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BARISCH, Eron José de Abreu. Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar): livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2014. p. 15-38. 1 Objetivos de aprendizagem � Compreender a importância da atitude mental e emocional em situações de emergência e sobrevivência. � Entender o medo e o pânico decorrentes de um pouso forçado na selva ou no mar, e como lidar com eles. � Reconhecer os sentimentos de solidão e de aborrecimento em ambientes hostis de sobrevivência, e aprender a evitá-los. � Entender e valorizar os aspectos psicológicos da sobrevivência na selva e no mar. Seções de estudo Seção 1 Onde o espírito comanda Seção 2 O medo e o pânico Seção 3 A solidão e o aborrecimento UNIDADE 1 A psicologia da sobrevivência 16 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Ninguém consegue estar sempre e completamente preparado para uma situação de sobrevivência. Se tiver sorte, a pessoa poderá ter acesso a um equipamento de sobrevivência, a uma espingarda ou a um machado. (BOSWELL, 1980, p. 2). Se tiver mais sorte ainda, já terá estudado sobre este assunto e possuirá muitos conhecimentos e técnicas, alguns que serão descritos neste livro. Porém, [...] independentemente da sorte e dos conhecimentos que uma pessoa possa ter, encontrar-se subitamente isolado numa área desolada do mundo é um choque para o sistema humano como um todo - não só emocional e mentalmente, mas também fisicamente. (BOSWELL, 1980, p. 2). Mas o que é importante para sobreviver nestas condições? O que vem a ser o medo, o pânico, o sentimento de solidão, os aborrecimentos durante uma situação de sobrevivência? Em nossa jornada por esta Unidade de estudo, poderemos responder a várias perguntas como essas. Mas para isso, é preciso conhecer a psicologia da sobrevivência, pois as pessoas submetidas a essas situações terão que combater o medo, o pânico, assim como a solidão e os aborrecimentos, muito comuns e altamente prejudiciais durante uma sobrevivência real. Podemos considerar que a capacidade de sobrevivência reside amplamente numa atitude mental positiva e adequada para enfrentar situações de emergência e perturbadoras da estabilidade emocional, pois é muito comum existir sofrimentos físicos e psicológicos decorrentes de acidentes; além da fadiga, fome, sede, frio, calor e diversos outros fatores que contribuirão para testar a nossa vontade de querer continuar a viver. 17 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 Será dentro deste contexto que abordaremos as próximas Seções desta primeira Unidade, visando a contribuir com o total sucesso em uma sobrevivência real. Seção 1 – Onde o espírito comanda Em situações e condições extremas, a vontade de sobreviver é posta duramente à prova. Sem essa vontade de viver, todo o conhecimento sobre técnicas de sobrevivência poderá ser inútil. Não correr riscos desnecessários é muito importante. Somos a chave da nossa própria sobrevivência e atitudes impensadas dão lugar a ferimentos ou a algum tipo de incapacidade que nos limitarão a eficiência. É preciso muito mais do que apenas saber conseguir comida, água, construir abrigos e fazer fogueiras para sobreviver em uma situação crítica. Em vários casos, pessoas bem equipadas e com habilidades úteis pereceram, [enquanto] outras, com menos conhecimento e equipamento, saíram vivas. (PREPARO, 2012). Mas o que fez a diferença nesses casos? Por que algumas sobreviveram? Porque elas tinham vontade de viver. 1.1 - A vontade de sobreviver “Embora seja um tema citado, mas pouco explorado na literatura existente, há toda uma área dentro da Psicologia para tratar de sobrevivência.” (PREAPARO, 2012). A atitude mental de uma pessoa irá definir se ela tem chances de sobreviver ou se já está condenada a perecer na situação em que se encontra. Todos nós já temos certa ciência que se nos encontrarmos numa situação em que 18 Universidade do Sul de Santa Catarina as práticas de sobrevivência devem ser utilizadas, não será nada fácil fazer isso sem uma atitude mental e psicológica positiva. Por sorte, poderemos ter um de nossos kits ou, quem sabe, uma faca, porém, se não tivermos uma boa atitude mental, além do conhecimento e do treinamento desejável, pouco ou nada vai adiantar termos esses recursos à mão. Por isso, é bom compreendermos alguns princípios da “psicologia da sobrevivência”. “Uma preparação psicológica adequada, anterior, pode dar à vítima uma forte proteção mental tendo em vista a ultrapassagem da sua situação de sobrevivência.” (BOSWELL, 1980, p. 2). Obtenha tantas informações quantas conseguir. Serão muito úteis se um dia precisar. O conhecimento das técnicas de sobrevivência dá confiança e controle psicológico e o ajudará a controlar o ambiente de sobrevivência. Quando falamos de sobrevivência, o principal assunto que nos vem em mente é o conhecimento de técnicas de sobrevivência. Porém, este é o menor de todos os problemas para uma pessoa que se encontra em situação de risco. Como dito anteriormente, um dos importantes assuntos que é quase sempre citado, mas pouco explorado em livros e manuais de sobrevivência, é o fator psicológico. As duas grandes ameaças à sobrevivência vêm da nossa própria mente. São elas o desejo de conforto e uma atitude passiva. Se não forem rapidamente contornadas, podem resultar na desmoralização e na morte dos sobreviventes. O desejo de conforto é uma consequência das condições da vida urbana moderna. Os padrões da vida ocidental tornaram as pessoas “moles”, no sentido de que são, na sua maioria, desviadas das ameaças da natureza e do ambiente. Muitos de nós vivemos e trabalhamos em edifícios quentes e seguros, tendo acesso a cuidados de saúde sofisticados, dispondo de água e comida de forma garantida. Num cenário de emergência e sobrevivência, não teremos acesso a nenhuma dessas comodidades, pelo menos no início. O súbito desaparecimento dos confortos que temos como garantidos constitui um grande choque para o organismo e pode conduzir a uma séria desmoralização. Como devemos então combater a angústia mental causada pela perda daquilo tudo que consideramos essencial para a vida? (ATITUDE, 2012, grifo nosso). 