Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Profa. Ms. Camila Motta Paiva 31 de outubro de 2022 “O mal-estar na civilização” foi publicado em 1930 e o seu conteúdo é considerado bastante atual para refletir sobre a relação entre o homem e a sociedade. Nesta obra, Freud analisa as consequências da inserção na cultura. A vida em sociedade exige restrição da satisfação pulsional, o que traz consequências. O mal-estar provém do embate entre as normas da civilização e as exigências do id, do princípio do prazer. A vida civilizada só é possível a partir da renúncia de grande parte dos impulsos sexuais e agressivos, o que Freud relaciona com o sofrimento. A LUTA ENTRE EROS E TÂNATOS: PULSÃO DE VIDA E PULSÃO DE MORTE. Eterna ambivalência, eterna luta entre amor e de destruição. No processo de diferenciação entre a criança e o mundo externo, surge a tendência de afastar do eu tudo o que pode se tornar fonte de desprazer -> “jogar isso para fora”. MAS EXISTE UMA REALIDADE QUE SE IMPÕE – e que pode ser desconhecida, ameaçadora. FINALIDADE: felicidade Essa busca tem dois lados, uma meta positiva e uma negativa -> ausência de dor e desprazer X a vivência de fortes prazeres. No sentido mais estrito da palavra, "felicidade" se refere apenas à segunda. MAS… CIVILIZAÇÃO -> RENÚNCIA E SOFRIMENTO Pela própria condição humana na civilização, a felicidade só pode ser experimentada de forma repentina e episódica. NÃO é possível alcançarmos um estado de felicidade plena. O princípio do prazer estabelece a finalidade da vida e domina o aparelho psíquico desde o começo… mas está “em desacordo com o mundo”, contraria o “arranjo” social. Nossas possibilidades de felicidade são limitadas -> “é bem menos difícil experimentar a infelicidade do que a felicidade”. Moderamos nossas pretensões -> nos acostumamos com evitar o desprazer e chamamos isso de “felicidade”. “O princípio do prazer se converteu no mais modesto princípio da realidade, sob a influência do mundo externo” -> “alguém se dá por feliz ao escapar à desgraça e sobreviver ao tormento”. “O sofrer nos ameaça a partir de três lados: do próprio corpo, que, fadado ao declínio e à dissolução, não pode sequer dispensar a dor e o medo, como sinais de advertência; do mundo externo, que pode se abater sobre nós com forças poderosíssimas, inexoráveis, destruidoras; e, por fim, das relações com os outros seres humanos. O sofrimento que se origina desta fonte nós experimentamos talvez mais dolorosamente que qualquer outro” (Freud, 1930, p. 31) Freud descreve as fontes de sofrimento que revelam a fragilidade humana: “A vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos dispensar paliativos.” (Freud, 1930, p. 37) Diante disso, o homem utiliza estratégias na busca da felicidade: - Isolamento, afastar-se do mundo; (inviável) - Uso de substâncias: narcóticos, entorpecentes; (ganhos imediatos que não se sustentam) - Deslocamentos da libido -> deslocar as metas das pulsões: sublimação / ganho de prazer a partir das fontes de trabalho psíquico e intelectual (parece “mais fina e elevada”, mas a intensidade da satisfação oferecida é amortecida) - Relação amorosa romântica (traz a ilusão da completude) - Fuga para uma neurose (satisfação substitutiva, “neuroses ameaçam minar o pouco de felicidade que tem o homem civilizado” (p. 45) - Rebela-se com a realidade, ruptura (psicose) - Refúgio na “miséria psicológica das massas” (submissão, passividade) - Religião (ilusão). “Os homens se esforçam em obter a felicidade e manter à distância o sofrer” (p. 38) -> “não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz” (p. 41). Para Freud, “a religião estorva esse jogo de escolha e adaptação, ao impor igualmente a todos o seu caminho para conseguir felicidade e guardar-se do sofrimento” (p. 42). “Existem, como dissemos, muitos caminhos que podem levar à felicidade, tal como é acessível ao ser humano, mas nenhum que a ela conduza seguramente. Tampouco a religião pode manter sua promessa.” (p. 42). A civilização serve para dois fins: a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação dos vínculos dos homens entre si (p. 49). O domínio do fogo, as construções, o navio (ar e água), óculos (visão), telefone (distâncias) -> “parece um conto de fadas” / um ser “fraco” realizou tudo isso na Terra. Não podemos alcançar tudo que desejamos, não é possível obter satisfação plena e irrestrita das necessidades, mas a civilização permite um quantum de satisfação para todos. Além disso, são inequívocos os ganhos e a contribuição advindos da civilização. Freud explica a neurose como fruto dessa relação do homem com a civilização e o recalque como consequência de uma série de normas sociais que entram em choque com o desejo. “Descobriu-se que o homem se torna neurótico porque não pode suportar a medida de privação que a sociedade lhe impõe, em prol de seus ideais culturais, e concluiu-se então que, se estas exigências fossem abolidas ou bem atenuadas, isto significaria um retorno a possibilidades de felicidade.” - SERÁ? “Parece fora de dúvida que não nos sentimos bem em nossa atual civilização, mas é difícil julgar se, e em que medida, os homens de épocas anteriores sentiram-se mais felizes, e que papel desempenharam nisto suas condições culturais” (p. 47). Adiamento de gratificações; Controle de impulsos agressivos, violentos, para viver em comunidade - o ser humano não é “brando”, tem um “quinhão de agressividade”; O outro é também ameaçador, usurpador - invasões bárbaras, Cruzadas, “atrocidades da recente guerra mundial”; Frustrações constantes provocadas pela restrição aos nossos impulsos eróticos e tanáticos; Restringe nossa vida sexual; Impõe limites e provações em relação às nossas fontes de prazer. Quando a autoridade é internalizada pelo estabelecimento de um superego (supereu) -> sentimento de culpa. O Complexo de Édipo marca a introjeção da lei simbólica e a entrada na cultura <-> a civilização impõe limites restritivos para os desejos incestuosos e parricidas veiculados pelo Complexo de Édipo. “O supereu atormenta o eu pecador com as mesmas sensações de angústia e fica à espreita de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo mundo exterior” (p. 95) “O preço do progresso cultural é a perda de felicidade” (p. 106). É importante ressaltar que a intenção de Freud não é propor o fim das normas culturais e morais, ou simplesmente criticá- las. Freud considera a civilização como necessária. A ideia é analisar as restrições impostas ao ser humano, e apontar que elas trazem consequências psíquicas. Em síntese... Embate constante entre o princípio do prazer e princípio da realidade. A Psicanálise traz a ideia de um sujeito dividido, que precisa renunciar à satisfação imperativa do princípio do prazer, e com isso, torna-se faltoso e limitado, mas também desejante. Na cultura encontramos possibilidades para nos inventarmos e reinventarmos, mas com muitos desafios: nada cessará os conflitos entre os sujeitos, a fragilidade e a finitude do corpo é uma realidade, e a natureza sempre poderá mostrar a sua força de destruição. Apesar das adversidades, caminhos podem ser construídos, não para a felicidade plena, mas para uma vida com obtenção de prazer e saúde psíquica. Fenômenos grupais, totalitarismos em ascensão na Europa. “Toda a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social”
Compartilhar