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DESCRIÇÃO
O desenvolvimento dos sentidos e transformações do problema da ética ao longo da história da
filosofia.
PROPÓSITO
Compreender as inúmeras formas do problema da ética na história da filosofia e as razões de
suas transformações no tempo, assim como o desenvolvimento da capacidade de colocação
frente a problemas éticos e morais a partir dos conceitos trabalhados pelos filósofos ao longo
dessa história.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Distinguir os conceitos de bem e virtude no pensamento da Antiguidade Clássica
MÓDULO 2
Identificar os elementos de conciliação dos princípios da ética clássica com os fundamentos
cristãos do medievo
MÓDULO 3
Descrever o desenvolvimento dos desafios éticos da Era Moderna a partir dos avanços
científicos desse período
MÓDULO 4
Reconhecer os principais dilemas éticos explorados pelo pensamento na Era Contemporânea
INTRODUÇÃO
Para apresentarmos os principais conceitos filosóficos elaborados para lidar com problemas
éticos e morais, analisaremos quatro grandes períodos da história da filosofia. Trata-se das
eras:
Clássica: Investigaremos as definições de bem e virtude que influenciaram
significativamente todo pensamento ocidental.
Medieval: Abordaremos as transformações que esses conceitos sofreram a partir da
difusão do cristianismo.
Moderna: Discutiremos o problema da ética na Modernidade com ênfase na liberdade e
na autonomia dos indivíduos.
Contemporânea: Delinearemos os novos dilemas que os pensadores contemporâneos
colocaram para o campo da ética ao longo do século XX.
Com esse percurso, poderemos estabelecer um panorama adequado das principais
transformações que esse campo vem sofrendo ao longo da história, garantindo, assim, uma
compreensão mais ampla dos problemas éticos e morais que nos cercam.
MÓDULO 1
 Distinguir os conceitos de bem e virtude no pensamento da Antiguidade Clássica
ANTIGUIDADE CLÁSSICA
 
Imagem: Richard Panasevich/shutterstock.com
 Estátua de Sócrates na Academia de Atenas, esculpida por Leonidas Drosis (1880).
A Antiguidade Clássica foi o momento em que a filosofia ocidental começou a tomar sua forma.
Ainda que não seja possível dizer que a Filosofia é uma tradição que emerge exclusivamente
no mundo grego, pode-se afirmar que a própria tradição que conhecemos no Ocidente toma a
tradição clássica como seu ponto de origem.
Os problemas que a Filosofia se impõe acabam, portanto, remetendo a esse ponto histórico.
No campo da ética, ela se ocupa com a busca para determinar se há algum tipo de bem que
possa nos auxiliar a construir nossa vida e, uma vez determinado que tipo de bem é esse, o
que os indivíduos devem fazer para conseguir conquistá-lo.
O mundo da Antiguidade não era homogêneo. Havia inúmeras escolas filosóficas – e cada uma
delas elaborava a sua ideia de bem a aspirar e os distintos procedimentos para conseguir
alcançá-lo.
Analisaremos a seguir quatro dessas escolas, destacando as de origem:
 
Foto: Marie-Lan Nguyen/Wikimedia commons/Domínio Público
 Busto de Platão.
PLATÔNICA
 
Foto: Jastrow/Wikimedia commons/Domínio Público
 Busto de Aristóteles.
ARISTOTÉLICA
 
Foto: Marie-Lan Nguyen/Wikimedia commons/Domínio Público
 Busto de Epicuro.
EPICURISTA
 
Foto: Jean-Pol GRANDMONT/Wikimedia commons/CC BY 3.0
 Busto de Sêneca.
ESTOICA
PLATÃO
 
Imagem: xennex/Wikiart/Domínio Público
 Platão , Luca Giordano, 1660.
Platão identifica na felicidade (eudaimonia ) o objetivo mais elevado de um pensamento e de
uma conduta moral. As virtudes (aretê ) necessárias para obtê-la são apresentadas por meio
dos diálogos, ou seja, as disposições da alma e da cidade que fundamentam uma vida digna
de ser vivida florescem por meio do tipo de acordo ou impasse a que os personagens
platônicos chegam.
Essa característica está presente no Livro I da República (2021) e em diálogos como
Górgias . Em Górgias (2020), três personagens são submetidos ao elenchos socrático,
isto é, ao método socrático de investigação da verdade das coisas: Górgias, Polo e Cálicles.
Célebre interlocutor de Sócrates com quem a dialética não funciona, Cálicles era o
representante do modo de vida nas assembleias, nas quais nunca se diziam as mesmas coisas
sobre os mesmos assuntos. Mas o que produzia exatamente a recalcitrância de Cálicles, sua
indisposição para a conversa?
Ela forçou Sócrates a explicitar seu modo de vida conforme a virtude por meio de um artifício
do discurso. Vejamos como isso se dava.
ELENCHOS SOCRÁTICOS
javascript:void(0)
Embora Platão chame de maiêutica (parto) o método socrático, ele se realiza, na prática,
por intermédio dos elenchos , ou seja, argumentação de confronto.
No diálogo, existe uma analogia entre os dois amantes de Sócrates e Cálicles. Enquanto as
paixões caliclianas são os demoi de Atenas e Demo, filho de Pirilampo, Sócrates ama
Alcebíades, filho de Clínias, e a Filosofia.
 
Imagem: Fulvio314/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Alcebíades é advertido por Sócrates , François-André Vincent, 1776.
DEMOS
Os "demoi" (plural do termo grego demos ) se originaram como subdivisões de terras
rurais no território da Ática, porém, posteriormente, com as reformas de Clístenes, em
508 a.C., serviram de base para subdivisões de cidadãos atenienses. Os "demoi"
funcionavam com regiões administrativas, com seus próprios funcionários civis, religiosos
e militares.
O paralelismo entre a Filosofia e a política democrática de Atenas, isto é, entre o discurso
unívoco do filósofo, que sempre diz as mesmas coisas sobre os mesmos assuntos, e o
discurso volúvel do político, cujas opiniões variam conforme as circunstâncias e o público a que
ele se volta, sofre um inequívoco desequilíbrio com a presença de um elemento vulnerável no
polo socrático.
javascript:void(0)
Alcebíades não era estável como a Filosofia. Pelo contrário: ele se assemelhava aos amantes
de Cálicles. Isso significa dizer que Sócrates não é um personagem que elimina o conflito em
seu íntimo, mas incorpora-o. Dito de outra forma, os dois amantes socráticos, Alcebíades e a
Filosofia, interiorizam a oposição maior entre os dois modos de vida confrontados no não
diálogo com Cálicles: a política corrompida da polis e a verdadeira política.
Com essa operação, Platão parecia fazer do personagem de Sócrates um mecanismo que
busca a homologia entre os interlocutores de modo que se abra um “espaço de comunidade”
entre eles. No entanto, se o diálogo não for possível, Sócrates será capaz de internalizar o
conflito.
 
Imagem: Mharrsch/Wikimedia commons/Domínio Público
 Discurso de Sócrates , Louis Joseph Lebrun, 1867.
O que Platão encontrou no personagem de Sócrates, que é sempre um consigo mesmo, foi a
possibilidade de elaborar uma noção de verdade a partir da consistência do discurso. O
objetivo da dialética não seria, assim, extrai-la pela destruição da doxa ; trata-se, nas palavras
de Hannah Arendt (2002), de revelar a doxa em sua verdade.
Se ela é a formulação em fala daquilo que lhe parece, isto é, do modo como o mundo se abre
para um sujeito, o critério para que o homem diga sua doxa com verdade é que ele esteja de
acordo consigo mesmo. Tal é o produto da dialética: a produção da homologia sem a
eliminação do conflito.
DOXA
Crença popular ou comum que reúne diferentes pontos de vista.
javascript:void(0)
O impasse que caracteriza o diálogo Górgias é que Cálicles se recusa a conversar e Sócrates
termina falando sozinho – mas fazendo-o de forma dialética. Platão fez o personagem de
Sócrates internalizar a oposição entre a verdadeira política e aquela corrompida da polis ,
expressando, dessa forma, o modo virtuoso de vida por meio do acordo consigo mesmo.
A recalcitrância de Cálicles não significa a abolição da dialética, e sim sua redução à dinâmica
da não contradição consigo mesmo. O monólogo final de Sócrates, por sua vez, também
repercute na imaginação de uma cidade que será sempre análoga ao bom arranjo dos vários
fragmentos da alma.
A cidade socrática se opõe àcidade das assembleias, dos conselhos e dos tribunais de
Górgias, Polo e Cálicles. Mas, para construí-la, Sócrates tem de lutar no interior da topologia
da cidade (e, portanto, do modo de vida) de Cálicles – a saber, nos discursos.
ARISTÓTELES
 
Imagem: xennex/Wikiart/Domínio Público
 Aristóteles , Luca Giordano, 1653.
Aristóteles escreveu dois tratados sobre ética: Ética a Nicômaco (2010) e Ética a Eudemo
(2015). O percurso que encontramos em ambos se ocupa, em um primeiro momento, do
conceito de felicidade (eudaimonia ) e, somente então, do exame da natureza da virtude ou da
excelência moral (aretê ).
Para Aristóteles, a ética não é exatamente uma disciplina teórica.
Não se investiga a diferença de opinião a respeito do que é o bem simplesmente pelo
conhecimento, e sim por se estar em melhores condições para atingi-lo se houver o
desenvolvimento de uma compreensão mais ampla de seu fundamento. Tampouco se trata de
criar uma lista de coisas que estejam associadas ao bem.
 COMENTÁRIO
Tal lista seria longa: ter amigos, sentir prazer, ser saudável, ser honrado, ser corajoso etc. A
dificuldade e a controvérsia começam quando nos perguntamos se há entre esses bens alguns
mais desejáveis que outros. Aristóteles não estava apenas em busca daquilo que se identifica
com o bem, mas também do que pode ser concebido como o maior dos bens. As três
características encontradas no maior dos bens são: ser desejável por si mesmo; não ser
desejável apenas para se obter outro bem; e todos os demais bens só são desejáveis para
obtê-lo.
Para Aristóteles, o maior dos bens é a felicidade ou o bem viver. Ninguém deseja ser feliz para
alcançar outro objetivo na sequência. Pelo contrário: todos os demais bens (saúde, riqueza,
inteligência, honrarias e os prazeres) são perseguidos para que seja possível atingir a
felicidade.
Em atividades diferentes, ele possui aparências distintas. A essência do bem supremo, por sua
vez, é incontornavelmente a mesma: trata-se do bem perseguido em si e por si, sem nenhum
outro fim complementar.
Como vimos, para Aristóteles, o maior de todos os bens é a felicidade. Ela é autossuficiente,
sendo o fim a que visam todas as ações. A felicidade tampouco é presente dos deuses nem da
sorte: ela é produto da ação humana conforme a excelência.
 