19 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 Acidentes, mortes ou grandes riscos podem estar presentes. É aí que tem início o maior teste de sobrevivência: � a sobrevivência emocional; � a sobrevivência mental. A sobrevivência do ser humano põe em jogo a sua racionalidade, constituída não apenas pelas capacidades cognitivas, mas também pelas emoções, em que a orientação é dada pela procura de prazer e pela fuga ao sofrimento. Primeiro, temos que nos convencer de que os confortos do estilo ocidental não são essenciais para a sobrevivência. Temos que ser obstinados. Podemos sobreviver perfeitamente sem o ar condicionado, sem a comida plástica e sem a televisão. Em segundo lugar, precisamos entender que o desconforto que sentimos presentemente não será nada, comparado com o desconforto que experimentaremos se simplesmente nos sentarmos a lamentar-nos e nada fazer. A atitude passiva é também uma consequência de se viver no Ocidente. Como resultado de se viver em estados normalizados, as pessoas acabam por não precisar tomar decisões de vida ou de morte. A decisão pessoal de cada pessoa está reduzida ao mundano e ao banal e a iniciativa é suprimida assumindo a maioria das pessoas uma atitude passiva. Numa situação de sobrevivência podemos ficar entregues a nós próprios e seremos forçados a tomar importantes decisões. Se esta perspectiva parece assustadora, convém lembrar que o resultado de não se fazer nada será provavelmente muito pior, a nossa morte. No entanto, podemos tomar o controle da situação e sobreviver, o que, como é óbvio, será bem preferível. (ATITUDE, 2012). Alguns podem dizer que a saúde e o controle mental e emocional de nada servem se a pessoa não estiver preparada física e tecnicamente. A esses,pode-se dizer que são maiores as possibilidades de sobrevivência a um indivíduo que não detém conhecimentos técnicos, porém, consegue lidar com o fato e todos os pesos da situação. Diferente de alguém que possa estar extremamente preparado tecnicamente, mas não possui nenhum controle sobre suas emoções numa situação dessas. 20 Universidade do Sul de Santa Catarina O primeiro indivíduo, mesmo sem conhecimentos, conseguiria analisar toda sua situação e as possibilidades e, a partir disso, descobrir as melhores formas para se adaptar e conseguir transpor as dificuldades. O segundo indivíduo poderia facilmente entrar em pânico ou choque. O nervosismo e o medo poderiam tomar conta de tal forma que ele não saberia o que fazer. Nesse sentido, todo conhecimento técnico seria em vão. Você sabia que Febre da Selva é o nome dado à condição de instabilidade psicológica que uma experiência de isolamento na selva pode proporcionar à pessoa ou grupo de pessoas que se encontra em uma situação adversa? Muitas são as histórias que giram em torno desse problema, bem comum em quem se encontra numa condição invulgar. Desde soldados que realmente surtaram em suas situações traumáticas de guerra, como simples aventureiros que se perderam em meio a alguma caminhada em território selvagem, ou até mesmo, pessoas sobreviventes de desastres, que se encontravam em lugares inóspitos. (SOBRE, 2011). Como exemplo, há o caso de um professor universitário que, sobrevoando as savanas africanas, caiu com seu aeroplano. Perdido durante meses na mata, para que sua mente não entrasse em colapso, o professor dava aulas regularmente a um grupo de seres inanimados (tais como tocos de árvores ou pedras). Tudo isso, para não enlouquecer diante de todo aquele isolamento.É muito provável que essa atitude tenha sido o fator preponderante para que as chances de sobrevida dele fossem maiores. (SOBRE, 2011). Em contrapartida, há relatos de pessoas que, mesmo depois de resgatadas, vinham a falecer no hospital, durante o processo de reabilitação - tudo porque haviam perdido a vontade de viver. (SOBRE, 2011). 21 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 A matéria de Ricardo Franzen, [...] comenta que “os corredores de fundo e meio-fundo falam de «O Urso» que os obceca.. Após ter percorrido escassas centenas de metros, o corredor perde a passada, abandona a posição típica de corredor e começa a abrandar de maneira evidente, pois se sentiu dominado pela dor, ou pelas cãibras, ou pela fadiga, e perdeu a vontade de vencer. Em situações de sobrevivência, sucede muitas vezes o mesmo fenômeno, só que neste caso a questão é muito mais importante que ganhar ou perder uma prova de atletismo. Há casos registrados de pessoas que foram recuperadas e tratadas de todas as doenças e que, depois, morreram no hospital. Tinham perdido a vontade de viver. As experiências de centenas de militares isolados em combate na segunda guerra mundial, na Coreia e no Vietnam, demonstram que a sobrevivência é, fundamentalmente, uma questão de perspectiva mental. A vontade