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início em 26 de abril de 2020, domingo, às 22:00, durante a pandemia da covid-19 Profa. Adriana Ancona de Faria Projeto Ensino Participativo Teoria e Prática FGV Online PRELIMINARES A DIREITO GV foi concebida com a missão de formar profissionais capazes de resolver problemas complexos e com senso crítico apurado. Com esse objetivo, adotou, desde sua origem, técnicas de metodologia de ensino pouco utilizadas nas faculdades de Direito no Brasil. Para levar essa proposta adiante e para que o aprendizado fosse consistente com os objetivos traçados no plano pedagógico, foi necessário repensar todo o processo de formação do aluno. Um dos pilares desse novo modelo foi a adoção do ensino participativo. Nesse método, o aluno é agente na construção de seu próprio conhecimento. Além disso, o estudante pode desenvolver habilidades relevantes graças à participação ativa no processo de aprendizado – por exemplo, o raciocínio e a instrumentalização do conhecimento adquirido. Financiado pela Presidência da Fundação Getulio Vargas, o Projeto Ensino Participativo – Teoria e Prática tem como principal objetivo a difusão das melhores práticas de ensino utilizadas na DIREITO GV, orientadas pela diretriz do ensino participativo. As reflexões, as experiências e as dinâmicas aqui apresentadas constituem um importante material de análise para professores, acadêmicos e instituições de ensino que desejem dialogar e contribuir para o desenvolvimento do ensino jurídico no Brasil. Voltado à análise da metodologia participativa, o material é constituído por vídeos, entrevistas, papers, e-books e cursos multimídia. O material é de acesso amplo, irrestrito e gratuito, e conta com interface para comunicação com interessados na discussão do ensino jurídico. Sem dúvida, muitas são as experiências de inovação e renovação do ensino jurídico. No entanto, poucos relatos e materiais didáticos de boa qualidade compartilhados fogem ao formato de manuais jurídicos e apostilas esquematizadas. A proposta do Projeto Ensino Participativo – Teoria e Prática é, exatamente, sistematizar essas experiências conferindo-lhes publicidade, de modo a permitir sua visualização como efetivas alternativas ao ensino jurídico tradicional. A exemplo da formação de uma rede de compartilhamento de boas práticas de ensino e de materiais didáticos voltados ao ensino participativo, acredita-se que iniciativas fundamentais à reflexão sobre o ensino jurídico no Brasil possam resultar desse esforço. MÓDULO 01 – O MÉTODO DE LEITURA ESTRUTURAL OBJETIVOS DA LEITURA FILOSÓFICA Nesta disciplina, enfocaremos a orientação de alunos que se iniciam na prática da leitura de textos teóricos ou filosóficos que sejam conceitualmente complexos. Não se trata de trabalho e tampouco de um longo exercício prático sobre como ler um texto. Nosso objetivo é promover uma primeira abordagem sobre as técnicas intelectuais para a leitura e a análise de textos filosóficos. Esse método que propomos é denominado, usualmente, como método estrutural. Seu elemento essencial é a atenção privilegiada que devemos prestar à estrutura interna do texto filosófico, a seu aspecto sistemático e orgânico. Esse método exige que o texto seja lido com certa dose de humildade. A leitura feita de forma estrutural admite a premissa metodológica – ainda que provisória – de que um texto deve ser lido como parte de um sistema coerente de argumentos, conceitos e proposições. Dessa forma, diante de eventuais lacunas e aparentes contradições, o leitor deve, antes de tudo, procurar a interpretação que permita recuperar a coerência e a lógica interna dos argumentos. Quando falamos em humildade, podemos considerar, por exemplo, a atitude de um jovem interessado no jogo do xadrez. Durante uma partida, um grande mestre enxadrista executa um lance cuja lógica, à primeira vista, não é compreendida por esse jovem. Antes de censurar ou julgar essa jogada aparentemente sem lógica, o jovem, exercendo a humildade, suspende, provisoriamente, sua crítica e se esforça para compreender a intenção, a coerência e a inteligência do lance executado pelo mestre. [Eu] Faz todo sentido, e você, Paulo, vez ou outra comete esse erro. A