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6 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Contextualização A contextualização desta unidade é de caráter geral para se entender o contexto local através do documentário “A Doutrina do Choque”. Abaixo você encontrará o link para assistir ao documentário baseado no livro da jornalista Naomi Klein e refletir sobre o contexto do conteúdo teórico desta unidade. Tente perceber a ocorrência, no Brasil, de algumas das iniciativas propugnadas pelos “Chicago boys”. Após um momento de crise e caos político-econômico, guardando suas devidas proporções, foram aplicadas medidas econômicas no nosso país que só fizeram aprofundar as diferenças entre ricos e pobres. Na atual conjuntura, ainda de crise internacional, o país tenta se levantar, com avanços e recuos, das imposições do neoliberalismo e implantar uma política econômica um pouco menos selvagem, apesar da insatisfação dos que sempre ganharam com as crises. A Doutrina do Choque - Naomi Klein https://youtu.be/Y4p6MvwpUeo A doutrina do choque Naomi Klein, Ed. Nova Fronteira O filósofo italiano Giorgio Agamben já demonstrou como a política trabalha secretamente na produção de emergências. Só que faltava um ponto de vista jornalístico, apurado e certeiro, sobre a natureza e as dimensões do fenômeno. Essa parece ser a proposta de Naomi Klein nesse livro. Logo no primeiro capítulo, ao entrevistar Gail Kastner, remanescente das experiências da CIA com eletrochoques nos anos 1950, Klein define a obra como “um livro sobre o choque”, ou, se preferirmos, sobre como o capitalismo lucra com a dor dos outros diante da desgraça. O livro descreve inicialmente como os países ficam impactados por causa de guerras, ataques terroristas, golpes de Estado e desastres naturais, e, em seguida, são submetidos a novos choques políticos e econômicos, por meio de desregulamentações, privatizações e cortes dos programas sociais – doutrina neoliberal desenvolvida pelo economista Milton Friedman (1912-2006), professor da Escola de Economia de Chicago. E quem ousar resistir às medidas impostas corre o risco de ser torturado com novos choques (elétricos). Como disse Eduardo Galeano, muito citado no livro, “Friedman ganhou o Nobel e o Chile ganhou Pinochet”. O complexo político-econômico gerado por esse estado de choque contínuo é o capitalismo de desastre, “incapaz de distinguir entre destruição e criação, entre ferir e curar”, conforme atestam os exemplos analisados no livro. Parte-se do mito do milagre chileno, a primeira aventura dos “Garotos de Chicago” nos anos 1970, passando pela terapia de choque em vários países da América Latina na década de 1980. Seguem-se crises na China, Polônia, África do Sul e Rússia; a “pilhagem” da Ásia nos anos 1990; a doutrina militar do “choque e pavor” no Iraque pós-11/9; o tsunami de 2004 no Oceano Índico e as privatizações que ocorreram no 7 rastro do furacão Katrina, em 2005. A doutrina do choque é altamente recomendável a todos que esbravejam contra os desmandos do regime chinês, sem se darem conta de que a Cisco, a General Electric, a Honeywell e o Google, entre outras empresas, vêm trabalhando de mãos dadas com os governos locais para permitir o monitoramento remoto da internet e fornecer a infraestrutura para um dos maiores complexos policialescos do planeta. Silvio Miele Jornalista e professor do Departamento de Jornalismo da PUC-SP Fonte: http://www.diplomatique.org.br/resenhas.php?edicao=15 8 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Introdução A democracia começou a ser forjada entre os anos de 1979 e1981 e não foi feita pelos partidos políticos coalhados de setores da elite brasileira aliada ao capital internacional. A luta pela democracia começou com os movimentos sociais. Para a elite, a ditadura estava “muito bem obrigado” até seus ganhos astronômicos serem reduzidos. Apesar de ganharem com a inflação, a elite queria mais; a elite quer sempre mais. Qualquer política que favoreça a classe média baixa e os miseráveis une a elite. Como ela se uniu no passado. Foram os “Mesquitas” e “Marinhos” os apoiadores de tentativas de golpes desde 1954 e do golpe “bem sucedido” em 1964. Para saber mais sobre esse tema, é imprescindível recorrer às análises de Thomas Skidmore, Brasil de Getúlio a Castelo, ou aos documentos da “Comissão Verdade”, que revelam a participação do mandatário da Rede Globo, Roberto Marinho, na articulação que manteve o Golpe em 1964. Porém a sociedade pressionou pela abertura: Os movimentos sociais desdobram-se. De 1979 a 1981, houve uma primeira onda grevista, atingindo todos os estados da Federação. Os trabalhadores tentavam preservar seus ganhos frente à inflação descontrolada. Em agosto de 1981, realizou-se a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras – Conclat. [...] Em agosto de 1983, fundou-se a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Os que dela divergiam, articularam uma alternativa: a Confederação Geral dos Trabalhadores- CGT. Não poucos imaginaram que ali se formava um sindicalismo autônomo em relação aos partidos e ao Estado, organizado pela base. E o batizaram de “novo sindicalismo”. [...] O maior movimento do período teve caráter político: as Diretas Já. Objetivavam aprovar pelo Congresso Nacional o restabelecimento das eleições diretas para a presidência da República, marcadas, de forma indireta, para janeiro de 19851. Feridos, mas não vencidos, os movimentos sociais foram se articulando; alguns se uniram aos partidos de esquerda. O candidato governista do PDS foi derrotado. E a história dos avanços e recuos da democracia adormecida pela longa ditadura começou a ser contada com Sarney, Collor, FHC, Lula e, ainda, procura se firmar nos dias de hoje e, ainda, com avanços e recuos... Em telegrama ao Departamento de Estado Norte-Americano, embaixador Lincoln Gordon relata interlocução do dono da Globo com cérebros do golpe em decisões sobre sucessão e endurecimento do regime: Confira o artigo original no Portal Metrópole: 1 REIS, Daniel Aarão. A vida Política. In, REIS, Daniel Aarão (Coord.). v. 5, Modernização, Ditadura e Democracia 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 106. 