Imagem: xennex/Wikiart/Domínio Público
 Aristóteles dando aulas a Alexandre , Jean Leon Gerome Ferris, 1895.
Segundo Aristóteles, a excelência moral não é um estado. Ela depende do hábito e se delineia
pela prática, como qualquer outra arte. Essa excelência é destruída pela deficiência ou pelo
excesso, porém se realiza pelo exercício do meio-termo em conformidade com a razão, isto é,
à medida que se consegue experimentar sentimentos no momento certo em relação aos
objetos certos com a pessoa certa e da maneira certa.
 EXEMPLO
Em relação ao dinheiro, Aristóteles argumenta que o agir conforme a excelência, isto é, a
qualidade do meio-termo, é a liberalidade.
MEIO-TERMO
Alguns autores preferem usar “justa medida”, considerando que a expressão “meio-
termo” já assumiu uma interpretação pejorativa na linguagem cotidiana.
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Já as práticas que caracterizam o excesso e a deficiência são, respectivamente, a
prodigalidade e a avareza. O meio-termo da verdade é a veracidade; o excesso, a jactância; e
a deficiência, a falsa modéstia.
A justiça também era, para Aristóteles, uma espécie de meio-termo, e na busca da excelência
moral, assume a posição de maior das virtudes. Afinal, só se pode ser justo em relação às
outras pessoas; portanto, apenas se é justo acerca dos “bem do outro” e não de si mesmo. É
nesse sentido que ele apresenta a justiça proporcional (ou distributiva) e a justiça corretiva.
Na justiça proporcional, as pessoas para quem as coisas são justas e as coisas em que o
justo se expressa aparecem numa relação de proporção. Nesse caso, o justo é aquilo
proporcional; o injusto, o que viola a proporcionalidade. Na justiça corretiva, as pessoas para
quem as coisas são justas e as coisas em que o justo se expressa aparecem em uma relação
de proporção aritmética. A injustiça assume o aspecto de uma desigualdade entre os dois
lados da equação.
O papel do juiz é tentar restaurar a igualdade por meio da penalidade, subtraindo do ofensor o
excesso de ganho. A justiça por reciprocidade, por sua vez, busca estabelecer a
comensurabilidade entre os produtos do trabalho de duas pessoas diferentes e desiguais. Tais
produtos se tornam comparáveis pelo dinheiro, que, segundo Aristóteles, mede todas as
coisas.
Embora o dinheiro tenha um papel importante como forma de mediação na justiça por
reciprocidade, Aristóteles argumentava que sua propriedade deveria servir apenas como meio
para a aquisição de bens que atenderiam às necessidades humanas. Ao considerar a
propriedade como bem supremo, corre-se o risco de dimensioná-la como autossuficiente em si,
enquanto ela não passa, na verdade, de um simples instrumento para tal.
Aristóteles afirmava a existência de duas modalidades de aquisição de riqueza:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Em conformidade com a excelência moral: assume a riqueza como meio para
alcançar um bem maior.
Contrária à natureza humana: concebe a riqueza como o próprio bem maior.
Tal distinção está fundada sobre a concepção de que a natureza da coisa é o próprio fim dela e
de que se bastar a si mesmo constitui, para Aristóteles, o fim de cada ser. A acumulação de
riqueza por intermédio do comércio é contrária à natureza do homem, pois não garante, por si
só, sua autossuficiência.
EPICURO
A ética de Epicuro (que viveu aproximadamente entre 341 a.C. e 270 a.C.) se distingue das
proposições platônicas e aristotélicas a respeito da felicidade e da virtude por encontrar seu
fundamento na ideia de prazer. A vida virtuosa, segundo ele, não é um meio para a vida feliz
(como no caso do aristotelismo) nem idêntica a ela (como no estoicismo de Sêneca, que
estudaremos na sequência).
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Detalhe da pintura A Escola de Atenas , por Rafael Sanzio, 1511.
Para Epicuro, existe, na verdade, uma identidade entre felicidade e prazer. Entretanto, se o
prazer sempre é algo positivo, nem por isso todos os prazeres são iguais e tampouco devem
ser perseguidos igualmente.
Na Carta sobre a felicidade (2002), o filósofo argumentava que o prazer é o início e o fim de
uma vida feliz. Mais do que a satisfação de um desejo, o objetivo do prazer epicurista é permitir
que se possa atingir um estado sem dor, em que não haja nenhuma perturbação no corpo ou
na alma.
Tanto é assim que, segundo Epicuro, não sentimos a necessidade de buscar prazer quando
não estamos sofrendo. Onde existe prazer, portanto, não há lugar para a dor corporal ou o
sofrimento mental. Como podemos observar, ele o definia como um bem, embora os prazeres,
ou os desejos que os movem, sejam distintos entre si.
Epicuro enumera três tipos de desejos:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Naturais e necessários.
Naturais e não necessários.
Nem naturais, nem necessários: Este tipo está associado a desejos, como, por
exemplo, a imortalidade ou a busca por riquezas vazias.
A diferença entre os dois primeiros tipos de desejo, por sua vez, é a que existe entre a tentativa
de se saciar a sede com água ou com uma bebida saborosa.
 COMENTÁRIO
Ambas matam a sede de quem bebe. O fato de que uma bebida é mais saborosa que a outra
apenas diversifica o prazer, mas não é isso que sacia o desejo. É nesse sentido que as
proposições de Epicuro não podem ser reduzidas a um simples hedonismo, ou seja, o
epicurismo não é uma mera busca pelo prazer indiferente aos desejos que se satisfazem a
cada vez.
Mas o que, afinal, nos permite escolher entre desejos distintos? Epicuro atribuía essa função à
prudência, que consiste no uso da razão no cálculo dos prazeres, isto é,na avaliação dos
desejos que devemos ou não satisfazer. Ele dedicou uma atenção especial a esse cálculo, pois
há certos prazeres que conduzem a males maiores e certos males que levam a bens maiores.
 EXEMPLO
Os prazeres associados aos desejos naturais não necessários podem significar a criação de
hábitos que nos deixam mal-acostumados.
Melhor seria nos habituarmos aos prazeres naturais e necessários para que, segundo Epicuro,
consigamos nos contentar com pouco, caso não tenhamos muito, e possamos desfrutar melhor
a abundância se a tivermos, pois a apreciam mais sabiamente os que menos dependem dela.
Considerando as características da prudência, ele argumentava que todas as demais virtudes
se originam dela.
SÊNECA
 
Foto: Outisnn/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Nero e Sêneca , Eduardo Barrón, 1904.
Marco Aurélio, Epiteto e Sêneca foram os grandes representantes do estoicismo em Roma. A
distinção entre o bem e aquilo que é indiferente ocupava um lugar central nos escritos de
Sêneca, que viveu aproximadamente entre 4 a.C. e 65 d.C.
Os chamados indiferentes preferidos, como a saúde e a riqueza, têm valor (em oposição às
coisas indiferentes não preferidas, as quais, por sua vez, não o têm). Porém, para alcançar a
felicidade, basta apenas a virtude.
Sêneca insistia que a saúde e a riqueza têm valor, embora não contribuam em nada para a
felicidade. Isso significa que ambos não são bens no sentido estrito do estoicismo.
Outra distinção fundamental na ética estoica é a que se pode estabelecer entre as ações
corretas e as apropriadas. Uma ação apropriada considera os indiferentes de modo adequado.
Tanto os sábios quanto os tolos podem agir apropriadamente, mas somente os sábios podem
agir corretamente, ou seja, sua deliberação reflete a consistência de sua alma.
Sêneca argumentava que, embora devamos considerar os indiferentes com toda sensatez, ou
seja, como coisas com ou sem valor, o bem não consiste em tê-los ou evitá-los. Ele se trata, na
verdade, de escolher bem. Para o filósofo, a virtude é um juízo sólido e verdadeiro.
 EXEMPLO
Avaliar a virtude a partir dos indiferentes preferidos seria como preferir, entre dois homens
bons, o que possui o corte de cabelo da moda.
Indiferentes preferidos certamente possuem valor, porém tais valores não são comparáveis
com o bem. Na verdade, eles só podem ser confrontados com os indiferentes não preferidos.
 ATENÇÃO
Para Sêneca, os indiferentes não são simplesmente irrelevantes; eles são, de fato e a todo
momento, objeto de deliberação. Em cada situação específica, os cursos de ação disponíveis
envolvem indiferentes.
Nas Cartas 94 e 95 (2020), Sêneca se perguntava se é devido concentrar nossos estudos
nos preceitos (praecepta ) ou nos princípios (decreta ) para atingir o bem viver. Ele, porém,
defendia as duas posições.
Por um lado, é possível considerar que, para agir com virtude, seria preciso imergir nos
decreta , ou seja, nos princípios da Filosofia – e não em leis ou princípios práticos. De outro,
ele argumentava que o estudo dos princípios filosóficos não é suficiente: seria preciso levar em
conta as demandas que as situações específicas da vida nos colocam.
 
