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Indaial – 2019 LegisLação e Ética da comunicação Prof. Renato Emydio da Silva Júnior 2a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Renato Emydio da Silva Júnior Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: J95l Júnior, Renato Emydio da Silva Legislação e ética da comunicação. / Renato Emydio da Silva Júnior. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 185 p.; il. ISBN 978-85-515-0416-1 1. Comunicação. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 302.2 III apresentação Prezado acadêmico! Iniciamos o estudo da disciplina de legislação e ética na comunicação. O conteúdo foi abordado partindo da exposição dos temas mais amplos e genéricos aos mais estritos e específicos. São três unidades que tratam, respectivamente, da justiça, do ordenamento jurídico brasileiro e da comunicação. Nesta disciplina você irá aprender noções sobre justiça, ética, ordem social e ordem jurídica, leis, poder, comunicação, política, natureza humana, sociedade, entre outras. Todas elas conjugadas e orientadas para compreender não somente o que vem a ser um simples código de ética em comunicação, mas como se chegou a ele, e por que ele existe. A ética em comunicação é fundamental em sociedades que possuem a liberdade como princípio. Desde o surgimento do Estado Moderno, a população em geral foi chamada a participar da vida política, chamando-as de cidadãos, de maneira que, com o passar do tempo, os avanços tecnológicos possibilitaram que a comunicação entre estes cidadãos se desse de maneira cada vez mais rápida e ampla. De tal sorte, a política, inclusive a geopolítica, tem na comunicação um de seus aspectos mais fundamentais. O aluno deve proceder com leitura cuidadosa, pois os temas foram abordados, principalmente nas Unidades 1 e 3, como que em círculos concêntricos que vão se expandindo. Ou seja, os temas abordados retornam em discussão, ampliando-se com relação ao que foi dito anteriormente e, às vezes, dando-lhes novas perspectivas. Sugerimos que se faça a leitura deste livro conforme ensina Mortimer Adler em seu livro Como ler Livros. Resumidamente, o aluno deve fazer uma leitura inicial, rápida e sem se deter em detalhes ou maiores entendimentos. Após proceder com esta leitura, você deve, contudo, iniciar a leitura lenta e gradual do livro, tendo, agora, uma ideia geral do que está escrito, poderá se deter em detalhes e aprofundar entendimentos. Boa leitura e bons estudos! Prof. Renato Emydio da Silva Júnior IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VII UNIDADE 1 –DA JUSTIÇA .....................................................................................................................1 TÓPICO 1 – AS BASES FILOSÓFICAS DA JUSTIÇA.......................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 JUSTIÇA E ORDEM ...............................................................................................................................3 RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................................8 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................................................9 TÓPICO 2 – A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE ..................................................................................11 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................11 2 ORDEM DA ALMA E ORDEM SOCIAL .........................................................................................11 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................28 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................29 TÓPICO 3 – A JUSTIÇA NA IDADE MÉDIA ...................................................................................31 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................31 2 JUSTIÇA E ORDEM DIVINA ............................................................................................................31RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................45 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................46 TÓPICO 4 – A JUSTIÇA NA IDADE MODERNA ...........................................................................49 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................49 2 JUSTIÇA SEM FUNDAMENTO .......................................................................................................49 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................55 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................57 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................58 UNIDADE 2 – DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ..............................................................................59 TÓPICO 1 – ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............................................................61 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................61 2 ESTRUTURA E HIERARQUIA ..........................................................................................................62 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................70 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................71 TÓPICO 2 – DEONTOLOGIA DA COMUNICAÇÃO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................73 2 DEONTOLOGIA E UTILITARISMO ...............................................................................................73 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................79 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................80 sumário VIII TÓPICO 3 – CÓDIGOS DE ÉTICA ......................................................................................................81 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................81 2 CÓDIGO DE ÉTICA DA PROFISSÃO DE JORNALISMO.........................................................82 3 CÓDIGO DE ÉTICA DA PROFISSÃO DE RELAÇÕES PÚBLICAS .........................................96 4 CÓDIGO DE ÉTICA DA PROFISSÃO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA ...................100 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................123 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................128 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................129 UNIDADE 3 – COMUNICAÇÃO E PODER ....................................................................................133 TÓPICO 1 – COMUNICAÇÃO E PODER – UMA BREVE HISTÓRIA .....................................135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................135 2 NA ORIGEM DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO .......................................................135 3 O SURGIMENTO DA COMUNICAÇÃO DE MASSA ..............................................................140 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................155 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................156 TÓPICO 2 – COMUNICAÇÃO E PODER – DEMOCRACIA E TOTALITARISMO ..............157 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................157 2 COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA .............................................................................................157 3 A LINGUAGEM HUMANA E A OPINIÃO PÚBLICA ...............................................................159 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................168 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................169 TÓPICO 3 – COMUNICAÇÃO E PODER – DESAFIOS NA PÓS-VERDADE.........................171 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................171 2 PÓS-VERDADE ..................................................................................................................................171 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................179 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................181 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................182 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................183 1 UNIDADE 1 DA JUSTIÇA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apontar as várias noções de justiça ao longo da história; • relacionar vários aspectos concernentes à noção de justiça; • explicar certos conceitos que fundamentam as várias noções de justiça; • demonstrar os princípios gerais do direito. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AS BASES FILOSÓFICAS DA JUSTIÇA TÓPICO 2 – A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE TÓPICO 3 – A JUSTIÇA NA IDADE MÉDIA TÓPICO 4 – A JUSTIÇA NA IDADE MODERNA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AS BASES FILOSÓFICAS DA JUSTIÇA 1 INTRODUÇÃO É correto afirmar que justiça é um elemento da alma humana. Com elemento queremos dizer que é próprio da alma humana aspirar à justiça, sendo, então, um dos elementos que nos constituem como ser humano e que nos diferencia do restante dos outros seres da natureza. Somente nós, seres humanos, podemos julgar o mundo das coisas segundo uma justiça que, não estando no mundo em si mesmo, a ele se aplica e o ultrapassa. Portanto, a ideia de justiça só aparece para nós enquanto seres dotados de inteligência e capazes de refletir sobre as situações do mundo de maneira a transcendê-las. Dito de outra forma, não adquirimos a noção de justiça a partir do mundo natural em si mesmo, mas sendo essa noção anterior em nós, reflete, julga e pune a realidade inteira. A justiça foi, assim, considerada uma lei universal que expressava a ordem e a medida do cosmos inteiro, sendo, portanto, um valor anterior e mais alto. É que a ideia de ordem estava atrelada à ideia do cosmos, já que para os gregos havia uma espécie de inteligência no cosmosque dava ordenamento ao universo. Por isso que a noção de justiça também estava ligada à noção de ordem. Só que uma ordem superior, que a tudo rege, anima e dá seu ritmo. Tal inteligência só poderia ser vista como fonte para a própria inteligência humana, que, por sua vez, tinha que adequar-se ao cosmos, assim como o inferior está subordinado ao superior. Foi assim que mais ou menos nasceu as primeiras formulações sobre justiça, numa clara tentativa de responder à pergunta “qual a melhor comunidade política para se viver”? 2 JUSTIÇA E ORDEM A concepção de justiça traz consigo a noção de que tudo o que existe possui um propósito e, como tal, uma relação dentro de uma ordem. É então essa relação que expressa a justiça das coisas, de maneira que noções como equilíbrio, imparcialidade, harmonia e equidade guardam ligação direta com a noção de justiça. UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 4 A ideia de ordem está atrelada à ideia do cosmos, já que para os gregos havia uma espécie de inteligência no cosmos que ordenava o universo. Por isso que a noção de justiça também está ligada à noção de ordem. ATENCAO Como já se pode imaginar, a noção de justiça sempre esteve ligada à noção de ordem social. Considerando que justiça é o correto estabelecimento das relações de uma ordem, infere-se que a justiça na sociedade humana seja o correto estabelecimento das relações humanas. Aspectos sociais da justiça sempre foram temas centrais nas e das discussões humanas. A justiça podia ser tanto tema de discussão como uma discussão podia ser tema da justiça. Por exemplo, pode-se, assim, questionar se é justo que o Supremo Tribunal Federal coloque o tema da liberação das drogas para ser discutido, já que a mera aceitação do tema dá por aceito que ele está apto a ser discutido. Não é o diálogo em si que se constituiu uma injustiça para alguns, mas discutir o uso não medicinal de drogas é visto como uma afronta à própria justiça já que é injusto deixar que as pessoas pratiquem o mal, mesmo que seja nelas mesmas. Veremos mais sobre isso ainda nesta unidade. Os romanos representavam a justiça como uma divindade parecida com a deusa grega Dice. A justiça em Roma era representada em pé, de olhos vendados, balança de dois pratos na mão e espada na outra. Essa simbologia não poderia ser mais direta comparando com tudo o que dissemos até aqui. Primeiro, por ser uma deusa, o que, de certa forma, coloca a justiça para fora e acima do mundo natural, fazendo dela algo como uma força ou poder superior. Segundo, como uma deusa personificada (aparência humana) que, ainda que vinda do alto e fora deste mundo natural, alcança os homens que a entendem, por ela agem e devem fazê-la cumprir. E terceiro, a deusa pisa na cabeça da serpente, como demonstração de que a justiça predomina sobre as paixões e impulsos humanos. Podemos detalhar ainda mais essa simbologia. Acompanhe. Os olhos vendados representam a equidade. Equidade aqui é o tratamento igual a todos, sem distinção ou preferência. É fundamentalmente importante para a noção de justiça que haja igualdade às partes, já que, como vimos, a ideia de correta relação numa ordem é o ponto de partida para noção de justiça. E não se pode haver uma ordem justa se suas partes estão ordenadas sem equidade, quer dizer, sem receber análise equânime e imparcial. TÓPICO 1 | AS BASES FILOSÓFICAS DA JUSTIÇA 5 A espada não poderia guardar outra relação que não com o castigo, sendo a reparação pelos erros cometidos obrigatória. Considerando que a espada está baixada, em posição de descanso, se sugere um castigo não por meios violentos, mas pela violência da virtude. Vale aqui ressaltar que Platão (428 a.C. – 348 a.C.) na República havia se oposto à noção de justiça como mera compensação de danos sem considerar os meios para fazê-lo. Afirmava, o filósofo, ser inaceitável conceber que a justiça é o restabelecimento por quaisquer meios incluindo os violentos. FIGURA 1 – DEUSA THEMIS FONTE: <https://ccartoday.com/wp-content/uploads/2019/03/lady_justice_stock_2lr.png>. Acesso em: 25 out. 2019. A simbologia dos pratos mostrava o equilíbrio no julgamento feito pela justiça. É a razão que julga, equilibrando-se entre o ideal e o concreto, entre o particular e o universal, dando mesmo peso e mesma medida a todos. Os romanos buscavam a virtude da prudência, dando por certo que um julgamento precisava ser ponderado com paciência e sabedoria para que se produzisse justiça. É fácil notar que a balança também guarda relação direta com a noção de ordem, já que é um símbolo direto do equilíbrio. Para que uma ordem possa se manter ordenada é importante que suas partes estejam relacionadas em equilíbrio, do contrário desestabilizariam toda a ordem. Themis é a deusa grega que mantém as leis divinas, a ordem da natureza e a moralidade. A divindade reúne o espírito de Dike, na mão esquerda, ao segurar uma balança em posição bem visível, que representa a justiça, a moralidade e as leis, e o espírito de Nemesis, na mão direita com uma espada de maneira coercitiva, representando a punição, a vingança, a indignação e o fato. Themis pisa na cabeça de uma serpente, que é a representação da dominação do conhecimento, das paixões e dos impulsos humanos. FONTE: <https://edisciplinas.usp.br/mod/page/view.php?id=1868654>. Acesso em: 5 ago. 2019. IMPORTANT E UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 6 Podemos resumir a noção de justiça para gregos e romanos com a sentença “dar a cada um aquilo que lhe é devido”. Assim, também já se pode imaginar, que a noção de justiça também estava ligada à noção de bem. A própria justiça, portanto, é considerada um bem, e como tal, deve ser realizada e orientada para este fim. Perceba, acadêmico, que tal é a importância da justiça para a humanidade que nunca, jamais, o homem deixou de pensar sobre ela. A convivência humana depende do modo que as pessoas percebem a noção de justiça. Há inúmeros momentos da humanidade em que o homem esteve sobre julgo de tiranos, e clamava pela justiça. Há outros em que o homem gozou de justiça e a enalteceu. Na imagem a seguir, do quadro de Galen, podemos perceber que mesmo uma pena capital, como a condenação à morte, é acompanhada de um livro da justiça — no qual, podemos supor, estavam as leis que definiam as responsabilidades, culpas, penas etc. Convido você, acadêmico, a olhar a obra mais detidamente, acessando-a na internet — para vê-la colorida —, e, quem sabe, possa perceber outros aspectos sobre a justiça. Tudo o que existe possui um propósito e, como tal, uma relação dentro de uma ordem. É então esta relação que expressa a justiça das coisas, de maneira que palavras como equilíbrio, imparcialidade, harmonia e equidade guardam uma ligação direta com a palavra justiça. ATENCAO FIGURA 2 – OBRA DE NICOLAES VAN GALEN, EM ÓLEO SOBRE TELA DE 1657, “CONDE WILLEM III PRESIDE A EXECUÇÃO DO DESONESTO OFICIAL DE JUSTIÇA EM 1336” FONTE: <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/img/obras/4050_original.jpg>. Acesso em: 29 jun. 2019. TÓPICO 1 | AS BASES FILOSÓFICAS DA JUSTIÇA 7 Seria próprio dizer que um leão está sendo justo ou injusto ao matar uma zebra para se alimentar? Tampouco que o seja um leão jovem matar um velho para tomar seu lugar na hierarquia da alcateia? Estas perguntas suscitam, de um lado, o questionamento sobre a ordem e a justiça, e de outro lado, colocam em dúvida a noção de uma justiça “natural”. Isso por quê, pensam alguns, que se as coisas são assim por natureza não caberia o julgamento da justiça que é coisa puramente humana. Para um sofista, contemporâneo a Sócrates, um animal ao seguir seus instintos não está sendo justo ou injusto, mas somente está agindo conforme sua própria natureza. E, por estas questões, colocam em dúvida que há ordem em justa medida no cosmos — como acreditavam os gregos. Estabeleceram os sofistas a distinção entre aquilo que é “por natureza” e o que é “por convenção”. Esta distinção levou muitos sofistas a concluírem que a justiça eraalgo “por convenção”, não existindo nada justo “por natureza”. Assim, as relações humanas em sociedade seriam justas na medida em que fossem feitas a partir de uma convenção, e que a injusta estaria em quebrar os acordos firmados nela. E isto é praticamente o oposto do que vimos no início de que haveria uma ordem nos cosmos. Não seria exagero, e é até muito correto afirmar que as bases filosóficas da justiça serão firmadas nas discussões e embates entre as noções de justiça “por natureza” e justiça “por convenção”. 