9 Fonte: portalmetropole.com [...] a atual experiência em Guanabara, com a nomeação do marechal Lott do PTB, numa franca plataforma antirrevolução e com o apoio comunista, bem ilustrou os perigos. [...] Marinho estava definitivamente satisfeito ao final da conversa com o fato de que Castello não seria mais firme oposição e iria até cooperar [...] deslocaria a eleição presidencial de 1966 da forma direta para a indireta no Congresso. Isto relata a conversa altamente confidencial no almoço de sexta-feira com Roberto Marinho, editor do Globo, sobre o problema da sucessão presidencial. A proteção da fonte é essencial. Por alguns meses, Marinho estava convencido de que a manutenção de Castello Branco como presidente para um novo mandato é indispensável para a continuidade das políticas do atual governo [...] com o grupo incluindo o general Ernesto Geisel, chefe da casa militar da presidência, general Golbery, chefe do serviço de informação nacional, Luís Vianna, chefe da Casa Civil [...] Marinho teve uma conversa em almoço privado com o presidente, na qual ele achou Castello fortemente resistente a qualquer forma de continuação do mandato ou à reeleição [...] ter Juracy Handy como possível candidato alternativo e melhorar o funcionamento deste ministério politicamente importante, cujo atual cabeça Milton Campos é altamente respeitável, mas um cavalheiro idoso totalmente fora de moda. 10 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Sarney: Presidente do Acaso O presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, foi o candidato da oposição, Tancredo Neves, pelo PMDB, que derrotou o candidato governista, Paulo Maluf, do PDS. Após a emenda constitucional Dante de Oliveira não ter conseguido maioria absoluta nas votações do dia 25 de abril de 1984, pois faltaram 22 votos para a aprovação da emenda,a oposição se articulou e saiu vitoriosa. A única coisa que não estava nesse script foi que, antes de assumir o posto para o qual foi escolhido, o presidente eleito faleceu, no dia 21 de abril, após sofrer uma intervenção cirúrgica. O país ficou comovido com a situação, mas, no dia 15 de março, já havia assumido o posto o candidato a vice-presidente, o senhor José Sarney. Dessa vez não houve golpe na constituição! O novo presidente assumiu um país afundado na inflação e com sérios problemas para pagar a dívida externa. Houve, em seu mandato, um pedido de moratória da dívida externa. Para driblar os problemas, a equipe econômica apelou para a edição do Plano Cruzado, uma nova moeda que deu momentos de sucesso ao governo Sarney. No início de 1986, houve congelamento de preços e salários, mas a euforia durou pouco tempo; antes das eleições para governadores e para o Parlamento Federal, que iria elaborar a nova constituição brasileira, a situação econômica já estava patinando. As eleições foram um verdadeiro sucesso para a “ex-oposição”, agora no comando do governo. O PMDB conseguiu eleger os governadores em quase todos os estados. A exceção foi o estado do Sergipe. Para a constituinte, o PMDB fez maioria absoluta no Congresso. O país todo estava com as atenções voltadas para o Congresso Nacional e para a elaboração da Carta Constituinte. Havia uma enorme pauta para ser votada. Os trabalhos foram comandados pelo político mais expressivo daquele contexto, o deputado Ulisses Guimarães, que, “numa extensa pauta, consagrou direitos políticos e sociais e as tradições corporativas e nacional- estatistas, de profundas raízes históricas e que se haviam reforçado, com aspectos próprios, no período ditatorial”2. As ideias liberais prevaleciam no campo econômico. Margareth Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, davam impulso ao neoliberalismo selvagem. A “diplomacia” das potências seguia a cartilha militarista, mas a constituição brasileira optou pelo viés social. Infelizmente a Constituição nem sempre é respeitada quando se trata de interesses econômicos de mercados tão grandes, como é o caso do Brasil. Políticos de esquerda que, antes, lutavam pela igualdade social, pela liberdade e pela democracia desvirtuaram-se e passaram a seguir a cartilha neoliberal, como veremos. A “constituição-cidadã” – era assim que Ulysses Guimarães gostava de chamar nossa Constituição de 19883 -, vigente até os dias de hoje, ainda não conseguiu ser implantada como deveria: a questão indígena; a reforma agrária; a educação como direito do cidadão e dever do estado; a reforma política, entre outras reformas sociais patinam diante dos interesses do agronegócio, das grandes corporações e dos financistas que lucram com o “quanto pior melhor”, pois ganham com as crises econômicas. Com isso, aprofundam-se as desigualdades sociais em países como o Brasil, na América Latina, na África e na Ásia, mercados emergentes que fazem o jogo econômico ditado pelos países ricos. 2 REIS, Daniel Aarão. A vida Política. In, REIS, Daniel Aarão (Coord.). v. 5, Modernização, Ditadura e Democracia 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 108-109. 3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 11 “O país estava na contracorrente do que se passava no mundo. De fato, os anos 1980 assinalaram o triunfo do chamado neoliberalismo. [...] No fim da década, caiu o Muro de Berlim e, em 1991, desintegrou-se a URSS. Na Europa Ocidental, núcleo histórico das propostas de estado de Bem- Estar Social, os partidos socialistas recuavam sob a ofensiva das ideias liberais”4. O contexto econômico não ajudava muito a implantar no país as políticas sociais necessárias para diminuir as desigualdades, nem o mercado se esforçava para que isso fosse possível. O capitalista nunca esteve disposto a abrir mão de seus lucros em prol da diminuição da miséria. O Brasil, nos primeiros anos após a abertura democrática, capengava economicamente; a salvação da pátria nesses primeiros anos de abertura foi mesmo a elaboração da Constituição promulgada no ano de 1988. Durante os trabalhos da Constituinte, entre 1987 e 1988, falido o Cruzado, outro plano veio à tona: o Plano Bresser (junho de 1987). Fracassou. Ainda haveria outro: Plano Verão (janeiro de 1989), com pífios resultados. A inflação alcançou, a taxas anualizadas, o patamar de 1.700%. Diante da liderança de Ulysses Guimarães, presidente do Congresso e da Constituinte e grande líder das Diretas Já, Sarney parecia diminuído. Só lhe restou a batalha – inglória – de manter a duração do mandato, podado de seis para cinco anos. Assim, desgastado e criticado por todos, passou a faixa presidencial ao sucessor, em março de 19905. Conturbado economicamente, Sarney deixou como legado positivo apenas a “Constituição- Cidadã”. Foi mais de um ano e meio de trabalho – durou de 1º de fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988 – criando muitas expectativas na sociedade. Parecia que as pessoas esperavam uma constituição que resolvesse todos os problemas do país e não apenas os direitos dos cidadãos e das instituições do país. A carta foi muito criticada por tentar tratar de “tudo”. Para