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78 Unidade II Unidade II 3 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO Didaticamente, o sistema nervoso é dividido em periférico (subdividido em somático e autônomo) e central (constituído pelo encéfalo e medula espinal). As vias eferentes do sistema nervoso periférico podem ser divididas em duas categorias principais: o sistema nervoso autônomo e o sistema nervoso somático. É com a subdivisão eferente do sistema nervoso que iniciaremos o estudo da farmacologia dos sistemas, que visa a explorar os fármacos que atuam nos diferentes órgãos e tecidos, seus mecanismos de ação, usos terapêuticos e experimentais e principais efeitos adversos. Esses conhecimentos são essenciais para o entendimento mais aprofundado da fisiologia humana e das bases da terapêutica medicamentosa e como esta interfere nas funções orgânicas. As ações de muitos fármacos sobre a musculatura lisa, o músculo cardíaco e as glândulas podem ser compreendidas em termos de sua simulação ou modificação da ação dos neurotransmissores liberados pelas fibras do sistema nervoso autônomo nos gânglios ou nas células efetoras, enquanto os fármacos que atuam no músculo esquelético atuam diretamente na subdivisão somática do sistema nervoso eferente. O sistema nervoso autônomo é o ramo do sistema nervoso que medeia ações viscerais, que são independentes do controle voluntário: a frequência cardíaca, a pressão arterial, a digestão, a respiração, o controle da temperatura corporal etc. O sistema nervoso somático, por sua vez, controla as funções que são comandadas de maneira consciente: o movimento, a respiração e a postura. 3.1 Sistema nervoso autônomo: visão geral O sistema nervoso autônomo é o principal responsável pelo controle automático do corpo frente às modificações do ambiente, no sentido de se conservar a homeostase e garantir a sobrevivência do organismo. A ação do sistema nervoso autônomo caracteriza-se pela ativação de arcos reflexos de diferentes complexidades por estruturas do sistema nervoso central, em resposta a estímulos sensoriais de diferentes naturezas. Os estímulos sensoriais são sinais, enviados por nossos órgãos e tecidos, que refletem as condições às quais nosso organismo está exposto em um determinado momento. Trata-se de estímulos relacionados com a sensibilidade visceral (dor e dor referida) e com os reflexos vasomotores, respiratórios e viscero-somáticos. Esses sinais geram potenciais de ação que percorrem os nervos aferentes em direção a estruturas do sistema nervoso central que decodificam as informações recebidas e ativam seletivamente diferentes seções do sistema nervoso autônomo. 79 FARMACOLOGIA Um exemplo de sistema aferente autônomo é o das terminações barorreceptoras e quimiorreceptoras na carótida e no arco aórtico: esse sistema é importante para o controle reflexo da pressão arterial, da frequência cardíaca e da respiração. O estímulo do sistema nervoso central, causado pelas informações trazidas pelos nervos aferentes, faz com que os nervos autonômicos eferentes conduzam potenciais de ação para os órgãos e tecidos, que respondem a esses estímulos modulando sua atividade a fim de se atingir a condição mais próxima ao possível do equilíbrio. Os reflexos autonômicos podem se manifestar, por exemplo, como aumento da sudorese, alterações da pressão arterial, respostas vasomotoras, esvaziamento reflexo da bexiga, do reto e da vesícula seminal ou ainda como alteração da frequência respiratória, da regulação da temperatura corporal e do equilíbrio hídrico. Até mesmo as emoções e o sono podem ser afetados, devido ao fato de o sistema nervoso autônomo receber estímulos de outras regiões superiores do sistema nervoso central, como o sistema límbico e o neoestriado. 3.1.1 Principais características anatômicas O sistema nervoso autônomo é constituído por 23 pares de nervos, que nada mais são do que feixes de neurônios que emergem da medula espinal, do tronco encefálico e do hipotálamo, atravessam os espaços intervertebrais e se distribuem pelo organismo. Esses feixes de neurônios constituem nervos, gânglios e plexos, que inervam diferentes órgãos e tecidos. Praticamente todos os órgãos e tecidos são inervados por um ou mais pares de nervos (veja a figura a seguir), que regulam as ações autônomas, as quais ocorrem sem controle consciente. Estimula a secreção Glândulas lacrimais Glândulas salivares Coração Trato gastrointestinal Trato reprodutor (feminino) Vasos sanguíneos (m. esqueléticos) Vasos sanguíneos (pele, mucosas e área esplâncnica) Trato reprodutor (masculino) Trato urinário Rins Glândula suprarrenal Trato respiratório Olho Secreção espessa, viscosa Secreção abundante, aquosa Aumenta a força e a frequência Dimimui a força e a frequência Diminui a atividade Aumenta a atividade Relaxamento uterino Dilatação Constrição Estimula a ejaculação Estimula a ereção Inibição da micção Estímulo da micção Secreção de renina Secreção da epinefrina Broncodilatação Broncodilatação e secreção Midríase (dilatação da pupila) Miose (constrição da pupila) Em vermelho = efeitos simpáticos Em azul = efeitos parassimpáticos Figura 26 – Ações do sistema nervoso simpático e parassimpático nos órgãos efetores Fonte: Clark et al. (2013, p. 39). 80 Unidade II De acordo com a localização ao longo da medula espinal e da resposta que são capazes de induzir, os nervos do sistema nervoso autônomo são divididos em dois grandes componentes: o sistema nervoso simpático e o sistema nervoso parassimpático. Uma terceira subdivisão do sistema nervoso autônomo refere-se ao sistema nervoso entérico, responsável por regular a atividade do trato gastrointestinal. Os nervos do sistema nervoso simpático e parassimpático emergem, respectivamente, das regiões tóraco-lombar e crânio-sacral da medula espinal. Em ambos os sistemas, cada nervo é formado por dois feixes de neurônios em série, que constituem sinapses em uma estrutura denominada gânglio autonômico. Os neurônios que emergem do sistema nervoso central em direção ao gânglio são denominados pré-ganglionares e os neurônios que emergem do gânglio em direção aos sistemas orgânicos são denominados pós-ganglionares. Nos nervos que constituem o sistema nervoso simpático, o gânglio autonômico localiza-se próximo à medula espinal, e são observados vários neurônios pós-ganglionares fazendo sinapse em um mesmo neurônio pré-ganglionar, em uma proporção que pode chegar a 1:20. Isso garante que o estímulo desencadeado pelo sistema nervoso simpático apresente um padrão difuso e disseminado. Nos nervos do sistema nervoso parassimpático, por outro lado, o gânglio autonômico fica localizado próximo ao órgão-alvo e a proporção entre os neurônios pré e pós-ganglionares é de 1 para 1, o que justifica o padrão mais direcionado e pontual das respostas desencadeadas por essa subdivisão autonômica. 3.1.2 Principais aspectos da fisiologia do sistema nervoso autônomo Assim como ocorre na grande maioria das sinapses neuronais, no gânglio autonômico ocorre a conversão do estímulo elétrico, representado pelo potencial de ação, em estímulo químico, representado por um neurotransmissor. Tanto no nervo simpático quanto no nervo parassimpático, o neurotransmissor liberado pelos neurônios pré-ganglionares é a acetilcolina, e o receptor ativado é o nicotínico, presente na membrana dos neurônios pós-ganglionares. A partir dessa ativação, são gerados potencias de ação que percorrem os nervos pós-ganglionares em direção aos órgãos-alvo. Os neurônios pós-ganglionares estabelecem sinapses com os diferentes órgãos e tecidos. Nessa sinapse, os nervos simpáticos liberam norepinefrina (noradrenalina), e os nervos parassimpáticos, acetilcolina. As exceções são a inervação da glândula suprarrenal, constituída de um único feixe de neurônios colinérgicos, sem que haja sinapse no gânglio, e a inervação simpática das glândulas sudoríparas, na qual os neurônios pós-ganglionares são colinérgicos e não noradrenérgicos (veja a figura a seguir).81 FARMACOLOGIA Parassimpático Músculo cardíaco, músculo liso, glândulas Simpático Glândulas sudoríparas Simpático Músculo cardíaco, músculo liso, glândulas Somático Músculo esquelético ACh N ACh M NE α, β ACh M ACh N ACh N ACh N ACh N Glândula suprarrenal Nervo motor Epi, NE Medula espinal Figura 27 – Esquema representativo da inervação parassimpática, simpática e somática. Os neurotransmissores (Ach, acetilcolina; NE, norepinefrina; Epi, epinefrina) e os receptores ativados em cada caso (N, nicotínico; M, muscarínico; α, adrenoceptor alfa; β, adrenoceptor beta) estão indicados Fonte: Katzung (2004, p. 103). Nos órgãos-alvo, a norepinefrina ativa receptores adrenérgicos (também conhecidos como adrenoceptores ou adrenorreceptores), enquanto a acetilcolina ativa receptores colinérgicos muscarínicos. É a ativação desses receptores que culmina na resposta final do órgão ao estímulo autonômico. É importante ressaltar que, além do neurotransmissor norepinefrina, a ativação do sistema nervoso simpático também pode envolver a secreção de um hormônio, a epinefrina. Também conhecida como adrenalina, essa catecolamina é importante na mediação das reações classicamente envolvidas com luta e fuga. Para que ocorra liberação de epinefrina, é necessário que as fibras simpáticas que inervam a glândula suprarrenal sejam ativadas. Essas fibras não estabelecem sinapse no gânglio e, portanto, um único feixe de neurônios emerge do sistema nervoso central em direção às células secretoras de epinefrina da suprarrenal. Sua ativação resulta na secreção de epinefrina e de pequenas quantidades de norepinefrina para a corrente sanguínea. 