8 Neste tópico, você aprendeu que: • A justiça foi incialmente entendida como um aspecto humano, da natureza humana. • A justiça foi considerada uma lei universal • As bases filosóficas da justiça serão firmadas nas discussões acerca das noções de justo ‘por natureza’ e ‘por convenção’. RESUMO DO TÓPICO 1 9 1 Achou interessante a simbologia com a deusa Themis? Que tal, colocar-se a analisar a estátua (FIGURA 1) e buscar outras significações ali presentes? Nesta atividade você está livre para buscar a polissemia dos símbolos. 2 Leia a frase: “somente nós, seres humanos, podemos julgar o mundo das coisas, que pela inteligência capta a justa ordem do cosmos”. Com base nessa frase é correto afirmar que a ordem no cosmos é ou está: a) ( ) No mundo em si mesmo, na natureza das coisas, cada qual com sua própria ordem natural. b) ( ) Puramente humana, já que a inteligência é que ordena e julga o mundo. c) ( ) Anterior à natureza e somente a inteligência humana é capaz de captá-la. d) ( ) Imanente à natureza das coisas, inclusive, à inteligência humana. 3 Na frase “um animal ao seguir seus instintos não está sendo justo ou injusto, mas somente está agindo conforme sua própria natureza”, encontra-se uma reflexão sobre ordem e natureza. Com base nessa frase e no conteúdo visto, é correto afirmar que ‘por natureza’ é: a) ( ) A ordem cósmica captada pela inteligência humana e encontrada no mundo em si mesmo. b) ( ) O ordenamento do cosmos que só pode ser captado pela inteligência humana, já que se encontra ‘fora’ ou acima do mundo. c) ( ) A percepção de que cada ser possui uma ordem própria por natureza, sem uma ordem superior que esteja presente no cosmos e que há tudo ordene. d) ( ) O estabelecimento de uma ordem puramente humana, baseada na natureza humana. AUTOATIVIDADE 10 11 TÓPICO 2 A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Opondo-se aos sofistas — e recuperando o que foi escrito no tópico anterior —, Platão escreveu em Górgias que a justiça é a condição para a felicidade, que Sócrates ensinava que ao homem injusto é impossível ser feliz. Para os socráticos a noção de justiça é inerente à noção de bem e felicidade, e, portanto, uma justiça “por natureza”, já que a noção de bem e felicidade não eram vistas como convenções humanas. A ideia mesma de uma ordem ‘por natureza’ vem acrescida de outra noção, a saber, de que tudo que possui uma natureza que, lhe sendo própria, possui uma ordem interna e que, por sua vez, lhe foi ordenada desde fora. É certo que seja desde fora, já que tudo que possui a mesma natureza possui a mesma ordem. Se não fosse desde fora, não haveria como garantir que essa ordem fosse idêntica em tudo que é a mesma coisa. Nesse sentido, é que uma justiça ‘por natureza’, deve considerar a própria ordem da alma humana face a ordem do cosmos para depois pensar a ordem social. 2 ORDEM DA ALMA E ORDEM SOCIAL Precisamos pontuar um aspecto sobre a justiça e a felicidade colocado por Trasímaco que mereceu a contenda de Sócrates. Trasímaco colocava que a justiça nada mais era do que um modo de lutar pelos próprios interesses, de maneira que os poderosos a utilizavam para manter seu poder na sociedade. O argumento aqui é: se a felicidade era o bem a que aspirava a justiça, então as pessoas iriam cometer injustiças quando buscassem ser felizes, já que a felicidade para alguns poderia trazer a infelicidade para outros, ou ainda agiriam com injustiça na busca da felicidade. A isto Sócrates opôs que a justiça não estava subordinada à felicidade, de maneira que um homem, para ser feliz, tinha que ser justo. O filósofo, assim, colocava a justiça acima da felicidade como um valor mais elevado que este. Estamos na Grécia Antiga, por volta de 450 a.C. Esse período foi decisivo para o mundo, pois foi quando a Filosofia Ocidental. Período de fecunda luminosidade para o pensamento humano, ele se centra em três grandes homens: Sócrates, Platão e Aristóteles. Estes pensadores lançaram a base do pensamento filosófico ocidental ao ponto de Arthur Lovejoy (1873 – 1962) dizer que a filosofia ocidental inteira não passa de uma coleção de notas de rodapé a Platão e Aristóteles. UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 12 As bases filosóficas da justiça serão firmadas nas discussões e embates entre as noções de justiça “por natureza” e justiça “por convenção”. ESTUDOS FU TUROS FIGURA 3 – AFRESCO DE 1511 DE RAFAEL SANZIO - A ESCOLA DE ATENAS FONTE: <http://warburg.chaa-unicamp.com.br/img/obras/1280px-sanzio_01.jpg>. Acesso em: 5 ago. 2019. Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.) foi um filósofo ateniense e pai fundador da filosofia ocidental, pois estabeleceu aquilo que depois ficou conhecido como método socrático (dialética) e definiu as bases da técnica filosófica e da própria filosofia. Platão (428 a.C. – 347 a.C.) foi discípulo de Sócrates, filósofo e matemático, autor de diversos escritos filosóficos e fundador da primeira instituição de educação superior do mundo ocidental — a Academia em Atenas. Junto a seu mentor, Sócrates, e seu aluno, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental. Já Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), além de filósofo e, por isso mesmo, professor de Alexandre, o Grande, escreveu sobre diversos assuntos, como física, metafísica, música, lógica, retórica, governo, ética, biologia, linguística, e outros. Esses três filósofos são, como já dissemos, os fundadores da filosofia ocidental. TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 13 O termo socrático se refere, sobretudo, ao pensamento desses três filósofos que em conjunto formam uma espécie de escola filosófica. Dela nasce a noção interligada de justiça e felicidade. Por felicidade devemos entender não a alegria como mero sentimento momentâneo, mas uma espécie de estado de espírito que se consegue pela correta ordenação dos fins e meios. É preciso compreender que o conceito de felicidade para os gregos não era o conceito moderno, a saber, a maximização do prazer e a minimização da dor, ou ainda, o aumento da riqueza e a diminuição da pobreza, não tendo nada a ver, portanto, com o conceito utilitarista, liberal ou voluntarista dos tempos de hoje. Para Aristóteles, esta felicidade era chamada de eudaimonia e significava, em termos práticos, a consideração a respeito da melhor ação numa situação particular. A correta ordenação é, em certo sentido, a própria justiça já que por ela entendiam a correta ordem social. Em a República, Platão disserta sobre um Estado ideal nos levando a concluir que só haveria um tal estado se nos fosse possível conseguir uma justiça ideal. Nesse sentido, a justiça é vista como virtude e base da constituição de qualquer sociedade prevalente. Aristóteles, apoiado em muito sobre as teses de Platão, dividi a justiça em partes, considerando-a sob o aspecto do equilíbrio e da penalidade — mas que não convém ao nosso estudo os aprofundarmos. Para Aristóteles esta felicidade era chamada de eudaimonia e significava, em termos práticos, a consideração a respeito da melhor ação numa situação particular. IMPORTANT E A justiça adquire assim um valor ético e filosófico já que vai além de uma mera convenção e passa a ser vista sob a luz da natureza humana. Refazendo o percurso até aqui, vimos que a noção de justiça está ligada à ideia de ordenação da sociedade e esta passa pelas noções de equilíbrio, equidade, imparcialidade. Essa ordenaçãogera a felicidade, que, para Aristóteles, é a causa final do homem. Assim, a ordenação da sociedade passa pela ordenação do próprio homem e a esta ordenação Aristóteles chamou Ética. Quando pensamos na ordenação do próprio homem devemos ter em mente que estamos nos colocando as perguntas “o que é o homem?”, “de onde viemos?” e “para onde vamos?”. Estas três questões implicam em dizer sobre o fim último do homem e quais os meios para atingi-lo. Daí que a palavra ética, do grego éthos, signifique um “modo de ser” pelo qual se atinge o fim último do homem, que os gregos entendiam ser a felicidade. UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 14 Antes, porém, vamos explicar a noção de ordem. De onde ela vem? Por qual razão acredita-se que exista uma ordem correta e outra(s) incorreta(s)? Ou ainda, por qual razão acredita-se que exista uma ordem? Este ponto é fundamental pois nele está alicerçado todo o pensamento filosófico não somente de justiça e ética, mas de tudo o mais. Pensemos, pois, que para tudo que olhamos há uma ordem estabelecida. Seja em sua família, com regras e costumes; seja em seu país, com leis e costumes; seja em uma cultura com valores e hábitos. Para onde quer que olhamos, encontramos alguma ordem estabelecida pelo homem. Acontece que, como falamos anteriormente, não se discute a existência de uma ordem que seja criação humana, pois é evidente, inclusive sua necessidade. No entanto, a questão é se existe uma ordem anterior e superior que deve o homem cumpri-la. Para saber se existe ordem é necessário que entendamos o que ela é. Ordem é, dizia Aristóteles, a relação recíproca entre as partes: relatio partium ad invicem. Esta relação é “a disposição de uma pluralidade de coisas ou objetos de acordo com a anterioridade e a posterioridade em virtude de um princípio”, conforme