Boris Fausto, “por entrar em assuntos que tecnicamente não são de natureza constitucional, refletiu as pressões dos diferentes grupos da sociedade. Em um país cujas leis valem pouco, os vários grupos trataram de fixar o máximo de regras no texto constitucional”6. No governo Sarney formou-se um grupo denominado “Centro Democrático”, composto principalmente pelos partidos aliados – PMDB, PFL, PTB, PDS – e coalhado de conservadores. Esse grupo ficou conhecido como “Centrão”, que teve forte influência nos trabalhos da constituinte. “[...] o centrão foi apoiado pelo poder executivo, eles barganhavam apoio político como, por exemplo, o aumento em um ano do mandato presidencial, e recebiam em troca desse apoio político: cargos públicos ou concessões de canais de televisão e emissoras de rádio. Durante o mandato do presidente Sarney, a imprensa registra numerosos casos de corrupção e Nepotismo”. (Priori & Venâncio, 2001, p.379) 4 REIS, Daniel Aarão. A vida Política. In, REIS, Daniel Aarão (Coord.). v. 5, Modernização, Ditadura e Democracia 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 109. 5 REIS, Daniel Aarão. A vida Política. In, REIS, Daniel Aarão (Coord.). v. 5, Modernização, Ditadura e Democracia 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 110. 6 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2001, pp. 288-289. Fonte: Wikimedia Commons 12 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Como estava indo na contramão do mundo neoliberal, a Constituição consagrou medidas em que o Estado monopolizava diversos setores, como energia elétrica, telecomunicações, portos e transporte rodoviário. Essas medidas, em um país em crise, travou o fornecimento de bens e serviços. Foram necessárias várias emendas constitucionais para soltar as travas da economia. No campo social, houve grandes avanços que, até o presente momento, evoluíram pouco ou quase nada. É o caso dos povos indígenas, da reforma agrária e do direito das minorias. Neste último caso, muito se deve ao conservadorismo que vem apresentando a política brasileira dos últimos anos. Fato a se comemorar e bastante simbólico para colocar um ponto final ao autoritarismo do estado ditatorial foi à criação do “Habeas data”, recurso jurídico que garante ao cidadão acesso aos dados e informações sobre ele nos arquivos de entidades governamentais ou a possibilidade de corrigir informações incorretas a seu respeito. Com suas qualidades e defeitos, a Constituição de 1988 colocou uma pedra sobre o período ditatorial no Brasil. Para finalizar o período governado pelo maranhense de Pinheiro, José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa, do PMDB, e prosseguir com o estudo do período democrático é interessante notar a análise de Boris Fausto sobre a abertura política no Brasil.A transição brasileira teve a vantagem de não provocar grandes abalos sociais. Mas teve também a desvantagem de não colocar em questão problemas que iam muito além da garantia de direitos políticos à população. Seria inadequado dizer que esses problemas nasceram com o regime autoritário. A desigualdade de oportunidades, a ausência de instituições do Estado confiáveis e abertas aos cidadãos, a corrupção, o clientelismo são males arraigados no Brasil. Certamente esses males não seriam curados da noite para o dia, mas poderiam começar a ser enfrentados no momento crucial da transição. O fato de que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia, por parte de quase todos os atores políticos, facilitou a continuidade de práticas contrárias a uma verdadeira democracia7. Concordo com Boris Fausto, no ponto em que ele salienta que o país passou para uma “situação democrática”, pois, nos moldes como foi realizada a transição política, construída por atores políticos apartados da sociedade, a democracia foi algo novo para grande parcela da sociedade brasileira, que não estava acostumada a respeitar o estado de direito de seus oponentes e ou das instituições democráticas. Para que haja democracia de fato, é necessário à consciência político-social da população um ambiente propício à construção social da democracia. Por isso vê-se, na atualidade, grupos que, quando são contrariados em seus projetos de poder, partem para o enfrentamento, em vez de partir para a oposição e, através de seus projetos, conquistar democraticamente seu espaço como atores políticos de relevância para mudar a situação que não lhes agrada. 7 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 290. 13 O Poder do Voto: Eleições Presidenciais de 1989 A expectativa após a finalização dos trabalhos constituintes era a possibilidade de se eleger, de forma direta, o presidente da República, inclusive com o voto dos analfabetos. Enfim, o movimento “Diretas Já” tornara-se realidade. A lei que dispôs as normas para as eleições foi a Lei n. 7.773, de oito de junho de 1989. Antes disso, porém, as eleições de 1988 reservaram uma primeira surpresa: a população elegeu a paraibana Luiza Erundina de Sousa para comandar a cidade com o maior colégio eleitoral do país. A petista venceu pela vontade popular e contrariou as elites paulistanas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, FIESP, que já havia apoiado os ditadores, ressuscitou o discurso anticomunista e ameaçou uma debandada de empresários do país, caso outro petista conseguisse seu intento. O alvo era Luís Inácio da Silva, Lula, que era candidato à Presidência da República em disputa acirrada com Fernando Collor de Melo. Erundina, mulher de esquerda, governando a capital da Locomotiva do país, era demais para endinheirados, principalmente, após ter derrotado o empresário e candidato a “qualquer coisa” Paulo Maluf, PDS, e o engenheiro João Leiva, PMDB. A ameaça do empresariado paulista e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, aliados à “Grande Imprensa”, que não tinha ainda a concorrência das mídias sociais, derrotou os “comunistas”. O sucessor de Sarney, Fernando Collor de Mello, foi favorecido pela polarização direita – esquerda, mas, antes da batalha eleitoral do segundo turno, contou com outros pesos pesados da política brasileira. Concorreram, no primeiro turno das eleições: Ulysses Guimarães (PMDB), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Leonel Brizola (PDT), Roberto Freire (PCB), Guilherme Afif Domingos (PL), Aureliano Chaves (PFL), Affonso Camargo (PTB). No total foram 22 candidatos à Presidência da República, conforme tabela abaixo. Eleições Presidenciais de 1989: Primeiro Turno / 1989 Presidential Elections: First Round Candidato / Candidate Partido / Party Votos / Votes % Fernando Collor de Mello PRN 22.611.011 28,52 Luís Inácio Lula da Silva PT 11.622.673 16,08 Leonel Brizola PDT 11.168.228 15,45 Mário Covas PSDB 7.790.392 10,78 Paulo Maluf PDS 5.986.575 8,28 Guilherme Afif Domingos PL 3.272.462 4,53 Ulysses Guimarães PMDB 3.204.932 4,43 Roberto Freire PCB 769.123 1,06 Aureliano Chaves PFL 600.838 0,83 Ronaldo Caiado PSD 488.846 0,68 Affonso Camargo PTB 379.286 0,52 Enéas Ferreira Carneiro PRONA 360.561 0,50 Marronzinho PSP 238.425 0,33 P.G. PP 198.719 0,27 Zamir PCN 187.155 0,26 Lívia Maria PN 179.922 0,25 14 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Eudes Mattar PLP 162.350 0,22 Fernando Gabeira PV 125.842 0,17 Celso Brant PMN 109.909 0,15 Pedreira PPB 86.114 0,12 Manuel Horta PDCDOB 83.286 0,12 Corrêa PMB 4.363 0,01 Eleições Presidenciais de 1989: Segundo Turno / 1989 Presidential Elections: Second Round Candidato / Candidate Partido / Party Votos / Votes % Fernando Collor de Mello PRN 35.089.998 49,94 Luís Inácio Lula da Silva PT 31.076.364 44,23 Votos em Branco / Blank Votes 986.446 1,40 Votos Nulos / Null Votes 3.107.893 4,42 Fonte: Instituto Inter-Americano de Direitos Humanos <http://pdba.georgetown.edu/Elecdata/Brazil/pres89.html>. A campanha eleitoral à Presidência da República, em 1989, ao se afunilar no segundo turno, apresentou ao país dois candidatos representando anseios diversos: Collor de Mello (PRN), rico e “bem criado”, atacava os “marajás”; Lula (PT), metalúrgico e líder sindical que mobilizou greves contra o governo militar, assombrava a burguesia. Essa disputa mexeu com as elites de todo o país. O fantasma do comunismo nunca deixou de rondar aqueles que viviam do lado rico e fértil da Belíndia, (termo forjado por economistas das décadas de 1960 e 1970 para marcar as profundas desigualdades socioeconômicas no país)8 . Os habitantes da Belíndia apoiaram Collor de Mello e, mais uma vez em nossa história, o poder econômico foi capaz de manipular as pessoas que ficam à margem da cidadania e de uma educação de qualidade, “Collor explora com muita habilidade esse meio de comunicação [televisão], conseguindo apoio das camadas mais pobres e sem escolaridade.”9 Tensão eleitoral: Foi uma eleição tensa, com forte troca de acusações entre os candidatos, gritarias em debates e muita promessa de moralização. Collor fez campanha associando Lula ao mundo comunista, aproveitando-se da queda do Muro de Berlim, menos de uma semana antes do primeiro turno. No segundo turno, a campanha de Collor exibiu no horário eleitoral na TV o depoimento de Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, acusando o petista de tê-la pressionado para abortar a filha que esperava do então metalúrgico.10 No país recém-alforriado, a liberdade negociada pelas velhas oligarquias, sempre sedentas pelo poder, e pela nova elite industrial e empresarial, afeita ao bordão anticomunista, contou com a contribuição da poderosa Rede Globo de Televisão para derrubar o candidato que as incomodava. O interessante é que essa empresa de mídia, que foi forjada pela ditadura para alavancar o regime, ajudou mais uma vez a elite a manipular a opinião pública e eleger o candidato que melhor lhe representava: Collor de Mello, que admitiu, em entrevista ao portal de notícias UOL, no ano de 2009: “Relação com a Globo ajudou bastante, lembra Collor; 8 KLEIN, Herbert S.; LUNA, Francisco Vidal. População e Sociedade, in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p.31. 9 DEL PRIORI, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. História do Brasil do descobrimento à globalização. São Paulo: Ediouro, 2001, p. 381. 10 http://noticias.uol.com.br/especiais/eleicoes-1989/ultnot/2009/11/10/ult9005u1.jhtm 15 senador diz ter pensado na véspera que perderia a eleição”11. Podemos hoje confirmar as suspeitas da época, o debate foi manipulado12 , de acordo com as declarações recentes de seu (ex)“todo poderoso”, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Em entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, transmitida pela Globo News, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, dá detalhes da noite do debate,cuja repercussão foi considerada fundamental para a vitória no segundo turno de Collor de Mello, uma vez que, antes do acontecimento, os dois políticos estavam em situação de empate técnico. Boni admitiu que a emissora assumiu o lado de Fernando Collor de Mello. Segundo ele, após ser procurado pela assessoria do ex-presidente, o superintendente executivo da Globo, Miguel Pires Gonçalves, pediu que ele palpitasse no evento. “Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade”, contou. “Então nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor com uma ‘glicerinazinha’ e colocamos as pastas todas que estavam ali com supostas denúncias contra o Lula – mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco”, disse Boni. “Todo aquele debate foi [produzido] – não o conteúdo, o conteúdo era do Collor mesmo -, mas a parte formal nós é que fizemos”13. Collor de Mello estava disputando as eleições pela coligação “Movimento Brasil Novo”, composta por seu partido, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e pelos partidos: Social Cristão (PSC), Trabalhista Renovador (PTR) e Social Trabalhista (PST). Itamar Franco, vice-presidente eleito, estava no PRN até divergir da política econômica do governo Collor, retornando ao PMDB no início de 1992. Durante as eleições, os grandes partidos da época já demonstravam inclinação a apoiar o candidato do PRN. A intenção tornou-se apoio explícito na disputa do segundo turno das eleições vencidas por Collor. O petista Lula foi apoiado pelos partidos Socialista Brasileiro (PSB) e Comunista do Brasil (PCdoB). Collor e o colorido das ruas... Collor surgiu no cenário político como uma liderança alternativa aos velhos políticos de sempre, que ou estavam alocados no PDS ou no PMDB. Com a abertura política, a divergência foi se realçando e criaram-se novos partidos com velhas figurinhas carimbadas. José Sarney era um desses casos e também não conseguiu mudar o cenário socioeconômico em seu governo; ao contrário, ao negociar com o “Centrão”, aprofundou a velha política do toma-lá-dá-cá. Somente Lula e Collor poderiam mudar esse cenário? Talvez, mas ele não foi mudado. Collor, o caçador de marajás e implacável perseguidor de corruptos, caiu nas tentações da velha política corrompida. O empurrãozinho inicial para tumultuar o cenário político partiu do irmão do presidente, Pedro Collor: 11 http://noticias.uol.com.br/especiais/eleicoes-1989/ultnot/2009/11/15/ult9005u10.jhtm 12 Assista a declaração de