Imagem: Alonso de Mendoza/Wikimedia commons/Domínio Público
 A morte de Sêneca , Manuel Domínguez Sánchez, 1871.
Segundo Sêneca, para alcançar a virtude, seria necessário:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Avaliar as situações.
Considerar o que significa uma ação apropriada em cada caso.
Desenvolver a capacidade de atribuir valor aos chamados indiferentes.
Nesse caso, a virtude estaria, portanto, com os praecepta , ou seja, com as regras práticas.
Agora, o professor Gustavo Pereira aprofunda o conceito de eudaimonia no âmbito da
Filosofia Clássica.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ARISTÓTELES CONCEBIA A FELICIDADE COMO O BEM SUPREMO,
POIS ELA SE TRATA DE UM BEM PERSEGUIDO EM SI E POR SI, SEM
NENHUM OUTRO FIM COMPLEMENTAR. É POSSÍVEL, SEGUNDO
ARISTÓTELES, OBTÊ-LA:
A) Agindo conforme a excelência moral, que é uma dádiva divina.
B) Buscando o prazer por meio da prudência, isto é, avaliando os desejos que devemos
satisfazer ou não.
C) Agindo conforme a excelência moral, que não é um estado, e sim uma prática que se
aprende como qualquer outra arte.
D) Agindo corretamente, de modo que a deliberação reflita a consistência da alma.
E) Sendo um consigo mesmo, ou seja, elaborando uma noção de verdade a partir da
consistência do discurso.
2. CONSIDERANDO O LUGAR QUE AS POSSES E AS RIQUEZAS
OCUPAM NO PENSAMENTO ÉTICO ANTIGO, PODEMOS DIZER QUE:
A) O acúmulo de dinheiro proveniente do comércio é, para Aristóteles, uma modalidade natural
de aquisição de riqueza.
B) A abundância é mais sabiamente apreciada, segundo Epicuro, por aqueles que menos
dependem dela.
C) Sêneca as classificava como um indiferente preferido, sendo tudo o que basta para se
alcançar a felicidade.
D) Epicuro as associava aos desejos naturais e necessários.
E) Em relação ao dinheiro, a avareza é, para Aristóteles, o comportamento conforme o meio-
termo.
GABARITO
1. Aristóteles concebia a felicidade como o bem supremo, pois ela se trata de um bem
perseguido em si e por si, sem nenhum outro fim complementar. É possível, segundo
Aristóteles, obtê-la:
A alternativa "C " está correta.
 
De acordo com Aristóteles, a felicidade não é presente dos deuses nem da sorte: ela é produto
da ação humana conforme a excelência. Já a excelência moral não constitui um estado, mas
depende do hábito e, como qualquer outra arte, se delineia pela prática.
2. Considerando o lugar que as posses e as riquezas ocupam no pensamento ético
antigo, podemos dizer que:
A alternativa "B " está correta.
 
Segundo Epicuro, devemos nos habituar aos prazeres naturais e necessários para que
consigamos nos contentar com pouco, caso não tenhamos muito, e possamos desfrutar melhor
a abundância se a tivermos, pois a apreciam mais sabiamente os que menos dependem dela.
MÓDULO 2
 Identificar os elementos de conciliação dos princípios da ética clássica com os
fundamentos cristãos do medievo
ÉTICA CLÁSSICA X FUNDAMENTOS
CRISTÃOS
A filosofia medieval combinava dois polos:
 
Imagem: Paul 012/Wikimedia commons/Domínio Público
 A Escola de Atenas , Rafael Sanzio, 1511.
Filosofia clássica pagã (especialmente em suas versões grega e romana)

 
Imagem: Dornicke/Wikimedia commons/Domínio Público
 A Ressurreição de Cristo , Rafael Sanzio, 1502.
Religião cristã (em seu caminho de formação e consolidação).
Os cristãos, por um lado, buscavam acomodar sua religião aos termos da única tradição
filosófica que conheciam. De outro, o processo de assimilação dos temas religiosos foi um dos
principais motores do pensamento filosófico do período. Nessa conciliação dos dois campos,
surgiam novos conceitos e teorias que se tornaram ferramentas úteis não apenas no contexto
religioso.
 ATENÇÃO
Embora a influência da filosofia clássica pagã tenha sido crucial para o desenvolvimento da
medieval, até os séculos XII e XIII quase todos os textos gregos originais ficaram perdidos
para o mundo latino ocidental, de modo que eles só puderam exercer uma influência indireta.
TEXTOS GREGOS PERDIDOS
Estavam perdidos não no sentido de estarem indisponíveis ou permanentemente
avariados, e sim pelo fato de que poucos conseguiam lê-los. Com a desintegração do
Império Romano, o conhecimento de grego desapareceu totalmente. Boécio foi o último
fluente em grego no mundo ocidental (antes de sua retomada na Renascença).
Ainda assim, é importante ressaltar que os pensadores medievais tinham um bom
conhecimento da filosofia grega. Além disso, grande parte do acervo clássico chegou até nós
graças aos copistas medievais nos mosteiros e nas abadias.
Para traçarmos esse caminho medieval, apontaremos as ideias principais de:
AGOSTINHO
A ética de Agostinho recupera a eudaimonia da filosofia antiga, mas adia a felicidade para um
além-mundo. Essa complexaconjunção de elementos da ética antiga com os princípios
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cristãos se explica, em grande medida, pelo momento histórico em que ele viveu (entre 354
d.C. e 430 d.C.).
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Santo Agostinho , retratado por Philippe de Champaigne, século XVII.
Roma estava ruindo tanto pelas disputas internas de poder quanto pelas invasões bárbaras. O
cristianismo, nesse contexto, procurava consolidar seus fundamentos teóricos por meio de sua
inserção na tradição filosófica.
O pensamento de Agostinho, assim, tentava conciliar o trabalho doxográfico e de comentário
das obras dos pensadores antigos com as questões postas por uma religião monoteísta em
formação. Ele se caracterizava, portanto, pela fundação de um pensamento filosófico cristão.
Um dos problemas com que Agostinho se ocupou de maneira central foi a origem do mal. Em
primeiro lugar, o teólogo se perguntava se ele consiste em uma impressão ilusória ou se existe
em si. Já a segunda investigação realizada envolvia o desvendamento de sua natureza.
TRABALHO DOXOGRÁFICO
A doxografia (que tem sua origem na palavra grega doxa) se fundamenta pela
compilação e pelo comentário de obras reconhecidamente importantes para o
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desenvolvimento do pensamento.
 COMENTÁRIO
Na história da filosofia, existem diferentes definições da natureza do mal. Os pensadores a
defender que ele não existe em si argumentam que sua natureza é a privação. Já entre
aqueles que afirmam que o mal existe em si, há os que restringem sua natureza a uma esfera
puramente moral (o mal é agir contra certas determinações ou leis morais) e outros que
vislumbram nele uma questão metafísica, ou seja, a tarefa que se impõe seria a definição de
sua essência.
O esforço de Agostinho significa a conciliação da ideia de um Deus cristão que cria todas as
coisas (e é sumamente bom em sua criação) com a existência do mal e da corrupção no
mundo. Esse impasse se colocou para ele enquanto o teólogo ainda seguia os princípios
filosóficos do maniqueísmo.
Para os maniqueístas, o mal teria um conteúdo positivo, isto é, uma realidade em si que é
independente do bem. Essa ideia do mal como realidade em si se opõe à ideia de um Deus
sumamente bom.
Seguindo esses princípios, duas alternativas se impunham para Agostinho:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Conceber que o mal existe, mas não foi criado por Deus, já que Ele é sumamente
bom.
Assumir que o mal existe e foi criado por Deus, considerando que Ele criou todas
as coisas.
O problema da primeira alternativa é que Deus não teria criado tudo; o da segunda, que Ele
não seria sumamente bom. Foi a partir do contato de Agostinho com as ideias neoplatônicas
que uma alternativa se abriu para a resolução desse impasse inicial.
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Até então Agostinho (2002) concebia Deus como um ser capaz de penetrar e se alastrar por
todas as coisas do mundo, o que significa que todas elas seriam absolutamente boas, à
semelhança de seu criador. Sob a influência do neoplatonismo, ele passou a considerar o mal
como privação do bem. As coisas existem na medida em que provêm de Deus, ou seja, elas
participam parcialmente Nele, mas não se identificam absolutamente com Ele.
IDEIAS NEOPLATÔNICAS
Neoplatonismo é o conjunto de ideias provenientes do pensamento de Platão, com
ênfase nos primeiros séculos da Idade Média.
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 A Queda e Expulsão do Jardim do Éden , Michelangelo, 1510.
Agostinho argumentava que as coisas podem se corromper na medida em que se distanciam
de Deus. O mal não teria, portanto, realidade em si; na verdade, ele estaria associado ao
perecimento das coisas que não participam em Deus.
BOÉCIO
 
Imagem: Toyotsu/Wikimedia commons/Domínio Público
 Boécio e a Filosofia , Mattia Preti, 1680.
Boécio, que viveu entre 475 d.C. e 526 d.C., foi um importante intermediário entre a filosofia
antiga e o pensamento medieval. Ele traduziu Aristóteles, escreveu textos sobre lógica e
utilizou seu treinamento no estudo dos pensadores antigos para contribuir em discussões
teológicas de seu tempo.
Dos escritos de Boécio sobre lógica, destacam-se aqueles que tratam da diferença tópica. A
partir da lógica aristotélica, Boécio (2012) ajudou a elaborar um sistema de argumentos
tópicos, ou seja, que valem mais por serem plausíveis do que por serem estritamente
rigorosos.
O objetivo do sistema é descobrir argumentos – os quais, mesmo podendo não ser
formalmente válidos, podem ser aceitos como válidos.
 EXEMPLO
Se quero argumentar que deveríamos elogiar Cícero, devo pensar no tipo de informação que já
possuo que poderia me ajudar. Lembro então que todos elogiam Demóstenes. Entre as
diferenças tópicas, a que se dá “entre iguais” é a que fornece o argumento que procuro. Todos
elogiam Demóstenes como orador. Cícero também é um orador. Todos, portanto, devem
elogiar Cícero.
Cada diferença tópica está associada a uma proposição máxima. No exemplo de Cícero e
Demóstenes, essa proposição é que coisas iguais devem ser julgadas igualmente.
A proposição máxima indica o sentido do argumento como um todo, mas também pode ser
adicionada ao argumento para torná-lo formalmente válido. Contudo, é na aplicação dessa
estrutura lógica ao estudo dos textos teológicos que Boécio se notabilizava.
Agostinho foi pioneiro no uso da análise lógica em um contexto teológico, mas foi Boécio o
responsável por aperfeiçoar a técnica. Com isso, tanto posições hereges quanto a doutrina
cristã ortodoxa poderiam ser submetidas a um escrutínio rigoroso por intermédio do uso da
lógica e da física aristotélicas.
PEDRO ABELARDO
Pedro Abelardo, que viveu entre 1079 e 1142, foi um proeminente teólogo e filósofo do século
XII. Seus trabalhos no campo da ética se notabilizam pela defesa da tese de que a avaliação
moral de um agente deve se basear em suas intenções. Já as ações propriamente ditas são
moralmente indiferentes.
 