de sobreviver é o fator mais importante. Quer esteja integrado num grupo, ou sozinho, experimentará problemas emocionais derivados do choque, do medo, do desespero e da solidão. Além destes perigos mentais, a lesão e a dor, a fadiga, a fome ou a sede pesam na vontade de viver. Se não estiver mentalmente preparado para vencer todos os obstáculos e esperar o pior, as hipóteses de sair com vida são grandemente reduzidas. Entrevistas com milhares de sobreviventes dos campos de concentração alemães da segunda guerra mundial demonstraram a extraordinária capacidade de resistência do corpo humano quando guiado pelo espírito. Os nossos corpos são máquinas muito complexas, mas, mesmo quando submetidos às mais confusas e degradantes condições, a vontade de viver pode sustentar o processo da vida. As necessidades do corpo em energia proveniente dos alimentos podem ser reduzidas praticamente a zero durante um dado período de tempo. Sobreviventes dos campos de concentração alemães disseram que a vida, mesmo sob condições inumanas, valia a pena ser vivida. Em muitos casos, apenas este espírito lhes garantiu a sobrevivência. (BOSWELL, 1980, p. 2) A grande maioria dos manuais de sobrevivência não dá muita importância a um fator que pode ser considerado como um dos principais: a força de vontade. O Manual de Sobrevivência das Forças Armadas Americanas (BOSWELL, 1980), por exemplo, faz algumas referências ao assunto, mas trata, principalmente, de mostrar como se faz vários tipos de abrigos, como se pesca, como se caça, a fazer armadilhas para animais, fazer fogo 22 Universidade do Sul de Santa Catarina atritando madeiras e pedras, como se faz os diversos primeiros socorros, como se orientar pelo sol e pelas estrelas, mostra os animais e plantas perigosos etc. Tudo muito importante, mas de pouca utilidade prática num pouso forçado em região de selva ou de mar, colocando os sobreviventes ao acidente, tripulantes, passageiros apavorados e sem treinamento, frente às reais situações de sofrimento físico e psicológico, além da possibilidade de haver mortos e feridos entre eles, o que agrava mais ainda a situação. A visão do local, o entendimento da situação e o estilo de pensamento têm um papel, muitas vezes, mais importante do que o seu equipamento ou treino. Tudo bem que o equipamento de sobrevivência vai nos trazer um pouco mais de segurança, mas o nosso equilíbrio psicológico estará sempre nos acompanhando e guiando nossas ações. De acordo com Freire (2011), alguns princípios, quando observados, podem fazer muita diferença nessas horas: � Passos pequenos e seguros: a forma de dividir eventos em tarefas mais pequenas e simples é a forma mais eficaz e segura em situações de emergência. Focar-se apenas em uma tarefa por vez é essencial para se pensar com clareza, mesmo que outros fatores o atrapalhem. O importante é dividir tudo em pequenos passos, de acordo com as prioridades. � Evitar o pessimismo: a negação é um fator quase universal, mesmo para quem tem muito treino. Pensamos em fatos e alternativas muito pouco prováveis para sairmos da situação que nos encontramos. É importante ver as coisas como elas realmente são, tentando não fugir da realidade. � Cantar uma música: quando estamos em uma situação ruim, é comum pensarmos “coisas ruins”. A melhor atitude a se tomar é pensar positivamente. Cante uma música que goste e que o faça relaxar por alguns instantes. � Não cantar vitória antes do tempo: se você escalar uma montanha e chegou até o topo, comemore por ter chegado lá, mas lembre-se de que está na metade do caminho. Existe toda a volta, seu corpo e mente já estão Por exemplo: Achar que não está perdido ou que a paisagem só mudou desde a última vez que estive aqui. 23 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 muito cansados e você tem menos tempo disponível. Então, esperar até tudo estar no controle ou no ponto de partida é muito importante. � Sair da zona de conforto: as rotinas nos poupam de trabalho e pensamento, mas danificam a nossa forma de pensar e agir, tornando-nos menos adaptáveis. Qualquer atividade fora do comum, como escrever com a mão que você não escreve, é um bom exercício para manter o cérebro ativo e adaptável a novas atividades. Viver de rotina enfraquece a nossa capacidade de reação e adaptação. � Pensar no risco: é importante saber se o risco que estamos prestes a correr não é uma questão de teimosia ou obsessão. Uma boa forma de evitar isso é traçar uma linha para delimitar nosso limite. Com a pré-definição dessas linhas, se algo acontecer, saberemos qual atitude correta tomar. � Ter calma: isso não significa “relaxar embaixo de uma árvore”, mas o excesso de pressão faz você se irritar mais facilmente, pensar menos e agir por impulso, o que se torna uma péssima combinação de ações. Aprenda com os contratempose com os erros, pense no que ocorreu de errado e tente corrigir. Utilize o bom senso para determinar o que é certo e seguro, mas não deixe o medo e o pânico o dominar. Essas são técnicas simples que podem ser praticadas no seu dia a dia. Quanto mais vezes você repetir e se preparar, mais êxito você terá nas suas atitudes. A sobrevivência depende muito de uma atitude mental adaptada ao ambiente no qual a pessoa se encontra. Estar preparado envolve conhecer suas reações em um ambiente de sobrevivência e trabalhar para que essas reações se tornem produtivas ao invés de destrutivas. O desafio de sobrevivência produziu inúmeros exemplos de heroísmo, coragem e auto-sacrifício e, principalmente, vontade de viver. Estas são as qualidades que uma situação de sobrevivência pode trazer à tona, se a pessoa estiver devidamente preparada. Há muitos conhecimentos básicos em sobrevivencialismo que podem fazer a diferença em uma situação real. (PREPARO, 2012). E seu principal lema é: não desista nunca! 