Prévia do material em texto
Unidade II - Os Apologistas Nesta unidade, você aprenderá: 1. A definição e a descrição do termo “apologista”; 2. Uma breve descrição da vida de cada teólogo que compõe esse grupo; 3. A análise das principais ideias dos apologistas. Os apologistas foram cristãos importantes do segundo e do terceiro séculos que tinham por objetivo precípuo defender o Cristianismo dos ataques pagãos e da filosofia grega. O autor preeminente do Ocidente foi Tertuliano e do Oriente foi Justino, o Mártir. Tivemos vários outros apologistas, especialmente no Oriente, dos quais se destacam Taciano, Teófilo, Aristides e Atenágoras. Havia na época inúmeros ataques de ideias ao Cristianismo, vindos do Império Romano, do mundo pagão e da filosofia grega. Essas ideias estavam sendo aceitas por vários cristãos em determinadas localidades. Havia, portanto, a necessidade de homens que defendessem a fé cristã, mostrando que o Cristianismo não era algo ilógico, loucura ou algo semelhante. 2.1 Justino, o Mártir Justino foi um dos maiores escritores cristãos da Igreja Primitiva. Era homem bem versado em filosofia. Estudou as escolas filosóficas estoicas (filosofia de Zenão - rigorosa obediência à razão, desprezando o que é exterior), peripatéticas (filosofia de Aristóteles) e platônica (filosofia de Platão) antes de se converter ao Cristianismo. Justino tomou para si a responsabilidade de defender o Cristianismo de maneira racional. Vários documentos produzidos por ele ainda subsistem. Flavio Justino nasceu em Siquém, na Palestina, aproximadamente no ano 100 A.D. (Anno Domini, ou era de Cristo). Em sua busca pela verdade estudou o estoicismo, Pitágoras, Aristóteles e Platão. Ficou impressionado ao ver a perseverança dos mártires cristãos e sua força na hora da morte. Buscou a verdade no Cristianismo e sendo ensinado sobre tudo, desde o princípio, entregou, ele também, sua vida ao Salvador e tornou-se um dos mais importantes defensores da nobre causa da salvação. Depois de peregrinar pelas mais diversas escolas filosóficas (peripatética, estoica e pitagórica) em busca da verdade para a solução do problema da vida, abandonou o platonismo, último estágio de sua peregrinação filosófica. O amor à verdade fez que ele rejeitasse, pouco a pouco, os sistemas filosóficos pagãos e se convertesse ao Cristianismo. Em sua época, foi o mais ilustre defensor das verdades cristãs contra os preconceitos pagãos. Embora leigo, é considerado o primeiro “pai apologista” da Igreja, logo depois dos primitivos “pais apostólicos”, pois dedicou sua vida à difusão e ao ensino do Cristianismo. Em Roma, abriu uma escola para o ensino da doutrina cristã e, ainda nessa cidade, dedicou-se ao apostolado, especialmente nos meios cultos, onde se movimentava com desembaraço. Escreveu muitas obras, mas somente três chegaram até nós: duas apologias contra os pagãos e um diálogo com o judeu Trifão. Nos últimos trinta anos de sua vida, Justino viajou, evangelizou e escreveu. Desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento da teologia da igreja, assim como da compreensão que a igreja tinha de si mesma e da imagem que apresentava ao mundo. Praticamente desde o início, a igreja funcionou em dois mundos: o judeu e o gentio. O livro de Atos dos Apóstolos registra o lento e, às vezes, doloroso desabrochar do Cristianismo no mundo gentílico. Durante os reinados dos imperadores do século I, por exemplo, Nero e Domiciano, a igreja se esforçava para sobreviver, para continuar sua tradição e para mostrar ao mundo o amor de Jesus Cristo. Os não-cristãos viam o Cristianismo como uma seita primitiva, uma ramificação do judaísmo caracterizada por ensinamentos e práticas estranhas. Em meados do século II, sob o comando de imperadores mais razoáveis como Trajano, Antonino Pio e Marco Aurélio, a igreja teve uma nova preocupação: explicar o motivo de sua existência para o mundo de maneira convincente. Justino se tornou um dos primeiros apologistas cristãos, ou seja, um dos que explicavam a fé como sistema racional. Com escritores que surgiriam mais tarde – como Orígenes e Tertuliano -, ele interpretou o Cristianismo em termos que seriam familiares aos gregos e aos romanos instruídos de seus dias. A maior obra de Justino, a Apologia, foi endereçada ao imperador Antonino Pio (a palavra grega apologia refere-se à lógica na qual as crenças de uma pessoa são baseadas). Enquanto