Imagem: BeatrixBelibaste/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0
 Abelardo instruindo Heloísa , Charles Durupt, 1837.
Abelardo era um intencionalista na análise da moralidade cristã, ou seja, a intenção do agente
determina o valor moral de sua ação. Ele dizia que a relevância moral das consequências de
uma intenção era uma questão de “sorte moral”.
 EXEMPLO
Suponhamos que dois homens tenham dinheiro e que sua intenção seja a de construir abrigos
para os pobres. No entanto, um deles é roubado antes de realizar o ato; assim, somente o
outro consegue levá-lo a cabo.
Para Abelardo, uma moralidade baseada na ação não tem qualquer valor nesse caso. Ele
apontava que a negligência é um conceito moral mais relevante do que a ignorância.
 EXEMPLO
Abelardo argumentava que os soldados que crucificaram Cristo não eram maus pela
crucificação. A ignorância da natureza divina de Cristo não fez deles pessoas más. Eles teriam
pecado, segundo o filósofo, se fosse necessário crucificar Cristo e eles tivessem se recusado.
A culpa vem da ausência de correspondência entre consciência e ação moral.
Podemos estabelecer duas objeções ao intencionalismo de Abelardo.
NA PRIMEIRA, A PERGUNTA A SER FEITA É: COMO
SERIA POSSÍVEL COMETER O MAL
VOLUNTARIAMENTE?
Abelardo explicava que é comum querer coisas que não se gostaria de querer. Nossos corpos,
afinal, sentem prazer e desejo independentemente de nossa vontade. O mal não está no
desejo, e sim em agir a partir dele.
EM SEGUNDO LUGAR, CONSIDERANDO QUE AS
INTENÇÕES NÃO SÃO ACESSÍVEIS A NINGUÉM,
EXCETO AO AGENTE, SURGE A SEGUNDA QUESTÃO:
COMO SERIA POSSÍVEL FAZER UM JULGAMENTO
ÉTICO?
Abelardo admitia que apenas Deus tem acesso às intenções dos agentes; portanto, só Ele
pode julgá-las. Mas isso não impede que os homens estabeleçam uma justiça humana que não
se baseia nas intenções, e sim no caráter exemplar e de dissuasão que ela pode ter.
TOMÁS DE AQUINO
Tomás de Aquino, que viveu entre 1225 e 1274, retomouo conceito aristotélico de felicidade
como bem supremo, mas, a exemplo de Agostinho, estabelecia uma distinção entre a
felicidade imperfeita da vida terrena e a perfeita do além-mundo. Como discípulo de Aristóteles,
ele seguiu o argumento de que, em atividades diferentes, o bem tem aparências distintas.
 EXEMPLO
Se sabemos o que um carpinteiro faz, temos um critério para reconhecer um bom carpinteiro.
Ou seja, considerando a função que determinado indivíduo executa, podemos identificar a
excelência e, portanto, o bem associados àquela prática específica.
MAS COMO PODEMOS FALAR DO BEM EM GERAL?
Seria preciso definir a função humana que deve ser cumprida com excelência e à qual
corresponde um bem que não está restrito a uma atividade qualquer.
Segundo Tomás de Aquino, a qualidade que distingue os homens é a atividade racional. Se a
racionalidade é uma função humana, quem exerce a razão de maneira adequada é alguém
bom e feliz.
No entanto, Tomás de Aquino argumenta, na Summa theologiae (2018), que a felicidade
perfeita só pode ser alcançada na vida eterna cristã. De certa forma, é como se o argumento
aristotélico de que uma vida em conformidade com a excelência moral basta para a felicidade
fosse insuficiente para o frade católico, pois o bem viver que Aristóteles associa à vida terrena
seria uma promessa que somente se cumpre efetivamente no além-mundo.
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 O triunfo de Santo Tomás de Aquino sobre Averróis , Benozzo Gozzoli, 1484.
A vida de acordo com a razão não configura, porém, uma vida falsa. A felicidade imperfeita a
que Tomás de Aquino se refere significa apenas que ela se trata de uma felicidade
comparativamente inferior à outra, que é vivida em comunhão com o Deus cristão. Como as
ações humanas são essencialmente aquelas ordenadas pela razão, as virtudes constituem os
hábitos ou as potências humanas desenvolvidas segundo ela.
A distinção entre os dois tipos de felicidade apresentados se desdobra na divisão entre dois
tipos de virtude:
VIRTUDES NATURAIS
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Alegoria da Virtude , Rafael Sanzio, 1511.
Correspondem à felicidade imperfeita. Essas virtudes se subdividem em virtudes:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Morais: Dizem respeito aos apetites humanos.
Intelectuais: Estão associadas à capacidade de apreensão da verdade.
Tomás Aquino enumera como virtudes naturais:
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Prudência , Piero del Pollaiolo, 1469.
PRUDÊNCIA
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Justiça , Piero del Pollaiolo, 1469.
JUSTIÇA
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Coragem , Piero del Pollaiolo, 1469.
CORAGEM
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Temperança , Piero del Pollaiolo, 1469.
TEMPERANÇA
VIRTUDES TEOLÓGICAS
Dizem respeito à felicidade perfeita. Essas virtudes são, segundo Tomás de Aquino, infundidas
pela graça divina. São elas:
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Fé , Piero del Pollaiolo, 1470.
FÉ
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Esperança , Piero del Pollaiolo, 1470.
ESPERANÇA
 
Imagem: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público
 Caridade , Piero del Pollaiolo, 1470.
CARIDADE
Agora, o professor Gustavo Pereira discute o tema da ênfase filosófica ou religiosa da moral no
período medieval.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. AGOSTINHO ENCONTROU UMA SAÍDA PARA O IMPASSE ENTRE UM
DEUS SUMAMENTE BOM, CRIADOR DE TODAS AS COISAS, E A
EXISTÊNCIA DO MAL E DA CORRUPÇÃO NO MUNDO. PARA ISSO, ELE
DEFINIU O MAL COMO:
A) Algo que existe em si, e isso não é contraditório com um Deus sumamente bom.
B) Algo que existe em si, mas que não foi Deus quem criou.
C) Privação do bem, de modo que as coisas se corrompem à medida que se afastam da
participação em Deus.
D) Privação da racionalidade, que é a qualidade que distingue os humanos.
E) Privação das virtudes teológicas.
2. SOBRE A DEFINIÇÃO DE FELICIDADE IMPERFEITA DE TOMÁS DE
AQUINO, PODEMOS DIZER QUE:
A) Trata-se de uma forma falsa de felicidade, pois a verdadeira só se realiza na vida eterna.
B) As virtudes que a ela correspondem são a fé, a esperança e o amor.
C) Envolve uma participação parcial em Deus.
D) Em nada modifica o conceito de felicidade de Aristóteles.
E) Se a atividade racional é a qualidade que distingue os homens, quem exerce a razão de
maneira adequada é feliz.
GABARITO
1. Agostinho encontrou uma saída para o impasse entre um Deus sumamente bom,
criador de todas as coisas, e a existência do mal e da corrupção no mundo. Para isso,
ele definiu o mal como:
A alternativa "C " está correta.
 
Tendo conhecido – e professado – o maniqueísmo em sua juventude (crença que defende a
existência personificada do bem e do mal em igualdade de poder), Agostinho preocupava-se
em deixar claro que, na filosofia cristã, nada está fora de Deus. Desse modo, a compreensão
do mal apenas pode se dar pela ausência de Deus, ou melhor, pela opção em não acolher a
presença Dele.
2. Sobre a definição de felicidade imperfeita de Tomás de Aquino, podemos dizer que:
A alternativa "E " está correta.
 
Seguindo sua herança aristotélica, Tomás de Aquino relacionava a felicidade com a plena
realização da natureza. Assim, como o que marca a natureza do homem é sua racionalidade,
quanto mais ele se aproxima da excelência dessa natureza, mais próximo fica da felicidade.
MÓDULO 3
 Descrever o desenvolvimento dos desafios éticos da Era Moderna a partir dos
avanços científicos desse período
ERA MODERNA
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Galileo Galilei exibindo seu telescópio para Leonardo Donato , Henry-Julien Detouche,
1900.
A Era Moderna é marcada por uma série de transformações que construiu o mundo tal como o
conhecemos hoje. Pode-se destacar desse rol a consolidação dos Estados modernos, a
revolução científica e as grandes navegações a partir do século XVI.
Esses eventos também tiveram grande impacto sobre a filosofia e as reflexões sobre o bem
viver. No que diz respeito à ética, pode-se dizer que grandes problemas emergiram com a
evolução da ciência moderna. Isso se deve ao fato de que essas discussões dependiam da
nossa capacidade de sermos livres ou de sermos autores das nossas ações.
Por conta dos avanços das ciências, sobretudo no campo da Física, essa possibilidade
começou a ser posta em xeque graças às relações de causa e de efeito que explicavam os
fenômenos naturais.
Se a matéria pode ser explicada por relações de causa e efeito, então as ações dos seres
humanos podem ser pensadas como determinadas por alguma causa que as provoca. Isso
significa um desafio imenso para o pensamento filosófico em geral, já que qualquer discussão
sobre ética depende de alguma forma de liberdade.
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Harmonia macrocósmica , Andreas Cellarius, 1660.
 ATENÇÃO
Se nossas ações forem totalmente determinadas, não sobra espaço para pensarmos uma vida
ética, pois nada está sob nosso controle.
É nesse contexto que floresce o pensamento de:
BENTO DE ESPINOSA
 