soberba do conhecimento às vezes pode levar o sujeito a criticar um autor denso devido à própria ignorância. Ainda que provisoriamente, o leitor estrutural deve considerar, de antemão, que o texto que está sendo lido é um texto consistente. Ele deve suspender, provisoriamente, o juízo sobre a validade substantiva das proposições. Assumir uma postura humilde, evidentemente, não impede que o leitor encontre mudanças, rupturas ou incoerências dentro de um sistema de pensamento. Essa postura apenas o conduz a ser um pouco mais cauteloso antes de indicá-las ou divulgá- las. Ainda segundo Goldschmidt, em Remarques sur la méthode structurale em histoire de la philosophie, esse processo integral – ou seja, o método em ato – constitui o movimento do texto. Nesse sentido, começar o estudo da filosofia abordando os textos dos filósofos significa começar aprendendo a ler um texto filosófico a partir de sua lógica interna, interpretando-o como um sistema estruturado e, dessa forma, partir do estudo da História da Filosofia para o aprendizado filosófico. Mas será que esse é um bom meio de acesso à filosofia? UMA FILOSOFIA DO MÉTODO – ESTRUTURAL – DE LEITURA? À primeira vista, o que apresentamos como princípio básico da leitura estrutural parece caminhar na contramão das ambições de estímulo ao filosofar. Pensando desse modo, a história da filosofia e a leitura rigorosa de textos filosóficos por meio do método estrutural não seriam interessantes para a educação filosófica? Pior que isso, não seriam uma forma de inibir a vocação filosófica? Em primeiro lugar, a habilidade de leitura e análise é uma técnica fundamental para o pensamento em geral. Esse é um dos motivos pelos quais estudar filosofia pode interessar a qualquer não filósofo. Em um contexto educacional como o brasileiro, no qual muitos alunos ingressam no ensino superior ainda carentes dessa importante habilidade, esse argumento é essencial. O passado da filosofia é muito importante para a compreensão da filosofia contemporânea. Nesse sentido, sua compreensão rigorosa, não deformada, é uma importante ferramenta para o pensamento. A reconstrução da ordem das razões internas a um pensamento – ou seja, sua dimensão sistemática – acabou por reencontrar, na ideia de estrutura, o ponto de vista que confere inteligibilidade a um pensamento. Na medida em que se apresenta como forma universal de todo pensamento filosófico, a estrutura é a expressão da própria racionalidade filosófica. Redescobri-la por meio do método filosófico estrutural é um exercício filosófico. COMO LER UM TEXTO O estudante que se inicia na leitura de textos que trazem conceitos complexos deve, antes de tudo, compreender que o estudo de filosofia exige um método. Seu objetivo é mostrar como as exigências de rigor e o cuidado na leitura decorrem da própria organização conceitual dos próprios textos filosóficos. Essa organização conceitual não tem um valor filosófico em si mesmo, mas é uma técnica exigida pelo próprio pensamento filosófico. Não existe um método padrão e uniforme para a leitura de textos filosóficos. Em outras palavras, não há um manual seguro para adquirir as técnicas de leitura. Os textos filosóficos – particularmente, os textos clássicos – compõem as principais vias de acesso à filosofia. Nesse sentido, um dos primeiros passos necessários para estudar filosofia é conhecer uma filosofia anterior. Às vezes, a leitura filosófica é muito lenta e trabalhosa. Esse é um dos motivos pelos quais, muitas vezes, os alunos recém-chegados do ensino médio não se adaptam com facilidadea esse tipo de leitura. Isso acontece porque estão acostumados ao esforço orientado para o vestibular, que exige absorver a maior quantidade possível de informação no menor tempo possível. Alguns tipos de textos, como os filosóficos, pedem leituras em ritmos distintos, por vezes mais lentos. Mesmo nesses casos, uma primeira leitura mais rápida pode ser muito útil. Por meio dessa primeira leitura, podemos ter uma visão de conjunto do texto a ser estudado. A partir da visão do todo, poderemos, em uma leitura posterior, realizar a busca das partes e seu encadeamento. Alguns autores chamam essa primeira leitura de leitura averiguativa. Tais autores escolheram esse nome porque não se trata de uma leitura absolutamente elementar, mas da busca das ideias e da estrutura de um texto. Muitas vezes, também é importante vencer a angústia e a pressão psicológica que uma leitura mais lenta e cuidadosa pode causar nos leitores menos experientes. A leitura rápida serve como preparação para uma leitura mais aprofundada e analítica, além de nos permitir avaliar se o texto a ser lido merece a atenção que estamos dispostos a lhe dedicar. 