Boni, feita em 2011, na GloboNews, reproduzida depois em alguns jornais: https://www.youtube.com/watch?v=VrpurEkmJkU 13 http://www.pragmatismopolitico.com.br/2011/11/apos-22-anos-boni-admite-que-globo.html 16 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) As acusações contra Collor ganharam força com a divulgação de duas entrevistas nas revistas Veja e Isto É. A primeira, publicada em maio de 1992, trazia o irmão do presidente, Pedro Collor, apontando a existência de um esquema de desvio de dinheiro para paraísos fiscais, montado por PC Farias. A entrevista levou à criação de uma CPI no Congresso. Na segunda, em junho, o motorista Francisco Eriberto França confirmou a Isto É que transportava cheques da empresa de PC Farias que pagavam as despesas pessoais de Collor e a mulher, Rosane Collor. Em julho, foi encontrada a prova definitiva da ligação entre Collor e PC Farias: um cheque-fantasma usado pelo presidente para comprar um carro Fiat Elba14. A crise econômica e a inflação alta, contornadas por Collor no início de seu governo, fez reviver a euforia do Plano Cruzado do governo Sarney. Com deflação, abertura de mercado e um plano de desestatização da economia, Collor viveu momentos de glória, o Congresso apoiava-o, aprovando suas medidas econômicas. O Plano Brasil Novo, popularizado como Plano Collor, era composto pela Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE) e pelo Programa Nacional de Desestatização (PND). A política econômica foi implantada pelos economistas Antônio Kandir, Ibrahim Eris, Venilton Tadini, Luís Otávio da Motta Veiga, Eduardo Teixeira e João Maio. Entre os ajustes realizados, o confisco da poupança foi recebido muito mal pela população. Zélia Cardoso de Mello era a Ministra da Fazenda. “[...] no dia seguinte à posse, em 16 de março de 1990, foi lançado o Plano Collor. A ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, anunciou que, a partir daquele dia, nenhum brasileiro poderia sacar mais do que 50 mil cruzeiros da poupança ou da conta corrente pelos próximos 18 meses. O valor era equivalente, na época, a 13,6 salários-mínimos. O objetivo da medida, a mais drástica na história da economia do país, era reduzir a quantidade de dinheiro em circulação, diminuindo o poder de compra e, assim, controlando os preços”15. No início do ano de 1991, “lançou-se o Plano Collor II, com medíocres resultados. Em agosto, o governo liberou o dinheiro sequestrado em março de 1990, mas a engrenagem inflacionária estava novamente em curso degradando a todos”. A crise política e econômica não tardou a chegar, a inflação retornou e a resistência à desestatização, com greves de funcionários públicos e de outros setores da economia, exigindo reajustes pelas perdas salariais, surgiu com força ainda em seu primeiro ano de governo. O longo “Inferno Astral” vivido por Collor, durante o ano de 1992, começou com as denúncias de corrupção desde o início de seu governo. A esperança depositada no líder alternativo, “jovem, bom de verbo e de voto, empolgava as massas populares e seduzia as elites [...] pelas alianças políticas, pela posição social [...] e, sobretudo, pelas propostas de abrir o país para o mercado internacional e enfraquecer o Estado”16 , naufragou em seu segundo ano de governo. A população saiu às ruas para pedir o impeachment de Collor. Contra ele já havia denúncias comprovadas de envolvimento em corrupção feitas pelo irmão Pedro Collor. 14 http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/impeachment-de-collor--20-anos-corrupcao-e-plano-economico- derrubaram-presidente.htm 15 http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/impeachment-de-collor--20-anos-corrupcao-e-plano-economico- derrubaram-presidente.htm 16 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 113. 17 O pivô do primeiro impeachment de um líder de governo na América Latina foi o tesoureiro da campanha de Collor à presidência, Paulo Cesar Siqueira Cavalcanti Farias, o PC Farias, assassinado em 1996 em condições até hoje mal resolvidas. Collor foi arrogante politicamente e afastou a maioria de seus apoiadores, inclusive a população que havia conquistado durante as eleições. Em uma última tentativa de sobreviver aos escândalos em que era envolvido, fez um apelo à população para que fosse defendido das acusações, “o resultado, oposto, foi o aparecimento nas ruas de movimentos estudantis contra sua permanência no cargo. Com os rostos pintados como índios, os “caras pintadas” exigiram, de agosto em diante, a deposição de Collor por meio de impeachment”17. Havia condições políticas e provas contra o presidente, que sucumbiu às denúncias e foi incriminado pela CPI. Em meio ao fogo cruzado das ruas e dos partidos políticos, Collor renunciou ao cargo no dia 29 de outubro de 1992. Mesmo assim perdeu seus direitos políticos por oito anos após o julgamento do Senado. Itamar Franco, que estava presidente interino, assumiu o cargo. Itamar Franco e o início da “estabilização” econômica do país. O político mineiro, vice-presidente da República, voluntariamente afastado do governo Collor desde o início da gestão, por não concordar com a política econômica da equipe montada pelo presidente, ele se achegava mais ao ideário nacional-estatista. Em um cenário complicadode crise institucionalizada, Itamar Franco foi hábil o bastante para fazer um pacto político de “união nacional”. Apenas o PT ficou de fora, “por considerar obscuros o programa e a política de alianças de Itamar Franco. Foi no âmbito desse governo que se formulou, afinal, um plano efetivo de combate à inflação – o Plano Real”. Para estabilizar a economia e domar a inflação, o presidente Itamar Franco nomeou para o ministério da Fazenda, no início de 1993, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A meta de controle inflacionário começou a se cumprir através da implantação da Unidade Real de Valor (URV), um indexador cuja função era corrigir, diariamente, os preços até a adoção da nova moeda, sem congelar preços e salários. Entre as medidas, um dos objetivos era o controle cambial para garantir o investimento de capitais estrangeiros. Dava-se início, com essa medida, à implantação do Plano Real. A equipe de economistas, oriundos principalmente da PUC-Rio, contava com: Pérsio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha, Clóvis Carvalho, Winston Fristsch, Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero, entre outros. Apesar da oposição dos economistas do PT e de Lula, o Plano Real não foi um desastre como previam. Os altos índices inflacionários tornaram-se uma história do passado, além de ter se iniciado no país uma relativa distribuição de renda. Esse evento gerou os dividendos políticos que alçaram FHC à Presidência da República nas eleições de 1994. O lançamento de uma nova moeda, em 10 de julho de 1994, enquanto era ministro da Fazenda de Itamar Franco, criou o mito de que FHC era o pai do Real. Para Daniel Aarão Reis, “Itamar não pôde aproveita-los. A constituição impedia então a reeleição. Quem se beneficiou foi o ministro da Fazenda e líder intelectual do Plano, Fernando Henrique Cardoso, a esta altura lançado à campanha presidencial como candidato do PSDB”18. 