Imagem: Triggerhippie4/Wikimedia commons/Domínio Público
 Retrato de Baruch Spinoza, artista desconhecido.
A filosofia de Bento de Espinosa (1632-1677) é considerada um dos marcos éticos da filosofia
moderna pela forma que ela procurava conciliar os avanços das ciências naturais no início da
Modernidade com o desejo de manter o problema da boa vida como algo que coubesse aos
seres humanos buscarem.
O problema da boa vida – de saber como se portar diante de si mesmo e dos outros – é algo
que, como salientamos, persiste na filosofia desde suas origens. As dificuldades apresentadas
acima foram, portanto, um problema para grande parte dos filósofos modernos.
Espinosa também procurou resolver esse impasse ao tentar conciliar a ideia de que:
 Atenção!Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Todos os corpos materiais são, de alguma forma, sempre determinados.
Há uma expectativa de que possamos nos esforçar para melhorar nossas vidas.
Essa conciliação é desenvolvida em sua obra Ética (2009), de 1675, que procura pensar
como é possível a liberdade existir em uma realidade na qual tudo é determinado por uma
causa. É nesse livro que Espinosa buscou dar sua resposta sobre o problema da vida boa.
O ponto de partida do filósofo para pensar a nossa condição ética foi a estrutura da realidade.
Para ele, tudo o que existe é uma parte de Deus, pois Ele é tudo o que há.
 ATENÇÃO
Deus aqui não era concebido como uma entidade religiosa que age segundo certos preceitos,
e sim como o que se distingue de todas as outras coisas que existem por ser causa de si
mesmo.
Enquanto todas as coisas que existem eram, para Espinosa, criadas por algo diferente delas,
Deus é a causa da própria existência. Todas as coisas que existem, assim, são existentes na
medida em que são parte Dele.
O universo, o planeta, os seres vivos, os seres humanos... todos eram, segundo Espinosa,
modificações de Deus, já que são, em última instância, causados por Ele: a única coisa que
não depende de outra. Há, porém, dois sentidos em que as coisas são causadas.
No primeiro sentido, existe a ideia herdada das conquistas da revolução científica: tudo possui
uma causa. Como a única coisa que existe em si (sem ser causado por qualquer coisa
exterior) é Deus, então, em última instância, todas as coisas também são causadas por Ele.
 ATENÇÃO
O pai seria a causa do filho, pois, sem aquele, este não existiria. Por outro lado, o pai também
não existiria sem ter um pai, e este, por sua vez, também depende do seu pai – e assim segue
até o infinito.
É nesse sentido que as coisas que existem são modificações de Deus. Essas coisas, que são
as modificações Dele, também se diferenciam de Deus por sua finitude.
Enquanto Deus é algo que existe sem que qualquer coisa O limite – pois não existe outra coisa
no universo que, em si, exista, a não ser Ele –, as coisas do mundo sempre têm, diante de si,
outras que as impedem de desenvolver completamente sua natureza. A partir dessa dualidade
entre Deus e as coisas finitas, podemos considerar o problema da liberdade.
Espinosa não toma a liberdade como uma vontade espontânea ou a capacidade de seguir seus
interesses. Essa forma de pensá-la não faz sentido no pensamento espinosano, já que não
existe nada que aconteça sem que haja uma causa que a provoque.
Uma ação livre, em que um sujeito resolve agir de determinada maneira sem qualquer causa,
seria algo que não tem lugar no sistema espinosano. Como tudo sempre possui uma causa,
um ser será livre apenas à medida que ele não seja determinado por coisas que lhe são
externas.
Ser livre é conseguir exprimir sua essência sem que qualquer coisa o limite, ou seja, sem ser
causa de si mesmo. Nessa disposição, apenas Deus pode ser verdadeiramente livre.
Os seres humanos, por sua vez, como não podem jamais agir sem serem, em alguma medida,
causados por algo externo, estariam condenados à servidão. Além disso, como não são causa
de si mesmo, ou seja, como são sempre produzidos por outra coisa – e, em última instância,
por Deus –, eles também não podem ter domínio sobre aquilo que lhes acontece e afeta.
DIANTE DESSA SITUAÇÃO, O QUE SOBRA PARA OS
HUMANOS? SERIA POSSÍVEL ALGUM TIPO DE
LIBERDADE DO PONTO DE VISTA HUMANO?
Para Espinosa, a liberdade humana não se encontra na capacidade dos homens de agir como
desejam, e sim de eles se entenderem como parte de uma natureza divina que (apenas ela) se
desenvolve livremente.
O ponto de liberdade de Espinosa é, na realidade, uma libertação das falsas expectativas
de uma noção de liberdade como simples desejo de agir de maneira espontânea.
Isso não significa, porém, que simplesmente se aceite tudo como se é. Se, por um lado,
enquanto seres finitos, nossos desejos são sempre limitados, isso não significa que sejamos
absolutamente impotentes.
Para Espinosa, a vida ética passa pela correta avaliação do que:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Está no nosso controle.
É preciso simplesmente aceitar como o curso livre do desejo divino.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Leitura da tragédia do Órfão da China por Voltaire no salão de Marie Thérèse Rodet
Geoffrin , Anicet Charles Gabriel Lemonnier, 1812.
Na segunda metade do século XVIII, houve na Europa – e, sobretudo, na França – uma ampla
movimentação de intelectuais que procurou combater inúmeras formas de dominação religiosa
e política a partir de uma força libertadora do conhecimento. Conhecido como Iluminismo e
composto por filósofos como Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), Diderot (1713-
1784) e D'Alembert (1717-1783), esse momento foi uma das principais inspirações para a
Revolução Francesa que eclodiu em 1789.
Os iluministas tinham como principal alvo a Igreja , pois, para eles, essa instituição era uma
das principais responsáveis por impedir o desenvolvimento da razão e de uma consciência
individual e autônoma nos indivíduos que lhes permitiria conhecer o real e se orientar segundo
seus desejos. Partindo da ideia de que os seres humanos possuíam uma razão natural que
deveria permitir às pessoas viverem vidas plenas, esses filósofos se perguntavam por que,
ainda assim, os humanos eram facilmente domináveis.
Para os iluministas, a vida dos indivíduos era impedida de se realizar plenamente pela
presença de forças na sociedade capazes de difundir crenças e superstições irracionais que
bloqueavam as capacidades da razão e deixavam os humanos imersos na ignorância,
tornando-os facilmente submissos.
Para lutarem contra essas forças da ignorância, os filósofos iluministas tomaram como tarefa a
promoção do desenvolvimento da razão e do conhecimento como forma de libertar os seres
humanos da submissão produzida pela ignorância.
 
Imagem: MLWatts/Wikimedia commons/Domínio Público
 Jean-Jacques Rousseau , Maurice Quentin de La Tour, 1764.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um filósofo francês que elaborou sua filosofia em
proximidade com os iluministas. Diferentemente deles, porém, a sua obra tem uma posição
mais ambígua sobre as capacidades da nossa razão e os efeitos da sociedade no
desenvolvimento humano. O que vemos nela é a elaboração de uma filosofia ambígua, que
enxerga na vida social uma explicitação das próprias tensões que compõem a natureza
humana.
PROXIMIDADE COM OS ILUMINISTAS
Tal proximidade também se deu por contraposição, como ocorreu no caso de Rousseau
com John Locke (1632–1704). Também conhecido como pai do Iluminismo, Locke foi
fundamental para a constituição do pensamento moderno – especialmente por conta de
sua obra Ensaio sobre o entendimento humano .
Para Rousseau, o homem possui duas tendências:
Amor de si
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A primeira tendência é procurar perseverar em sua existência. Trata-se do cuidado com
comida, moradia e formas de prover as necessidades fisiológicas mais básicas. Segundo o
filósofo francês, o homem foi criado de maneira tal que ele é capaz de satisfazer a todas as
suas necessidades naturais de modo individual.

Compaixão
A compaixão significa a nossa parte que nos direciona para fora de nós mesmos. Se o amor de
si nos conduz para aquilo que nos permite reproduzir nossa vida, a segunda tendência é a
responsável por nos dirigir para outros seres (inclusive animais), desde que eles não ponham
em risco a nossa própria preservação.
A partir dessa disposição do humano, Rousseau escreveu o discurso denominado A origem da
desigualdade entre os homens (2017). O filósofo elaborou nele uma análise sobre como o ser
humano teria se desenvolvido.
 ATENÇÃO
A origem da desigualdade entre os homens não constitui uma leitura histórica. Trata-se, na
verdade, de um recurso filosóficopara tentar entender como é composta a nossa própria
subjetividade na medida em que vivemos socialmente.
De acordo com o filósofo, em seu estado solitário, os seres humanos, compostos apenas a
partir das duas tendências mencionadas, seriam naturalmente bons. A bondade, nesse
momento inicial, não possui nenhum conteúdo positivo. Ela diz respeito apenas a uma
ausência de maldade.
Rousseau argumentava que, além das tendências do amor de si e da compaixão, os seres
humanos também possuem duas propriedades que os diferenciariam de animais: a liberdade
e a capacidade de se aperfeiçoarem.
A liberdade é o fato de que os humanos não seriam governados apenas pelo seu apetite. Já a
capacidade de se aperfeiçoarem significa a habilidade para encontrar meios melhores para
satisfazer às necessidades. Trata-se, em suma, de dois elementos indicativos de uma estrutura
no ser humano que o torna capaz de progredir e de ter uma vida cada vez mais plena.
 
