essa pessoa não tem estratégias de enfrentamento ou quando não lhe são
efetivas o estresse pode contribuir para a piora de sua saúde mental, com o surgimento de
novos problemas associados ao estresse ou agravante de sintomas psicossomáticos.
CONCLUSÃO
Conseguimos observar que a relação do ser humano com a prática laboral surgiu da
necessidade de produção para suprir as necessidades básicas humanas, mas que logo se
tornaram mais do que isso. A exploração da mão de obra humana se tornou um fator vital
para a indústria que está focada em produzir sempre acima das necessidades. A luta pela
conquista de direitos trabalhistas em todo o mundo proporcionou a criação de leis que
garantem direitos básicos ao trabalhador e lhe desse condições de viver dignamente.
(POCHMANN, 2009)
Em meio a um cenário de crise no sistema capitalista e nas grandes economias o desemprego
em massa volta a fazer parte de nossa realidade e impactar no bem estar social da classe
trabalhadora. Enquanto uma grande parte perde sua fonte de renda e encontra dificuldades em
se reinserir no mercado de trabalho formal acaba tendo de submeter a trabalhos informais.
Nesses trabalhos acabam por ganhar menos e não tem acesso a direitos básicos, antes
garantidos pelo vínculo empregatício. É nesse cenário de crise que a exploração do trabalho
humano é abordada como "empreendedorismo".
Organizações dos países que detém as maiores economias passam a tentar flexibilizar os
direitos trabalhistas com a premissa de manter os postos de trabalho e geração de renda por
meio da produção. Entretanto os países que aprovaram diversas medidas de flexibilização,
como a Argentina, EUA e Espanha presenciam o aumento contínuo do desemprego e a queda
da produção. (ANTUNES, 2010).
A criação de um ambiente instável é propícia ao adoecimento dos trabalhadores. É comum
que a gestão organizacional das empresas e setores de RH costumam presenciar o aumento de
casos provocados pelo estresse da prática laboral e ansiedade ocasionada pelo momento de
crise. São fatores que podem desenvolverquadros mais agravantes como transtornos de
ansiedade, depressão e burnout. A suscetibilidade ao suicídio também é um assunto que deve
ser observado.2
Diante do exposto fica evidente que o modo como nos relacionamos com as práticas laborais
tem se tornado mais adoecedoras. Levando em consideração o modelo econômico da
sociedade em que vivemos e a atual crise nesse sistema capitalista. De acordo com Ricardo
Antunes, , é necessário uma profunda nos modos de produção e consumo em nossa
sociedade. Essa mudança cultural, obviamente, não ocorreria de maneira imediata. Porém é
extremamente necessária já que o sistema existente atualmente apresenta sinais de colapso.
2 SILVA, Elizabeth Sellmann. A INTER-RELAÇAO TRABALHO-SAÚDE MENTAL:
UM ESTUDO DE CASO. Revista de Administração de Empresas, [s. l.], 1 out. 1992.
REFERÊNCIAS
DE SOUSA, Ivone Félix; MENDONÇA, Heledines; ZANINI, Daniela Sacramento;
NAZARENO, Elias. ESTRESSE OCUPACIONAL, COPING E BURNOUT. Estudos
Vida e Saúde, PUC Goiás, 1 fev. 2009.
POCHMANN, Marcio. O trabalho na crise econômica no Brasil: primeiros sinais.
Estudos Avançados, Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade
Estadual de Campinas, 19 jun. 2009.
ANTUNES, Ricardo. A crise, o desemprego e alguns desafios atuais. Serv. Soc. Soc, [s. l.],
1 out. 2010.
SILVA, Elizabeth Sellmann. A INTER-RELAÇAO TRABALHO-SAÚDE MENTAL: UM
ESTUDO DE CASO. Revista de Administração de Empresas, [s. l.], 1 out. 1992.
DERISSO, Elder Marcos; DE ANDRADE, Nivaldo Aparecido; DERISSO, Everton Marcio.
ESTRESSE CAUSADO AOS TRABALHADORES, DECORRENTE DA CRISE
ECONÔMICA MUNDIAL. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, ano VII, nº 20, [s. l.],
1 jun. 2009.
DE SOUSA, IVONE FÉLIX; MENDONÇA, HELENIDES; ZANINI, DANIELA
SACRAMENTO; NAZARENO, ELIAS. ESTRESSE OCUPACIONAL, COPING E
BURNOUT. Pontifícia Universidade Católica de Goiás, [s. l.], 1 fev. 2009.

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