3.1.3 Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação A diferença mais marcante entre os nervos simpáticos e parassimpáticos são os neurotransmissores liberados nas sinapses com os órgãos-alvo e, como consequência, os receptores ativados em cada caso. 82 Unidade II Neurônios que sintetizam e secretam acetilcolina (neurônios colinérgicos) estão presentes nas fibras pré-ganglionares de todo o sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), nas fibras simpáticas que atingem a medula da suprarrenal (pois, nesse caso, não há gânglio), nas fibras pós-ganglionares do sistema nervoso parassimpático e, como uma exceção, nas fibras simpáticas que inervam as glândulas sudoríparas. Além disso, a acetilcolina é liberada na placa motora e, no sistema nervoso central, é responsável por modular a memória e a cognição. A biossíntese de acetilcolina se dá pela acetilação da colina, que é obtida da alimentação e da degradação da própria acetilcolina (principal fonte). No citoplasma do neurônio colinérgico, ocorre doação de um radical acetil, presente na molécula de acetil-coA (acetil-coenzima A) à colina livre. A enzima que catalisa essa reação é a colina acetiltransferase (CAT) (veja a figura a seguir). O HO N+ N+ Colina acetiltransferase (CAT) Acetilcolina Colina Acetil-S-CoA OH3C H3C H3C CH3 CH3 CH3 CH3 Figura 28 – Biossíntese de acetilcolina Observação A colina também atua como vitamina do complexo B. Ela é encontrada em alimentos como o ovo, o fígado de galinha, a vitela de vaca, a mostarda, os cereais integrais etc. O término das ações da acetilcolina se dá pela hidrólise do neurotransmissor, que ocorre graças à ação da enzima acetilcolinesterase (achE) presente na fenda sináptica. Ancorada à membrana do neurônio pré-sináptico, essa enzima é responsável por converter a acetilcolina nos resíduos acetil e colina e, assim, interromper o estímulo do sistema nervoso parassimpático. As etapas da biossíntese, do armazenamento, da liberação e da degradação de acetilcolina estão resumidas na figura a seguir: 83 FARMACOLOGIA + Colina Colina Acetato Resposta intracelular AcCoA Ach Ach Receptor pré-sináptico Colina Na+ Ca2+ Ca2+ Na+ 1. Síntese de acetilcolina O transporte da colina é inibido pelo hemicolínio 2. Captação nas vesículas de armazenamento A Ach está protegida da degradação no interior da vesícula 3. Liberação do neurotransmissor A liberação da Ach é bloqueada pela toxina botulínica 4. Ligação do receptor A ativação do receptor pós-sináptico leva à resposta final 6. Reciclagem da colina A colina é captada pelo neurônio 5. Degradação da acetilcolina A Ach é rapidamente degradada pela enzima acetilcolinaterase na fenda sináptica Figura 29 – Etapas da neurotransmissão do sistema nervoso parassimpático Fonte: Clark et al. (2013, p. 49). Neurônios que sintetizam e secretam norepinefrina (neurônios noradrenérgicos) estão presentes nas fibras pós-ganglionares do sistema nervoso simpático e no sistema nervoso central, onde estão relacionados com a promoção da vigília. A biossíntese da norepinefrina ocorre em várias etapas, e tem o aminoácido tirosina como precursor (veja a figura a seguir): • a tirosina é sintetizada no fígado, a partir da fenilalanina, e atinge a circulação; • o neurônio noradrenérgico capta resíduos de tirosina da circulação; • a tirosina captada é convertida a DOPA pela ação da enzima tirosina beta-hiroxilase; • a DOPA é convertida em dopamina pela ação da enzima dopa-descarboxilase; • a dopamina é armazenada em vesículas de secreção, onde é convertida em norepinefrina pela enzima dopamina beta-hidroxilase; • na medula da glândula suprarrenal, pode ocorrer, ainda, a conversão de norepinefrina a epinefrina. Essa conversão ocorre por ação da enzima feniletanolamina N-metiltransferase. 84 Unidade II HO HO HO HO HO HO HO HO HO C C C C C N NH 2 NH2 NH2 CH2 CH2 CH2 CH CH NH2 H H H H H OH OH H H H COOH COOH H CH3 Tirosina Tirosina-hidroxilase Dopa-descarboxilase Dopamina beta-hidroxilase Norepinefrina N-metil transferase Dopa Norepinefrina Dopamina Epinefrina Figura 30 – Biossíntese dos transmissores do sistema nervoso simpático, epinefrina e norepinefrina Adaptada de: Harman et al. (2005, p. 101). O término das ações da norepinefrina é intracelular e ocorre por duas vias: o neurotransmissor pode ser captado pelo neurônio pós-ganglionar e degradado pela enzima monoamina oxidase (MAO), presente nas mitocôndrias, ou então é captado pelos órgãos-alvos, e degradado pela enzima catecol orto-metiltransferase (COMT). A via mais importante é a mediada pela enzima MAO. As etapas da biossíntese, do armazenamento, da liberação e da degradação de norepinefrina estão resumidas na figura a seguir: 85 FARMACOLOGIA + Resposta intracelular Receptor pré-sináptico 1. Síntese de norepinefrina A hidroxilação da tirosina é a etapa limitante 2. Captação em vesículas de armazenamento A dopamina entra na vesícula e é convertida em NE 3. Liberação do neurotransmissor O influxo de cálcio causa a exocitose da NE A liberação é bloqueada pela guanetidina 4. Ligação do receptor A ativação do receptor pós-sináptico leva à resposta final 6. Metabolismo A NE é metilada pela COMT e oxidada pela MAO 5. Recaptação da norepinefrina A NE liberada é rapidamente captada pelo neurônio. Essa recaptação é inibida pela cocaína Ca2+ Ca2+ MAO MAO Metabólitos inativos Metabólitos inativos Metabólitos inativosUrina Urina Urina Tirosina Tirosina NE Na+ Na+ DOPA Dopamina Dopamina COMT NE Fenda sináptica Figura 31 – Etapas da neurotransmissão simpática: NE = norepinefrina Fonte: Clark et al. (2013, p. 71). 3.1.4 Subtipos de receptores adrenérgicos e muscarínicos No gânglio, mais especificamente no corpo celular dos neurônios pós-ganglionares, são expressos receptores nicotínicos, que são acoplados a um canal iônico permeável aos íons sódio e cálcio. Quando esses receptores são ativados, ocorre influxo desses íons pelo neurônio pós-ganglionar, o que altera seu potencial de membrana no sentido da despolarização (potencial excitatório pós-sináptico – Peps) e consequente condução de potenciais de ação. Quando os potenciais de ação atingem a sinapse entre o neurônio pós-sinápticoe o órgão-alvo, ocorre a liberação de neurotransmissores e a ativação dos receptores presentes em suas células. Nos órgãos-alvo, são expressos receptores adrenérgicos e/ou receptores colinérgicos muscarínicos, ambos acoplados à proteína G. A partir da ativação desses receptores, estabelece-se a resposta final do sistema nervoso simpático e parassimpático, respectivamente. 86 Unidade II Existem diferentes subtipos de receptores adrenérgicos e muscarínicos. Esses receptores são acoplados à proteína G e expressos em um padrão que varia de acordo com o tecido e com o sistema a ser estudado, o que garante a vasta gama de efeitos que podem ser obtidos a partir do estímulo desses transmissores químicos. Os receptores adrenérgicos, adrenorreceptores ou adrenoceptores medeiam as respostas do sistema nervoso simpático e são subdivididos em dois grupos: alfa e beta. O grupo alfa é subdividido nos subtipos alfa-1 e alfa-2 e o grupo beta nos subtipos beta-1, beta-2 e beta-3. Cada um desses subtipos é codificado por um gene diferente e, como consequência, apresenta características estruturais distintas (veja a figura a seguir). Alfa-1 Alfa-2 Beta Gq PLC AC AC Gi Gs PIP2 DAG ATP ATPAMPc AMPc IP3 Ca2+ Ca2+ Contração do músculo liso Contração do músculo liso Epinefrina Norepinefrina Inibição da liberação dos neurotransmissores Contração do músculo cardíaco, relaxamento do músculo liso, glicogenólise Figura 32 – Subtipos de adrenoceptores. As vias de sinalização intracelular estão indicadas: PLC, fosfolipase C; AC, adenilil ciclase; PIP2, fosfoinositídeo bifosfato; IP3, inositol trifosfato; DAG, diacilglicerol; ATP, trifosfato de adenosina; AMPc, monofosfato de adenosina cíclico Adaptada de: https://bit.ly/3g4rXVu. Acesso em: 8 jun. 2021. • Os adrenoceptores alfa-1 são acoplados à proteína Gq e sua ativação resulta em vasoconstrição, midríase, contração dos esfíncteres do trato gastrointestinal e da bexiga e secreção de saliva. • Os adrenoceptores alfa-2 são acoplados à proteína Gi e estão relacionados à inibição da secreção de norepinefrina, à inibição da secreção de insulina e à contração de alguns leitos vasculares. • Os adrenoceptores beta-1 são acoplados à proteína Gs e são responsáveis pelo aumento do trabalho cardíaco, pela indução da secreção de renina e pela lipólise. 87 FARMACOLOGIA • Os adrenoceptores beta-2 são acoplados à proteína Gs e medeiam a broncodilatação, o relaxamento uterino, a vasodilatação, a glicogenólise e a liberação de glucagon. • Os adrenoceptores beta-3 são acoplados à proteína Gs e estão relacionados à lipólise. Esses receptores não foram completamente caracterizados e não apresentam importância terapêutica. Os adrenoceptores alfa-1 e alfa-2 apresentam, ainda, subtipos adicionais. O receptor alfa-1 apresenta os subtipos alfa-1A, alfa-1B e alfa-1D. O receptor alfa-2, por sua vez, os subtipos alfa-2A, alfa-2B e alfa-2C. A diferença entre essas isoformas é a afinidade por alguns fármacos e também os mecanismos que regulam sua função. Os receptores muscarínicos, por sua vez, medeiam as respostas do sistema nervoso parassimpático e são subdivididos nos subtipos M1 a M5. Novamente, cada receptor é codificado por um gene diferente. • Os receptores M1 são acoplados à proteína Gq e são expressos no sistema nervoso central e nas células parietais do estômago, onde estimulam a síntese de HCl. • Os receptores M2 são acoplados à proteína Gi e estão relacionados ao controle da secreção de acetilcolina e também à inibição da função cardíaca. • Os receptores M3 são acoplados à proteína Gq e estão relacionados com a contração da musculatura lisa e com a secreção em diferentes órgãos. • Os subtipos M1, M2, M3, M4 e M5 também estão presentes no sistema nervoso central, onde medeiam a memória e a cognição, eventos não relacionados ao sistema nervoso parassimpático. 