1. Índice a. sempre consulte o índice do livro que você está lendo, mesmo que não pretenda ler todo seu conteúdo. Isso permite ter uma visão do conjunto da obra. 2. Leitura atenta a. sempre leia com bastante atenção o início dos textos – os primeiros parágrafos –, em que são introduzidas as intenções do autor e, frequentemente, o projeto de ideias a ser seguido. os parágrafos finais do texto ou de suas subpartes também costumam sintetizar os argumentos centrais dos capítulos e podem servir como guia para a compreensão da estrutura do texto. tais sínteses não são indicadores absolutos de como o texto deve ser lido, pois os autores também podem, circunstancialmente, equivocar-se. Contudo, o esforço do próprio autor não deve ser negligenciado. 3. Prefácios a. não pule os prefácios e as introduções mesmo quando esses não tiverem sido escolhidos pelo professor como leitura obrigatória. b. frequentemente, neles encontramos chaves preciosas para a melhor e mais fácil compreensão das intenções do autor e da estrutura do texto. 4. Palavras-chave a. procure exercitar a busca de palavras-chave que possam orientá-lo no tipo de leitura rápida e seletiva. 5. Marcador de Texto a. use marcador de texto ou lápis para destacar as ideias centrais de cada passagem. 6. Preocupação a. concentre-se no que for capaz de compreender e procure delimitar o que não compreende. Dar atenção excessiva a pontos específicos que não foram compreendidos pode ser um verdadeiro obstáculo à boa fluência da leitura. 7. Leitura completa a. leia o texto inteiro, programando-se para a releitura. Muitas vezes, é bastante difícil ler um texto filosófico pela primeira vez. Prossiga na leitura, ainda que não compreenda alguns dos pontos mencionados pelo autor. Podemos dizer que, após a leitura de todo o texto, o leitor tem uma visão da floresta como um todo antes de dedicar-se a decifrar cada uma de suas árvores. 8. Perguntas a. não deixe de se perguntar e procure responder, com simplicidade e clareza, às seguintes questões: Do que trata o texto? O que está sendo, efetivamente, afirmado? Quais são as principais proposições do texto? Quais são os subargumentos? Procure identificar o tema central e os subtemas a ele conectados. LEITURA APROFUNDADA Muitas vezes, a leitura aprofundada é a única que, realmente, serve de meio para uma leitura filosófica de textos clássicos. A leitura rápida deve ser vista como uma etapa para esse tipo de leitura. Prepare-se! A leitura aprofundada demanda bastante trabalho! Não há como realizá-la sem uma boa dose de disciplina, esforço e perseverança. O importante, nesse momento, é aceitar – psicologicamente, inclusive – que não é possível ultrapassar certa velocidade de leitura e compreensão sem algum treino. É preciso ter paciência e disciplina para colher os dividendos do esforço após algumas semanas. Para esse tipo de exercício, é necessário não ter pressa. O primeiro passo é começá-lo com antecedência. A leitura aprofundada pede que o leitor se fixe em cada passagem. Por conta disso, não se assuste se demorar meia hora para ler uma página ou dez minutos para concluir um parágrafo após várias releituras. Isso tudo é normal! Não deixe sua autoestima se abalar por causa disso! Um dos exercícios da leitura aprofundada é identificar todos os movimentos do texto. Dessa forma, é possível reconstruir toda a estrutura do texto lido. 1) Formulação e Justificação Formule a si mesmo as seguintes perguntas – Em quantas partes o texto está dividido? Três, quatro, cinco, mais? Procure pensar nos critérios utilizados para fazer tal divisão. Alguns textos já vêm divididos pelo próprio autor, e outros não. Nesses casos, a divisão cabe ao leitor. Imagine que você precisa justificar a escolha do número de partes que encontrou. A escolha deve obedecer a um critério relacionado à lógica interna do texto, ou seja, não pode ser arbitrária. 