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MBA GESTÃO CONTEMPORÃNEA FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Aluno Turma PDNeto 2 ATIVIDADE INDIVIDUAL Ideias Sergio Buarque de Holanda (1963) identifica uma confusão entre público (coisa pública) e privado (pessoas específicas) como consequência do que chama de um personalismo típico do Brasil [1]. É fenômeno que talvez se desdobre numa espécie de culto à personalidade e a uma prática subserviente de obediência. São característica do país – ao lado de outras que aponta, como a da monocultura na produção – que persistem da estruturação do país até o momento de observação pelo autor. É a cordialidade do brasileiro: a proximidade pelo interesse. Essa sobreposição público-privado também é observada por Faoro (2000) ao retratar o patrimonialismo brasileiro – e seu desdobramento nos estamentos [2]; mais especificamente, em estamentos burocráticos. A burguesia brasileira, enraizada na estrutura do poder político no Brasil ao longo de sua história, se cristaliza nesses espaços. Daí dizer que a prática patrimonialista caminha para a formação de um estamento da estrutura burocrática. O populismo, presente na obra de Francisco Weffort (1978), tensiona esses estamentos. Me parece uma construção técnica distante do que se tem no senso comum como populismo: se tratariam, para o autor, de uma “expressão tópica e espontânea do processo de incorporação das massas ao regime político” (p. 54). Aqui se trata de uma incorporação dependente, já que se fala numa democracia dependente como é a do Brasil, na análise do autor. Sendo impossível exercício político-democrático, o populismo é o que surge do processo de industrialização que força alguma maneira de absorção política das massas. Sobre essa dependência, parece fica mais clara no livro de Florestan Fernandes (1976). Nesse ponto, recupero o que comentei no ensaio sobre o Painel do Tema 5. A revolução burguesa no Brasil é definida pelo formato periférico, dependente e subdesenvolvido do capitalismo que aqui se formou. Difere do formato de revoluções burguesas “clássicas”, como as europeias. Não leva a uma revolução democrática nacional e nem à ruptura com a dominação externa. Uma consequência disso é que às classes nacionais não dominantes resta um agravamento da exploração. Para manter seu poder no cenário mundial, a burguesia nacional deve agradar as nações hegemônicas às quais se submete. Também precisa obter para si vantagens decorrentes do exercício vertical do poder político que nela se concentra. Significa dizer que às classes não dominantes cabe “sustentar” burguesia interna e externa, o que só é possível, entre outros fatores, com um aprofundamento de sua exploração e consequente aumento do gap de desigualdade [3]. O insulamento burocrático, assim definido por Edson Nunes (1999), é uma das ferramentas que permite o esvaziamento democrático até aqui descrito. Não se trata de negar a importância do conhecimento técnico. Isso seria, no mínimo, ingenuidade. O enfraquecimento dos controles populares, no entanto, é um fenômeno do capitalismo tardio. Afastar o aparato burocrático - insulá-lo, no caso - significa remover as instâncias de controle e participação popular do dia a dia do Estado. Há aí uma linha tênue, me parece. Ao menos, um cuidado na análise. Não se pode redundar nem na negação do conhecimento técnico, nem na negação do poder popular. A ausência de accountability social e popular transformaria, acredito, essa suporto tecnocracia em não mais do que um novo formato das velhas práticas de dominação por uma elite específica. ------------------ [1] O capitalismo pulsa a promoção do individualismo também na construção da história. Isso define formas de estruturação da sociedade e, portanto, do Estado. Contra isso, gosto do que diz Angela Davis (2018): “Mesmo que Nelson Mandela tenha sempre insistido que suas realizações foram coletivas, [...] a mídia tentou alçá-lo a herói”, “É fundamental resistir à representação da história como o trabalho de indivíduos heroicos, de maneira que as pessoas reconheçam hoje sua potencial agência como parte de uma comunidade de luta sempre me expansão” (p. 19); “algum dia reconheceremos de fato o sujeito coletivo da história, ele mesmo produzido pela mobilização radical?” (p. 69); “Com frequência, as pessoas me perguntam como eu gostaria de ser lembrada. Minha resposta é que realmente não estou tão preocupada com o modo como as pessoas se lembrarão de mim enquanto pessoal. O que eu quero que as pessoas recordem é o fato de que o movimento que exigiu minha liberdade triunfou” (p. 120). [2] Nos “Ensaios de Sociologia” (1982), Max Weber apresenta a ideia de estamentos como grupos de honras constituídos por laços que não necessariamente os laços de classe. Marcados por status, os estamentos “são normalmente comunidades” (p. 218) e que se expressam “normalmente pelo fato de que acima de tudo um estilo de vida específico pode ser esperado de todos que desejam pertencer ao círculo" (p. 219). O estamento “evolui para uma ‘casta’ fechada” quando se realiza de forma plena (p. 221). Nesse momento, as distinções estamentais têm uma legitimação simbólica ritualística, de forma que transcendem leis e convenções. [3] Num livro posterior, “Apontamentos sobre a ‘Teoria do Autoritarismo’” (2019), o autor aprofunda sobre um outro ponto dessa pretensa democracia encampada pela autocracia burguesa: nela, liberdade e igualdade são meramente formais. Isso exige um elemento autoritário componha sua estrutura e sua dinâmica de preservação. Talvez aqui exista uma aproximação técnica ainda maior entre o