3.1.5 Etapas da neurotransmissão autonômica Agora que já revisamos a estrutura do sistema nervoso autônomo e os neurotransmissores e os receptores envolvidos na resposta autonômica, vamos relembrar quais são as etapas da neurotransmissão autonômica simpática e parassimpática. Vamos começar com a neurotransmissão simpática, cujas etapas são as seguintes: • Estímulos sensoriais chegam à região tóraco-lombar da medula espinal através de nervos aferentes vindos dos diferentes órgãos-alvo. Esses estímulos são responsáveis por sinalizar se existe algum ajuste funcional a ser realizado a fim de se manter o correto funcionamento do sistema. • De acordo com a natureza do estímulo aferente, um ou mais pares de nervos que compõem sistema nervoso simpático são ativados. Nesse processo, são disparados potenciais de ação que percorrem os neurônios pré-ganglionares dos pares de nervos autonômicos que foram ativados. • Quando o estímulo elétrico que percorre o neurônio pré-ganglionar atinge o gânglio, ocorre aumento das concentrações intracelulares de íons cálcio e, consequentemente, a liberação do neurotransmissor acetilcolina na sinapse. 88 Unidade II • A acetilcolina ativa receptores nicotínicos presentes nos neurônios pós-ganglionares. O influxo iônico decorrente da ativação do receptor é responsável por despolarizar o neurônio pós-ganglionar. • O neurônio pós-ganglionar dispara potenciais de ação que percorrem o nervo autonômico em direção aos órgãos-alvo. • Quando o estímulo elétrico atinge a sinapse do neurônio pós-ganglionar com as células do órgão-alvo, há uma nova onda de liberação de neurotransmissores, que ativam os receptores adrenérgicos (adrenoceptores) neles. Conforme previamente descrito, o neurotransmissor liberado é a norepinefrina. • Em situações de luta e fuga, neurônios eferentes emergem do sistema nervoso central em direção à medula da suprarrenal, que libera epinefrina para a circulação sanguínea. A epinefrina também é capaz de ativar os adrenoceptores presentes nos órgãos-alvo. O estabelecimento da resposta depende dos subtipos de adrenoceptores e, consequentemente, da ativação de segundos mensageiros expressos de maneira específica em cada tipo celular. A neurotransmissão parassimpática ocorre de maneira muito semelhante à simpática. As únicas diferenças são: • Os nervos eferentes emergem da região crânio-sacral. • Os neurônios pós-ganglionares também são colinérgicos. Portanto, no nervo parassimpático, quando o estímulo elétrico atinge a sinapse do neurônio pós-ganglionar com as células do órgão-alvo, há uma nova onda de liberação de acetilcolina. • Nos órgãos-alvo, a acetilcolina ativa receptores colinérgicos muscarínicos neles. Os receptores muscarínicos, portanto, são os mediadores das respostas do sistema nervoso parassimpático nos órgãos-alvo. 3.1.6 O mecanismo de retroalimentação negativa e o controle da atividade dos nervos autonômicos O controle da atividade dos nervos autonômicos é possível graças ao estabelecimento de um mecanismo de retroalimentação negativa, que garante que a ativação das fibras nervosas ocorrerá somente pelo tempo e com a intensidade desejados. A retroalimentação negativa ocorre da seguinte maneira: nas fibras colinérgicas, tanto pré quanto pós-ganglionares, são expressos receptores muscarínicos do subtipo M2. Esses receptores são ativados pela acetilcolina liberada pelos próprios neurônios. 89 FARMACOLOGIA Uma vez que os receptores M2 são acoplados à proteína Gi, sua ativação é responsável por diminuir os níveis intracelulares de AMPc e cálcio. Como resultado, ocorre inibição da excitabilidade neuronal e interrupção da liberação de mais acetilcolina. Observação Os receptores M1 também participam da regulação da liberação de acetilcolina pelos nervos colinérgicos Nas fibras noradrenérgicas, observa-se o mesmo mecanismo, com a diferença de que o neurotransmissor é a norepinefrina e o receptor é o adrenoceptor alfa-2. 3.1.7 Principais ações do sistema nervoso autônomo Apesar de desencadearem efeitos opostos na maioria dos órgãos, podemos considerarque, do ponto de vista fisiológico, o sistema nervoso simpático e o parassimpático são complementares. É até comum nos depararmos com a generalização de que o ramo simpático está relacionado com situações de “luta e fuga”, enquanto o ramo parassimpático do sistema nervoso autônomo está relacionado com as condições de “repouso e digestão”. Na realidade, ambos os sistemas estão ativados, de modo que o balanço da atividade de ambas as subdivisões seja suficiente para garantir o funcionamento adequado de órgãos e sistemas que compõem o organismo. Na maioria dos órgãos, as ações do sistema nervoso simpático e parassimpático são opostas e, portanto, a acetilcolina e a norepinefrina/epinefrina podem ser encaradas como antagonistas fisiológicos ou funcionais: se um ramo do sistema nervoso autônomo inibe determinada função, o outro, em geral, a exacerba. Algumas das situações responsáveis por desequilibrar, mesmo que sutilmente, o organismo geram sinais que são detectados pelos nervos aferentes e levados às estruturas do sistema nervoso central que participam da regulação autonômica. Dependendo do sinal, ou o ramo simpático ou o ramo parassimpático são ativados, no sentido de se restabelecer a homeostase. Um exemplo é a regulação da pressão arterial. Situações que culminam na queda da pressão arterial levam à ativação do sistema nervoso simpático, cujo efeito sobre os vasos é a constrição da musculatura lisa e, assim, o restabelecimento da pressão normal. Por outro lado, o aumento da pressão arterial acima dos níveis normais tende a ativar o sistema nervoso parassimpático, responsável por diminuir o trabalho cardiovascular e, indiretamente, a pressão arterial. Portanto podemos, no máximo, afirmar que o sistema nervoso simpático predomina em situações de luta e fuga – via secreção de epinefrina pelas suprarrenais, como veremos a seguir –, enquanto o sistema nervoso parassimpático predomina em situações de repouso e digestão. Em nenhuma situação somente um dos dois ramos do sistema nervoso autônomo estará exercendo sua função isoladamente sobre o organismo. 90 Unidade II O quadro a seguir resume as principais ações do sistema nervoso autônomo sobre os órgãos e tecidos. A partir dessas ações, é possível prever a ação dos fármacos que simulam ou inibem a ação dos nervos autônomos em cada órgão. Quadro 4 – Ações do sistema nervoso autônomo nos diferentes órgãos e tecidos e principais receptores envolvidos Órgão Sistema nervoso simpático Sistema nervoso parassimpático Receptor Ação Receptor Ação Olho Alfa-1 Contração do músculo radial da íris → midríase M3 Contração do músculo circular da íris → miose Coração Beta-1 Aumento da força e da frequência de contração M2 Diminuição da frequência (principalmente) e da força de contração Vasos sanguíneos Alfa-1 Beta-2 Vasoconstrição Vasodilatação M3* Vasodilatação* Pulmão Beta-2 Broncodilatação M3 Broncoconstrição Secreção de muco Trato gastrointestinal Alfa-1 Beta-2 Contração dos esfíncteres Relaxamento do músculo liso M1 M3 Secreção de HCl Contração do músculo liso (peristaltismo) Rim Beta-1 Secreção de renina ---------- ----------- Bexiga Alfa-1 Beta-2 Contração dos esfíncteres Relaxamento do músculo liso (retenção) M3 Contração do músculo liso (esvaziamento) Útero Beta-2 Relaxamento do músculo liso ---------- ----------- Músculo esquelético Beta-2 Aumento da contratilidade Glicogenólise ------- --- ----------- Fígado Beta-2 Glicogenólise Gliconeogênese ------- --- ----------- Pâncreas Alfa-2 Inibição da secreção de insulina ------- --- ----------- * Via ativação de receptores M3 do endotélio, com subsequente liberação de NO (óxido nítrico). Saiba mais Leia mais sobre o sistema nervoso autônomo em: SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana. Porto Alegre: ArtMed, 2017. 91 FARMACOLOGIA As respostas mediadas pelo sistema nervoso autônomo apresentam estabelecimento rápido e intenso. Em poucos segundos, a alteração do tônus simpático e/ou parassimpático pode levar à alteração da frequência cardíaca, da pressão arterial e do grau de dilatação dos brônquios, por exemplo. São essas variações extremamente rápidas que são medidas no polígrafo do detector de mentiras. Ao mentir, o indivíduo passa por uma situação estressante capaz de alterar o equilíbrio entre o sistema nervoso simpático e o parassimpático: o primeiro é ativado e se sobressai sobre o segundo, o que resulta na alteração da relação entre os estados de vigília e de repouso do indivíduo. 3.2 Farmacologia do sistema nervoso simpático Os fármacos que atuam sobre o sistema nervoso simpático o fazem por uma ação direta ou indireta. Os fármacos de ação direta são aqueles que se ligam aos receptores adrenérgicos nos órgãos-alvo e, de maneira geral, promovem (agonistas) ou impedem (antagonistas) a ativação deles. Os fármacos de ação indireta atuam em outras etapas da neurotransmissão, como a síntese de norepinefrina, sua liberação, recaptação, degradação etc. Outra maneira de classificar esses fármacos é pela resposta final desencadeada: aqueles que promovem estímulo das respostas do sistema simpático são denominados simpatomiméticos e os que promovem inibição delas, simpatolíticos. A partir de agora, vamos utilizar ambas as designações para descrever os fármacos que atuam sobre o sistema nervoso simpático. 