2) Numeração Numere os argumentos do texto. Isso permite manter um controle mais claro sobre, por exemplo, quais são as partes, quantos são os argumentos ou o que é um subargumento, o que permite visualizar a estrutura do texto. Nesse sentido, se o autor apresentar cinco argumentos sobre determinada questão, por exemplo, numere-os à margem do texto. Você pode fazer o mesmo a cada subargumento. Dessa forma, você pode identificar, rapidamente, quais e quantos são os argumentos centrais no texto, bem como seus subargumentos. 3) Definição Defina o argumento desenvolvido em cada parte do texto com clareza e em uma só proposição. A identificação dos argumentos centrais deve corresponder à estrutura geral do texto a ser analisada. Cada parte pode estar subdivida em outras unidades menos complexas. Procure identificá-las, dividindo-as em blocos argumentativos, como se fossem uma estrutura arborizante – ou seja, com troncos e galhos secundários. Identificar o lugar das ideias é uma etapa importante para o sucesso da leitura estrutural do texto. 4) Velocidade e Objetivos Leia, com atenção e velocidade diferenciadas, os capítulos que parecem conter as ideias centrais e estruturantes do argumento principal defendido no texto. Leia os textos conforme seus objetivos de leitura. Ler um texto de forma muito minuciosa e lenta pode ser um desperdício se ele não for merecedor de tal atenção. Por outro lado, outros textos, praticamente, não admitem uma leitura que não seja minimamente rigorosa, sob pena de que a leitura se torne um esforço completamente inútil. Nesses casos, a leitura torna-se, de certa forma, uma espécie de tudo ou nada – isto é, ou se lê o texto com atenção ou talvez seja melhor escolher outra atividade para fazer. Ao final de suas leituras, faça a si mesmo as seguintes perguntas: Do que fala o texto? Qual é o tema principal do texto e como o autor o desenvolve de maneira ordenada? Como ele está dividido e subdividido? Se não for capaz de respondê-las de maneira direta, retorne ao texto e busque uma resposta objetiva e satisfatória. 5) Detalhes e Contestação O que está sendo dito detalhadamente? E como? O que está sendo dito detalhadamente e a forma como está sendo dito são diferenças fundamentais entre ler, diretamente, um texto clássico e ler um texto de apoio. O texto de apoio, frequentemente, faz um resumo das ideias gerais de um autor. Por melhor que seja estruturado, sempre sacrifica, em benefício da síntese e do esforço de sistematização, o caminho perseguido pelo autor para apresentar uma ideia, bem como suas razões e seus fundamentos. A pergunta fundamental aqui seria a seguinte – por que o autor está construindo sua argumentação dessa forma?Contra quem o texto está sendo escrito? Boa parte dos textos filosóficos são esforços de contestação de ideias defendidas por outros autores. Muitas vezes, isso se faz de maneira clara e explícita, mas, muitas vezes, o inimigo intelectual do autor é apenas referido de forma indireta. 6) Familiaridade Familiarize-se com o repertório conceitual do autor. Constantemente, afirma- se que o pensamento crítico se antagoniza com métodos tradicionais de memorização e repetição. Apesar disso, é importante ter em mente que algum domínio dos conceitos utilizados por um autor e a familiaridade com a construção argumentativa são elementos necessários para o bom domínio de um texto filosófico. 7) Humildade A leitura de um texto clássico recomenda certa humildade. O estimulo à reflexão pessoal e criativa é muito relevante em um curso de filosofia. No entanto, diante de um texto filosófico, é fundamental conjugar esse estímulo com uma dose de humildade. Devemos evitar julgar, por exemplo, se suas ideias são aceitáveis ou não. Também devemos pressupor que um argumento foi construído com certa inteligência e, por conta disso, devemos buscar compreendê-lo antes de refutá-lo. 8) Significado Procure o significado das palavras em seu próprio contexto de utilização. Uma leitura estrutural recomenda tomar muito cuidado ao buscar encontrar o significado das palavras em dicionários ou livros gerais de filosofia. De maneira geral, os filósofos constroem significados específicos para os conceitos que utilizam, diferentes do sentido usual. 