propôs Brian Coffey (1949 apud MORA, 2004, p. 2163). Ou seja, nesta relação há de haver uma hierarquia entre o inferior e o superior, com subordinação do mais baixo ao mais alto. Essa noção de ordem é das coisas “por natureza” ou “por convenção”? Dito de outra forma, essa noção de ordem é uma criação do homem ou temos como verificar se é possível encontrar ordem no mundo e no universo? Pois bem, se olhamos para a mundo natural encontramos ali uma disposição de pluralidades de coisas que estão relacionadas. Pensemos, por exemplo, numa cadeia alimentar em que uma quantidade muito grande de animais está relacionada, e torna-se evidente uma relação anterior e posterior. Pensemos mais e analisemos, por exemplo, o ciclo da vida de uma planta frutífera, ela cresce e dá frutos; dos frutos vêm as sementes e delas uma nova planta. Nos é evidente que essas funções estão também ordenadas numa sequência hierárquica de maneira que o fim último da planta cumpre sua função. Tomando esses exemplos, perguntamos se existe, enfim, um princípio ordenador neles e que esteja presente no universo. A maneira de analisarmos é perguntarmo-nos o que nessa disposição de mundo natural estaria desordenado, quer dizer, se há algo no mundo natural que não estaria ordenado. Ora, é evidente e amplamente documentado que tudo, absolutamente tudo, no mundo natural possui um propósito. Ou seja, para toda inclinação, toda necessidade, todo desejo existente há um correspondente que lhe satisfaz e cumpre seus propósitos. Assim sendo, no próprio mundo não se encontra nenhum exemplo de frustração para nenhuma inclinação que há na vida. Na natureza não há frustração. Não há, por exemplo, um leão — para usar um dos exemplos anteriores — que só coma zebras de listras vermelhas, já que não existem tais zebras. Assim, o princípio é a noção de finalidade. Tudo o que existe possui um fim que lhe é próprio e para o qual há um correspondente. TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 15 Entendido que existe uma ordem no universo, podemos voltar a discutir então qual seria a correta ordem da alma humana e, consequentemente, da vida em comunidade. Sim, pois uma comunidade seria corretamente ordenada na medida em que seus pares fossem corretamente ordenados, seja em suas almas, seja em suas relações sociais. Podemos dizer que Sócrates foi quem primeiro enfatizou a questão da ética, centrando-a em toda reflexão filosófica. Platão a subordinou à metafísica e foi Aristóteles quem a definiu como disciplina filosófica e estabeleceu os principais problemas da ética. Segundo Mora (2004, p. 931): De fato, essa história começou de modo formal apenas com Aristóteles [...]. Entretanto, antes de Aristóteles já se encontram precedentes para a constituição da ética como disciplina filosófica. Entre os pré-socráticos, por exemplo, podem ser encontradas reflexões de caráter ético que já não estão ligadas à aceitação de certas normas sociais vigentes – ou ao protesto contra essas normas -, mas que procuram descobrir as razões pelas quais os homens têm de se comportar de certa maneira. Aristóteles foi o fundador da ética como ciência. Todo o problema da ética, para Aristóteles, começa por responder à nossa primeira pergunta: o que é o homem? Sendo o homem uma unidade composta de alma e corpo, o filósofo nos ensina que a alma é superior ao corpo na medida em que o é ontologicamente, isto é, anterior e superior. Anterior pois é imortal; superior pois é ela que anima o corpo. Em outras palavras mais pobres, podemos entender que o corpo humano é feito das mesmas coisas que os animais (células, tecidos, ossos etc.), enquanto aquilo que nos diferencia do resto da Criação é nossa alma, mais precisamente uma parte dela, como veremos. Nesse sentido, precisamos, portanto, entender as potências da alma. A alma possui um conjunto de potências em relação a si própria, segundo suas próprias características, e outro conjunto de potências em relação ao corpo. O primeiro trata das características intrínsecas da alma, e que não convém tratarmos deste conjunto de potências neste Livro Didático. Já o segundo conjunto, das potências da alma em relação ao corpo, é no que precisamos nos aprofundar. Potência e ato são conceitos formulados primeiramente por Aristóteles. Esses dois conceitos estão inerentemente ligados. Ato e potência são conceitos para explicar o movimento, ou mudança. De acordo com Mora (2005, p. 217) “A mudança pode ser então definida do seguinte modo: trata-se de levar a cabo o que existe potencialmente enquanto existe potencialmente. Nesse ‘levar a cabo’ o ser passa da potência de ser algo ao ato de sê-lo; a mudança é passagem da potência à atualidade [ato]”. Ainda segundo Mora (2005, p. 2336) “são várias as significações de ‘potência’. Sobretudo, há duas. Segunda uma, potência é o poder que tem uma coisa de produzir uma mudança em outra coisa. Segundo outra, a potência é potencialidade residente numa coisa de passar a outro estado”. NOTA UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 16 As potências da alma em relação ao corpo são aquelas que se identificam à atividade do ser humano e dos aspectos da sua vida. Assim, podemos dizer que a alma possui três potências, a saber: vegetativa, sensitiva e intelectiva. A potência vegetativa é aquela que nos aproxima do reino vegetal. Ou seja, são as potências da alma em relação ao corpo que dizem respeito às nossas necessidades básicas e biológicas e correspondem à necessidade de sobrevivência corporal. Correspondem propriamente a atividade da nutrição e crescimento do corpo. A potência sensitiva diz respeito às atividades que correspondem aos elementos sensíveis do corpo humano, e, nesse sentido, ela nos aproxima do reino animal. Essa correspondência passa pela cognição desses elementos, não pelo aspecto intelectual ainda, mas perceptível. Ela corresponde aos fundamentos observados com os quais a consciência humana irá trabalhar. E isso nos leva à terceira potência, a intelectiva. É interessante notar que essas três potências estão ordenadas de maneira hierarquizada, de modo que, a potência vegetativa se atualiza (ver Uni Nota sobre ato e potência) nas potências sensitivas; eestas atualizam-se nas potências intelectivas. Dito de outra forma, as potências intelectivas abarcam as sensitivas, que, por sua vez, abarcam as vegetativas. As duas partes da alma, as potências vegetativas e sensitivas, são, para Aristóteles, irracionais. E a parte racional, chamada intelectiva, é aquela que corresponde propriamente àquilo que nos diferencia dos demais seres. A potência intelectiva é aquela que em nós é própria da nossa espécie e nos capacita a viver como seres humanos. Suas atividades são, por exemplo, a compreensão e razão. À pergunta “o que é o homem?”, respondemos: um ser racional ou, para melhor compreensão do que dissemos até aqui, é um ser com intelecto — é aquele que intelige. Assim, palavras como conhecimento e inteligência surgem para designar aquilo que nos diferencia dos demais seres. Significado de inteligir: verbo transitivo direto e intransitivo. Compreender alguma coisa usando a inteligência; depreender o sentido de; compreender, perceber, entender: inteligir a razão de uma hipótese; conteúdo difícil de inteligir. Etimologia (origem da palavra inteligir). Do latim intelligere, entender, perceber, compreender. FONTE: <https://www.dicio.com.br/inteligir/>. Acesso em: 26 jul. 2019. NOTA TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 17 É preciso continuar de onde paramos, e compreender melhor a parte intelectiva da alma humana, também chamada de intelecto. Possui três modalidades (ou partes) possíveis, e hierarquizados. São três maneiras pela qual o intelecto humano é capaz de operar, a saber, produzindo, agindo e conhecendo. Quando o intelecto se destina a fabricar ou criar alguma coisa, damos a esta capacidade o nome de produtiva. O intelecto, aqui, se vale de uma determinada técnica voltada para produzir ou criar algo. O intelecto produtivo se vale de uma técnica, um método, para a fabricação de algo em que lançará mão de instrumentos adequados para este fim. Por exemplo, quando um arquiteto constrói um prédio, ele está usando uma determinada técnica, método, para este fim, usando instrumentos e ferramentas que o possibilitam executar a obra. É preciso notar aqui que o intelecto concebe os instrumentos e métodos em relação ao fim desejado, sendo o bem produzido, dessa ação, extrínseco (externo) à atividade intelectual que o produziu. Usando o exemplo do arquiteto, o prédio, depois de pronto, é externo e independente ao ato inicial do intelecto produtivo que o originou. A palavra técnica vem do grego téchne, que se traduz por “arte” ou “ciência”. Uma técnica é um procedimento que tem como objetivo a obtenção de um determinado resultado, seja na ciência, na tecnologia, na arte ou em qualquer outra área. Por outras palavras, uma técnica é um conjunto de regras, normas ou protocolos que se utiliza como meio para chegar a uma certa meta. A técnica supõe que, em situações semelhantes, uma mesma conduta ou um mesmo procedimento produzirão o mesmo efeito. Como tal, trata- se do ordenamento de uma forma de atuar ou de um conjunto de ações. FONTE: <https://conceito.de/tecnica>. Acesso em: 26 jul. 2019. NOTA Outra modalidade do intelecto é sua capacidade de identificar qual o fim determinado para uma ação particular, considerando ainda o modo correto para atingir este determinado fim. Essa modalidade é chamada de intelecto prático, ou razão prática, e visa um bem intrínseco ao ato, e, portanto, interno e dependente do ato intelectual que o originou. Assim, o intelecto prático visa condicionar a ação do seu agente em função de determinado bem ou fim. Por exemplo, quando o aluno se pergunta o que deve fazer para ser um bom aluno, está fazendo uso do seu intelecto prático já que sua atenção está voltada para uma ação (agente) em vista de um bem ou fim (ser um bom aluno). UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 18 A terceira modalidade, ou parte, é o intelecto teórico, e se destina a uma atividade distinta das outras duas anteriores, qual seja, a de conhecer a verdade. E a verdade aqui, também é entendida como um bem, tal qual as outras duas modalidades também aspiravam a um bem determinado. Esta parte do intelecto é chamada também de contemplativa e visa o conhecimento de coisas verdadeiras, o conhecimento da verdade e de verdades imutáveis. Dirige-se, sobremaneira, ao conhecimento das coisas que são invariáveis ou não contingentes ou não acidentais, e, portanto, também de seus princípios que são necessários e não contingentes. O próprio desta atividade é o mundo da ciência e da filosofia. Um exemplo simples e altamente útil é a expressão matemática “dois mais dois é igual a quatro” (2+2 = 4). Este conhecimento matemático é universal, imutável, invariável, não contingente, nem acidental. O tipo de conclusão que se tem com a expressão matemática, a saber, “é NECESSARIMENTE E SEMPRE quatro” é o tipo de bem para o qual o intelecto teórico está destinado ou dirigido. Sendo a contemplação a atividade própria do intelecto teórico, a vida prática é a atividade própria do intelecto prático. Este ponto é fundamental entender, que o intelecto teórico se dirige ao tipo de conhecimento imutável e invariável, e, portanto, aos princípios que são absolutos e invariáveis, enquanto que o intelecto prático se dirige ao tipo de conhecimento mutável e variável, e, logo, aos princípios que são relativos e variáveis. O conhecimento das coisas que são variáveis é o conhecimento daquilo que é contingente e particular em relação à universalidade (absoluto). É imprescindível que se entenda a verdadeira capacidade humana de conhecer as coisas. Do contrário, todos os valores tornam-se subjetivos e noções como justiça e ética deixarão de fazer qualquer sentido. TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 19 O poder de conhecer Olavo de Carvalho “Experimentai de tudo, e ficai com o que é bom”, aconselha o apóstolo. Experiência, tentativa e erro, constante reflexão e revisão do itinerário — tais são os únicos meios pelos quais um homem pode, com a graça de Deus, adquirir conhecimento. Isso não se faz do dia para a noite. Veritas filia temporis, dizia Sto. Tomás: a verdade é filha do tempo. Não me venham com fulgurações místicas e intuições súbitas. Que las hay, las hay, mas mesmo elas requerem preparação, esforço, humildade, tempo. Até Cristo, no cume da agonia, lançou ao ar uma pergunta sem resposta. Por que nós, que só somos filhos de Deus por delegação, teríamos o direito congênito a respostas imediatas? O aprendizado é impossível sem o direito de errar e sem uma longa tolerância com o estado de dúvida. Mais ainda: não é possível o sujeito orientar-se no meio de uma controvérsia sem conceder a ambos os lados uma credibilidade inicial sem reservas, sem medo, sem a mínima prevenção interior, por mais oculta que seja. Só assim a verdade acabará aparecendo por si mesma. O verdadeiro homem de ciência aposta sempre em todos os cavalos, e aplaude incondicionalmente o vencedor, qualquer que seja. A isenção não é desinteresse, distanciamento frio: é paixão pela verdade desconhecida, é amor à ideia mesma da verdade, sem pressupor qual seja o conteúdo dela em cada caso particular. Não há nada mais estúpido do que a convicção geral da nossa classe letrada de que não existe imparcialidade, de que todas as ideias são preconcebidas, de que tudo no mundo é subjetivismo e ideologia. Aqueles que proclamam essas coisas provam apenas sua total inexperiência da investigação, científica ou filosófica. Não dando valor a sua própria inteligência — porque jamais a testaram — apressam-se em prostituí-la à primeira crença que os impressione, e daí deduzem, com demencial soberba, que todo mundo faz o mesmo. Não sabem que uma aposta total no poder do conhecimento bloqueia, por antecipação, todas as apostas parciais em verdades preconcebidas. Se o que está em jogo para mim, no momento da investigação, não é a tese “x” ou “y”, mas o valor da minha própria capacidade cognitiva, pouco se me dá que vença “x” ou vença “y”: só o que importa é que eu mesmo,enquanto portador do espírito, saia vencedor. Nenhuma crença prévia, por mais sublime que seja o seu conteúdo, vale esse momento em que a inteligência se reconhece no inteligível. Quem não viveu isso não sabe como a felicidade humana é mais intensa, mais luminosa e mais duradoura que todas as alegrias animais. Infelizmente, a classe intelectual está repleta de indivíduos que não conhecem, da inteligência, senão o seu aparato de meios — a lógica, a memória, os sentimentos, cada qual prezando mais um ou outro desses instrumentos, conforme suas inclinações pessoais — mas não têm a menor ideia do que seja a inteligência enquanto tal, a inteligência enquanto poder de conhecer o real. É UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 20 impressionante como o poder mesmo que define a atividade dessas pessoas — o intelecto — pode ser desprezado, ignorado, reprimido, e, por fim, totalmente esquecido na prática diária de seus afazeres nominalmente intelectuais. O culto da razão ou dos sentimentos, das sensações ou do instinto, da fé cega ou do “pensamento crítico”, não é senão o resíduo supersticioso que sobra no fundo da alma obscurecida quando se perde o sentido da unidade da inteligência por trás de todas essas operações parciais. A inteligência, com efeito, não é uma função, uma faculdade em particular: é a expressão da pessoa inteira enquanto sujeito do ato de conhecer. A inteligência não é um instrumento, um aspecto, um órgão do ser humano: ela é o ser humano mesmo, considerado no pleno exercício daquilo que nele há de mais essencialmente humano. Perguntaram-me uma vez, num debate, como eu definia a honestidade intelectual. Sem pestanejar, respondi: é você não fingir que sabe aquilo que não sabe, nem que não sabe aquilo que sabe perfeitamente bem. Se sei, sei que sei. Se não sei, sei que não sei. Isto é tudo. Saber que sabe é saber; saber que não sabe é também saber. A inteligência não é, no fundo, senão o comprometimento da pessoa inteira no exercício do conhecer, mediante uma livre decisão da responsabilidade moral. Daí que ela seja também a base da integridade pessoal, quer no sentido ético, quer no sentido psicológico. Todas as neuroses, todas as psicoses, todas as mutilações da psique humana se resumem, no fundo, a uma recusa de saber. São uma revolta contra a inteligência. Revoltas contra a inteligência — psicoses, portanto, a sua maneira — são também as ideologias e filosofias que negam ou limitam artificiosamente o poder do conhecimento humano, subordinando-o à autoridade, ao condicionamento social, ao beneplácito do consenso acadêmico, aos fins políticos de um partido, ou, pior ainda, subjugando a inteligência enquanto tal a uma de suas operações ou aspectos, seja a razão, seja o sentimento, seja o interesse prático ou qualquer outra coisa. É claro que, para cada domínio especial do conhecimento e da vida, uma faculdade em particular se destaca, ainda que sem se desligar das outras: o raciocínio lógico nas ciências, a imaginação na arte, o sentimento e a memória no conhecimento de si, a fé e a vontade na busca de Deus. Mas, sem a inteligência, que é cada uma dessas funções, ou a justaposição mecânica de todas elas, senão uma forma requintada de fetichismo? Que é uma imaginação que não intelige o que concebe, um sentimento que não se enxerga a si mesmo, uma razão que raciocina sem compreender, uma fé que aposta às cegas, sem a visão clara dos motivos de crer? São cacos de humanidade, jogados num porão escuro onde cegos tateiam em busca de vestígios de si mesmos. Toda “cultura” que se construa em cima disso não será jamais senão um monumento à miséria humana, um macabro sacrifício diante dos ídolos. Só o inteligir, assumido como estatuto ontológico e dever máximo da pessoa humana, pode fundamentar a cultura e a vida social. Por isso não há perdão para aqueles que, vivendo das profissões da inteligência, a rebaixam e TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 21 a humilham. Cada vez que um desses indivíduos grita, seja na língua que for, seja sob o pretexto que for, Abajo la inteligencia!, é sempre o coro dos demônios que ecoa, do fundo do abismo: Viva la muerte! FONTE: CARVALHO, O. de. O poder de conhecer. 