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1 CHASIN, Ana Carolina. Considerações sobre o Direito na Sociologia de Pierre Bourdieu. In: SILVA, F. G. S.; RODRIGUEZ, J. R. (Coord.). Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva,2019. FICHAMENTO – CITAÇÕES: “Pierre Bourdieu (1930-2002) pode ser considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX.” (Pág. 99); “Esse estado de permanente inadequação é o que ajuda a explicar por que a busca por desvelar os mecanismos simbólicos de distinção social está presente em suas mais diversas pesquisas sobre o mundo social e os campos de produção da cultura legítima.” (Pág. 99); “Mobilizou uma ampla coleção de métodos proporcionados pela tradição das ciências sociais (...)’’ (Pág. 100); 5.1. Conceitos centrais para a compreensão do mundo social “(...) indivíduo versus sociedade, prática versus estrutura, análise interna versus análise externa, teoria versus empiria. Assim como outros sociólogos contemporâneos, Bourdieu realiza uma tentativa de superação dessas antinomias.” (Pág. 101); “(...) o espaço social se caracteriza basicamente por ser multidimensional e relacional. Os agentes e grupos sociais são definidos pelas posições relativas que ocupam numa região determinada desse espaço. O espaço social não é homogêneo e indiferenciado, sendo que em seu interior ele produz campos.” (Pág. 101); “O campo é justamente o lugar em que as posições dos agentes estão fixadas. É ao mesmo tempo um campo de forças e um campo de lutas, local em que se travam DISCENTE: Marcos Eduardo Damasceno da Silva MATÉRIA: Sociologia Jurídica DOCENTE: Ivandro Menezes I I - PERÍODO 2 as disputas entre os agentes em torno dos interesses específicos que caracterizam a área em questão: riqueza, poder, verdade, beleza, justiça etc. Cada campo é relativamente autônomo e possui uma lógica de funcionamento própria, que orienta as ações dos indivíduos.” (Pág. 101); “Para Bourdieu, há diversos tipos de capital: o capital econômico, o capital cultural (títulos escolares, conhecimentos, bagagem cultural), o capital social (redes de contatos e relacionamentos) e o capital simbólico, que é uma espécie de síntese dos outros três tipos de capital, a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital.” (Pág. 101); “Em cada campo social, há um polo dos dominantes e um polo dos dominados. Os dominantes são aqueles que possuem a maior quantidade do capital disputado naquele campo; são “aqueles que exprimem as forças imanentes do campo” (BOURDIEU, 2003, p. 49).” (Pág. 101); “A classe é o conjunto de agentes que ocupam posições homólogas no espago social. É composta por agentes que possuem quantidades e tipos de capital semelhantes e que, colocados sob as mesmas condições, tendem a apresentar as mesmas atitudes e práticas.” (Pág. 102); “As classes sociais não se definem apenas pela posição ocupada pelos atores no processo de produção (como boa parte dos estudiosos de extração marxista consideravam), mas sim pelo posicionamento dos agentes no espago social, que é multidimensional e, apesar de englobar também a dimensão do processo de produção, não se reduz a ela.” (Pág. 102); “(...) as relações de forca objetivas tendem a se reproduzir nas relações de força objetivas simbólicas, nas visões do mundo social que contribuem para a permanência dessas mesmas relações de forca.” (Pág. 102); “Afirmar que os agentes pertencentes a uma mesma classe possuem quantidade de capital econômico ou cultural semelhante é o mesmo que dizer que suas práticas, costumes, gostos e atitudes são também similares.” (Pág. 102); “o sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente ‘reguladas’ e “regulares' sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações 3 necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente” (BOURDIEU, 1994, p. 60-61).” (Pág. 103); “O habitus é o princípio unificador e gerador de todas as práticas. São disposições de conduta padronizadas, não necessariamente reflexivas ou conscientes, incorporadas pelos agentes e que modelam suas ações e práticas.” (Pág. 103); “O estilo de vida constitui um conjunto unitário de