24 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 – O medo e o pânico Quase todos os que se viram perdidos, isolados e separados da civilização experimentaram medo do desconhecido, medo da dor e do desconforto, medo das suas próprias fraquezas. Em tais condições, o medo não é apenas normal, é também saudável. O medo aguça-nos os sentidos e leva-nos a potenciar os perigos e os riscos. O medo é o aumento natural da adrenalina existente em todos os mamíferos e que atua como um mecanismo de defesa contra o que é hostil ou desconhecido. Mas o medo tem de ser dominado e convenientemente orientado, ou pode levar ao pânico. O pânico é a resposta mais destrutiva a uma situação de sobrevivência. Dissipam-se energias, a racionalidade é enfraquecida ou mesmo destruída e torna-se impossível dar qualquer passo positivo no sentido da nossa própria sobrevivência. [O medo e] o pânico podem levar ao desespero, o qual pode começar por quebrar a nossa vontade de sobreviver. (BOSWELL, 1980, p. 3). Sendo assim, precisamos conhecê-los um pouco mais e saber como combatê-los. 2.1 - Entendendo e dominando o medo e o pânico Conforme Scardua (2011), Para a grande maioria dos nossos antepassados, só havia dois comportamentos possíveis diante do perigo: lutar ou fugir! Mas, por incrível que pareça, a resposta fisiológica desencadeada pelo corpo diante de uma ameaça é sempre a mesma, e não importa se a nossa escolha é lutar ou fugir. Quando nos vemos diante de uma situação que nos ameaça, quando nos sentimos amedrontados, pressionados e desafiados, nosso corpo reage exatamente como o dos nossos ancestrais das cavernas: a taxa de adrenalina no sangue sobe, nossa musculatura se contrai, o coração bate mais forte e a circulação de sangue no organismo aumenta; transpiramos, nossas pupilas se dilatam, nossas narinas se expandem para absorver mais oxigênio… Resumindo: o nosso corpo nos prepara para enfrentar o perigo, seja ele real ou imaginário. Toda essa 25 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 preparação física serve igualmente para o embate “corpo a corpo” e para o estratégico “sebo nas canelas”. Tanto correr quanto lutar exige tonicidade muscular, acuidade visual, maior quantidade de sangue irrigando nossas veias e maior oxigenação dos pulmões. Para explicar quais as consequências dessas alterações em nossos corpos, Scardua (2011) continua: A reação fisiológica ao medo é uma estratégia de sobrevivência que a espécie humana desenvolveu para enfrentar os desafios do ambiente. Pense numa coisa bem simples: se os nossos antepassados não tivessem reagido às ameaças do ambiente nós não estaríamos aqui, nem eu escrevendo e nem você lendo. Quando lutar fisicamente contra a ameaça era possível, as mudanças corporais permitiam aos nossos ancestrais partir para a briga. Quando a ameaça era maior, mais forte ou mais poderosa que um humano, a única alternativa de sobrevivência era fugir. Vejamos o seguinte caso: O médico francês Alain Bombard sempre foi aficionado pelas histórias de vítimas de desastres marítimos – histórias em que o desfecho é muitas vezes o suicídio para evitar a agonia de esperar por socorro. E, exatamente por isso, decidiu virar um náufrago. No dia 22 de outubro de 1952, o médico partiu das ilhas Canárias, na costa da Espanha, para passar quantos dias fossem necessários no mar. Seu objetivo era provar que é possível sobreviver no oceano e que as mortes em alto-mar são quase sempre desnecessárias, provocadas mais pela ignorância e pelo desespero do que pela falência física. Depois de 62 dias à deriva, Bombard desembarcou nas ilhas Barbados, no Caribe. Durante a jornada, alimentou-se dos peixes que pescava e do plâncton que coletava (a lancha pneumática que usou estava equipada com varas e redes de pescar). Emagreceu 24 quilos, teve problemas de visão e delírios de consciência. No fim, concluiu que resistir havia sido bem mais difícil do que imaginava: “Quando se está à deriva, a metade do tempo se passa temendo a morte. A outra metade, desejando-a”. Mas não foi só isso que Bombard aprendeu. Sua experiência provou que a vida à deriva é suportável desde que o náufrago se valha dos recursos que o próprio oceano 26 Universidade do Sul de Santa Catarina oferece. Ele, por exemplo, livrou-se do escorbuto (carência de vitamina C), da mesma forma que as baleias: comendo plâncton. Seus registros minuciosos foram úteis para dezenas de marinheiros. Até sua morte, Bombard recebia numerosas cartas agradecendo suas dicas. (MONTENEGRO, 2005). Como o médico francês, os sobreviventes de naufrágios costumam escrever testemunhos detalhados do que viveram. Na Revista Superinteressante supracitada estão reunidas experiências impressionantes desses heróis da resistência – homens que tiveram que enfrentar situações tão limites quanto o canibalismo –, pelas quais aprendemos o que é preciso fazer na metade do tempo em que estivermos lutando contra a morte. Se pensarmos bem e com clareza, [...] numa situação de medo, ele pode ser um catalisador saudável para que possamos evoluir psicológica e fisicamente. O medo nos aguça os sentidos e, assim, nos faz que potencializemos nossa capacidade de enfrentar o