2001. Disponível em: http:// olavodecarvalho.org/o-poder-de-conhecer/. Acesso em: 26 jan. 2019. Enfim, chegamos ao ponto importante do que vem a ser a ética. Antes, vamos refazer nosso itinerário até aqui para não nos perder. Vimos que a noção de justiça nasce ligada à noção de ordem, e como um bem é a correta ordem das coisas em sociedade. A noção de ordem vem da constatação de que tudo no universo está ordenado, ou seja, para toda e qualquer inclinação há um fim que lhe é próprio. Visto a noção de ordem, entendemos que a correta ordenação da sociedade passava pela correta ordenação do homem, que, por conseguinte, necessitou responder sobre o que é o homem. Vimos que o homem possui alma e corpo. Uma parte da alma nos diferencia do restante da criação, a inteligência, e que nos diferencia — ou seja, responder “o que é homem?” —, também responde à questão sobre o propósito da existência humana. Se o fim último do homem é a felicidade, como nos diz o intelecto teórico do homem, o intelecto prático — como vimos antes — nos dirá por qual modo de ser conseguiremos ser feliz. Assim, a justiça que começa como a correta ordenação para atingir a felicidade, passa pelo entendimento do que é o homem para compreender qual fim lhe é próprio e, portanto, seu modo de ser ordenado. Vamos ilustrar nosso itinerário assim: FIGURA 4 – O HOMEM SEGUNDO SÃO TOMAZ DE AQUINO FONTE: O autor UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 22 Agora podemos seguir adiante e compreender melhor que ética é o correto modo de ser do homem em vista de algum fim. Podemos, por enquanto, afirmar que a ética visa o correto uso do intelecto prático. Ou seja, já deu para perceber que tudo que foi dito até aqui, não se destinou dar explicação à noção de “correto”. Pois é precisamente essa noção que precisamos entender agora: se o intelecto prático visa a ação, essa ação visa um bem, e, se esse bem lhe é interno e, o fim do intelecto prático como um bem depende de um meio para realizá-lo. Dito de outra forma, se o intelecto prático é a potência da alma que capta o bem de uma ação particular, a questão é, qual os meios corretos para atingir esse bem? Os meios pelos quais agimos podem ser chamados de hábitos, costumes, tendências comportamentais. Porém, é inevitável admitirmos que para uma situação corresponde um modo de agir que é melhor ou mais adequado. Assim, podemos dizer também que existe um hábito ou modo de agir que é por excelência o mais indicado para o homem. A esse hábito ou modo de agir chamaremos, como Aristóteles, de virtude. Só que, as virtudes não são um modo de agir para uma situação em particular, uma determinada atividade, mas para toda e qualquer atividade humana. Virtude é a excelência nos costumes e hábitos. Podemos notar então que virtude é, por assim dizer, uma vontade predisposta para agir com excelência em toda em qualquer atividade humana. É um modo de ser diante das circunstâncias. Se constatamos com claridade que o homem se inclina mais para as coisas contrárias à virtude não é, senão por um esforço da vontade que se combate estas inclinações. Então, a virtude deve ser cultivada como um hábito. Aristóteles (1992, p. 1109a) diz que “as coisas para as quais nos inclinamos mais naturalmente parecem mais contrárias ao meio-termo. Por exemplo, tendemos mais naturalmente para os prazeres, e, por isso, somos levados mais facilmente para a concupiscência do que para a moderação”. Daí que o termo ‘ética’ foi com muita frequência definido como ciência ou doutrina dos costumes. Só que não são meros costumes, e sim virtudes (MORA, 2004). Podemos antever, na citação anterior de Aristóteles, a noção de meio- termo que vem a ser a medida da virtude. Recorramos mais uma vez ao próprio (ARISTÓTELES, 1992, p. 1106): A virtude se relaciona com as emoçõese as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio-termo é louvado como um acerto, ser louvado e estar certo são características da excelência. A virtude, portanto, é algo como a equidistância, pois, seu alvo é o meio-termo. Este ‘meio-termo’ está situado entre dois vícios, a saber, a falta e o excesso. Tomemos por exemplo a virtude da coragem e vamos verificar que ela é o meio- termo entre a falta de coragem (covardia), e o excesso de coragem (temeridade). Lembre-se, acadêmico, que essa noção de virtude como o meio-termo vem da TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 23 mesma noção de justa medida ou correta ordenação que vimos no início desta unidade. Não é senão, fundamental que o aluno vá como que costurando as noções aqui apresentadas de maneira a perceber o que estamos dizendo. Se a virtude é, por assim dizer, um hábito que conduz a agir do nosso intelecto, precisamos distinguir a virtude em função das operações intelectivas. Dessa maneira, e do ponto de vista da virtude, existem duas classes de virtude, conforme Mora: As virtudes éticas são para Aristóteles as que se desenvolvem na prática e se encaminham para a consecução de um fim, enquanto as [virtudes] dianoéticas são as virtudes propriamente intelectuais. Às primeiras pertencem as virtudes que servem para a realização da ordem da vida do Estado – a justiça, a amizade, o valor etc. – e têm sua origem direta nos costumes e no hábito, razão pela qual podem ser chamadas de virtudes de hábito ou tendência. Às segundas, por outro lado, pertencem as virtudes fundamentais, as que são como que os princípios das éticas, as virtudes da inteligência ou razão: sabedoria e prudência (MORA, 2004, p. 931). Vale aqui ver o que o próprio Aristóteles nos diz ainda sobre estas classes de virtudes: [...] A virtude dianoética deve sua origem e desenvolvimento à instrução, razão pela qual requer experiência e tempo, enquanto a virtude ética procede do hábito; o nome ethiké é formado por uma leve variação introduzida na palavra éthos [hábito]. Resulta daí que nenhuma das virtudes morais se origina em nós por natureza, pois nada do que existe por natureza pode formar um hábito contrário à sua natureza (ARISTÓTELES, 1992, p. 1103a). A virtude dianoética é própria do intelecto, enquanto que a virtude ética é própria do caráter humano. Aquela está ligada à força da inteligência, enquanto, esta, à força da vontade. Acontece que, as virtudes do caráter, ou éticas, que são hábitos bons, não podem existir, em última análise, se não estiverem ancoradas nas virtudes dianoéticas ou do intelecto. Daí que se a virtude ética não se origina em nós por natureza, mas por hábito, não é por que também a virtude dianoética se origina em nós por nossa própria natureza. E como aquela está subordinada a esta, fica evidente que o hábito deve ser orientado pela razão. Ficará mais fácil de entender se compreendermos que as virtudes dianoéticas são divididas em duas virtudes, a saber, a virtude do intelecto teórico e a virtude do intelecto prático, que são respectivamente, a sabedoria e a prudência. A prudência é a virtude própria do intelecto prático enquanto a sabedoria é própria do intelecto contemplativo. UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 24 Então, quando se dirige o intelecto para o conhecimento das coisas invariáveis é importante que o faça com essa excelência intelectual chamada sabedoria. E quando se dirige para o conhecimento das coisas variáveis deve-se utilizar a virtude da prudência. ATENCAO Como vimos, o intelecto prático capta o bem próprio para uma ação em particular, e a prudência conduz essa operação do intelecto ao dispor uma variedade de meios para que o agente escolha e aja de acordo com aquele determinado meio específico. Ou seja, a prudência dirá qual o melhor meio ou caminho para agir de acordo com o bem desejado. Para usar nosso exemplo anterior, o aluno que quer ser bom aluno, usará a prudência para — analisando uma situação concreta e particular — decidir qual o melhor caminho para conseguir este bem (ser bom aluno). É preciso estar atento e notar que para cada virtude existente, há uma ação concreta humana que lhe é própria. Assim, toda atividade humana possui uma virtude que representa sua excelência. Para melhor esclarecer vamos mostrar um quadro resumido com as virtudes de Aristóteles: QUADRO 1 – AS VIRTUDES DE ARISTÓTELES Vício por falta Virtude Vício por excesso Covardia Coragem Temeridade Insensibilidade Temperança Libertinagem Avareza Prodigalidade Esbanjamento Vileza Magnificência Vulgaridade Modéstia Respeito próprio Vaidade Moleza Prudência Ambição Indiferença Gentileza Irascibilidade Descrédito próprio Veracidade Orgulho Rusticidade Agudeza de espírito Zombaria Enfado Amizade Condescendência Malevolência Justa indignação Inveja FONTE: Chauí (2000, p. 448) Respondido, portanto, a primeira questão sobre o que é o homem, devemos passar a responder as outras duas, qual seja, aquelas que nos perguntam de onde o homem veio e para onde ele vai. É necessário compreender que estas duas perguntas podem ser condensadas em outra pergunta: “Qual fim último do homem”? Ou melhor ainda: “Qual é o bem próprio do homem”? “Qual é o bem humano verdadeiro”? TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 25 Eudaimonia é uma palavra de origem grega formada a partir dos vocábulos Eu (o bem ou aquilo que é bom) e Daemon (deus, ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores). Na cultura grega, o Daemon seria a entidade