9) Método estrutural Tenha em mente que o método estrutural de leitura não é hostil a outros métodos de interpretação filosófica, como o histórico, o sociológico ou o econômico. É evidente que todas essas dimensões afetam o sentido de um texto filosófico. Contudo, seria um equívoco reduzir o sentido de um texto a tais dimensões, como se fosse um epifenômeno do contexto que o produziu, um reflexo das condições econômicas e históricas ou um espelho das motivações psicológicas do autor. O método estrutural não busca negar a importância das influências históricas, econômicas e sociais. Pelo contrário, o que se supõe é que tais influências não são suficientes para explicar o sentido filosófico do texto, que pressupõe a ordem das razões nele inscritas e se constitui a partir dela. EXERCÍCIO DE LEITURA ESTRUTURAL DE UM TEXTO Os objetivos fundamentais de uma leitura estrutural podem ser alcançados por meio da reconstrução da ordem das ideias de um texto. Uma forma prática de realizar essa tarefa é descrever a estrutura arborizante de um texto. Esse exercício busca recuperar a estrutura lógica do texto, isto é, sua ordem das razões, que, muitas vezes, não corresponde à ordem de apresentação das ideias. Outra forma de analisar um texto é reduzi-lo a um esquema topológico das proposições. Nesse esquema, o leitor identifica quais são as proposições do texto e a forma como elas se encontram nele estruturadas. O esforço agora deve ser orientado na busca do lugar das proposições e suas relações entre si. A preocupação aqui não é tanto com a ordem lógica, mas com a ordem de apresentação das ideias no texto – ou seja, a ordem topológica. Reconstruir a estrutura de um texto não é a mesma coisa que produzir resumos. Nos resumos, as ideias centrais de um texto são sintetizadas com o objetivo de transmitir seus pontos principais. Nesse caso, a forma como as ideias aparecem e a construção argumentativa, geralmente, são sacrificadas em benefício da síntese e redução do tamanho do original. No resumo, geralmente, é mantida alguma similaridade estrutural entre o original e o resumo. Desse modo, o resumo, normalmente, mantém as mesmas unidades de capítulos. A reconstrução da estrutura de um texto é um exercício de outra natureza. Podemos chamá-lo de esquema. Segundo Huhne, seu objetivo é, primordialmente, a identificação dos argumentos do texto e sua estrutura, e concatenação por meio de um registro gráfico de fácil visualização. Nesse sentido, ele deve ser exaustivo na identificação das partes e dos argumentos do texto. O esquema deve fazer um mapa topológico dos argumentos. Nesse sentido, ao criar um esquema, devemos pensar qual substância do texto poderia ser suprimida. O esquema deve guardar apenas os argumentos em seu enunciado mais sintético. Da mesma forma, os contra-argumentos e subargumentos. A explicação das ideias depende da leitura integral do texto. Esse exercício permite reconstruir a estrutura arborizante de um texto. A recuperação da ordem das razões – isto é, da ordem lógica das ideias – pode parecer um exercício extremamente difícil e trabalhoso para o aluno iniciante. A verdadeira leitura estrutural de um texto exige que sua formalização, tal como posta no exercício, possa ser dispensada por um leitor mais experiente. A elaboração de um esquema auxilia o reconhecimento e a visualização da estrutura interna de um texto em sua arquitetônica conceitual e em seus movimentos. Essa técnica pode demonstrar-se bastante eficaz para a leitura e a discussão coletiva de um texto na estrutura de um seminário. Sua utilidade aumenta se for acompanhada pela entrega, por parte do aluno, de uma cópia desse trabalho para toda a classe. Essa cópia é chamada de esquema topológico ou hand-out. Já a intenção do fichamento não é, propriamente, captar o encadeamento lógico ou topológico das ideias do autor estudado. Sua intenção é captar suas ideias centrais e a elas relacionar outros comentários externos, históricos, críticos, comparativo, entre outros. Nesse sentido, o fichamento não atende às exigências de exaustividade e completude