Imagem: Adam sk ~ commonswiki/Wikimedia commons/Domínio Público
 O Triunfo da Liberdade , Jacques Réattu, 1794.
De acordo com Rousseau, porém, as características que ajudam a desenvolver a racionalidade
e a moralidade dos sujeitos também são aquelas que acabam levando o homem para uma vida
social conturbada.
A vida em sociedade, que se desenvolveria a partir dos encontros progressivos e casuais entre
os homens, é caracterizada pelo filósofo como uma disputa deles pelos mesmos bens e pela
transformação da subjetividade dos homens nesse espaço decorrente dessas disputas. É daí
que provém a máxima mais famosa de Rousseau: o homem nasce bom, mas a sociedade o
corrompe.
A corrupção tem a ver com o efeito da convivência com outras pessoas nas suas tendências
originais. Em uma situação em que os homens precisam disputar bens entre si, o amor de si
se tornaria um amor-próprio. Ele não é mais apenas um instinto de autopreservação, e sim
um amor que quer se preservar em detrimento dos outros. Eles passam, assim, a ser seus
adversários.
Essa disputa e as consequências dela são intensificadas pela introdução da propriedade
privada nas relações sociais modernas. A existência dessa propriedade não apenas torna
escassos certos bens materiais, como também cria estruturas de poder que deixam o amor-
próprio ainda mais tóxico.
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Pirâmide do Sistema Capitalista , ilustração publicada no jornal Industrial Worker, em 1911.
A liberdade se encontra ainda mais prejudicada, já que a disputa pelo reconhecimento, que
conseguiria satisfazer a nossas necessidades, se torna mais difícil diante do aumento das
desigualdades. Além disso, essas disputas entre relações desiguais estimulam que a
capacidade do homem de se aperfeiçoar seja mobilizada para conseguir satisfazer ao próprio
desejo de amor-próprio.
O que Rousseau observou, por fim, em suas análises da sociedade moderna é a tendência de
que os aspectos destrutivos do amor-próprio corrompem o que está à sua volta. A moralidade e
a razão, em vez de complementarem nossa compaixão, seriam deslocadas e postas a serviço
do impulso de dominar e explorar, tornando a vida em sociedade um imenso tormento para os
humanos.
IMMANUEL KANT
Immanuel Kant (1724-1804) é um filósofo que revolucionou os principais campos da Filosofia.
Seu principal impacto se deu no campo da teoria do conhecimento, área em que procurava
investigar os limites da razão ao diferenciá-la da nossa capacidade de conhecer.
 
Imagem: Sardanaphalus/Wikimedia commons/Domínio Público
 Retrato de Immanuel Kant , Johann Gottlieb Becker, 1768.
Na obra Crítica da razão pura (2017), escrita em 1781, Kant operou a chamada revolução
copernicana ao descrever a experiência do conhecimento como um contato com coisas que
estão fora de nós mediado por conceitos inerentes ao sujeito que conhece. Nesse sentido, a
estrutura do sujeito constitui a condição de possibilidade do conhecimento, o que Kant
denominou como seu elemento transcendental.
A diferença entre pensamento e conhecimento consiste no fato de que este sempre
depende de uma referência externa construída a partir dos conceitos internos, enquanto
aquele, por intermédio da razão, apenas elaboraria ideias e princípios logicamente
consistentes, ainda que sem referência a qualquer objeto exterior. Essa diferença foi elaborada
por Kant para delimitar o campo apropriado de atuação da razão e do pensamento.
Não é possível, apenas por meio da razão, entender o mundo e descrevê-lo adequadamente.
Existe, porém, uma função importante para a razão – e ela diz respeito ao campo da ética.
Como só podemos conhecer aquilo que tem relação com a experiência, certos temas e
questões não podem ser conhecidos. Deus, a liberdade e o mundo são algumas ideias que,
para Kant, não podem ser conhecidas por não constituírem coisas passíveis de serem
experimentadas por um sujeito. Isso significa que não faz sentido aplicar os conceitos
existentes para falar dessas coisas.
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ELEMENTO TRANSCENDENTAL
Os dados da experiência, aquilo que há de empírico, só podem ser conhecidos na
medida em que são enquadrados por conceitos, como os de causa e efeito – em suma,
pelas condições gerais de conhecimento do sujeito.
 EXEMPLO
Como os conceitos de causa e efeito ou de unidade.
Não faz sentido dizer que há “um” ou “muitos” deuses, pois, para Kant, os conceitos de unidade
e multiplicidade só fazem sentido para as coisas que são objetos da experiência. Tampouco
podemos afirmar se, do ponto de vista da experiência, somos livres ou não, já que nossos
corpos constituem objetos da experiência e são encarados em termos de causa e efeito, sendo
sempre objetos de uma determinação causal exterior.
Como a liberdade é justamente compreendida como a ausência de determinações causais, ela
não pode ser observada e conhecida na experiência. O que resta é elaborar, por meio da
razão, ideias e justificativas logicamente consistentes que sejam capazes de regular nossas
ações, mesmo que não seja possível provar se essas ideias são reais ou não.
É por isso que não interessa, para Kant, se somos livres de fato ou não (já que isso não é
possível conhecer), e sim se podemos agir como se fôssemos livres. Diante dessas
limitações, o problema ético, para esse filósofo, se põe a partir da pergunta: “o que devemos
fazer?”.
Esse problema surge a partir da tentativa de superar as máximas morais subjetivas e
contingentes que tradicionalmente guiam as ações do homem. O que Kant considera
problemático nessas máximas não é tanto o seu conteúdo, e sim o fato de que, por serem
subjetivas – isto é, contingentes e baseadas em hábitos e costumes –, elas não podem aspirar
a uma posição de lei capaz de conduzir nossa conduta moral.
Para ele, a possibilidade de leis universais decorre de:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Ideia comum do dever.
Leis morais que podem ser pensadas pela razão.
Contudo, se valem como leis, essas leis morais não podem ser contingentes. Elas, na verdade,
precisam valer universalmente.
 COMENTÁRIO
É por isso que pouco importa o conteúdo da lei quando se trata de avaliar uma ação ética. Para
que haja uma ação moral, não basta que ela coincida com a lei (que uma ação realize o que
está nela). Para ser moral, ela deve sê-lo por causa da lei, ou seja, é preciso encontrar suas
condições em conceitos da razão pura.
Para Kant, portanto, não é o homem que dá razão às leis morais. Elas é que se impõem a ele
na medida em que o homem é racional. Dessa forma, era vital para seu projeto distinguir entre
os elementos contingentes e os racionais puros, porque só assim seria possível passar de
um âmbito de uma moralidade contingente para o de uma vida ética racional.
Reencontrando uma clássica questão da história da filosofia, Kant definiu como o maior bem
possível a boa vontade. Mas o que ela seria? É nesse ponto que as posições dos filósofos
começam a divergir e que vemos o caminhopróprio de Kant.
Para ele, a boa vontade está relacionada à vontade de realizar o seu dever, isto é, de se
submeter a uma máxima moral (algum critério que permita agir da melhor maneira possível) na
hora de realizar suas ações. Vê-se nesse ponto que, para Kant, ocorre uma ação moral à
medida que existe um critério que determina e orienta a maneira de agir.
Para compreender melhor esse conceito de boa vontade, o filósofo quis falar do conceito de
dever, visto que:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
A ação moral está contida no agir.
As restrições que o agir impõe apenas destacam mais a ação moral.
Devemos distinguir uma ação realizada por conta do dever e outra que decorre do simples fato
de nos conformarmos a ele. Não importa simplesmente se minhas ações se alinham com
aquilo que eu devo fazer, uma vez que isso implica apenas uma coincidência com a lei moral –
e não uma submissão a ela.
As ações realizadas por dever não dependem de fins, sendo julgadas apenas a partir da
máxima que serviu de orientação. Não importa tanto o efeito produzido pela ação, e sim aquilo
que a determinou, ou seja, a intenção daquele que realiza a ação independentemente de seu
resultado.
Por último, Kant argumenta que o dever é sempre a necessidade de uma ação por respeito a
uma lei. Mas como aceder a esse ponto em que só me submeto à lei?
Para Kant, apenas a “representação da lei em si mesma”, isto é, uma esfera completamente
racional sem a interferência de qualquer inclinação interna ou pressão externa, pode constituir
o bem moral. Dessa forma, a única lei que podemos assumir é a de legalidade universal, ou
seja, que condiciona qualquer ação moral a se submeter à própria estrutura da legalidade
universal.
Deriva daí a máxima kantiana (2009) denominada imperativo categórico. Segundo tal
imperativo, nunca devo proceder de outra maneira, senão de tal sorte que eu possa também
querer que a minha máxima se torne uma lei universal.
O que está em jogo é que as ações morais:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Sejam capazes de se conformar à estrutura da legalidade.
Possam ser respeitadas sem nenhuma inclinação ou interferência de interesses,
sendo somente determinadas pela razão.
Portanto, a única lei existente é uma espécie de meta-lei. Trata-se, em suma, da possibilidade
de que a ação se conforme à estrutura de lei.
Podemos estabelecer uma clara diferença, portanto, entre aquilo que se quer e aquilo que se
deve. O querer não poderia ser universalizado sem prejuízos, vindo daí a impossibilidade de
me basear em minhas inclinações para formular leis.
Retomemos sua máxima: posso querer a mentira, mas não querer que ela se torne uma lei
universal. E é nesse ponto que vemos a importância de se sair da esfera da moralidade
subjetiva em direção a uma objetiva. Só a partir de um ponto objetivo é possível postular, de
fato, uma lei sem que nenhum elemento particular ou contingente impeça a sua
universalização.
 RESUMINDO
Para Kant, enfim, a liberdade não é uma capacidade de agir da maneira que se deseja, pois
não é possível que qualquer ação nossa possa ser conhecida sem que ela esteja encadeada
em alguma rede causal. A ação só é livre de um ponto de vista da intenção, pois, sob esse
aspecto, ela não se encontra determinada por qualquer inclinação interna ou uma pressão
externa a impeli-la em alguma direção.
JEREMY BENTHAM E JOHN STUART MILL
O utilitarismo é uma doutrina elaborada na Modernidade que segue exercendo uma influência
significativa na ética contemporânea. Suas bases foram elaboradas sobretudo por Jeremy
Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873).
 