capaz de guiar o caminho das pessoas. Traduções equivocadas relacionam Daemon a demônio, mas esse sentido não se sustenta. O Daemon era a entidade que traria a luz e a sabedoria divina à humanidade, por ser a ponte entre os deuses e os seres humanos. Em uma tradução livre, podemos dizer que eudaimonia é a “ética da felicidade” ou o “voltar-se para a felicidade”, pois é uma espécie de doutrina que coloca como finalidade última a sabedoria prática necessária para que o agir humano alcance o bem supremo. FONTE: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/filosofia/eudaimonia.htm>. Acesso em: 11 out. 2019. NOTA Para avançarmos, perguntamos: e qual é a melhor forma de agir numa dada circunstância? Se o acadêmico nos acompanhou até aqui com atenção, não poderia responder de outra forma que não dizendo que é aquela que desempenha em sua atividade as virtudes práticas daquela atividade para qual se destina o agente. É agir deliberando sobre os meios disponíveis e escolher o melhor bem que seja mais adequado a atividade específica. Antes de passarmos adiante, vamos rever algumas conclusões às quais chegamos até aqui: • A noção de justiça está ligada à noção de ordem. • A noção de ordem está ligada à noção de inteligência e cosmos. • O homem possui corpo e alma. • A alma possui potências e é aquilo que em nós nos diferencia dos outros seres. • A virtude é a excelência na atividade humana. • A eudaimonia é a atividade da alma racional conforme a virtude daquela atividade específica e que, por agir assim, traz felicidade. Qual é o bem próprio do ser humano e qual a função que ele desempenha na vida humana? Toda arte e toda atividade tendem a um bem — o fim da arte naval é o navio; o fim da atividade pai é ser um bom pai. Como já vimos, arte é técnica e produção, e seu bem é um bem externo. O bem da atividade é um bem intrínseco e interno à atividade. Portanto, qual a melhor forma de agir? Qual é o bem humano, e, logo, a excelência humana, por definição? A resposta de Aristóteles é ‘eudaimonia’. Já mencionamos esta palavra, lembrando-nos que sua tradução é felicidade, ela significa a melhor maneira de agir numa situação particular. UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA 26 Concluímos esse tópico fazendo um grande avanço teórico a respeito da noção de justiça. Se, como dissemos anteriormente, as bases filosóficas da justiça estão numa disputa entre as noções de justiça “por natureza” ou “por convenção”, deve o aluno considerarque o itinerário feito até aqui foi para colocar as coisas nesses termos. Ou seja, vimos qual era a natureza do homem para os gregos e compreendemos que a noção de justiça dos gregos tem como fundamento o cosmos, chamado de Noûs e que para Anaxágoras era a divina razão que dá e mantém a ordem do mundo. Recorramos a Mora (2004, p. 2117): Noûs é usado em grego em vários sentidos: 1) como faculdade de pensar, inteligência, espírito, memória e, às vezes, (como na Odisseia, VI, 320), sabedoria; 2) como pensamento objetivo, a inteligência objetiva; 3) como uma entidade (penetrada pela inteligência) que rege todos os processos do universo. Da constatação da origem da ordem e da natureza humana, segue-se inapelavelmente que existe um modo de agir ao homem que lhe é preferível, já que cumpre as finalidades segundo as suas inclinações mesmas. A este modo de agir, Aristóteles chamou ética, e a elevou à disciplina filosófica. A justiça que surgira como noção de uma ordem social que, por assim dizer, espelhava uma ordem cósmica, só era possível de ser atingida na medida em que os agentes desta comunidade política cumprissem, em si mesmos, a mesma ordem cósmica que lhes abrangia e ultrapassava. Era preciso que o homem ordenasse antes a si mesmo para que pudéssemos ter uma sociedade, por conseguinte, ordenada e justa. E, por fim, feliz. Assim, a noção de justiça se conecta à noção de virtude, já que por virtude, entendemos o correto modo de agir — ou seja, um modo de agir que possui uma ordenação. Mais do que isso, a justiça para os gregos, em especial para Aristóteles, é ela mesma uma espécie de virtude especial já que ela acompanha (como que fundamenta) todas as demais virtudes. Só será possível o homem ser virtuoso se antes ele for justo. Disso resulta, por fim, a questão com a qual iniciamos esse estudo, a saber, qual a melhor comunidade política (sociedade) para se viver? Dito de outra forma, o que é preciso fazer para se ter uma sociedade boa para se viver, portanto, que seja justa e feliz? Podemos então responder de forma resumida que “a melhor sociedade é aquela na qual seus cidadãos, os agentes, agirão, de forma excelente (virtuosa) de acordo com a parte racional de suas almas, nas circunstâncias concretas em conformidade com as virtudes próprias daquelas atividades”. Assim, terminamos este tópico concluindo em definitivo que a justiça para os gregos era uma virtude humana. Mas não sem antes apresentarmos um esquema sobre a ética em Aristóteles. TÓPICO 2 | A JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE 27 FIGURA 5 – ÉTICA EM ARISTÓTELES FONTE: O autor • Hábito do caráter racional • Está no 'meio-termo' • Busca a excelência • Existem dois tipos: ◦Virtudes Éticas ◦Virtudes Noéticas 28 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Para os gregos a justiça é uma virtude. • O fim último do homem, para os gregos, é a felicidade. • A virtude busca a excelência. • A noção de ordem está imbricada numa constatação do universo. 29 1 O aluno deve tomar um tema que esteja em debate público atualmente, por exemplo, o aborto. Deve identificar alguns agentes nesse debate e considerar se suas posições são justas ou injustas a partir do argumento de Sócrates de que a justiça é desinteressada, ou seja, não se pauta pelos interesses pessoais. 2 “Sendo a contemplação a atividade própria do intelecto teórico, a vida prática é a atividade própria do intelecto prático. Este ponto é fundamental entender, que o intelecto teórico se dirige ao tipo de conhecimento imutável e invariável, e, portanto, aos princípios que são absolutos e invariáveis, enquanto que o intelecto prático se dirige ao tipo de conhecimento que é mutável e variável e, portanto, aos princípios que são relativos e variáveis”. Tomando a frase anterior, relacione as duas colunas: AUTOATIVIDADE a) Intelecto Teórico b) Intelecto Prático ( ) Teorema de Pitágoras com a fórmula a² = b² + c². ( ) O homem é uma espécie animal do gênero Homo. ( ) Ser um bom pai é estar presente. ( ) A riqueza não traz felicidade. ( ) Há uma ordem no cosmos. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) a, a, b, a, a. b) ( ) b, a, a, b, a. c) ( ) b, b, b, a, b. d) ( ) a, a, b, b, a. 3 Considerando a frase “A ordem de uma sociedade é espelho da ordem da alma” e o conteúdo visto até aqui, podemos dizer que para termos uma ordem social justa, é necessário que: a) ( ) A ética ordene a alma humana através das ações virtuosas. b) ( ) As virtudes sejam ordenadas por convenção, já que não é possível estabelecer a natureza humana. c) ( ) Percebendo uma ordem na natureza do mundo, a ordem social dirija a ordem da alma humana. A esta ordem da natureza damos o nome de ética. d) ( ) Se estabeleça a eudaimonia como virtude da sociedade inteira e não de um único indivíduo. 30 31 TÓPICO 3 A JUSTIÇA NA IDADE MÉDIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 JUSTIÇA E ORDEM DIVINA Tal qual os gregos perceberam que a própria noção de justiça estava imbricada numa noção de hierarquia de valores, os medievais, levados pela tradição e pela revelação, corrigiram a noção grega de justiça subordinando-a ao amor, valor mais elevado que a própria justiça. Amor, este, ensinado por Cristo na cruz. Enquanto nas noções gregas a justiça era elemento fundamental da organização social e estavam ligadas às noções de ordem social e ordem da alma, nas noções cristãs medievais o elemento fundamental da organização social e da alma passa a ser o amor — e a misericórdia. Disso não implica que a justiça tenha deixado de ocupar espaço na organização social, nem que a justiça tenha deixado de ser uma virtude. Em se tratado de justiça e virtude, as noções gregas, principalmente de Aristóteles, são muito próximas das noções medievais, notadamente, às de São Tomás de Aquino. Estamos utilizando a expressão ‘medieval’ mais como uma posição histórica do que uma posição ultrapassada. Com efeito, se é verdade que a ética grega foi em muito ultrapassada quando absorvida e plasmada pelos cristãos medievais, já não é verdade que a ética cristã do medievo foi ultrapassada pela ética moderna (que veremos mais adiante). Na passagem da idade clássica para a medieval, neste aspecto da ética, houve uma espécie de junção das ideias, coisa que na passagem da medieval para a moderna foi diversa, havendo uma ruptura. Isso torna-se ainda mais visível se considerar, para fins de demonstração do que queremos afirmar, que não há uma instituição grega com a influência igual à da Igreja Católica nos dias de hoje. São Tomás de Aquino foi o grande mestre da cristandade. O é até os dias de hoje. O Santo, ao se deparar com as questões éticas levantadas no período clássico (gregos e romanos), faz suas considerações e molda, por assim dizer, o pensamento ocidental do que vem a ser a justiça. 