3.2.1 Simpatomiméticos de ação direta: visão geral Os simpatomiméticos de ação direta são os fármacos que ativam os adrenoceptores presentes nos órgãos-alvo e, como consequência, exacerbam as respostas relacionadas ao sistema nervoso simpático. As ações dos simpatomiméticos de ação direta são: • Contração de determinados tipos de músculo liso (vasos sanguíneos que irrigam a pele, os rins e as mucosas) e secreção das glândulas salivares: são ações mediadas pela ativação dos adrenoceptores alfa-1, acoplados à proteína Gq. Como resultado da ativação desses receptores, ocorre aumento das concentrações intracelulares dos segundos mensageiros IP3 e PKC (para mais detalhes, ver o tópico Receptores acoplados à proteína G). O IP3 mobiliza cálcio das reservas intracelulares, enquanto a PKC fosforila uma série de proteínas presentes no citosol. Tanto o aumento nos níveis intracelulares de íons cálcio quanto a alteração no padrão de fosforilação de diferentes proteínas são relacionados à contração do músculo liso e à secreção glandular. • Efeito inotrópico e cronotrópico positivos (aumento da força e da frequência de contração cardíaca): ocorrem graças à ativação de beta-1, acoplado à proteína Gs. No coração, o segundo mensageiro AMPc, cujos níveis intracelulares estão aumentados em resposta à ativação do receptor, leva à ativação de PKA, que fosforila diversas proteínas relacionadas com a regulação da 92 Unidade II contração do músculo cardíaco (troponina e fosfolambano, por exemplo). Além disso, a proteína Gs ativada promove a abertura de canais de cálcio do tipo L na membrana plasmática das células musculares cardíacas, outro evento relacionado com a resposta contrátil. • Relaxamento do músculo liso da árvore brônquica, do útero e dos vasos sanguíneos que suprem a musculatura esquelética: são ações mediadas por beta-2. Embora o receptor beta-2 também seja acoplado à proteína Gs, o conjunto de proteínas fosforiladas em resposta à ativação da PKA pelo AMPc difere no músculo liso em relação ao músculo cardíaco. Um exemplo é a fosforilação, mediada por PKA, da quinase da cadeia leve da miosina para uma forma inativa. Isso explica por que, nos cardiomiócitos, a ativação da proteína Gs promove contração, enquanto, na musculatura lisa, promove relaxamento: o repertório de proteínas disponíveis para a fosforilação da PKA nessas células é diferente e, portanto, o efeito final também o é. • Aumento da taxa de glicogenólise no fígado e no músculo e liberação de ácidos graxos livres do tecido adiposo: também são ações mediadas por beta-2. No fígado, uma cascata de fosforilações iniciadas pela PKA culminana ativação da fosforilase do glicogênio hepático, enzima envolvida na glicogenólise, e também na inativação da sintetase do glicogênio. No tecido adiposo, a PKA fosforila e, assim, ativa a lipase dos triglicérides, com aumento da liberação de ácidos graxos para a circulação. • Ações pré-sinápticas, que resultam na inibição ou na facilitação da liberação de neurotransmissores: mediada pela ativação de alfa-2, acoplado à Gi. A ativação da proteína Gi, inibitória, leva à diminuição dos níveis intracelulares de AMPc. • Ações endócrinas: a ativação de adrenoceptores alfa-2 presentes nas ilhotas pancreáticas são responsáveis por inibir a secreção de insulina, e a ativação de adrenoceptores beta-1 nas células justaglomerulares promovem liberação de renina. Os mecanismos moleculares envolvidos ainda não foram completamente caracterizados. Nem todos os simpatomiméticos exibem todas essas ações descritas com a mesma intensidade, por conta da diferença de seletividade desses agentes pelos subtipos de receptores alfa e beta disponíveis nos órgãos e tecidos. 3.2.2 Simpatomiméticos de ação direta: catecolaminas endógenas Conforme o Conselho Federal de Farmácia (2012), os fármacos que ativam os receptores adrenérgicos são classificados quimicamente como monoaminas. As monoaminas endógenas são a norepinefrina, a epinefrina e a dopamina. Essas moléculas apresentam um grupo catecol central (benzeno com duas hidroxilas laterais nos carbonos 1 e 2) ligado a uma cadeia lateral de amina. Por apresentarem o grupo catecol em sua estrutura, são denominadas catecolaminas (veja a figura a seguir). 93 FARMACOLOGIA OHOH HOHOHO HNNH2NH2 CH3 EpinefrinaNorepinefrinaDopamina HOHOHO Figura 33 – Estrutura química das catecolaminas endógenas Existem diferenças na afinidade da epinefrina e da norepinefrina pelos diferentes subtipos de receptores adrenérgicos: ambos apresentam afinidade semelhante pelos adrenoceptores beta-1, ou seja, são aproximadamente equipotentes na estimulação desses receptores. A norepinefrina é potente agonista alfa e exerce muito pouca ação sobre adrenoceptores beta-2. Como consequência da diferença de afinidade pelos receptores, essas catecolaminas endógenas são usadas terapeuticamente em diferentes condições clínicas. A epinefrina apresenta diferentes efeitos de acordo com a dose utilizada. Esses efeitos incluem (a) o aumento da frequência e da força da contração cardíaca; (b) o aumento da circulação sanguínea em músculos esqueléticos (que é reduzida em altas doses); (c) a redução da circulação sanguínea nos rins, nas mucosas e na pele; (d) o relaxamento da musculatura lisa brônquica; (e) a hiperglicemia e o maior consumo de oxigênio, devido a seus efeitos metabólicos; (f) a broncodilatação e o relaxamento uterino. Seus usos terapêuticos incluem: promover vasoconstrição no local de administração de anestésicos gerais; reversão da parada cardíaca; tratamento do estado de mal asmático; e reversão da anafilaxia e do choque anafilático, secundária a seus efeitos cardiovasculares e brônquicos. A epinefrina está disponível em uma variedade de formulações, desenvolvidas para diferentes indicações clínicas e vias de administração: subcutânea (promove vasoconstrição local e é usada para retardar a absorção dos anestésicos locais, por exemplo), intravenosa (no tratamento das condições cardiovasculares), inalatória (uma opção no tratamento das desordens respiratórias) e tópica. Os principais efeitos adversos relacionados com o uso da epinefrina são: ansiedade, tensão, cefaleia e tremores, por sua ação no sistema nervoso central; hemorragia cerebral, secundária ao aumento da pressão arterial; arritmias; e edema pulmonar. Observação O uso da epinefrina é pontual e não deve se estender por várias doses, por conta de seus efeitos adversos. A norepinefrina induz intensa vasoconstrição periférica, devido a sua atividade agonista dos receptores alfa, o que aumenta a pressão arterial sistólica e diastólica, acompanhada da diminuição reflexa da frequência cardíaca. Apresenta uso terapêutico limitado, podendo ser utilizada em situações 94 Unidade II de emergência de hipotensão, como o choque cardiogênico. Seus efeitos adversos são semelhantes aos da epinefrina e podem, ainda, causar necrose vascular devido à intensa vasoconstrição. A dopamina, mesmo não sendo uma catecolamina endógena relacionada à ativação do sistema nervoso simpático, também pode ser utilizada para induzir o trabalho cardíaco, pois é precursora da norepinefrina e da epinefrina (ver tópico Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação para mais informações). Em doses baixas a moderadas, exerce efeito inotrópico positivo no miocárdio (aumento da força de contração cardíaca) devido à ação direta sobre os receptores beta-1 e uma ação indireta mediante ao aumento da síntese e secreção de norepinefrina pelos nervos do sistema nervoso simpático. Com doses mais elevadas, ocorre ativação dos receptores alfa adrenérgicos, produzindo um aumento da resistência periférica, o que resulta em aumento da pressão arterial sistêmica e vasoconstrição renal. Em relação às catecolaminas endógenas que participam da neurotransmissão simpática, é importante considerar que os efeitos cardiovasculares sistêmicos da epinefrina e da norepinefrina são distintos entre si, devido às diferentes afinidades desses receptores pelos subtipos de adrenoceptores. No coração, a administração sistêmica de epinefrina induz o aumento do trabalho cardíaco em consequência da ativação de receptores beta-1, e o aumento da pressão arterial sistêmica devido à ativação de receptores alfa-1. No entanto, os efeitos da epinefrina variam consideravelmente de acordo com o leito vascular considerado, pelo fato de esse transmissor também ativar receptores beta-2, relacionados à vasodilatação. Assim: • Na maioria dos leitos vasculares, os receptores alfa-1 são mais abundantes do que os beta-2 e, portanto, predomina a vasoconstrição. Isso pode ser percebido pelo aumento da pressão arterial sistêmica e pela vasoconstrição pronunciada da pele e das mucosas. • Nos vasos que irrigam a musculatura esquelética, há predomínio de receptores beta-2 e, portanto, ocorre vasodilatação. Esse efeito leva ao aumento da quantidade de sangue que irriga o tecido, o que é importante do ponto de vista fisiológico para o estabelecimento das reações clássicas de luta e fuga que dependem de uma maior eficiência do músculo voluntário. Na maioria dos leitos vasculares, a vasoconstrição mediada pela administração sistêmica de norepinefrina é mais intensa do que a promovida por uma dose equivalente de epinefrina. Isso ocorre porque a norepinefrina praticamente não ativa receptores beta-2 e, portanto, não ocorre vasodilatação. Como consequência dessa intensa vasoconstrição, ocorre bradicardia reflexa decorrente da ativação de barorreceptores e do sistema nervoso parassimpático (via nervo vago, que inerva praticamente todos os orgãos abaixo do pescoço), que predomina sobre os efeitos da ativação do receptor beta-1 cardíaco. É importante ressaltar que a administração de norepinefrina a um coração isolado e acoplado a fisiógrafo leva ao aumento do trabalho cardíaco de maneira semelhante ao observado com o uso de epinefrina, pois, nesse caso, a resposta vascular está ausente. 95 FARMACOLOGIA Em resumo, podemos generalizar os efeitos da epinefrina e da norepinefrina sobre o sistema cardiovascular da seguinte maneira: a epinefrina promove aumento da pressão arterial sistêmica e do trabalho cardíaco, com vasodilação muscular esquelética concomitante, e a norepinefrina promove vasoconstrição, de maneira mais intensa do que a epinefrina, e bradicardia reflexa, como consequência da ativação dos barorreceptores. Seguindo o mesmo racional, podemos deduzir que os efeitos desses dois transmissores sobre a árvore brônquica também são diferentes: enquanto a epinefrina promove broncodilatação, pela ativação dos adrenoceptores beta-2presentes na musculatura lisa dos brônquios, a norepinefrina não é capaz de promover esse efeito, por praticamente não exercer ação sobre esse receptor. 