perigo e o risco - funciona como o mecanismo que libera em nossa composição a adrenalina, fazendo com que funcione como um mecanismo de defesa ao que é hostil e perigoso. Todos os mamíferos são dotados deste mecanismo. Porém, se o medo não for dominado e controlado, pode transformar-se numa das armas contra nós mesmos, o pânico. O pânico é o medo manifestando-se na forma mais aguda. É avassalador e destrutivo. Dissipam-se as energias e a racionalidade é completamente enfraquecida. (SOBRE, 2010). Torna-se impraticável sobreviver num ambiente hostil ao indivíduo desacostumado e em pânico, como tripulantes e passageiros que tenham sido vítimas de pouso forçado na selva ou no mar. Só resta que sempre estejamos preparados para o que der e vier, com a máxima frieza possível, para, assim, combatermos a hostilidade de um ambiente de sobrevivência. Podem ser dados, mentalmente, vários passos para fazerem do medo um aliado e tornarem o pânico uma impossibilidade. Como já foi dito, a preparação e o conhecimento das técnicas de sobrevivência instilam confiança e levam não só ao autocontrole, mas também 27 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 ao controle do ambiente que nos rodeia. Além disso, é importante ocupar imediatamente o espírito com a análise da situação e com as tarefas imediatas de sobrevivência. (BOSWELL, 1980, p. 3). Imagine-se numa situação de pouso forçado na selva ou no mar, o que você poderá perguntar a si mesmo para manter uma consciência sobre a sua realidade e começar a agir positivamente? Estou ferido? Quais as medidas de primeiros socorros de emergência que preciso tomar? Qual a situação dos outros membros do meu grupo quanto a ferimentos? Quais sãoos perigos imediatos? Há algo da situação anterior à atual que me diga onde estou e qual a melhor maneira de sobreviver? Estou perto de água? [Tenho] comida? Quais as condições [do local onde me encontro]? [O] que [...] há à minha volta que possa me ajudar a sobreviver? (BOSWELL, 1980, p. 3). As seguintes ações/atitudes poderão auxiliá-lo nesses momentos: � priorização; � improvisação; � valorização da vida; � interação; � lembrar das técnicas de sobrevivência. Priorizar coisas importantes que precisam ser feitas, além de reconhecer o local onde você se encontra são ações essenciais. Dicas do Manual de Boswell (1980, p. 3): Não se apresse sem [que os objetivos ou direções estejam bem definidos]. Sem estar completamente inteirado da situação, é importante conservar as energias. Em condições de sobrevivência, a energia é mais preciosa que o tempo (exceto em emergência médica). Não se empenhe em atividades físicas até ter um plano e tarefas específicas a realizar. As atividades inúteis podem 28 Universidade do Sul de Santa Catarina criar uma sensação de desamparo que poderá conduzir, posteriormente, ao pânico. [...] Muito provavelmente, terá de e deslocar-se a alguma distancia da sua posição inicial [para coletar água e alimentos silvestres]. A familiarização dá segurança, e nada há mais prejudicial numa situação de sobrevivência que «perder» o seu ponto inicial ou acampamento. Tome nota das imediações, das características topográficas fora de comum, etc., e fotografe-as na memória. Quando sair do acampamento, assinale o trilho para poder regressar pelos seus próprios passos. Saber onde se está, mesmo que apenas em referencia às imediações, aumentará as suas hipóteses de ser encontrado e resgatado. Outro aspecto, talvez mais complicado, é o de vencer o medo e/ ou o pânico. […] é importante ocupar imediatamente o nosso espírito com a análise da situação e com as tarefas imediatas de sobrevivência. É conveniente e possível aceitar o medo como algo natural, e, portanto, criar resistências perante este, é uma total perda de tempo e infrutífero, pois, na verdade, se não existisse o medo, para que serviria a coragem? Lutar contra o medo apenas serve para criar resistência, produzir ansiedade, nervosismo e insegurança, e com isso, diminuir a qualidade na execução das nossas tarefas. Assim, o medo deve ser absorvido com naturalidade e transformado em algo positivo. Assim sendo, o medo servirá para nos mantermos em alerta e mostrar o quanto devemos ser precavidos: serve para nos prepararmos. Além disso, o medo ajuda-nos a autoavaliar treinos e competências, verificar estratégias, equipamentos e procedimentos. Sem medo, podemos ficar impulsivos, arrogantes e negligentes. Como consequência, experimentar derrotas e, em alguns casos, tragédias inesperadas. Em muitas situações, é o medo que nos impele a pesquisar informações e, com essa atitude, acabamos por dominá-lo naturalmente. Sem informações adequadas, o desconhecido ganha forças ilusórias e potencializa o medo. O medo é o amigo silencioso que nos faz planear ações e preparar o nosso corpo e mente para o enfrentarmos. 