17 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 115. 18 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. In, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, 18 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Governo FHC: quatro anos que se multiplicaram... O governo FHC conseguiu domar a inflação, graças ao Plano Real de Itamar Franco. Com isso, houve maior distribuição de renda e mais mobilidade social, coisa quase inexistente em governos passados. Mesmo durante o milagre econômico dos governos militares, o país não conseguiu fazer uma distribuição de renda como estava sendo feita com FHC. Outra medida que foi iniciada em outro governo, o de Collor de Mello, retomada e aprofundada no governo FHC, foi à abertura do mercado brasileiro para a atuação cada vez mais crescente das empresas multinacionais. Além de abrir mão da atuação do estado na economia, a privatização em seu governo foi imensa. A oposição protestava de forma veemente contra o entreguismo do Plano Nacional de Desestatização (PND) do governo FHC. O programa liberal estava na pauta mundial. Até mesmo a antiga União Soviética sofreu o “entreguismo” após a abertura política no ano de 1985. Assim como no país comunista, o governo de FHC fez a sua perestroika (reestruturação), ou seja, diminuiu muito a participação do estado na economia, mas, em compensação, a glasnost (transparência) ficou a desejar. Diversas facilidades foram concedidas aos compradores, principalmente a possibilidade de pagar as aquisições com moedas podres, na verdade, títulos antigos emitidos pelo governo que podem ser comprados por até 50% do valor nominal. As principais estatais, verdadeiros símbolos do nacionalismo econômico, foram negociadas não só com moedas podres, mas também com diversas vantagens (CSN, Telebrás, Vale do Rio Doce, Ferrovias, Bancos Estatais)19. Apesar do bom começo do governo FHC e de sua ampla maioria para governar, nem tudo saiu como previsto. Para a aprovação de algumas emendas constitucionais – como, por exemplo, a desregulamentação da economia, abrindo-a aos investimentos internacionais; a reforma da previdência, que visava reduzir gastos públicos com o pagamento de pensionistas; a reforma administrativa, na qual fosse permitida a demissão de funcionários públicos com estabilidade – precisou de alguns malabarismos até que fossem aprovadas. O governo precisou “negociar” com a oposição, loteando cargos públicos para garantir votos para as emendas e reformas que faria na constituição e em outras áreas de interesse do governo. Um episódio que flerta até hoje com as suspeitas de corrupção durante o governo de FHC foi sua luta vitoriosa pela emenda que garantiu a ele e a governos futuros, até hoje, a reeleição para todos os cargos executivos: Municipal, Estadual e Federal, “após acusações de compra de votos, uso de verbas públicas para convencer deputados indecisos e loteamento de cargos públicos, foi aprovada em quatro de junho de 1997, a Emenda Constitucional n. 16, garantindo a reeleição”20. Após esse ato, o governo conseguiu aprovar outras medidas impopulares, como acabar com a estabilidade do funcionalismo público em 1998. Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 116 19 AQUINO, Rubim Santos Leão de. Sociedade Brasileira: Uma História. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 2005, pp. 858-859. 20 AQUINO, Rubim Santos Leão de. Sociedade Brasileira: Uma História. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 869. 19 Fonte: Folha de S.Paulo, 13 de maio de 1997 FHC governou o país durante oito anos, incentivou a abertura de capital para os mercados estrangeiros, praticamente estabilizou a economia e domou a inflação, mas “o país entrou em uma espiral de endividamento externo e de desemprego crônico. Definida genericamente como neoliberal, tal política tem gerado controvérsias e ácidas críticas”21. O governo de Fernando Henrique começou surfando sobre os dividendos do Plano Real do governo de Itamar Franco. Não satisfeito em governar o país conforme instituía a Constituição Federal de 1988 e pela qual se pautou Itamar Franco para passar o governo adiante, FHC, governou o país por oito anos, pois conseguiu fazer aprovar, pelo Congresso Nacional, em junho de 1997, emenda constitucional autorizando a reeleição para presidente da República e de todos os cargos executivos. A mudança provocou protestos veementes contra o novo princípio, considerado antidemocrático e contra os métodos empregados para obter a maioria necessária à aprovação, denunciados como corruptos e fisiológicos, o que não impediu, mais tarde, que se disseminasse e fosse adotado por todas as forças políticas.22 O primeiro mandato de FHC foi muito melhor avaliado que o primeiro; pagou o preço pela ambição de ficar mais tempo no cargo do que previu a Constituição de 1988. “[...] no último ano do segundo mandato, os índices de popularidade de FHC estavam tão baixos que o candidato do próprio PSDB às eleições de outubro de 2002, José Serra, preferiu não reivindicar seu legado”23. 21 DEL PRIORI, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. História do Brasil do descobrimento à globalização. São Paulo: Ediouro, 2001, p. 384. 22 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 117. 23 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 118. 