que a leitura estrutural e a produção de um esquema estrutural procuram atingir. Um método estrutural de leitura não impede que se aceite ou se rejeite a verdade dogmática de uma filosofia. O método de leitura não exige aceitação ou repulsa das ideias do autor estudado por parte do leitor. O que interessa é reconstruir as razões pelas quais as verdades eram aceitas pelo autor. As estruturas constitutivas de uma doutrina não são inteligíveis sem a sua ambição de promover a verdade. VÍDEOS 01 E 02 “O texto não é o pretexto, mas um pressuposto”. Começa com o texto na aula do sujeito. Pede para que os alunos preparem um handout, uma análise estrutural dos argumentos do texto que será discutido. Aí ele pede uma apresentação (vixe). MÓDULO 02 – TRABALHANDO COM JURISPRUDÊNCIA DEBATE SOBRE DECISÕES JUDICIAIS O debate sobre decisões judiciais é um método de aula bem diverso da tradicional aula expositiva. Na exposição, o aluno conhece um conceito pela transmissão feita pelo professor. O contato com alguma situação concreta em que esse conceito pode ser aplicado acontece somente depois. Acontece o contrário na análise de jurisprudência. A jurisprudência é uma fonte de boa qualidade para apresentar o mundo jurídico real aos alunos, pois envolve: casos concretos; questões jurídicas; perdas e ganhos; interesses; argumentação. A jurisprudência também permite trabalhar as principais competências e habilidades exigidas dos profissionais de direito. ANÁLISE DE JULGADOS A análise de julgados permite que o aluno visualize as diferentes formas de fundamentação das decisões e os mais variados estilos de argumentação. A divisão mais básica dos tipos de argumentos que os estudos jurisprudenciais apontam é aquela que os qualificam em razão de decidir (ratio decidendi), argumentos retóricos ou, meramente, acessórios à tese principal (obter dictum). O debate se coloca na identificação da razão de decidir. Na prática, isso pode tornar-se uma tarefa árdua por conta da qualidade dos argumentos retóricos e acessórios. De qualquer forma, esse exercício é útil porque permite que o aluno se posicione sobre a qualidadeda fundamentação – inclusive quanto à formulação de seus próprios posicionamentos. No estudo de casos concretos, o aluno deve-se ater à situação fática apresentada e considerar os elementos que a informam, mas sem perder de vista o escopo da análise. É preciso resolver o problema concreto! É um trabalho focado. Elucubrações cerebrinas têm pouca utilidade nesse tipo de trabalho, muito embora as decisões por vezes esbarrem nesse problema. Estamos diante de um paradoxo – decisões judiciais podem ser cheias de argumentos meramente acessórios, mas sua análise exige foco. Cabe ao professor incentivar um debate focado no caso concreto. O debate deve considerar, principalmente, o problema objeto de discussão, chamando ao cerne da questão o aluno que, por acaso, sair pela tangente. O aluno deve-se posicionar sobre a qualidade e as consequências da decisão tomada diante das especificidades do caso. O julgador acertou? A decisão conseguiu, efetivamente, resolver o caso? A decisão pode incentivar - ou evitar - uma judicialização em massa? O aluno decidiria de forma melhor? Ao se colocar no lugar do julgador, o aluno avalia o problema por outra perspectiva. Não basta apreciar a qualidade da fundamentação do julgador ou relatar o caso concreto em detalhes. O aluno deve refletir sobre as formas mais adequadas de resolvê-lo. HABILIDADES Importantes habilidades são aprimoradas com esse simples exercício de se colocar no lugar do julgador: análise consequencialista dos conflitos jurídicos – análise de custo- benefício; capacidade de lidar com situações conflituosas, em que um direito exclui outro – trade off; capacidade de lidar com situações conflituosas, em que um direito exclui outro – trade off. Talvez o mais instigante da técnica de debate de casos jurisprudenciais seja a riqueza de informações fornecidas pelo julgado. Isso permite que o professor trabalhe infinitas perspectivas de análise da decisão, atentando para um ou outro aspecto conforme o conteúdo e as habilidades que pretenda desenvolver com os alunos. Por outro lado, existe a real possibilidade de o aluno apresentar