29 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 Quando respondermos positivamente às seguintes perguntas, o medo passará a ser um grande aliado e deixará de ser um obstáculo: . Tenho medo por quê…? . Será que estou realmente preparado? . O desafio é proporcional às minhas habilidades psicofisiológicas? . Tenho um bom plano de ações? . O meu equipamento é adequado? . Conheço bem as adversidades que enfrentarei? . Sob risco, consigo vislumbrar o sucesso? Todas as pessoas estão sujeitas ao medo. Os mais corajosos aceitam o medo como parte integrante da vida, aliam-se a ele e, portanto preparam-se disciplinadamente para o desafio e com o ímpeto, vão em frente. Como resultado dessa atitude, essas pessoas conhecem o outro lado do medo: a liberdade! (ATITUDE, 2012). Na selva pode-se encontrar, provavelmente, muitas coisas no seu raio de ação imediato. Coisas que o auxiliarão a sobreviver, desde que se tenha em mente o princípio da improvisação. Quanto mais inventivo e criativo for, tanto mais confortável se tornará a sua situação. [As suas prioridades devem ser analisadas e as referências alteradas]. Uma árvore deixa de ser uma árvore e transforma-se numa fonte potencial de comida, de combustível, de proteção, de abrigo e de vestuário. (BOSWELL, 1980, p. 3). Procure conhecer bem o local em que se encontra e suas imediações. Muitos dos objetos naturais poderão se transformar em instrumentos de sobrevivência. O uso da imaginação, o empenho, o bom senso e o moral elevado, além do instinto de preservação são fatores valiosos nessas horas. Assim deverá ser considerada a improvisação, como condição muito importante para uma sobrevivência na selva ou noutro ambiente, buscando obter e administrar as necessidades básicas do corpo humano: água, alimentos e proteção. 30 Universidade do Sul de Santa Catarina Voltamos ao quesito básico e essencial da valorização da vida. Não se pode esquecer que o [...] instinto de sobrevivência é básico no homem e no animal e tem constituído o alicerce da maior parte das revoluções culturais e tecnológicas através da história. Em condições extremas, a vontade de sobreviver pode ser posta duramente à prova. Se perder a vontade de viver, todo o conhecimento sobre técnicas de sobrevivência será inútil. Não corra riscos desnecessários. Você é a chave da sua própria sobrevivência, e atitudes loucas dão lugar a ferimentos ou a algum tipo de incapacidade que lhe limitarão a eficiência. (BOSWELL, 1980, p. 3). Para manter-se vivo também é necessário aprender a interagir com os povos de culturas diferentes, como os indígenas, por exemplo. Pode-se encontrar [indígenas] em muitas áreas [da Amazônia], afastadas da civilização. Normalmente, os grupos tribais e de nativos primitivos não são hostis; contudo, aproxime-se deles com cautela. Eles conhecem o território: onde encontrar água, zonas de abrigo, alimentação, o caminho para a civilização. Tenha cuidado para não os ofender. Eles podem salvar-lhe a vida. (BOSWELL, 1980, p. 3). E, por fim, deve-se lembrar das técnicas e orientações de sobrevivência. Aprendemos no Manual de Boswell (1980), alguns conceitos, conhecimentos e técnicas básicas de sobrevivência. As tripulações aéreas realizam diversos cursos e estágios sobre sobrevivência na selva e no mar. Mas aprender é fazer, é praticar. Sabemos que é necessário repetir, quantas vezes possíveis, as tarefas e técnicas básicas, para que a exceção delas se torne exímia. A sobrevivência é uma atitude mental positiva para consigo e para com o seu ambiente. Depois da análise dos tópicos indicados anteriormente, terá já estabelecido uma orientação inicial para as suas ações de sobrevivência e para algumas tarefas que valem a pena ser executadas. (BOSWELL, 1980, p. 4). 31 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 Seção 3 - A solidão e o aborrecimento A solidão e o aborrecimento são os meios-irmãos do medo e do pânico. Ao contrário deste último, não surgem súbita e furiosamente, mas lenta e desapercebidamente, normalmente depois de se terem executado todas as tarefas básicas de sobrevivência e das necessidades básicas - água, comida, abrigo e vestuário - terem sido satisfeitas. A solidão e o aborrecimento podem conduzir à depressão e minarem a vontade de sobreviver. O antídoto psicológico para a solidão e para o aborrecimento é o mesmo que para o medo e o pânico: manter o espírito ocupado. (BOSWELL, 1980, p. 4). 3.1 - Dominando solidão e aborrecimento Na revista Super Interessante, edição de dezembro de 2005, Érica Montenegro cita que para combater a loucura provocada pela solidão, o pescador taitiano Tavae Raioaoa aproveitou seu naufrágio, em 2002, no Pacífico, como um momento de pausa na vida para fazer reflexões existenciais. Durante os 118 dias emque passou à deriva, em seu barco de pesca, Tavae fez um balanço de sua história pessoal, ou seja, embarcou em uma espécie de retiro espiritual gratuito – prática pela qual muita gente anda pagando as maiores fortunas hoje em dia. O balanço lhe deu forças para continuar vivo. Parece que pessoas que têm compromissos firmes com a vida enxergam as tragédias como meros obstáculos a serem ultrapassados. Foi exatamente o que salvou Tavae. Ele encarou o naufrágio como uma consequência de seu povo ter trocado o mar pelas tentações hedonistas oferecidas pelos colonizadores e resolveu pagar a penitência de cabeça erguida. A monotonia de não ter nada a fazer a não ser esperar por socorro obrigou Tavae a entrar em contato profundo consigo mesmo e com a natureza que o rodeava. “Cada nascer do dia me dava esperanças”, escreveu no livro Tão longe do Mundo, em que conta sua experiência, O momento mais difícil foi quando acabou o estoque de água doce (ele não conhecia as dicas do biólogo e médico Doutrina moral em que a busca pelo prazer é o único propósito. 