Justino explicava e defendia sua fé, ele discutia com as autoridades romanas porque considerava errado perseguir os cristãos. De acordo com seu pensamento, as autoridades deveriam unir forças com os cristãos na exposição da falsidade dos sistemas pagãos. Para Justino, toda verdade era verdade de Deus. Os grandes filósofos gregos haviam sido inspirados por Deus até certo ponto, mas permaneciam cegos com relação à plenitude da verdade de Cristo. Desse modo, Justino trabalhou livremente com o pensamento grego, explicando Cristo como seu cumprimento. Ele se aproveitou do princípio apresentado pelo apóstolo João, no qual Cristo é o Logos, a Palavra. Deus Pai era santo e separado da humanidade maligna, e Justino concordava com Platão nesse aspecto. Porém, por intermédio de Cristo, seu Logos, Deus pôde alcançar os seres humanos. Como o Logos de Deus, Cristo era parte da essência de Deus, embora separado, do mesmo modo que uma chama se acende a partir de outra (é por isso que o pensamento de Justino foi fundamental no desenvolvimento da consciência da igreja com relação à Trindade e à encarnação). O ponto central da apologética de Justino consiste em demonstrar que Jesus Cristo é o Logos do qual todos os filósofos falaram e, portanto, à medida que participam do Logos chegando a expressar uma verdade parcial - vendo a verdade de modo obscuro - graças à semente do Logos que neles foi depositada podem dizer-se cristãos. Mas uma coisa é possuir uma semente e outra é o próprio Logos: “Aprendemos que Cristo é o primogênito de Deus e que é o Logos, do qual participa todo o gênero humano”. Toda pessoa, criada como ser racional, participa do Logos, a quem leva desde a gestação e pode, portanto, perceber a luz da verdade. Justino, convencido de que a filosofia grega tende para Cristo, “acredita que os cristãos podem servir-se dela com confiança” e em conjunto, a figura e a obra do apologista “assinalam a decidida opção da Igreja Antiga em favor da filosofia, em vez de ser a favor da religião dos pagãos”, com a qual os primeiros cristãos “rechaçaram com força qualquer compromisso”. Justino, em particular, notadamente em sua primeira Apologia, conduziu uma crítica implacável com relação à religião pagã e a seus mitos, que ele considerava como «caminhos falsos», diabólicos no caminho da verdade. Assim, Justino, e com ele os outros apologistas, marcaram a tomada de posição nítida da fé cristã pelo Deus dos filósofos contra os falsos deuses da religião pagã. Era a escolha pela verdade do ser, contra o mito do costume. Contudo, Justino tinha uma linha de pensamento judaica que caminhava com suas inclinações gregas. Era fascinado pelas profecias já cumpridas. É possível que isso tenha nascido no encontro com o idoso à beira- mar. Porém, ele percebeu que a profecia hebraica confirmou a identidade singular de Jesus Cristo. Como Paulo, Justino não abandonou os judeus à medida que se aproximava dos gregos. Em Diálogo com Trifão, outra grande obra, ele escreve a um judeu, um conhecido dele, apresentando Cristo como cumprimento da tradição hebraica. Além de escrever, Justino viajou bastante, sempre argumentando a favor da fé. Ele se encontrou com Trifão em Éfeso. Em Roma, encontrou-se com Marcião, o líder gnóstico. Em outra ocasião, durante uma viagem a Roma, Justino se indispôs com um homem chamado Crescendo, o Cínico. Quando Justino retornou a Roma, por volta do ano 165, Crescendo o denunciou às autoridades.Justino foi preso, torturado, açoitado e decapitado, com outros seis cristãos. Ao ser preso, durante a perseguição movida por Marco Aurélio, foi levado à presença de Rústico, prefeito de Roma, acusado de recusar-se a fazer sacrifício aos ídolos, foi ordenado a fazê-lo naquele instante. Justino respondeu: “Não é nenhuma injúria, obedecer aos mandamentos de nosso Salvador Jesus Cristo, nem tampouco, motivo para condenação”. Justino escreveu certa vez: “Vocês podem nos matar, mas não podem nos causar dano verdadeiro”. O apologista apegou-se a essa convicção até a morte. Ao fazer isso, recebeu o nome que passaria a usar por toda a história: Justino Mártir. Com certeza, Justino influenciou a sua época e o período futuro do Cristianismo. Seu ensino do Cristianismo através do platonismo levou alguns simples e outros proeminentes a se converterem (Taciano e Irineu), mas, ao mesmo tempo, foi criticado pelo método (Tertuliano). Alguns documentos completos feitos por ele são: A Primeira apologia (defesa), a Segunda Apologia e o Diálogo com Trifão, o Judeu. Homem de grande conhecimento e eloquência, Justino nos deixa o exemplo de paixão pela causa e obra de Jesus Cristo. Sua dedicação em defesa do Cristianismo deixa-nos perplexos e nos compunge a ser cristãos mais autênticos assim na dedicação como na defesa do ser cristão. 