32 UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA Vamos abordar algumas considerações deste autor, introduzindo, para tanto, algumas noções clássicas — que não foram vistas até aqui — que, por Aquino, foram objetos de meditação, e outras noções novas. Com isso o aluno tomará bastante cuidado na leitura para não se perder cronologicamente a respeito das noções e, ao mesmo tempo, deverá costurar as noções clássicas deste tópico com as anteriores. Foi assim necessário para que o assunto, denso pela sua própria natureza, não se estendesse além dos limites exigidos para este Livro Didático. O aluno deve recordar quando indicamos que havia a discussão sobre as coisas que são “por natureza” e aquelas que são “por convenção”. Grosso modo, essa distinção aplica-se às coisas referentes à natureza e àquelas que são humanas. Pois bem, a noção de lei natural clássica, sobretudo com Cícero — filósofo estoico romano do período clássico pós-aristotélico —, quem lhe dedicou mais atenção, diz respeito à lei natural com fundamento no cosmos. Ou seja, essa noção nos diz que existe uma lei cósmica ou divina, que é natural, e que os homens deveriam espelhar-se nessa lei para ordenarem suas própriasrelações. Com Aquino, essa lei ganha uma forma final, e nos diz sobre a existência de uma lei que rege eticamente os homens. Ela é um reflexo da Lei Eterna que é captada pela sindérese, e, juntamente à ciência moral, a desenvolve e a aplica. Disso resulta que nossa vida moral tem uma base objetiva na própria natureza. Só que por natureza, Aquino se referia não ao mesmo cosmos do período clássico, mas ao Deus de Abraão, Moisés e, ao próprio, Jesus Cristo. Por isso que o Santo utiliza a expressão lei eterna e lei natural, e identifique a lei natural como participação da lei eterna no homem racional: Sendo a lei regra e medida, pode, como já se disse antes, existir de duas maneiras: tal como se encontra no princípio regulador e medidor, e tal como está no regulado e medido. Agora bem. Que algo se ache medido e regulado se deve ao que participe da medida e regra. Portanto, como todas as coisas que se encontram submetidas à divina providência estão reguladas e medidas pela lei eterna, segundo consta pelo que foi dito, é manifesto que participam em certo modo da lei eterna, a saber, na medida em que, sob a penumbra dessa lei, se vejam impulsionados a seus atos e fins próprios. Por outra parte, a criatura racional se encontra submetida à divina providência de uma maneira muito superior às demais, porque participa da providência como tal, e é providente para si mesma e para as demais coisas. Pelo mesmo argumento, há também nela uma participação da razão eterna na virtude da qual se encontra naturalmente inclinada aos atos e fins devidos. E esta participação da lei eterna na criatura racional é o que se chama lei natural (AQUINO, 2016, p. 710). Se sindérese é a capacidade de captar a lei eterna, ela não é o mesmo que lei natural, como o aluno possa imaginar. É preciso esclarecermos, portanto, que a sindérese (SOTO, 1926, p. 81) “é um hábito, uma virtude da mente que nos inclina a assentir os princípios práticos [...] A sindéreses é um hábito que contém em si a lei natural, posto que com sua virtude julgamos — os atos humanos em geral — a partir desses princípios”. Esclareçamos um pouco mais: TÓPICO 3 | A JUSTIÇA NA IDADE MÉDIA 33 Sindérese, ou mais corretamente sinérese, é um termo usado pelos teólogos escolásticos para significar o conhecimento habitual dos princípios práticos universais da ação moral. O processo de raciocínio no campo da ciência especulativa pressupõe certos axiomas fundamentais sobre os quais repousa toda a ciência. Tal é o princípio da contradição, "uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo", e verdades autoevidentes como "o todo é maior que a sua parte". Esses são os primeiros princípios do intelecto especulativo. No campo da conduta moral, existem princípios de ação semelhantes, como: "o mal deve ser evitado, o bem deve ser feito"; "Não faça aos outros o que você não gostaria de fazer a si mesmo"; "Os pais devem ser honrados"; "Devemos viver de forma temperada e agir com justiça". Tais como estas são verdades autoevidentes no campo da conduta moral que qualquer pessoa sã admite se ele as entende. De acordo com os escolásticos, a prontidão com que tais verdades morais são apreendidas pelo intelecto prático é devida ao hábito natural impresso na faculdade cognitiva que eles chamam de sindérese. Enquanto a consciência é um ditame da razão prática que decide que qualquer ação particular é certa ou errada, a sindérese é um ditame da mesma razão prática que tem como objeto os primeiros princípios gerais da ação moral (tradução nossa). FONTE: <http://www.newadvent.org/cathen/14384a.htm>. Acesso em: 8 ago. 2019. IMPORTANTE A diferenciação entre a lei natural e a sindérese é importante, pois que se torna fundamental distinguir os atos e hábitos do intelecto prático. Portanto, para os escolásticos, a lei natural é uma autoridade superior que a inteligência estabelece, por exemplo, a proibição de assassinar. Diferentemente, os hábitos intelectuais não são juízos ou proposições que fazemos, mas uma certa qualidade e virtude de fazer estes mesmos juízos ou proposições. No entanto, a lei natural não é por sua natureza um hábito, embora esteja no homem de maneira habitual. Essa lei é uma espécie de autoridade superior em forma de preceito. É o ato do intelecto prático que ordena ao bem. Assim, o hábito é a qualidade de elaborar juízos e proposições práticas acerca do bem, mas não os atos em si mesmos, já que os atos da razão prática preceituam as ações ordenando-as aos bens. O acadêmico atento já compreendeu que, portanto, o hábito é a virtude de elaborar juízos e não os próprios juízos em si mesmos. Conclui-se assim que a lei humana positiva (veremos mais sobre isso a frente) é, portanto, um desdobrando da lei natural, que a ela se adequa e reverencia. Por lei humana positiva queremos dizer nossas leis jurídicas, nossas constituições etc. Destarte, para Aquino, a lei humana jamais poderia contrariar a lei natural — esta, um espelho da lei eterna —, sem que, com isso, deixasse de ser justa ou tornar-se iníqua. 34 UNIDADE 1 | DA JUSTIÇA No entanto, a lei natural não é por sua natureza um hábito, embora esteja no homem de maneira habitual. Esta lei é uma espécie de autoridade superior em forma de preceito, é o ato do intelecto prático que ordena ao bem. Assim, o hábito é a qualidade de elaborar juízos e proposições práticas acerca do bem, mas não os atos em si mesmos, já que os atos da razão prática preceituam as ações ordenando-as aos bens. ATENCAO Outro ponto que precisamos compreender é o princípio de totalidade, que, resumidamente, nos diz que a parte é para o todo e só tem função em relação a ele. Disso resulta que o todo tem prioridade sobre a parte, que lhe é superior, sendo até mesmo a ‘parte’ dispensada em favor do ‘todo’. Esse princípio pode nos ser bastante intuitivo quando, por exemplo, julgamos justo que alguém ampute sua perna gangrenada para não morrer. À parte, a perna, é, neste caso, dispensada em favor da saúde do corpo, o todo, que lhe tem prioridade. Esse princípio pode não ser tão intuitivo assim quando pensamos no corpo social, já que, por exemplo, não julgaríamos justo que um governante matasse uma parte da população que, a seu critério, está prejudicando o todo. Acadêmico, não se engane em achar que o exemplo aqui é desproporcional ou fantasioso, já que o século passado nos deu provas terríveis do quanto são verdade. Aristóteles aplicava esse princípio de maneira direta e, por assim dizer, indiscriminada. As razões para isso são muitas e densas, motivo pelo qual não convém adentramos aqui. É importante, no entanto, que saibamos as distinções e correções feitas por Aquino na aplicação deste princípio. Dizia o Santo que há todos e todos, ou seja, que é preciso diferenciar os vários tipos de todos. Com isso, Aquino diferenciou entre o ‘todo substancial’ e o ‘todo acidental’. Todo substancial é aquele que, como no exemplo da perna, aplica-se a um todo em que as partes não possuem função fora dele, ou seja, as partes estão na essência do todo. Já o todo acidental possui dois tipos, “composição” e “polis”. A totalidade de composição é aquela em que as partes não são essenciais ao todo, por exemplo, em um parque de diversões no qual cada brinquedo pode ser retirado sem que, no entanto, o parque de diversão deixe de ser um parque. E a totalidade da polis, ou cidade, é aquela que não sendo nem totalidade substancial nem de composição, aplica-se exclusivamente à noção de totalidade como um conjunto de homens — ou comunidade. TÓPICO 3 | A JUSTIÇA NA IDADE MÉDIA 35 O exemplo de Aquino é o de um exército, cujos soldados são a parte, sendo, no entanto, legítimo que um soldado agindo por conta própria, realize uma ação que irá beneficiar o todo — o exército (notemos com atenção que a ação deliberada do soldado é uma quebra da ordem estabelecida). Esse exército não é nem um todo substancial, já que os soldados possuem função fora do exército, nem um todo de
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