32 Universidade do Sul de Santa Catarina francês Alain Bombard, o náufrago voluntário). Tavae estava morrendo quando uma chuva o salvou. Alternando momentos de sanidade com delírios de consciência, Tavae passava o tempo conversando com os peixes, com Deus, com seu passado e até com as partes de seu corpo. “Eu falava sem parar, negociava comigo mesmo para sentir menos dor.” De volta à terra firme, quase 4 meses depois, o pescador era outro homem: estava menos amargo e mais sábio. (MONTENEGRO, 2005). Mas quais as dicas de Bombard? De acordo com Montenegro (2005), [...] durante sua experiência como náufrago voluntário, Alain Bombard conseguiu driblar a total falta de água potável usando um expediente comum aos pescadores polinésios: espremer água dos peixes. Embora pouco atrativa, a água retirada da carne dos peixes tem uma concentração de sal muito baixa, bastante semelhante à que está em nosso corpo. Os peixes disponíveis, no entanto, não eram muito numerosos e a quantidade de água espremida era pouca para garantir a sobrevivência de Bombard. Assim, o médico francês decidiu usar o líquido doce para diluir a água do mar e fixou meio litro dessa água diluída por dia como uma quantidade segura para náufragos. Bombard também determinou que essa água deveria ser bebida em pequenas quantidades, continuamente. A teoria do médico era de que, na maior parte das vezes, pessoas à deriva se abstinham de beber qualquer coisa por muito tempo. Quando, desesperados, recorriam à água do mar, ingeriam uma quantidade muito grande e acabavam causando a inflamação dos rins. A consequência, pouco tempo demais, era uma morte bastante dolorosa. Outro exemplo de combate à solidão é do americano Steve Callahan que, em pleno século 20, cruzava sozinho o Atlântico quando uma onda gigante empurrou o barco em que estava para o fundo do oceano. Apesar de todo o preparo da embarcação para situações de emergência, Callahan não teve tempo sequer de mandar um SOS. Em 1982, ele se viu tão vulnerável quanto os homens que se perdiam nos mares na época dos descobrimentos. Passou 76 dias à deriva em um bote e, para vencer a solidão e o aborrecimento, resolveu contar com a ajuda de um “capitão” imaginário. O “capitão” dava ordens, como: pescar, comer, arranjar o que beber, proteger-se do sol 33 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 e do frio, cuidar da própria segurança e da manutenção do bote. Também dava broncas na “tripulação” quando Callahan se mostrava desanimado ou aborrecido. Ele podia ouvir sua própria voz, declarou em entrevistas, já em terra firme. Com esse truque da própria cabeça, Callahan controlou a si mesmo e evitou a pior das agonias dos homens à deriva: a vontade de interromper o sofrimento físico e mental, afogando-se no mar. (CALLAHANS, 2007). Seja sobrevivendo na selva ou no mar, [s]e nos encontrarmos sós numa situação em que a nossa vida corre perigo, a solidão sentida e o tédio consequente poderão afetar-nos psicologicamente e comprometer a nossa sobrevivência. Lentamente, o aborrecimento e a solidão podem fazer crescer dentro de nós algum medo, desespero, ansiedade ou mesmo pânico. O desânimo pode instalar-se e podemos mesmo perder a vontade de viver. O ideal é que nos mantenhamos ocupados, desempenhando tarefas, traçando planos e revendo-os, procurando ver o lado positivo da vida e das situações e, se preciso, lembrando as pessoas que nos são queridas e dedicar todo o nosso esforço e luta no desejo de reencontrá-las. Manter uma foto de família ou de amigos pode ser um elemento positivo nesta situação, ajudando-nos a focar na nossa sobrevivência. Desempenhar tarefas, estabelecer objetivos, agir de forma sempre focada na sobrevivência ajudará a ocupar a mente e a evitar o tédio. Se algumas tarefas não resultarem de forma tão satisfatória, devemos melhorá-las ao invés de nos sentirmos frustrados e desanimarmos com isso. (PSICOLOGIA, 2014). 3.2 – Sobrevivendo em grupo Sabemos, de antemão, que as hipóteses de sobrevivência em circunstâncias normais aumentam em grupo relativamente comparativamente com as hipóteses de um indivíduo sobreviver sozinho. A partilha e a divisão de tarefas, a mútua motivação, a proteção e a mutua ajuda, são pontos a favor que não existem quando temos de sobreviver sozinhos. No entanto, onde existem várias pessoas também existem várias opiniões. As 34 Universidade do Sul de Santa Catarina diferenças de opinião,, os desentendimentos e os conflitos podem surgir e irão surgir com toda a certeza O que é importante para que o grupo seja capaz de superar esses conflitos e trabalhar para o bem comum, a sobrevivência do grupo. Para tal, é importante definir papéis, sendo o principal e que habitualmente se manifesta de forma natural e progressiva, o de líder. Se tal não ocorrer, o líder deve ser eleito pelo grupo. O reconhecimento dessa liderança é também vital e isso implica confiança. É natural que os papéis desempenhados estejam relacionados com o potencial de cada um, os seus conhecimentos e experiência. Por exemplo, se houver alguém com experiência em orientação, poderá ficar encarregado de conduzir o grupo. Ou ainda, quem tiver conhecimentos de suporte básico de vida, ficará responsável pela supervisão e manutenção da saúde dos elementos do grupo. É vital aproveitar as características e potencial de cada um. Isso permitirá ao grupo ganhar com esse conhecimento e experiência e, ao mesmo tempo, ajudará a manter cada um empenhado e ocupado em tarefas que também são do seu agrado. A comunicação deve ser mantida no grupo, o líder deve informar os restantes das principais decisões e estas devem ser acatadas, exceto se as mesmas colocarem, sem margem para dúvidas, o grupo em risco. (PSICOLOGIA, 2014). Já diz um velho ditado: “a união faz a força”. Medo, ansiedade, raiva, frustração, culpa, depressão, aborrecimentos e solidão são as possíveis