considerações que não foram antecipadas pelo professor na estruturação da aula. AULA SOBRE JURISPRUDÊNCIA A chamada aula sobre jurisprudência não visa a apenas conhecer e refletir sobre casos levados ao Judiciário. A aula de jurisprudência é a que se vale do próprio texto dos julgados com o material de trabalho. Essa aula é muito rica. Além de trazer casos interessantes à sala de aula, cujo debate e cuja solução exigem esforço e envolvem polêmica também faz com que os alunos analisem e critiquem documentos importantes, em que são apresentados os argumentos de todos os envolvidos em um processo judicial. Uma aula assim exige preparo prévio do aluno – de preferência, com base em um estudo dirigido feito pelo professor. A leitura prévia do julgado é sempre indispensável, mas é interessante pedir mais. Uma estratégia de incentivo da participação dos alunos em sala de aula é exigir a realização prévia, individual ou coletiva, de trabalhos escritos sobre determinada decisão judicial mediante orientação de estudo dirigido. Isso leva os alunos a manusearem o material de forma mais detida para poder preparar um texto ou uma resposta escrita. A combinação de trabalho escrito prévio com a posterior discussão de julgados funciona muito bem. É notável o aumento da qualidade do debate em sala de aula em razão do maior preparo. Um julgado mal escolhido mina qualquer possibilidade de êxito da aula, pois não estimula a preparação prévia, não incentiva os debates e não desperta a emoção que anima qualquer aula participativa. Decisões meramente ilustrativas de um ponto de vista não funcionam. O julgado bom para esse tipo de aula é o que estimula a participação ativa dos alunos, que gera polêmica, que envolve dificuldades passíveis de solução de maneiras diversas. DINÂMICA DA AULA Decisões judiciais admitem, com expressiva margem de flexibilidade, os mais variados formatos de uso que o professor desejar. Tanto o julgado quanto o estudo dirigido são indicados aos alunos como objeto de leitura prévia obrigatória. O professor instiga a discussão, e os alunos se posicionam de modo fundamentado. A dinâmica, em sala de aula, deve ser relativamente livre, admitindo variados ajustes para melhor aproveitamento do material. Uma boa preparação prévia serve para que o professor saiba onde começar a aula e qual rumo, em princípio, ela deve tomar. No entanto, não se sabe ao certo onde cada aula termina. Isso pode ser angustiante para muitos, mas delicioso para outros. Cada aula é única! O professor pode até mesmo não fazer recorte algum. Isso é bom para os alunos perceberem todas as potencialidades na análise de jurisprudência. DESAFIOS DO PROFESSOR Durante o processo de preparação prévia, é recomendável que o professor reconheça, de acordo com a abordagem do caso, as principais informações que devem ser extraídas do julgado. Com base nelas, as questões de direcionamento dos debates são formuladas e organizadas em um roteiro de aula. O principal desafio do professor é sofisticar a leitura do julgado pelos alunos. As sucessivas indagações do professor em sala de aula servem para conduzir o debate a um nível de profundidade que viabilize o desenvolvimento de habilidades e a solidificação de conteúdos estudados previamente pelos alunos. As perguntas são a grande arma do professor. Ele não precisa – e nem deve – ficar explicando as coisas para que o aluno as veja. Com perguntas, o professor pode chamar a atenção do aluno para pontos importantes e depois mudar a perspectiva de análise, provocar reflexão mais profunda. Ele também pode propor analogias e se utilizar de muitos outros recursos. ESTILO E INTERVENÇÃO DO PROFESSOR O professor é o responsável pelo sucesso da aula. Ele precisa ser charmoso, estimulando com jeito a participação dos alunos nas discussões, especialmente em suas intervenções. Vejamos como o professor pode atuar: para quebrar o gelo; recusando o papel de autoridade; para provocar; para chacoalhar; para problematizar; para colocar ordem; como advogado do diabo. Além de qualificar os debates, o professor orienta a ordem de discussão dos julgados para que os alunos saibam como se posicionar nas aulas seguintes.
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