Imagem: Dcoetzee/Wikimedia commons/Domínio Público
 Retrato de Jeremy Bentham , Henry William Pickersgill, 1875.
Tendo surgido entre a Revolução Francesa e as crises que assolaram o século XX, o
utilitarismo procura elaborar uma teoria ética normativa que nos permite analisar de modo
eficaz as situações em que nos envolvemos a partir de princípios morais facilmente
identificáveis. Pode-se dizer, por isso, que esse pensamento é fortemente influenciado pelos
avanços nas ciências naturais.
Inspirado pela tradição empírica inglesa, o utilitarismo procura uma base material para
conseguir se orientar no campo da ética (BENTHAM; MILL, 1979). Para ele, o ser humano tem
como princípio moral último a busca pela felicidade.
Isso significa que as ações seriam avaliadas conforme a sua capacidade de promover maior ou
menor felicidade. Nesse contexto, qualquer ação que não contribuísse com esse esforço seria
moralmente equivocada. A felicidade, entretanto, não era definida de modo abstrato.
Como Bentham procurava dar uma base sólida para a investigação ética inspirada na
capacidade objetiva das ciências naturais, sua definição de felicidade assumia como
fundamento a presença de prazer e ausência de dor. Trata-se de uma definição oriunda da
própria visão que o filósofo tinha dos seres humanos: seres que se orientam em direção ao
prazer e para longe da dor.
A filosofia de Bentham, porém, não tem uma preocupação puramente egoísta: ele também
afirmava que o princípio da busca por prazer envolve um elemento de simpatia. Como
procuramos maximizá-lo e nossa vida social depende às vezes da realização do interesse dos
outros, há momentos em que privilegiamos a realização do prazer do outro para que o prazer
geral possa ser alcançado.
Foto: Scewing/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0
 Retrato de John Stuart Mill.
John Stuart Mill foi um seguidor de Bentham que procurou levar adiante seu utilitarismo ao
complexificá-lo. Para ele, nossa tarefa, como sujeitos éticos, seria procurar investigar quais são
os tipos de prazeres mais desejáveis e quais contribuiriam para a promoção geral de felicidade
em uma sociedade.
Para dar conta desse projeto, Mill (1979) acabou descrevendo o projeto utilitarista a partir do
princípio de que:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
A felicidade é a única coisa desejada em si mesma pelos indivíduos.
Qualquer outra coisa que é desejada só é na medida em que constitui um meio
para outro desejo.
Uma de suas principais contribuições a essa corrente – e que fazia seu pensamento divergir do
de Bentham – foram suas formulações sobre a natureza do prazer. Enquanto ele, para
Bentham, podia ser distinguido apenas de maneira quantitativa (mais ou menos prazer), Mill
tentava, em sua filosofia, diferenciar os tipos de prazer qualitativamente distintos. Isso significa
a existência de certos prazeres mais valorosos.
 EXEMPLO
Os prazeres intelectuais seriam, segundo Mill, qualitativamente melhores que os carnais (da
ordem do corpo) por permitirem que os seres humanos não fossem reduzidos a meros animais.
Trata-se, portanto, de um esforço para estabelecer um elemento propriamente humano na ética
ao destacar prazeres que apelam para faculdades mentais, as quais, em tese, seriam
exclusivamente humanas.
 RESUMINDO
Vê-se, assim, como a tradição utilitarista representada por Bentham e Mill procurava
determinar um conteúdo positivo para a felicidade a fim de que as ações éticas pudessem ser
realizadas de forma mais eficaz. Observa-se ainda que, como a questão é promover não a
felicidade de indivíduos singulares, e sim o bem geral, haveria uma tendência para o
surgimento de uma maior igualdade entre os indivíduos de determinada comunidade.
Agora, o professor Gustavo Pereira comenta aspectos da ética na filosofia de Kant.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A FILOSOFIA DE ROUSSEAU É CONHECIDA PELA IDEIA DE QUE O
HOMEM NASCE BOM, MAS A SOCIEDADE O CORROMPE. A PRINCIPAL
CAUSA DESSA CORRUPÇÃO PARA O FILÓSOFO É
A) Efeito dos desenvolvimentos tecnológicos decorrentes, uma vez que os seres humanos
passam a cooperar a partir disso.
B) O surgimento de forças religiosas que bloqueiam os caminhos da razão natural que existe
dentro dos humanos e os submetem à suaautoridade.
C) A transformação do amor de si em amor-próprio a partir do momento em que a vida dos
homens se desenvolve de forma socializada com outros seres humanos.
D) A presença de estruturas de educação na sociedade que promovem o desenvolvimento da
razão e da compaixão pelo outro.
E) A natureza antissocial do ser humano, que possui em si apenas um princípio de
autopreservação.
2. NO CAMPO DA ÉTICA, O PENSAMENTO DE KANT PROPUNHA COMO
PROBLEMA ESTA QUESTÃO: “O QUE DEVEMOS FAZER?”. SEU
OBJETIVO ERA CONSEGUIR PRODUZIR UMA RESPOSTA
UNIVERSALMENTE VÁLIDA. ENTRE AS OPÇÕES ABAIXO, QUAL
RESPOSTA INDICA O CAMINHO ESCOLHIDO PELO FILÓSOFO?
A) Agir eticamente é concordar com os costumes de determinado momento e local.
B) Os valores éticos são ideias universais que podem ser descobertos por meio do uso da
razão a fim de que possamos guiar nossas vidas com seu auxílio.
C) Não existe uma vida ética, pois todos os humanos seriam sempre submetidos a uma ordem
causal que excluiria sua liberdade e, portanto, sua capacidade de se decidir sobre como agir.
D) A vida ética é pautada por uma capacidade de os sujeitos serem flexíveis e disponíveis
diante dos desafios do mundo.
E) A ação ética não possui nenhum conteúdo em si e consiste na sua capacidade de se
adequar a uma estrutura universalizável que evita qualquer inclinação particular.
GABARITO
1. A filosofia de Rousseau é conhecida pela ideia de que o homem nasce bom, mas a
sociedade o corrompe. A principal causa dessa corrupção para o filósofo é
A alternativa "C " está correta.
 
Para Rousseau, o amor de si é uma tendência do ser humano de cuidar da sua
autopreservação. Em condições sociais nas quais os recursos naturais sejam limitados,
passando a ser disputados, esse amor se transmuta em um amor-próprio no qual o cuidado
consigo mesmo é experimentado de modo comparativo.
2. No campo da ética, o pensamento de Kant propunha como problema esta questão: “o
que devemos fazer?”. Seu objetivo era conseguir produzir uma resposta universalmente
válida. Entre as opções abaixo, qual resposta indica o caminho escolhido pelo filósofo?
A alternativa "E " está correta.
 
Para Kant, qualquer determinação positiva do conteúdo das ações éticas e morais implicaria
uma delimitação por intermédio de inclinações internas ou externas ao sujeito, o que retiraria o
caráter universal pretendido pelas ações éticas.
MÓDULO 4
 Reconhecer os principais dilemas éticos explorados pelo pensamento na Era
Contemporânea
ERA CONTEMPORÂNEA
 