e comuns reações psicológicas das pessoas frente às dificuldades de uma sobrevivência real. Mesmo fazendo parte de um grupo, o sentimento de solidão e desamparo pode dominar nossa mente Todas essas reações precisam ser controladas de uma forma saudável, mas como fazer isto? É lógico que, em situações de sobrevivência, será sempre melhor manter o espírito ocupado e realizar quaisquer tarefas úteis, por menores que sejam, do que assumir uma atitude apática e derrotada por reações psicológicas negativas, como as citadas. Sempre existirão tarefas a realizar. Trabalhar para o bem comum pode vir a ser a garantia da sobrevivência em grupo. É importante estabelecer [....] prioridades e tarefas que minimizem o desconforto, melhorem as possibilidades de recolha e preparem a sobrevivência para um extenso período de tempo. Considere as emergências 35 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 inesperadas, embora possíveis, como operações decontingência e conceba planos e tarefas para lhes fazer frente. Estabeleça um programa. Um programa não é apenas uma forma de segurança; ocupa o espírito comas tarefas a executar. Fixe tarefas de longa duração, tais como a construção de um abrigo «permanente» e outras que têm de ser repetidas todos os dias, tal como escrever um diário. A solidão e o aborrecimento apenas podem existir na ausência de um pensamento e ação positivos. Numa situação de sobrevivência há sempre imenso trabalho que precisa de ser executado. [...]. A dinâmica de grupo pode ser quer uma ajuda, quer um risco para a sobrevivência individual. Obviamente, há mais mãos para executarem as tarefas necessárias e o contacto com outros seres humanos pode ser um apoio psicológico. Contudo, uma corrente é tão forte quanto o seu elo mais fraco e as dificuldades de sobrevivência podem ser multiplicadas pelo número de pessoas que se encontra mergulhado nelas. A sobrevivência do grupo também introduz um fator adicional potencialmente destrutivo: a discórdia. A discórdia tem de ser evitada a todo o custo. Tal como as reações individuais as situações de sobrevivência se tornam automáticas, também o mesmo tem de suceder com as do grupo. Se o seu grupo tomar em consideração os pontos a seguir indicados, as possibilidades de sobreviver e de ser resgatado serão grandemente aumentadas: 1) Organizem as atividades de sobrevivência do grupo. 2) Reconheçam um chefe. 0 chefe deve atribuir missões individuais e manter o grupo informado sobre as atividades globais para a sobrevivência. 3) Desenvolvam no seio do grupo um sentimento de mútua dependência. 4) Sempre que possível, o grupo deve tomar decisões sob a direção do chefe. De qualquer modo, qualquer que seja a situação, o chefe tem de decidir e as suas ordens têm de ser acatadas. (BOSWELL, 1980, p. 4). Em resumo de tudo que foi tratado nesta Seção, o antídoto para vencer a solidão e o aborrecimento, numa sobrevivência real em lugares inóspitos, seja na terra ou no mar, o mais importante será sempre manter o espírito ocupado, realizando tarefas úteis à sobrevivência. 36 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Nesta Unidade, você aprendeu sobre a importância de um comportamento mental e emocional positivos, frente a possíveis situações decorrentes de um pouso forçado na selva ou no mar, obrigando-o a sobreviver num ambiente hostil, até que possa ser resgatado. Na continuidade dos assuntos abordados, conseguimos entender e reconhecer os sentimentos de medo e pânico, de solidão e de aborrecimentos, pois as pessoas submetidas a situações de sobrevivência precisarão combater estes sentimentos para não perderem a vontade de viver. Vimos que o uso da imaginação, o empenho, o bom senso e o moral elevado, além do instinto de preservação, são fatores preponderantes. Finalmente, com os estudos empreendidos até aqui, alcançamos os conhecimentos teóricos básicos para a busca e manutenção do equilíbrio psicológico, extremamente necessário em situações reais de sobrevivência na selva ou no mar. Vimos que, entre outras coisas, o mais importante será sempre manter o espírito ocupado e não desistir nunca. Lembremos, enfim, que viver é aprender o tempo todo, que novos conhecimentos nunca vão se esgotar e não ocupam espaço em nossa mente, que a teoria e a prática são complementos uma da outra, e que a sobrevivência em um ambiente hostil será muito menos sofrida, conforme nossa bagagem de conhecimentos e habilidades sobre este assunto, anteriormente adquiridos. 37 Emergência e Sobrevivência (Selva e Mar) Unidade 1 Atividades de autoavaliação 1. Conforme abordado nesta Unidade, considerando-se um cenário real de sobrevivência, quais seriam as duas grandes ameaças à sobrevivência que vêm da nossa própria mente? 2. Foram destacados e citados, nesta Unidade, alguns princípios a serem seguidos para a manutenção do equilíbrio psicológico numa situação de sobrevivência. Quais são esses princípios? 38 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais BAR-ON, Reuven; PARKER, James D. A. Manual de inteligência emocional. Porto Alegre: ArtMed, 2002. BOMBARD, Alain. Naufragé Voluntaire. Paris: Editora de Paris, 1958. BRITO, Bernardo Gomes de. História Trágico-Marítima. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Relato de um Náufrago. São Paulo: Record, 1999. PHILBRICK, Nathaniel. A Vingança da Baleia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. RAIOAOA, Tavae. Tão longe do Mundo. São Paulo: Planeta, 2005.
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