3.2.3 Simpatomiméticos de ação direta: catecolaminas sintéticas A maioria dos agonistas disponíveis comercialmente consistem em análogos estruturais da epinefrina ou da norepinefrina que recebem a designação comum de monoaminas simpatomiméticas. A dobutamina e o isoproterenol são monoaminas simpatomiméticas que conservam, em sua estrutura química, o anel catecol. São, portanto, denominadas catecolaminas sintéticas. As catecolaminas sintéticas apresentam substituições no anel benzeno do grupo catecol, o que gera diferentes afinidades desses fármacos pelos subtipos de adrenoceptores alfa e beta e culmina em diferentes respostas finais nos tecidos. Nesse aspecto, a dobutamina é um agonista seletivo beta-1 e o isoproterenol é um agonista beta não seletivo (ativa beta-1 e beta-2) (veja a figura a seguir). Observação O isoproterenol também é conhecido como isoprenalina. HO HO OH H N H N OH HO HO Dobutamina Isoproterenol Figura 34 – Estrutura química das catecolaminas sintéticas As catecolaminas sintéticas apresentam uma série de vantagens terapêuticas em relação às endógenas, sendo as principais: (a) o aumento da biodisponibilidade; (b) a possibilidade de administração por via oral; (c) a ação prolongada; e (d) a maior seletividade do fármaco por subtipos específicos de adrenoceptores. Na prática, algumas situações terapêuticas que requerem uma resposta mais pontual, direcionada, são tratadas com sucesso utilizando-se os agentes sintéticos, mais seletivos (um exemplo é o tratamento da insuficiência cardíaca aguda pela dobutamina). Outras situações mais complexas, que envolvem mais 96 Unidade II de um sistema receptor, são tratadas mais efetivamente com agentes não seletivos (como a reversão do choque anafilático pela epinefrina). A dobutamina é um agonista beta-1 seletivo utilizado no suporte inotrópico de condições em que se deseja aumentar especificamente a força de contração do coração – por exemplo, na insuficiência cardíaca aguda. O aumento da força de contração cardíaca, nesse caso, muitas vezes é suficiente para que haja reversão do quadro. Esse fármaco não altera significativamente a fisiologia da vasculatura: a alteração da pressão arterial é sutil e ocorre por mecanismos indiretos, já que praticamente não ocorre ativação dos adrenoceptores que modulam a atividade contrátil dos vasos (alfa-1 e beta-2). Em comparação, a epinefrina, que não é seletiva, pois ativa significativamente os subtipos alfa-1, alfa-2, beta-1 e beta-2, é um fármaco essencial na reversão do choque anafilático. Essa condição, decorrente de uma reação alérgica grave e potencialmente fatal, é caracterizada por vasodilatação, diminuição do trabalho cardíaco e fechamento das vias aéreas. A epinefrina é capaz de promover o aumento do trabalho cardíaco (por ativação de beta-1), o aumento da pressão arterial sistêmica (resultado do balanço entre a ativação de alfa-1 e beta-2 nos diferentes leitos vasculares) e a dilatação dos brônquios (por ativação de beta-2). A outra catecolamina sintética é o isoproterenol, que apresenta atividade agonista beta não seletiva, ou seja, ativa tanto os receptores beta-1 quanto os beta-2. Esse fármaco é usado no tratamento das arritmias cardíacas (por ativar beta-1) e dos broncoespasmos (por ativar beta-2), e também teve importante papel na farmacologia experimental, por participar da caracterização dos subtipos de receptores adrenérgicos em uma época em que as ferramentas de biologia molecular ainda eram incipientes. Foi a partir da comparação entre as ações da epinefrina, da norepinefrina e do isoproterenol em diferentes tecidos, que expressam diferentes sistemas receptores, que se estabeleceu a seguinte relação: • alfa-1 e alfa-2: afinidade da epinefrina ≥ norepinepinefrina >> isoproterenol • beta-1: afinidade do isoproterenol > epinefrina = norepinefrina • beta-2: afinidade do isoproterenol > epinefrina >> norepinefrina Essa conclusão foi possível porque se observou que algumas ações induzidas pelo isoproterenol e pela epinefrina também foram induzidas pela norepinefrina, enquanto outras ações foram induzidas pelos dois transmissores endógenos, mas não pelo isoproterenol. A norepinefrina, por exemplo, tem relativamente pouca capacidade de aumentar o fluxo de ar nos brônquios, visto que os receptores presentes na musculatura lisa desse órgão são, em grande parte, do subtipo beta-2; já o isoproterenol e a epinefrina são potentes broncodilatadores. Por sua vez, tanto a norepinefrina quanto a epinefrina são capazes de promover vasoconstrição cutânea, pois esses vasos expressam, quase que exclusivamente, receptores alfa-1. Por esse motivo, o isoproterenol exerce pouco ou nenhum efeito sobre esse parâmetro. 97 FARMACOLOGIA 3.2.4 Simpatomiméticos de ação direta: outras monoaminas Compostos que não apresentam os grupos catecol em sua estrutura têm meias-vidas mais longas do que as catecolaminas, pois, ao contrário destas, não são inativados pela COMT e são maus substratos para a MAO. Além disso, em geral, são mais lipossolúveis do que as catecolaminas e, portanto, penetram o sistema nervoso central (atravessam a barreira hematoencefálica), o que não é observado em relação às catecolaminas. A partir de agora, serão apresentados os principais fármacos simpatomiméticos diretos não catecolaminas, e seus usos serão discutidos de acordo com a seletividade para os diferentes subtipos de adrenoceptores. A oximetazolina é um agonista alfa não seletivo, que ativa tanto alfa-1 quanto alfa-2. É usada topicamente (gotas) como descongestionante nasal e para alívio da vermelhidão dos olhos. Esses efeitos são decorrentes da ativação de alfa-1 nos vasos da mucosa e da conjuntiva, o que reduz o fluxo sanguíneo e diminui a congestão. Os principais efeitos adversos são: congestão rebote, no uso prolongado (secundária à vasodilatação observada após o término das ações do fármaco), e efeitos centrais (cefaleia, sono agitado e nervosismo). A fenilefrina apresenta maior seletividade pelos adrenoceptores alfa-1 e, portanto, é um agonista seletivo alfa-1 com efeito vasoconstritor, causando, assim, aumento das pressões sistólica e diastólica. Do ponto de vista químico, difere da epinefrina somente pela ausência de um grupamento hidroxila na posição 4 do anel benzeno, e essa alteração é suficiente para praticamente abolir sua ação em receptores beta. A fenilefrina induz bradicardia reflexa quando administrada por via parenteral ou quando as doses administradas topicamente são muito elevadas. É aplicada por via tópica na mucosa nasal por promover efeito descongestionante, e no olho para promover midríase (dilatação da pupila), como resultado da contração da musculatura radial da íris. A administração parenteral promove aumento da pressão arterial em casos de hipotensão grave. Doses elevadas de fenilefrina podem causar cefaleia hipertensiva, hipertensão arterial sistêmica e até mesmo necrose da mucosa no local da aplicação, devido à intensa vasoconstrição. Outro exemplo de agonistas alfa-1 seletivos são a nafazolina (usada como descongestionante nasal) e a metoxamina (usada no tratamento dos estados hipotensivos). Os agonistas beta-2 (salbutamol, fenoterol, formoterol, pirbuterol e terbutalina) são utilizados para promover broncodilatação em pacientes asmáticos ou com outras afecções respiratórias, e também na prevenção do parto prematuro, pois promovem relaxamento uterino (o agente mais utilizado para essa finalidade é a terbutalina). A seletividade desses agentes pelos adrenoceptores beta-2 não é absoluta, e a administração de doses mais elevadas causa taquicardia, devido à ativação de beta-1 no coração. Para diminuir a probabilidade de ocorrer esse efeito adverso, geralmente esses agentes são administrados por via inalatória, o que possibilita o uso de doses menores, poiso fármaco é administrado próximo ao local de ação (brônquios). 98 Unidade II Um efeito adverso bastante frequente é o desenvolvimento de tremores, devido à ativação de beta-2 presente nas células musculares esqueléticas. Com o uso prolongado, é comum se desenvolver tolerância a esse efeito. Outros efeitos adversos incluem intranquilidade, apreensão e ansiedade. Os agonistas beta-2 administrados por via inalatória devem ser usados com cautela, pois foram registradas mortes devido ao uso excessivo dessa medicação, em razão de seus efeitos cardíacos. 3.2.5 Simpatomiméticos de ação indireta ou mista As anfetaminas exercem ação estimulatória sobre o sistema nervoso central e são usadas para promover o controle do apetite nas dietas de emagrecimento (femproporex e anfepramona) e também no tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (ritalina). Outro uso, não regulamentado, visa a manutenção do estado de vigília – é relativamente comum o uso de anfetaminas por caminhoneiros (o chamado “rebite”), para que consigam dirigir por mais horas, e o MDMA, também conhecido como “ecstasy”, como droga de abuso. O mecanismo de ação das anfetaminas envolve o estímulo da liberação de aminas biogênicas (norepinefrina, dopamina e serotonina) no sistema nervoso central. O efeito de alerta e a diminuição do apetite são consequência do aumento da liberação de norepinefrina no sistema nervoso central; as alterações locomotoras e o comportamento estereotipado são decorrentes do aumento da liberação de dopamina; os distúrbios da percepção e o comportamento psicótico são observados em doses mais altas em consequência do aumento da liberação de serotonina. Embora sejam fármacos de ação central, alguns de seus efeitos adversos são decorrentes do aumento da liberação de norepinefrina pelos nervos do sistema nervoso simpático. Assim, é comum a presença de taquicardia, aumento da pressão arterial e até mesmo hemorragia intracraniana em decorrência do uso de anfetaminas. As anfetaminas, mais especificamente a anfepramona e o femproporex, eram utilizadas como agentes anorexígenos para auxiliar o emagrecimento até o ano de 2011, quando seu uso foi proibido para esse fim pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A decisão da Anvisa se baseou nos seguintes fatos: até 2007, o Brasil era o maior usuário do mundo de anfetaminas para esse fim, uso este que está relacionado ao desenvolvimento de distúrbios cardiovasculares e neurológicos, como a dependência, a ansiedade e a depressão. No entanto, um projeto de lei que visa ao retorno da comercialização das anfetaminas para fins de emagrecimento (PL n. 2.431/11) foi aprovado pela câmara dos deputados em 2017. A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia se posicionaram favoravelmente à liberação. Por outro lado, organizações como a Anvisa e o Instituto de Defesa do Consumidor se posicionaram de maneira contrária à decisão. 