2.2 Tertuliano Tertuliano nasceu por volta de 150 d.C., em Cartago (cidade ao nordeste da África), filho de família pagã abastada. Acredita-se que fora filho de um centurião romano, estudou Direito e exerceu a profissão em Roma. Tinha o domínio da língua grega e possuía grande erudição em filosofia e história. Entre os anos 190 e 195 d.C. converteu- se ao Cristianismo, provavelmente em Roma, e passou a dedicar-se ao estudo da literatura cristã, tanto ortodoxa quanto herética. Seus antecedentes imediatos à sua conversão são desconhecidos, exceto o que pode ser conjecturado a partir de seus escritos. O evento deve ter sido repentino e decisivo, transformando de uma vez sua própria personalidade. Ele escreveu que não podia imaginar uma vida verdadeiramente cristã sem um ato consciente e radical de conversão. Pouco tempo depois, voltou a Cartago, onde foi ordenado presbítero e lá viveu até a sua morte, que ocorreu entre os anos 222 e 225 d.C. Dedicou seus conhecimentos e habilidades jurídicas ao esclarecimento da fé cristã ortodoxa contra os pagãos e os hereges. Tertuliano esteve vinculado à Igreja de Roma, no período em que houve uma grande perseguição contra os cristãos movida pelo Imperador Sétimo Severo no Norte da África, em 202 d.C., que reacendeu o puritanismo natural em Tertuliano, levando-o a simpatizar-se com o montanismo. O que mais chamava a atenção nesse movimento eram os seus aspectos ascéticos e anti-mundanos. Dois livros endereçados à sua esposa confirmam que ele foi casado com cristã. No meio de sua vida (por volta de 207 d.C.), ele foi atraído pela “Nova profecia” do Montanismo e parece ter deixado o ramo principal da Igreja. No tempo de Agostinho, um grupo de “tertulianistas” ainda tinham uma basílica em Cartago que, nessa mesma época, passou para a Igreja. Não sabemos se essa é apenas uma outra denominação para os montanistas e se significa que Tertuliano rompeu também com os montanistas e fundou seu próprio grupo. Tertuliano tinha um temperamento violento e enérgico, quase fanático, lutador empedernido e muitos dos seus escritos são polêmicos. Esse temperamento, impressionado com o exemplo dos mártires, que o levou à conversão, permite compreender a sua passagem ao montanismo. Jerônimo diz que Tertuliano morreu com idade bastante avançada, mas não há outra fonte confiável que ateste sua sobrevivência além do ano estimado de 220 d.C. A despeito de sua cisma com a ortodoxia da Igreja, ele continuou a escrever contra as heresias, especialmente o Gnosticismo. Assim, através de suas obras doutrinárias que publicou, Tertuliano se tornou professor de Cipriano de Cartago e o predecessor de Agostinho que, por sua vez, se tornou o principal fundador da teologia latina. Tertuliano foi o pai das doutrinas ortodoxas da Trindade e da pessoa de Jesus Cristo. Suas doutrinas a respeito da Trindade e da pessoa de Cristo foram forjadas no calor da controvérsia com Práxeas que, segundo Tertuliano, “sustenta que existe um só Senhor, o Todo-Poderoso criador do mundo, apenas para poder elaborar uma heresia com a doutrina da unidade. Ele afirma que o próprio Pai desceu para dentro da virgem, que Ele mesmo nasceu dela, que Ele mesmo sofreu e que, realmente, era o próprio Jesus Cristo”. Tertuliano foi o primeiro teólogo cristão a confrontar e a rejeitar com grande vigor e clareza intelectual essa visão aparentemente singela da Trindade e da unidade de Deus. Ele declarou que se esse conceito fosse verdade, então o Pai tinha morrido na cruz e isso, além de ser impróprio para o Pai, é absurdo. Na verdade, a maior contribuição de Tertuliano para a teologia foi a sua reflexão acerca do mistério trinitário. Criou um vocabulário que passou a fazer parte da linguagem oficial da teologia cristã. Foi ele que introduziu a palavra “Trinitas”, como complemento da “Unitas”. Segundo Tertuliano, Pai, Filho e Espírito Santo são um só Deus porque uma só é a substância, um só estado (status) e um só poder. Mas, por outro lado, distinguem- se, sem separação, pelo