20 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Lula e o PT Chegam ao Poder O metalúrgico Luís Inácio da Silva, o Lula, era uma das figuras políticas mais expressivas que surgiu no país no final da década de 1970. O político Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores(CUT) na década de 1980 e esteve engajado no processo de abertura democrática iniciado em 1984 com Ernesto Geisel. Lula participou ativamente do movimento Diretas Já, sendo um de seus protagonistas ao lado de políticos como Ulysses Guimarães, Eduardo Suplicy, Tancredo Neves e Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Lula comandou greves no ABC paulista, foi perseguido pela ditadura, preso na repressão aos grevistas durante o governo Figueiredo, quando o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, ordenou a intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Candidatou-se ao governo de São Paulo no ano de 1982 e foi derrotado por Franco Montoro, do PMDB. Sua votação de 1.144.648 votos deixou-o em quarto lugar. Em 1986, Lula foi o político que alcançou a maior votação para a Câmara Federal, representando São Paulo. Foi constituinte e comandou a oposição do Partido dos Trabalhadores ao governo Sarney. Candidato derrotado em três eleições presidenciais, Lula sofreu os revezes para Collor de Mello (1989) e Fernando Henrique Cardoso (1994 - 1998), e, finalmente, o petista saiu vitorioso nas eleições de 2002, ao derrotar o candidato José Serra (PSDB). Durante a década de 1980, o discurso de Lula era agressivo e não media palavras para atacar os adversários e o neoliberalismo. A plataforma anticorrupção era seu mote predileto, às vezes com toda razão. Sempre batendo nessa tecla, seu discurso não se restringiu a isso Lula e o partido, “criticavam as desigualdades sociais e as estruturas elitistas da institucionalidade política brasileira. Queriam melhoria das condições de vida e de trabalho e participação política, em suma, a plena cidadania”24. Enquanto o mundo globalizado aprofundava o liberalismo, Lula e o partido defendiam propostas pelas quais se deveriam retomar tradições nacional-estatistas, em que a soberania nacional e a justiça social são realizadas através de um Estado forte e propositor dessas políticas. Em suma, a agenda política do PT arrepiava as elites nacionais e internacionais que tinham negócios no país; vide a ameaça dos empresários paulistas de abandonar o país, caso Lula vencesse as eleições de 1989 contra Collor de Mello. A pressão funcionou e Lula foi derrotado, “no entanto, mesmo nos anos 1980, o PT e os movimentos sociais foram passando por mudanças. Embora com um discurso contundente, era cada vez maior o envolvimento do PT, e do próprio Lula, com as instituições políticas existentes”25. 24 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 118. 25 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 118. 21 O interessante, nas disputas presidenciais em que Lula foi sendo derrotado, é o fato de que, a cada eleição, o candidato aumentava seu número de eleitores; parecia que seu discurso ganhava corpo na sociedade. E não era só o candidato Lula que crescia. O partido também ganhava corpo e representatividade no país. Por exemplo, nas eleições municipais de 1988, o PT conquistou 33 prefeituras, entre as quais São Paulo; nas eleições de 1992, o número foi ainda mais expressivo, 49. Apesar de perder em São Paulo, ganhou em Belém, Goiânia, Belo Horizonte e Rio Branco. Em 1996 as conquistas municipais somaram 111 cidades. Esse é apenas um exemplo de como o partido estava crescendo junto com Lula. O partido passou a eleger, em números cada vez mais expressivos, Deputados Estaduais e Federais, Senadores e alguns governadores, Às vésperas de sua vitória, em 2002, o PT transformara-se. Dos núcleos iniciados em São Paulo, disseminara-se por todo o país. Em lugar do pequeno partido de militantes, surgira uma poderosa máquina formada por políticos profissionais. Em 2001, tinha cerca de 500 mil filiados organizados em quase 4,1 mil municípios. Governava três estados e 187 cidades, entre elas as seis mais importantes. Atenuara- se o discurso radical, dando lugar a propostas reformistas moderadas, onde se mantinha (sic), no entanto, compromissos de combate às desigualdades sociais, estímulo à participação política e incentivo a processos de ampliação da cidadania.26 O Partido dos Trabalhadores mostrou habilidade política para vencer. Uma estratégia inteligente de campanha foi a elaboração da “Carta aos Brasileiros”, na qual o partido e o candidato se comprometiam a respeitar os contratos firmados em governos anteriores, inclusive em relação às privatizações, criticadas pelos políticos do PT; a não fazer uma inquisição contra os adversários políticos; a manter a batalha contra a inflação, que estava domada; e a manter a meta do partido de inclusão social e cidadania, ou seja, o partido estava, com essa carta, comprometendo-se com a estabilidade política e econômica do país. A campanha eleitoral bem elaborada fez nascer o bordão “Lulinha paz e amor”. A vitória de Lula veio no segundo turno com a diferença de quase 20 milhões de votos sobre José Serra, do PSDB. O governo petista: entre conquistas e ameaças... O começo do governo de Lula foi conturbado. Parecia que não encontrava o “fio da meada”; oscilava entre a tradição partidária, que sempre esteve na oposição e estava aprendendo a governar, e a postura moderada que deveria seguir para poder governar para todos. Depois da desconfiança inicial dos mercados nacional e internacional, o governo de Lula (2003- 2010) conquistou bastante popularidade e transitou com desenvoltura nos círculos de poder. Isso após a “retomada vigorosa do crescimento econômico, acompanhado, desta feita, por amplos programas de distribuição de renda e inclusão social. Tais elementos legitimaram e incentivaram uma ação internacional do Brasil mais ativa e propositiva”27. 26 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 118. 27 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 160. 22 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) O ponto mais crítico durante os oito anos de mandato de Lula foi protagonizado por um velho aliado e amigo do presidente, Roberto Jefferson (PTB), que, no ano de 2005, resolveu denunciar um esquema de corrupção. A alegação era a de que haveria um esquema, por meio do qual o governo pagava propina para a aprovação dos projetos apresentados no Congresso. “Instaurou-se uma CPI que se transformou num circo midiático. Embora não se tenha conseguido provar a existência do mensalão, evidenciaram-se práticas ilegais promovidas pelo PT para financiar suas próprias campanhas eleitorais e de aliados”28. Fonte: Jornal O Globo Fonte: Revista Veja Essa prática não é privilégio dos petistas; sempre houve corrupção na política brasileira. A diferença é que, para um partido que pregava o combate aos corruptos, esse escândalo repercutiu muito mal. Caso similar envolveu o PSDB, no “Mensalão Mineiro” (1998), ambos operados pelo publicitário mineiro Marcos Valério. Estamos falandoL de fatos ainda não solucionados pela justiça ou pela política brasileira. Durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014), ocorreu o julgamento do “mensalão petista”, esquema no qual estão envolvidos diversos atores políticos, empresários e banqueiros do extinto Banco Rural. Foram condenados e presos vinte e cinco personagens do “mensalão petista” no ano de 2013. Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, único fugitivo da justiça, condenado há doze anos e sete meses por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, fugiu para a Itália, mas está preso aguardando os transmites dajustiça para definir sua situação. Saiba mais sobre cronologia do caso “Mensalão do PT” http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,cronologia-do-mensalao,9271,0.htm No caso do “mensalão mineiro”, denunciado quase que na mesma época do mensalão petista, além de não ter a mesma cobertura da “Grande Imprensa”, motivo d as acusações dos petistas de “julgamento político”, esse processo arrasta-se na justiça de Minas Gerais, que teve concedido pelo STF o pedido de desmembramento do processo. Para um dos diretores da Revista Isto É, Paulo Moreira Leite, 28 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 120. 23 Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 201529. Não é tarefa fácil para o historiador fazer uma análise crítica de eventos que ainda estão acontecendo, mas que, de qualquer forma, merecem ser citados porque envolvem os governos de dois grandes estadistas brasileiros da atualidade: Lula e Fernando Henrique Cardoso. O complicador é que não são apenas petistas e peessedebistas envolvidos nesses escândalos. Outros partidos estão envolvidos em esquemas semelhantes. Já tiveram os nomes citados nos inquéritos dos mensalões, por aparente envolvimento de integrantes das siglas, os partidos dos Trabalhadores (PT), Social Democracia Brasileira (PSDB), Democratas (DEM), Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Popular Socialista (PPS), Trabalhista Brasileiro (PTB), República (PR), Socialista Brasileiro (PSB), Trabalhista Cristão (PTC), Republicano Progressista (PRP), Social Cristão (PSC) e Progressista (PP)30. A cada dia, novas denúncias e confissões públicas de corrupção e corruptos alimentavam os noticiários de jornais e telejornais. Nada era diferente do que já tinham feito outros partidos que gravitavam no poder. Em clima tenso, as oposições, prevendo as próximas eleições, tentaram capitalizar o prejuízo político que o PT estava enfrentando e cogitaram o impeachment do presidente, mas isso não aconteceu, e Lula reverteu a situação. “[...] desde 2006, as pesquisas mostraram notável recuperação do prestígio do presidente e de seu partido [...] como se as ilegalidades praticadas pelo PT, conforme assinalou um pesquisador, estivessem no DNA dos partidos”31. Fonte: Folha de S.Paulo Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo Outros fatores, porém, explicam melhor a popularidade do presidente. Não foi apenas o fato de a corrupção “estar no DNA dos partidos”. Fatores como as políticas públicas, que privilegiaram, de forma mais objetiva, a população pobre e miserável que, antes, ficava com as sobras, puderam reverter a complicada situação pela qual estava passando o governo Lula. 29 http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/326787_O+MENSALAO+PSDB+MG+E+LINDO 30 http://oab-ma.jusbrasil.com.br/noticias/2027976/doze-partidos-tem-historico-de-mensaloes 31 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 120. 24 Unidade: De Volta à Democracia (1989-2010) Políticas públicas formuladas e aplicadas pelo governo com grande impacto social: o programa Bolsa Família, assegurando uma renda mínima aos mais desfavorecidos; o crédito consignado, direcionado aos assalariados da função pública; o aumento real do salário mínimo; a diminuição de impostos sobre alimentos básicos e materiais de construção. Além disso, o governo beneficiava-se de uma conjuntura econômica favorável, registrando-se curvas ascendentes da produção e do emprego.32 Foram fatores mais econômicos do que políticos que também alavancaram as eleições do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O Plano Real reduziu a miséria social no país em 18,47% e, entre os anos de 2003 e 2005, no governo Lula, a miséria chegou a ser reduzida em 19,8%. É interessante observar que foi durante o governo Lula que ocorreu uma redução sensível na diferença de salários entre homens e mulheres no Brasil. Os dados são da Relação Anual de Informações Sociais – Rais (2006). Também, nesse ano, houve aumento significativo do trabalho formal assim como o aumento médio do salário do trabalhador. Nessa festa da prosperidade, não podiam estar de fora os empresários brasileiros e estrangeiros. Afinal nenhum governo, neste mundo globalizado neoliberal, se sustenta sem a benção do mercado. O governo Lula, nesse sentido, foi bastante hábil, acendendo uma vela a deus e outra ao diabo. Para Reis, Lula estava sendo comparado a Getúlio Vargas no seu melhor momento, “o pai dos pobres e mãe dos ricos”. As áreas da cultura, ciência e tecnologia também não ficaram desamparadas pelo governo. Lula e o PT foram responsáveis pela expansão dos níveis de cidadania dos brasileiros.33 Finalizando... Tudo isso favoreceu o ambiente para que Lula chegasse à sua segunda vitória em uma eleição presidencial. O presidente, candidato à reeleição, esteve próximo de vencer no primeiro turno. Foram 48,61% dos votos válidos contra 41,64% do candidato Geraldo Alckmin (PSDB). No segundo turno, a vitória veio tranquila; foram mais de 58,2 milhões de votos contra 37,5 milhões do oponente. No segundo mandato de Lula (2007-2010), foi mantida a aliança com o PMDB, agremiação política com grande representatividade em todo o país, estando na vice-presidência, José Alencar, que era respeitado e cujos palpites repercutiam para o bem e para o mal. Não era homem de ficar calado e ajudou muito o presidente Lula na articulação política com a oposição. As políticas econômicas e sociais que deram certo no primeiro governo petista foram mantidas e ou aprofundadas em seu segundo mandato. Com a crise econômica que se abateu sobre o mundo em 2008, o Brasil continuou apresentando razoáveis índices de desenvolvimento socioeconômico. A mobilidade social continuou existindo. Lula capitalizou seu prestígio político e fez seu sucessor, ou seja, uma sucessora, Dilma Rousseff, que fora Ministra de Minas e Energias e Chefe da Casa Civil durante os dois governos de Lula. 32 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 120. 33 REIS, Daniel Aarão. A Vida Política. in, REIS, Daniel Aarão (Coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 5. Modernização, Ditadura e Democracia (1964-2010). Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 120.