99 FARMACOLOGIA A efedrina é um agonista não seletivo que ativa tanto os receptores alfa quanto os receptores beta. Além disso, aumenta a liberação de norepinefrina nos neurônios simpáticos. Por esse motivo, é considerada um simpatomimético de ação mista. Ela aumenta a atividade cardíaca e promove vasoconstrição, além de broncodilatação e retenção urinária. Devido à grande exacerbação simpática que causa, atualmente seu uso terapêutico é muito restrito. Por apresentar efeito anorexígeno, é utilizada para promover o emagrecimento, embora esse uso não seja regulamentado. Mais utilizada na atualidade é a pseudoefedrina, que também aumenta a liberação de norepinefrina pelo nervo simpático, porém apresenta fraca atividade alfa e beta. Promove constrição dos vasos da mucosa e, por esse motivo, é usada como descongestionante nasal por via oral, geralmente em combinação com analgésicos e anti-histamínicos. Os efeitos adversos (ansiedade, hiperatividade, taquicardia, aumento da pressão arterial, retenção urinária, tremores etc.) são o motivo pelo qual o uso desse fármaco não deve ser prolongado por mais de uma semana. A ioimbina, embora seja um antagonista seletivo dos adrenoceptores alfa-2, apresenta efeito simpatomimético. Isso acontece porque, ao promover bloqueio alfa-2 em estruturas do sistema nervoso central que participam da neurotransmissão simpática, o fármaco impede a inibição desencadeada por esse receptor e, como consequência, ocorre aumento do tônus simpático. Seu uso não é regulamentado, porém é comercializado como suplemento alimentar para tratar a impotência sexual. A ioimbina não deve ser utilizada quando há alteração do sistema nervoso central ou cardiovascular, porque é um estimulante dessas estruturas. 3.2.6 Simpatolíticos de ação direta Os simpatolíticos de ação direta são os antagonistas adrenérgicos. Esses fármacos ligam-se aos adrenoceptores de maneira reversível ou irreversível e, assim, evitam sua ativação pelas catecolaminas endógenas. Da mesma maneira que observado em relação aos agonistas, os antagonistas adrenérgicos também apresentam diferentes seletividades pelos subtipos de adrenoceptores, o que direciona seu uso terapêutico. Os antagonistas alfa não seletivos bloqueiam tanto alfa-1 quanto alfa-2 e, por esse motivo, apresentam uso terapêutico limitado. Isso ocorre por conta dos seus efeitos cardiovasculares: o bloqueio alfa-1 promove vasodilatação, enquanto o bloqueio alfa-2 promove aumento do tônus simpático, o que causa aumento do trabalho cardíaco. Portanto podemos dizer que esses fármacos apresentam ação simpatolítica sobre os vasos e simpatomimética sobre o coração (veja a figura a seguir). Lembrete A norepinefrina promove a inibição da sua própria liberação pela ativação de alfa-2 no neurônio simpático. 100 Unidade II Músculo cardíaco Músculo cardíaco Músculo liso vascular Músculo liso vascular β1 β1α1 α1 α2 α2 NE NE NE A) B) NE - - Figura 35 – Efeito dos antagonistas alfa não seletivos (barras vermelhas) sobre o músculo cardíaco e sobre a pressão arterial. No painel A, a ação da norepinefrina (NE) na ausência desses antagonistas é demonstrada sobre os adrenoceptores alfa-1 (α1) dos vasos, alfa-2 (α2) do neurônio pré-sináptico e beta-1 (β1) cardíacos. Na presença do antagonista (B), observa-se o aumento da liberação de norepinefrina, devido ao bloqueio de alfa-2 pré-sináptico, com consequente aumento do trabalho cardíaco via ativação de beta-1, e o bloqueio de alfa-1 nos vasos, o que impede o aumento da pressão arterial A fenoxibenzamina liga-se de maneira covalente aos adrenoceptores alfa-1 e alfa-2 e, portanto, é considerada um antagonista não competitivo. A fentolamina, por sua vez, é um antagonista competitivo, ou seja, promove bloqueio reversível do sítio de ligação do receptor. Esses dois fármacos são usados principalmente no tratamento do feocromocitoma, um tumor da glândula suprarrenal caracterizado pelo aumento da secreção de catecolaminas endógenas, pois promovem reversão da epinefrina, ou seja, inibem a vasoconstrição mediada por esse transmissor (por bloqueio alfa-1), sem que haja alteração na função cardíaca. Os antagonistas seletivos alfa-1 são bloqueadores competitivos que apresentam, como principais efeitos, a diminuição da pressão arterial e o relaxamento da musculatura lisa de alguns órgãos. Dentro dessa classe, a prazosina, a terazosina e a doxazosina são utilizados no tratamento da hipertensão arterial, enquanto a tansulosina e a alfuzosina são indicadas no tratamento da hipertrofia prostática benigna. Esses agentes não são a primeira escolha no tratamento da hipertensão arterial, por apresentarem muitos efeitos adversos, que incluem tontura, falta de energia, congestão nasal, cefaleia, sonolência e hipotensão ortostática – essa última causada principalmente em decorrência da administração de primeira dose (“efeito de primeira dose”). Em relação ao tratamento da hipertrofia prostáticabenigna, a tansulosina é um dos fármacos de escolha por possuir maior afinidade pelo subtipo de receptor alfa-1A, que predomina na musculatura 101 FARMACOLOGIA lisa da próstata. O bloqueio desse receptor leva ao relaxamento das células musculares lisas do órgão, com consequente diminuição do volume prostático. Os antagonistas beta, ou betabloqueadores, são a classe de simpatolíticos de ação direta mais importantes do ponto de vista terapêutico. São utilizados no tratamento de uma série de condições, que incluem as arritmias cardíacas (pois são bradicardizantes), a hipertensão arterial sistêmica (pois ocorre diminuição da pressão arterial em decorrência da bradicardia), a angina pectoris (diminuem o consumo de oxigênio pelo músculo cardíaco), o glaucoma (pois causam diminuição da síntese de humor aquoso pelo olho), o hipertireoidismo (pois promovem normalização da atividade cardíaca) e a profilaxia da enxaqueca. Os betabloqueadores não seletivos estão relacionados à incidência de uma gama de efeitos adversos e contraindicações decorrentes do bloqueio de beta-2, como broncoconstrição e hipoglicemia. Os betabloqueadores cardiosseletivos apresentam maior afinidade por beta-1 e são uma das classes mais prescritas para o controle de diversas condições cardiovasculares. Esses fármacos também apresentam diferenças quanto à atividade simpaticomimética intrínseca, aos efeitos sobre o sistema nervoso central e aos aspectos farmacocinéticos (veja a figura a seguir). Isoproterenol Pindolol Propranolol Atenolol Receptores Beta Beta Beta Agonista Agonista parcial Antagonista Antagonista Seletividade Receptores Receptores Inibição das respostas Figura 36 – Comparação entre os efeitos do isoproterenol (agonista total beta não seletivo), do pindolol (agonista parcial beta não seletivo), do propranolol (antagonista beta não seletivo) e do atenolol (antagonista beta-‘1 seletivo) sobre o coração e o pulmão Fonte: Lüllmann e Jürgen (2000, p. 95). 102 Unidade II O propranolol é o protótipo dos betabloqueadores não seletivos. Esse fármaco bloqueia os receptores beta-1 e beta-2 com mesma afinidade. As ações mediadas pelo propranolol são as seguintes: • No coração, observa-se efeito cronotrópico e inotrópico negativos (diminuição da força e da frequência de contração cardíaca), que pode resultar em bradicardia. A diminuição do débito cardíaco, do trabalho e do consumo de oxigênio são úteis no tratamento da angina e das arritmias supraventriculares. Em doses mais elevadas, o propranolol pode causar efeito estabilizador de membrana no coração, mas esse efeito é insignificante se o fármaco é administrado na faixa terapêutica e melhor observado em ensaios de contração de coração isolado acoplado a fisiógrafo. • No sistema vascular, ocorre diminuição da pressão arterial sistêmica. Esse efeito é secundário à diminuição do trabalho cardíaco, à diminuição da secreção de renina pelos rins (devido ao bloqueio de beta-1 nesses órgãos) e à regulação dos barorreceptores (esse último, por mecanismos ainda desconhecidos). No entanto, nos vasos periféricos, observa-se vasoconstrição, que se traduz em palidez cutânea e na diminuição da temperatura da superfície. Isso ocorre principalmente devido ao bloqueio beta-2 nesses vasos e à diminuição do fluxo sanguíneo para a pele e para as mucosas em decorrência da diminuição da pressão arterial. Não ocorre hipotensão postural, pois os receptores alfa-1, que controlam a resistência vascular, não são afetados. No entanto, é necessário que a retirada da medicação seja gradual (“desmame”), a fim de se evitar um quadro de hipertensão de rebote. • No sistema respiratório, ocorre broncoconstrição, por conta do bloqueio dos receptores beta-2 na árvore brônquica. Isso pode precipitar uma crise respiratória. Por esse motivo, os betabloqueadores, em particular os não seletivos, são contraindicados para os pacientes com afecções respiratórias, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a asma. • Nos rins, a diminuição da pressão arterial promove redução na perfusão renal, o que causa aumento na retenção de íons sódio. Como resultado, essa resposta compensatória tende a elevar a pressão arterial, motivo pelo qual é comum a associação entre betabloqueadores e diuréticos no tratamento da hipertensão arterial. • Em relação ao metabolismo da glicose, ocorre diminuição da glicogenólise no fígado e na musculatura esquelética e diminuição da secreção de glucagon pelo pâncreas. Por isso, se for administrado propranolol a um paciente com diabetes melito do tipo 1, é necessário monitorar cuidadosamente a glicemia, pois pode ocorrer hipoglicemia acentuada depois da injeção de insulina. • Outros efeitos metabólicos incluem o aumento dos triglicérides e a diminuição do HDL, o que deve ser considerado no tratamento de pacientes hipertensos com dislipidemias. • Por interação com o sistema nervoso central, pode ocorrer depressão, diminuição da libido, letargia, fadiga, fraqueza, distúrbios visuais, alucinações, perda de memória de curta duração, fragilidade emocional, sonhos intensos e insônia. 