Foto: desconhecido/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0
 Cidade de Dresden, na Alemanha, após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945).
Após séculos de desenvolvimento de uma razão moderna amparada pelos avanços no campo
das ciências, o que passa a ser questionado ao longo do século XX é a hegemonia da razão
construída ao longo da Modernidade. Esse século também ficou marcado, sobretudo, pelas
suas duas Grandes Guerras. Enquanto a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, se
destacou pela escala inédita de destruição, morte e sofrimento, a Segunda Guerra Mundial
trouxe os horrores do genocídio de judeus produzido pelos nazistas.
Sofrimentos incalculáveis acabaram, portanto, pondo em questão as capacidades da razão e
obrigando os filósofos a repensarem como se constrói uma vida ética. Isso acabou também
obrigando a Filosofia a se perguntar sobre seu papel diante desse horror.
É por isso que pensadores como Jean-Paul Sartre e Lawrence Kohlberg buscaram
compreender as condições do nosso desenvolvimento moral. Por outro lado, autores como
Michel Foucault e Carol Gilligan demonstraram de que modo as próprias empreitadas éticas
são sempre, já em alguma medida, atravessadas por dimensões políticas e sociais.
 EXEMPLO
Formas de dominação política ou estruturas de opressão de gênero.
JEAN-PAUL SARTRE
O escritor e pensador francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um dos filósofos mais influentes
do século XX. Ele é considerado a principal figura do existencialismo, uma corrente que
procurava pensar a humanidade a partir da ausência de sentido na vida.
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Foto: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Simone de Beauvoir e Sartre em Pequim, em 1955.
EXISTENCIALISMO
Para Abbagnano (1998, p. 402), “costuma-se indicar por esse termo, desde 1930
aproximadamente, um conjunto de filosofias ou de correntes filosóficas cuja marca
comum não são os pressupostos e as conclusões (que são diferentes), mas o
instrumento de que se valem: a análise da existência”.
A experiência que introduz o problema com que se ocupa a filosofia sartriana é um sentimento
de náusea no qual se revela o caráter absurdo da existência. Esse sentimento não é
provocado por algo em particular, e sim pela simples percepção de que nossa experiência não
tem qualquer sentido além daquele que estamos experimentando.
A náusea, portanto, é a porta de entrada na discussão sartriana sobre o vazio que é a
existência. Ela nos impõe a necessidade de encontrar um sentido para a nossa vida diante
dessa situação. O existencialismo, porém, não indica apenas essa sensação de náusea. Ele
constitui, na verdade, as formas de se responder a ela.
Em primeiro lugar, diante do absurdo, é necessário buscar algum sentido que justifique as
nossas vidas. Sartre chamava essa busca de humanismo.
Nesse contexto, o ser humano não é nada além da sua consciência. Isso significa que, para
Sartre, o sujeito não é nada em si, sendo apenas o movimento de se direcionar ao que está
fora dele. Como a consciência é um direcionar-se a algo, ela significa algo justamente em
relação ao próprio exterior.
Essa forma de conceber a consciência implica a divisão do mundo apresentada na obra O ser
e o nada . Segundo Sartre (2015), há, de um lado, uma consciência, ou seja, um sujeito, e, de
outro, as coisas percebidas pela consciência, ou seja, os objetos.
O que é visado pela consciência, ou seja, os objetos, são o ser, uma vez que eles são aquilo
que se apresenta para uma consciência. Ela, por sua vez, enquanto um visar, constitui um
nada, sendo uma estrutura vazia que só possui realidade à medida que se dirige a um objeto.
Esse conceito remonta à tradição fenomenológica e ao pensamento de Edmund Husserl, que
concebia nossa subjetividade como uma intencionalidade. Trata-se de uma estrutura que
sempre se dirige a alguma coisa (a um objeto).
A consciência é vazia por não ser, em si, nenhum objeto, mas apenas um movimento que se
dirige a algo fora de si. Sartre, porém, não se restringiu aos elementos epistêmicos da noção
de consciência herdados da tradição fenomenológica.
Essa questão chamou a sua atenção pelas implicações que esse ser nada tem para a própria
existência do sujeito. É justamente por nossa subjetividade ter essa estrutura que nossa
existência resulta numa experiência de absurdo.
Por outro lado, se a consciência tem realidade apenas na medida em que visa a algo (ou seja,
se ela é mais do que um vazio), isso significa que é na relação com o seu objeto que se pode
conquistar um sentido ou não para a vida. Quando se lida com outras pessoas, o caráter vazio
da subjetividade acaba transparecendo por meio de uma crise.
Ao olharmos para outro sujeito, vemos nele algo que aparece para a consciência, ou seja,
surge como um objeto. Olhando no seu olho, percebemos que ele é mais do que uma mera
coisa. Seu olhar, como Sartre sublinha, mostra que ali também há um sujeito que visa a outros
objetos.
O outro que olho também é uma consciência; por conta disso, ele não é um ser, e sim um
nada. O problema dessa situação é que, ao tomar esse objeto da consciência como outra
consciência, o primeiro sujeito acaba indiretamente se percebendo como objeto para esse
outro.
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SER
Ou, nesse contexto, aquilo que é visto, percebido.
VISAR
Ou, nesse contexto, aquilo que vê, percebe.
TRADIÇÃO FENOMENOLÓGICA
A fenomenologia é a “descrição daquilo que aparece (fenômeno) ou ciência quetem
como objetivo ou projeto essa descrição”, afirma Abbagnano (1998, p. 437).
Porém, como ele está ciente de seu caráter vazio, o que essa situação lhe provoca é uma
sensação de incompletude que deixa o sujeito envergonhado. É com isso em mente que Sartre
disse sua famosa frase: o inferno são os outros.
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Caronte carrega almas através do rio Estige , Alexander Litovchenko, 1861.
É aqui, contudo, que se encontra o maior obstáculo para a consciência. Em seu esforço de
encontrar algum sentido, sobretudo diante do olhar do outro, há uma tendência de querer
encontrar para si um fundamento.
Trata-se de um desejo de ser o outro a que ela visa e que, diferentemente dela, é algo. Por
esse caminho, a consciência esquece seu vazio constitutivo e se identifica com alguma forma
de ser. Sartre chamava isso de má-fé.
Quando assumimos alguma propriedade, como uma profissão, e nos definimos a partir dela,
estamos diante da má-fé. Ela não provém de um juízo de valor sobre a propriedade a que
aderimos, e sim da negação do vazio que constitui a nossa subjetividade.
Para Sartre, dado o aspecto absurdo que nos caracteriza, podemos dizer que nossa existência
precede nossa essência. Não há nada que possamos dizer de nossa subjetividade além da
vida que ela leva.
O que está implicado aí é o seguinte: como o sujeito é um nada, ele também possui uma
liberdade absoluta, já que nada o determina de antemão.
A má-fé, portanto, é má ao negar a nossa própria liberdade. No pensamento de Sartre, devido
à ausência de qualquer fundamento, apenas os nossos atos concretos podem nos definir e
justificar a nossa vida. A consequência disso é não existir qualquer fundamento absoluto que
possa nos eximir de tomar as decisões que constroem nossa vida.
A existência, em última instância, significa o exercício dessa liberdade a que estamos
condenados. Por conta disso, até negar essa liberdade por meio da má-fé constitui uma
escolha dos sujeitos.
MICHEL FOUCAULT
Michel Foucault (1926-1984) foi um filósofo francês que investigou as formas de saber, de
poder e de subjetivação que, com ênfase na Modernidade, se desenvolveram na história do
Ocidente. A verdade de um sujeito e o que importa numa vida, como, por exemplo, viver
adequadamente, são, afinal, questões que perpassam toda a humanidade.
Para Foucault, a forma como esses problemas se colocam varia conforme a situação histórica.
Ademais, a face ética da filosofia foucaultiana não se desenvolve sem uma articulação com
outros dois grandes temas de sua obra:
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Processos de subjetivação.
Formas de poder e saber que constituem os sujeitos.
Os processos de subjetivação se produzem diante de formas de poder que dominam e
delimitam a capacidade dos sujeitos. Por sua vez, essas formas não deixam de se desenvolver
com o auxílio de saberes e conhecimentos que se constroem em determinado momento
histórico.
Para Foucault (2012), o saber não é simplesmente um conhecimento da realidade que pode
ser produzido em qualquer condição. O que chamamos de “ciência” era pensado pelo filósofo
como um conjunto de relações de diversos discursos em determinado momento histórico.
É a partir da maneira como esses discursos se organizam, do modo como eles estabelecem
suas relações de diferença, oposição e distância, entre outros exemplos, que se constitui uma
divisão entre o que, em determinado momento, é um pensamento científico e o que não é.
Nesse caso, a configuração específica dos discursos é responsável por determinar o que pode
ser objeto do conhecimento em determinado contexto.
Esse jogo, entretanto, não se dá no vácuo. É possível observar que o discurso científico está
sempre associado a um jogo de poder.
Os saberes de determinado momento são mobilizados no desenvolvimento das formas de
poder do momento. Foucault, porém, não pensa o poder em termos clássicos. E é justamente
esse deslocamento que torna o conceito tão relevante no campo ético.
No primeiro volume da História da sexualidade , Foucault (2020) afirmou que o poder que ele
procurava descrever não é aquele tipo exercido por governos ou Estados. Interessava-lhe o
poder enquanto algo que constitui as próprias relações sociais como um todo, de modo que
todas as relações entre as partes sejam relações de poder.
 ATENÇÃO
Para Foucault, o poder não é algo impeditivo. Pelo contrário: ele é produtivo. Ou seja, as
relações de poder existem não à medida que “não se pode” fazer algo, e sim apenas quando
“se força a fazer algo”. O poder, como Foucault não se cansava de repetir, produz. Ele sempre
é, portanto, uma ação sobre a de outro.
Podemos entender melhor a relação entre saber e poder a partir das formulações feitas por
Foucault em Vigiar e punir . Nessa obra, o filósofo (2014) elaborou um retrato da gênese de
uma sociedade disciplinar no continente europeu a partir do século XVIII.
Isso era diferente da situação anterior na qual o poder se organizaria a partir da soberania do
rei. Se essa transformação aconteceu, é porque se tratava de um momento em que o mundo
estava se transformando. A industrialização desse período precisava de cada vez mais
trabalhadores que pudessem ocupar postos nas fábricas.
Nesse ponto, um dos principais focos da sociedade passou a ser a produção de um tipo de
cidadão específico apto a ocupar o lugar de trabalhador fabril da maneira mais eficiente
possível. O Estado começou a se ocupar cada vez mais de um controle sobre a vida da
população para maximizar a sua capacidade produtiva.
Para conseguir dar forma à vida dos indivíduos, realizou-se, ao longo dos séculos XVIII e XIX
na Europa, uma disciplinarização da sociedade que permitisse o controle de parte da
população. Dois mecanismos foram empregados para esse fim: o poder disciplinar e o controle
biopolítico.
 COMENTÁRIO
Ainda que Foucault estabeleça uma distinção entre essas duas práticas, é possível observar
como uma está relacionada à outra. Se o poder disciplinar diz respeito ao controle de
indivíduos, o biopolítico trata do controle populacional. Por isso, o poder biopolítico procura
constituir indivíduos (subjetividades) submissos aos interesses do governo por intermédio de
um controle populacional ou da apropriação de técnicas disciplinares que deixam seus corpos
domados.
Se é possível dizer que essas técnicas disciplinares se misturam ao poder biopolítico, é porque
a maneira como elas se espalham em diversos meios acaba produzindo corpos dóceis em
todas as áreas de uma população. Isso não quer dizer, porém, que elas tenham sido criadas
com a finalidade de atender aos interesses de um governo.
As técnicas disciplinares surgiram de maneira autônoma, sem qualquer objetivo superior que
orientava seu desenvolvimento. O que acontece é que, à medida que o tipo de corpo que elas
produzem interessa ao Estado, essas técnicas passam a ser incorporadas nos seus
mecanismos de controle.
 
Imagem: desconhecido/Wikimedia commons/Domínio Público
 Foucault, em sua análise da sociedade disciplinar, referiu-se a um modelo de prisão,
concebido por Jeremy Bentham, chamado de Panóptico, que facilitaria o controle sobre os
presos devido à impressão de constante vigilância. Acima, um desenho de Willey Reveley de
uma prisão panóptica.
Isso é visível sobretudo na maneira como o ensino público universal passou a ser
institucionalizado na França após a Revolução Francesa. Uma consequência dessas dinâmicas
é que a consolidação dessas práticas na sociedade fez com que elas acabassem refletindo
sobre si mesmas a ponto de se organizarem como disciplinas e campos de saber.
Esses campos, porém, não são neutros, uma vez que as práticas que se desenvolvem são
aquelas atreladas aos interesses do Estado em gerir a vida das pessoas. Há, portanto, uma
série de disciplinas científicas que não têm nada de neutras, visto que um dos seus efeitos é
produzir um saber que pode

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