texto de Florestan e o de Weffort. O populismo de Weffort pode desembocar no nacionalismo; de uma forma ou de outra, no entanto, se trata de uma democracia incompleta e dependente. Talvez seja interessante mantê-la assim em nome desse “elemento autoritário”, adormecido na democracia burguesa? Não saberia dizer. E nem me parece o momento adequado pra aprofundar essa reflexão pra além desse paralelo. Aplicações Acho justo que esse campo seja um adensamento do que tratei ao final do Ensaio. Como fiz naquele caso, penso em dois níveis de análise: um abstrato e um concreto. Quando falo em abstrato, não esvazio de materialidade. Chamo de abstrata uma análise que tem menos a ver com ações pontuais e mais com políticas, métodos e formas de pensar e agir. Os textos auxiliam na compreensão de uma das características da formação do Estado brasileiro. A Receita Federal do Brasil integra esse Estado – e com posição de destaque, já que se trata do órgão arrecadador. Por isso tomar consciência desses processos de formação garante entender melhor o papel da instituição nesse jogo de forças – e, por consequência, o meu papel dentro da instituição. Que papel tem a arrecadação na construção de um Estado menos desigual? Dentro da atual estrutura legislativa do direito tributário, como pode a Receita definir políticas de combate ao insulamento, de desestruturação de estamentos e principalmente de garantia de participação política popular através da aproximação com o cidadão? São reflexões relevantes, imagino, dentro de um universo de tantas outras que cabem ao campo abstrato. De um ponto de vista concreto – ou objetivo; ou prático – talvez seja uma questão menos óbvia. Isso porque o trabalho desenvolvido, que é a dimensão do concreto-prático, é bastante específico e amarrado à legalidade – ponto de caloroso debate na nossa ROL de introdução. Mas é que não acredito muito no discurso da amarra da legalidade. É que me parece conveniente demais como justificativa para inação. A suspeita não é originalidade minha: na sociologia jurídica, estudamos como o discurso jurídico da legalidade pode servir para a manutenção de privilégios, desigualdades e em especial para barrar reformas e transformações. Legalidade é dever; não deve ser argumento para manutenção do que é injusto. Entre áreas distintas,minha ocupação principal na Receita, hoje, é o atendimento presencial. E se existe um espaço para ação sociológica e comunicativa mais propício que esse dentro da Receita, eu desconheço. Historicamente, o Estado integra a aliança de manutenção da dominação no país. O Atendimento, eu acredito, é justamente o ponto de interseção entre Estado – como megaestrutura – e Sociedade – como micro atores. Inicialmente pensei na metáfora da ponte: a de unir os insulamentos burocráticos com a terra, de estabelecer esse caminho. Mas me pareceu muito pouco – e nada criativa. Acredito, na realidade, no potencial que temos pra ser verdadeira movimentação tectônica, quiçá de uma terraformação cosmologicamente tardia. Nos caberia uma atuação nada menos do que afável e informativa. A tradução da linguagem da burocracia é uma função essencial hoje. Se a dominação cresce também nas disfunções burocráticas – e a linguagem formalista e jurídica atua aqui –, nós, que detemos em alguma medida esse conhecimento específico, podemos realizar a tradução do léxico administrativo para a realidade de cada um. Arrisco (e ouso) dizer que é um exercício pedagógico como o que propõe Paulo Freire. Então o compromisso com essa atuação parece pulsar um pouco mais forte aqui dentro. Eu integro a estrutura do Estado como servidor; eu passei pela estrutura do Estado, financiado pela sociedade, durante sete anos para concluir uma formação que ainda é pouquíssimo acessível no país; e essa formação foi justamente na área que melhor representa esse discurso da burocracia, justamente porque a linguagem da burocracia é o Direito. Referências DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2018. DE HOLANDA, Sergio Buarque. Cap. I: Fronteiras da Europa; CAp II: Trabalho e Aventura; Cap. V: O Homem Cordial. Em: Raízes do Brasil. Brasília: UnB, 1963 [1936]. FAORO, Raymundo. Cap. Final: A viagem redonda - do patrimonialismo ao estamento. Em: Os donos do poder - Volume 2. São Paulo: Globo/Publifolha, 2000 [1975]. FAORO, Raymundo. Cap. I, S3: O Estado Patrimonial e o Estado Feudal; Cap II, S3: O estamento - camada que comanda a economia junto ao rei; Cap II S4: Da aventura ultramarina ao capitalismo de Estado. Em: Os donos do poder - Volume 1. São Paulo: Globo/Publifolha, 2000 [1958]. FERNANDES, Florestan. Cap. 7: O modelo autocrático burguês de transformação capitalista. Em: A Revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976 [1974]. FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a ‘teoria do autoritarismo’. São Paulo: Expressão Popular, 2019 [1977]. NUNES, Edson. Cap. II: tipos de capitalismo, instituições e ação social; Cap. IV: capitalismo, partidos políticos e insulamento burocrático no regime pós-1945; Cap. V: mudança dentro da continuidade - velhas e novas arenas políticas no período pós-guerra; Conclusão. Em: A gramática política do Brasil - clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Zahar, 1999 [1997]. WEFFORT, Francisco. Cap. I: política de massas; Cap. II: Estado e massas no Brasil. Em: O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. WEBER, Max. VIII. Classe, Estamento, Partido. Em: Ensaios de Sociologia. Trad. Fernando Henrique Cardoso. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1982. p. 211-227
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