103 FARMACOLOGIA Outros exemplos de betabloqueadores não seletivos são o timolol e o nadolol. Eles são mais potentes que o propranolol, ou seja, a dose necessária para que esses efeitos sejam notados é menor do que a de propranolol. Os betabloqueadores seletivos beta-1 (atenolol, metoprolol, bisoprolol, betaxolol, nebivolol e esmolol) foram desenvolvidos a partir da modificação da molécula do propranolol, a fim de eliminar o efeito broncoconstritor indesejado do propranolol em pacientes asmáticos, decorrente do bloqueio beta-2. No entanto, a cardiosseletividade é perdida em doses mais elevadas, o que também contraindica seu uso por pacientes com afecções respiratórias graves. Os betabloqueadores com atividade simpatomimética intrínseca (acebutolol e pindolol) não são antagonistas, mas sim agonistas parciais dos adrenoceptores beta-1 e beta-2. Estes, por serem parciais, ativam os receptores beta, mas não são capazes de desencadear uma resposta máxima. Por esse motivo, eles inibem a ação das catecolaminas endógenas, que apresentam maior eficácia. O resultado é um efeito bem diminuído na frequência e no débito cardíaco se comparado ao efeito dos outros betabloqueadores, efeito útil no tratamento de pacientes hipertensos que já apresentam bradicardia moderada. Além disso, esses fármacos causam menos distúrbios no metabolismo da glicose, o que é importante para o tratamento de hipertensos diabéticos. O labetalol e o carvedilol são betabloqueadores com atividade antagonista dos adrenoceptores alfa-1, o que impede a vasoconstrição periférica causada pelo bloqueio de beta-2 nos vasos. Além disso, não alteram significativamente o metabolismo da glicose. Saiba mais O uso dos betabloqueadores na hipertensão é discutido em: NOGUEIRA-SILVA, L. et al. Cochrane Corner: eficácia anti-hipertensora dos betabloqueadores seletivos beta-1 na hipertensão essencial. Revista Portuguesa de Cardiologia, v. 36, n. 5, 2017. 3.2.7 Simpatolíticos de ação indireta/mista A metildopa é um simpatolítico de ação central, usado como anti-hipertensivo. A metildopa é metabolizada para alfa-metilnorepinefrina, um “falso neurotransmissor” que ativa receptores alfa-2 no sistema nervoso central e, assim, diminui o tônus simpático. É utilizado no tratamento da hipertensão em gestantes. A metiltirosina é um fármaco utilizado no tratamento do feocromocitoma. Inibe a tirosina hidroxilase, responsável por converter a tirosina em dopa e, assim, diminui a quantidade de norepinefrina sintetizada pelo nervo autonômico simpático e pela medula da suprarrenal (ver tópico Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação para mais informações sobre a biossíntese de norepinefrina). 104 Unidade II A reserpina e a guanetidina são fármacos de utilização experimental que atuam em diferentes etapas da neurotransmissão noradrenérgica. Essas substânciaspromovem a inibição do transporte de norepinefrina do citoplasma para as vesículas de armazenamento (reserpina) e a sua liberação nas sinapses (guanetidina). Como consequência, observa-se a depleção gradual da norepinefrina nos terminais nervosos, exceto naqueles localizados no SNC. A clonidina, embora seja um agonista seletivo alfa-2, apresenta efeitos simpatolíticos. Ao ativar os receptores alfa-2 presentes no sistema nervoso central (centros vasomotores), ocorre inibição do tônus simpático, o que resulta em diminuição da pressão arterial. É utilizada no tratamento da pressão arterial resistente e também para minimizar os sintomas que acompanham a retirada dos opiáceos, do cigarro ou dos benzodiazepínicos. Os efeitos adversos mais comuns incluem letargia, sedação, constipação e xerostomia, o que explica por que não são utilizados como primeira escolha no tratamento da hipertensão. 4 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO, DO GÂNGLIO E DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 4.1 Farmacologia do sistema nervoso parassimpático Assim como os fármacos que atuam sobre o sistema nervoso simpático, os fármacos que atuam sobre o parassimpático o fazem por uma ação direta (agonismo ou antagonismo dos receptores colinérgicos muscarínicos) ou indireta (atuam em outras etapas da neurotransmissão, por exemplo, impedindo a hidrólise da acetilcolina). Além disso, esses fármacos também podem ser classificados de acordo com a resposta final desencadeada: os parassimpatomiméticos promovem estímulo das respostas do sistema nervoso parassimpático e os parassimpatolíticos, inibição. A principal diferença entre os agentes que atuam sobre o sistema nervoso parassimpático, em relação aos que atuam sobre o simpático, é a falta de seletividade dos primeiros: até o momento, praticamente não existem agentes suficientemente seletivos para cada subtipo de receptor muscarínico, o que limita sua utilização terapêutica. 4.1.1 Parassimpatomiméticos de ação direta Os parassimpatomiméticos de ação direta são os agonistas dos receptores muscarínicos e, de acordo com sua estrutura química, podem ser classificados em ésteres da colina de ocorrência natural (acetilcolina) ou sintética (metacolina, carbacol e betanecol, por exemplo) e em alcaloides de ocorrência natural (muscarina, arecolina e pilocarpina). A acetilcolina é o transmissor endógeno do sistema nervoso parassimpático, do gânglio autonômico, da junção neuromuscular e de algumas estruturas do sistema nervoso central, primariamente relacionadas com a memória e a cognição. Portanto as respostas mediadas por esse neurotransmissor ultrapassam aquelas dependentes da ativação do sistema nervoso parassimpático. 105 FARMACOLOGIA As ações muscarínicas e nicotínicas foram caracterizadas com base nos efeitos da acetilcolina (o transmissor endógeno), da muscarina (princípio ativo isolado do fungo Amanita muscaria), da atropina (isolada da planta Atropa belladonna) e da nicotina (extraída das folhas de tabaco). Em alguns órgãos efetores, mas não em outros, a administração da muscarina induz ações semelhantes às decorrentes da administração de acetilcolina. As ações induzidas pela muscarina foram compatíveis com as ações do sistema nervoso parassimpático e os receptores que medeiam essas ações foram denominados receptores muscarínicos. A administração de atropina, previamente à administração de muscarina ou de acetilcolina, foi capaz de impedir os efeitos induzidos por esses fármacos no sistema nervoso parassimpático. A atropina, portanto, foi caracterizada como um antagonista dos receptores muscarínicos (esse fármaco será estudado no tópico Parassimpatolíticos de ação direta). No entanto, algumas ações da acetilcolina, principalmente aquelas relacionadas com a contração da musculatura esquelética, não foram bloqueadas pela atropina e, além disso, foram induzidas pela nicotina e bloqueadas especificamente pela d-tubocurarina. A partir dessa observação, deduziu-se que existem dois tipos de receptores colinérgicos que medeiam as ações da acetilcolina: os receptores muscarínicos, ativados pela acetilcolina e pela muscarina e bloqueados pela atropina, e os receptores nicotínicos, ativados pela acetilcolina e pela nicotina e bloqueados pela d-tubocurarina (veja a figura a seguir). Muscarina Muscarina Acetilcolina Acetilcolina Nicotina Nicotina Baixa afinidade Baixa afinidade Alta afinidade Alta afinidade B) Receptores nicotínicos A) Receptores muscarínicos S Figura 37 – Atividade da muscarina, da acetilcolina e da nicotina sobre os receptores colinérgicos Fonte: Clark et al. (2013, p. 50). 