grau, pela forma e pela espécie (manifestação). Tertuliano introduz assim o termo “pessoa”, (persona), para significar cada um dos três, considerado individualmente. Esse vocabulário passou a vigorar, até hoje, para referir as realidades trinitárias. No entanto, Tertuliano deixa transparecer alguma influência subordinacionista. Ao falar da geração do Filho, sem querer comprometer a sua divindade, admite uma certa gradação, desde uma fase anterior à criação, em que o Logos de Deus se contempla a Si mesmo, para passar a contemplar a economia salvífica, e é engendrado de forma imanente em Deus, até à criação, em que a Palavra se realiza como tal ao ser proferida. Cristo é, assim, o primogênito do Pai, gerado antes de todas as coisas, mas não seria eterno. O Filho é como que uma porção ou emanação do Pai. Tertuliano, portanto, apesar de ter dotado a teologia trinitária de um vocabulário preciso, e de ter procurado a exatidão, não se livrou de algumas ambiguidades e deficiências. Entre 197 e 220 d.C., Tertuliano, dedicou-se à carreira literária de defesa e explicação do Cristianismo. Foi o primeiro escritor eclesiástico mais importante da língua latina. Seu estilo era muito bom de ler, porque a sua escrita era vívida, satírica e fácil. Seu método era muito parecido com o de um advogado expondo em um tribunal. O intenso fervor espiritual que demonstrava tornava-o sempre admirável em que escrevia. Foi intitulado de “o pai da teologia latina”. Tertuliano também admite a ideia de uma penitência da alma após a morte. Somente os mártires escapam a ela. Todos os demais têm um tempo de espera até ao juízo final e só a intercessão dos vivos lhes pode valer. Tal como os milenaristas, Tertuliano considera que, no fim, os justos, ressuscitados, reinarão durante mil anos com Cristo. Depois do juízo final, os justos estarão com Deus, enquanto que os ímpios irão para o fogo eterno, ou seja, o inferno. Tertuliano não era um teólogo especulativo. Seu pensamento se baseava no dos apologistas e também no de guardiães da tradição da Ásia Menor, tanto as ideias estoicas como os conceitos jurídicos. Dava o sentido de ordem e de autoridade, o que era peculiar aos romanos. Todos os assuntos que escrevia eram formulados com clareza e definição peculiar à mente jurídica. Por esse motivo, ele foi considerado mais do que qualquer outro escritor anterior, emprestando precisão a muitos conceitos teológicos até então pouco compreendidos. Para Tertuliano, o Cristianismoera uma grande loucura divina, porque era mais sábio do que a sabedoria filosófica humana, difícil de ser equacionado por qualquer sistema filosófico. Para ele, o Cristianismo consistia no conhecimento de Deus, com base na razão e na autoridade que está sediada na Igreja Ortodoxa, que, segundo ele, é a única que possui a verdade, declarada no credo, bem como o direito de usar as Escrituras. Tertuliano afirmava que o Cristianismo era uma nova lei pregada por Jesus Cristo com a nova promessa de reino do céu. O seguidor de Jesus era admitido na igreja pelo batismo, mediante o qual todos os seus pecados anteriores eram apagados. Tertuliano conseguiu demonstrar para a igreja o profundo sentido de pecado e da graça. Afirmava que embora a salvação se fundamente na graça, o homem tem muito a fazer. Embora Deus perdoe no batismo os pecados passados, é necessário oferecer satisfação pelos cometidos posteriormente, isso mediante os sacrifícios voluntários. Quanto mais o homem punir-se a si mesmo, tanto menor será a punição que Deus lhe há de aplicar. Tertuliano, como ninguém o havia feito até então, em seu trabalho principal chamado de “Contra Práxeas”, define Divindade em termos que anteciparam a conclusão a que chegaria o Concílio Niceno mais de um século depois. “Todos são de um, por unidade de substância, embora ainda esteja oculto o mistério da dispensação que distribui a unidade numa Trindade, colocando em sua ordem os três, Pai, Filho e Espírito Santo; três, contudo... não em substância, mas em forma, não em poder, mas em aparência, pois eles são de uma só substância e de uma só essência e de um poder só, já que é dom de Deus que esses graus e formas e aspectos são reconhecidos com o nome de Pai, Filho e Espírito Santo”. Tertuliano descreveu essas distinções da Divindade como “pessoas”, termo que não tem a conotação, que nos é familiar, de personalidades, mas de modos objetivos de ser.