106 Unidade II Conforme já estudado no tópico Subtipos de receptores adrenérgicos e muscarínicos, os receptores muscarínicos e nicotínicos são completamente diferentes do ponto de vista estrutural e funcional: os muscarínicos são metabotrópicos, acoplados à proteína G, e os receptores nicotínicos são ionotrópicos, acoplados a canal iônico. Os receptores nicotínicos (N) são classificados em dois subtipos. O subtipo Nn predomina nos neurônios, enquanto o subtipo Nm está presente no músculo esquelético. Nos dois casos, a ativação desses receptores leva à abertura dos canais de sódio, o que desencadeia alteração do potencial de membrana e culmina no desencadeamento de potenciais de ação (receptores Nn) ou na contração da musculatura esquelética (receptores Nm). Os receptores muscarínicos (M) medeiam as ações da acetilcolina no sistema nervoso parassimpático e no sistema nervoso central (nesse último caso, em conjunto aos receptores nicotínicos Nn). Os subtipos envolvidos nas respostas do sistema nervoso parassimpático são o M1, o M2 e o M3. • Os receptores M1 são acoplados à proteína Gq e, no sistema parassimpático, estão relacionados com o aumento da secreção de HCl pelas células parietais do estômago, efeito mediado pelo aumento do cálcio intracelular e da fosforilação de uma série de proteínas pela PKC. Essa classe de receptores também está presente no córtex e no hipocampo, e é importante na fisiopatologia do mal de Alzheimer. • Os receptores M2 são acoplados à proteína Gi e sua ativação leva à inibição da frequência e da força cardíaca. Esses efeitos são mediados não só pela diminuição dos níveis intracelulares de AMPc e pela redução da condutância dos canais de cálcio do tipo L dos cardiomiócitos, mas também pela abertura de canais de potássio sensíveis à acetilcolina (K+ach). O aumento das concentrações intracelulares de potássio causa encurtamento da duração do potencial de ação e aumento do período refratário nas células cardíacas. Como consequência dos efeitos inotrópico e cronotrópico negativos no coração, ocorre diminuição da pressão arterial como um mecanismo compensatório. • Os receptores M3 são acoplados à proteína Gq e são mais amplamente distribuídos pelo organismo do que os subtipos M1 e M2. Medeiam a contração da musculatura lisa do tubo digestório, da árvore brônquica, da bexiga e da íris (musculatura circular), e a secreção de muco na árvore brônquica, de saliva e de suor. As ações de contração da musculatura lisa e de secreção exócrina estão classicamente relacionadas com a ativação de receptores acoplados à proteína Gq tanto no sistema parassimpático quanto no sistema simpático (veja o tópico Subtipos de receptores adrenérgicos e muscarínicos), e esses efeitos dependem da ação do cálcio e também do padrão de fosforilações iniciado pela PKC. • A ativação de M3 no endotélio vascular também é responsável pela vasodilatação mediada pela acetilcolina, evento que envolve a secreção de óxido nítrico, um potente vasodilatador, por essas células. No entanto, a relevância fisiológica desse mecanismo ainda é incerta, uma vez que a acetilcolina teria acesso a esses receptores somente por via plasmática (não existe inervação parassimpática nos vasos), e é sabido que sua meia-vida, no plasma, é muito curta, devido à ação da butirilcolinesterase. A acetilcolina apresenta alta afinidade por todos os subtiposde receptores muscarínicos e nicotínicos. Trata-se de um composto polar formado a partir da acetilação de um resíduo de colina e, por esse motivo, não é capaz de atravessar a membrana plasmática. 107 FARMACOLOGIA Ao contrário da epinefrina e da norepinefrina, que podem ser utilizados em uma série de condições clínicas, a acetilcolina não tem importância terapêutica devido à inespecificidade de suas ações (pois apresenta alta afinidade por todos os subtipos de receptores nicotínicos e muscarínicos) e pela sua rápida inativação pelas colinesterases, enzimas que são encontradas sinapses (acetilcolinesterase), nas hemácias (colinesterase eritrocitária) e no plasma (butirilcolinesterase). Como consequência, foram sintetizados vários derivados na tentativa de obter fármacos com ação mais seletiva (por ativarem preferencialmente receptores muscarínicos) e prolongada (por apresentarem resistência à hidrólise pelas colinesterases). Ensaios em diferentes tecidos e simulações computacionais da relação estrutura-função dos ésteres de colina sintéticos mostraram que, de acordo com a modificação realizada na molécula de acetilcolina, esses parâmetros são alterados em diferentes graus (veja o quadro a seguir). Os parassimpatomiméticos com potencial terapêutico são aqueles que apresentam alta seletividade pelos receptores muscarínicos, pouca ou nenhuma hidrólise pela acetilcolinesterase e, idealmente (mas nem sempre), pouca penetrância no sistema nervoso central. São eles o betanecol, a metacolina e o carbacol, que são ésteres sintéticos da colina, e a pilocarpina, um alcaloide de ocorrência natural. Os demais fármacos apresentam uso experimental. Quadro 5 – Relação estrutura-função dos ésteres da colina e dos alcaloides de ocorrência natural que atuam sobre os receptores colinérgicos muscarínicos e/ou nicotínicos Fármaco Fórmula estrutural Seletividade Hidrólise pela achE M N Acetilcolina (H3C)3 - + N - CH2 - CH2 - O - O || C - CH3 ++ ++ +++ Metacolina (H3C)3 - + N - CH2 - CH | CH3 - O - O || C - CH3 ++ + ++ Cabacol (H3C)3 - + N - CH2 - CH2 - O - O || C - NH2 ++ ++ + Betanecol (H3C)3 - + N - CH2 - CH | CH3 - O - O || C - NH2 ++ -- + Muscarina (H3C)3 - + N - CH2 - CH2 — CHOH | | CH CH - CH3 O ++ -- -- Pilocarpina H3C - N - C - CH2 - CH - CH - C2H5 | || | | HC CH H2C C = O N O ++ + -- 108 Unidade II Fármaco Fórmula estrutural Seletividade Hidrólise pela achE M N Arecolina H2C | H2C N | CH3 CH C - COOCH3 | CH2 ++ + -- Nicotina N N CH3 -- ++ -- • O betanecol estimula a musculatura lisa do trato gastrointestinal e da bexiga e é utilizado no tratamento do íleo paralítico e da atonia vesical, por estimular a contração nesses órgãos. • A metacolina é utilizada no diagnóstico da hiper-reatividade brônquica, pois promove broncoconstrição, de maneira mais acentuada em asmáticos. • O carbacol, quando aplicado topicamente no olho, promove contração da musculatura circular da íris, provocando miose, o que aumenta a drenagem do humor aquoso. Por esse motivo, é utilizado no tratamento do glaucoma. • A pilocarpina também é utilizada no tratamento do glaucoma, quando administrada diretamente no olho, e suas ações são semelhantes às do carbacol. A administração por via oral é útil no tratamento da xerostomia (boca seca, cujo tratamento está sendo substituído pela cevimelina, que apresenta menos efeitos adversos). Por se tratar de uma molécula apolar, penetra no sistema nervoso central. Devido à pouca seletividade diferencial desses fármacos pelos diferentes subtipos de receptores muscarínicos, os efeitos adversos são semelhantes entre si e envolvem o aumento do sistema nervoso parassimpático, o que limita seu uso terapêutico. Os principais efeitos adversos são: sudorese (lembre-se que o aumento da secreção de suor, embora participe do sistema nervoso simpático, é desencadeado pela acetilcolina); cólicas abdominais e vômitos (devido ao estímulo do peristaltismo e ao aumento da secreção de suco gástrico); dificuldade de acomodação visual (principalmente após administração tópica de colírios e secundária à miose, fator que dificulta a acomodação do cristalino); salivação (devido à secreção de grandes quantidades de saliva fluida) e cefaleia pulsátil (secundária à queda da pressão arterial). Os parassimpatomiméticos de ação direta são contraindicados para asmáticos (promovem broncoconstrição e aumento da secreção de muco por ativação de M3 no pulmão); indivíduos hipotensos (diminuem a pressão arterial pela ativação de M3 do endotélio como consequência da diminuição do trabalho cardíaco, o que pode causar insuficiência coronariana secundária à diminuição do fluxo sanguíneo para o órgão); pacientes com distúrbios pépticos ácidos (pois aumentam a secreção de HCl no estômago) e pacientes com hipertireoidismo (pois podem causar arritmias e fibrilação). 109 FARMACOLOGIA 4.1.2 Parassimpatomiméticos de ação indireta Os parassimpatomiméticos de ação indireta são os anticolinesterásicos, agentes que inibem a enzima acetilcolinesterase. O resultado da inibição dessa enzima é o aumento do tempo de ação da acetilcolina na fenda sináptica e, portanto, a exacerbação das ações mediadas por esse neurotransmissor. Os anticolinesterásicos podem desencadear respostas em todos os receptores colinérgicos do organismo (nicotínicos e muscarínicos), tanto nos órgãos-alvo do sistema nervoso parassimpático quando na junção neuromuscular e no cérebro. Portanto, seu uso deve ser realizado com cautela em relação à dose e à duração do tratamento. A acetilcolinesterase apresenta dois sítios ativos: o sítio aniônico e o sítio estearásico. Os carbamatos são moléculas que se ligam ao resíduo de serina do sítio estearásico da enzima e geram um resíduo de carbamil-serina, que é rapidamente hidrolisado, restituindo-se a atividade da enzima. Os organofosforados, por sua vez, fosforilam o resíduo de serina do sítio estearásico, de maneira praticamente irreversível. Portanto sua ação é prolongada e perdura até que sejam sintetizadas novas enzimas. A grande maioria dos agentes usados terapeuticamente são os carbamatos, exatamente pela menor duração da ação, que varia de curta a intermediária (veja a figura a seguir). Acetilcolina Resposta intracelular aumentada Ecotiofato Edrofônio Neostigmina Fisostigmina Neurônio Acetato Colina - Figura 38 – Mecanismo de ação dos anticolinesterásicos Fonte: Clark et al. (2013, p. 54). 110 Unidade II Os principais usos terapêuticos dos anticolinesterásicos são: • Diagnóstico da miastenia gravis: a miastenia gravis é uma doença autoimune causada por anticorpos contra o receptor nicotínico muscular (Nm) na placa motora. Como consequência, ocorre redução do número de receptores disponíveis para interação com acetilcolina. A administração intravenosa do edrofônio, um inibidor da acetilcolinesterase de ação curta (que varia de 10 a 20 minutos) leva a um rápido aumento da força muscular nos pacientes com a doença, que volta a diminuir após o tempo de ação do fármaco. Portanto, se houver melhora na função motora após a administração de edrofônio, é fechado o diagnóstico de miastenia gravis. — Tratamento sintomático da miastenia gravis: para aumentar o tempo de ação da acetilcolina na junção neuromuscular e, assim, normalizar a função contrátil do músculo esquelético em pacientes com miastenia gravis, são usados anticolineterásicos de ação intermediária, como a fisostigmina, a neostigmina, a piridostigmina e o ambetônio. • Tratamento sintomático do mal de Alzheimer: os pacientes com a doença de Alzheimer têm deficiência de neurônios colinérgicos no sistema nervoso central, conforme será descrito de maneira detalhada no tópico Tratamento da doença de Alzheimer. Essa observação levou ao desenvolvimento de anticolinesterásicos para o gerenciamento da perda da função cognitiva. A tacrina foi o primeiro disponível