preferências que exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos (mobília, vestimenta, alimentação, linguagem etc.), a mesma intenção expressiva. Assim, cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras.” (Pág. 103); 5.2. O campo do direito “O formalismo, representado pelo pensamento de Hans Kelsen, compreenderia o direito como um sistema fechado, capaz de se desenvolver internamente, e que deveria ser estudado a partir do corpo de doutrina produzido. Já o instrumentalismo, representado pelos autores da tradição marxista, pecaria justamente pela visão unicamente externa do direito (interpretado como superestrutura, instrumento de dominação etc.).” (Pág. 104); “Para Bourdieu, nenhuma dessas escolas realiza uma interpretação historicamente situada do direito.” (Pág. 104); “O campo do direito apresenta como especificidade, como objeto de disputa, o capital jurídico, o “direito de dizer o direito”; ou seja, a separação entre quem participa desse campo e quem não participa é dada pela capacidade de interpretar o corpo de textos — consagradores de uma visão legítima e justa do mundo social — que o integram.” (Pág. 104); “Apenas quem detém competência social e técnica para compreender a linguagem interna do direito é que está habilitado a tomar parte em seus rituais.” (Pág. 105); “A escrita desempenha papel importante na construção dessa linguagem jurídica, pois garante a regularização dos procedimentos e favorece a autonomização do texto.” (Pág. 105); 4 “Os operadores são agentes especializados encarregados de organizar, segundo formas codificadas, a manifestação pública dos conflitos. Atuam, assim, como mediadores (...)” (Pág. 105); “Para o autor, a constituição de um campo jurídico ocorre justamente no momento em que há instauração do monopólio dos profissionais sobre a produção e a comercialização dos serviços jurídicos. A competência jurídica é um poder específico que permite o controle do acesso ao campo do direito (quais conflitos podem entrar e quais ficam de fora).” (Pág. 106); “(...) quando novas causas começam a chegar nos espaços jurídicos (aumentando a demanda), impõe-se a criação de um novo mercado e, consequentemente, de novas competências. Um efeito circular leva ao aumento do formalismo dos procedimentos, reforçando a necessidade de contratação de serviço especializado e excluindo, novamente, os profanos.” (Pág. 106); “Com isso, tem-se a impressão de que o direito parece plenamente autônomo no espaço social. Somente os membros do campo jurídico dominam sua linguagem e são capazes de compreender sua racionalidade.” (Pág. 106); “(...) todos os integrantes desse campo tendem a compartilhar o mesmo habitus, ou seja, certo estilo de vida, jeito de se vestir, de se comportar, de falar etc.” (Pág. 107); “Outra especificidade do campo do direito é a atividade de formalização. Trata- se do trabalho de elaboração das leis, de redação das normas. Ao lado dos detentores do poder temporal, político ou econômico, os “agentes formalizadores” também pertencem à classe dominante, de forma que tendem a legislar em prol dos interesses dessa classe.” (Pág. 107); “Bourdieu desconstrói a ideia de que a formação de precedentes (jurisprudência) leva ao desenvolvimento de uma racionalidade jurídica, responsável por garantir essa segurança.” (Pág. 107); “A previsibilidade e calculabilidade que[Max] Weber empresta ao ‘direito racional’ assentam, sem dúvida, antes de mais, na constância e na homogeneidade dos habitus jurídicos: as atitudes comuns, afeiçoadas, na base de experiências familiares semelhantes, por meio de estudos de direito e da pratica das profissões jurídicas, funcionam como categorias de percepção e de apreciação que estruturam a 5 percepção e a apreciação correntes e que orientam o trabalho destinado a transforma- los em confrontações jurídicas” (BOURDIEU, 1998, p. 231).” (Pág. 108); “(...) é por meio de uma aparente neutralidade e universalidade que as leis (arbitrárias e frutos dos interesses dominantes) adquirem sua legitimidade. A especificidade do funcionamento do campo jurídico está justamente nessa retórica de autonomia, neutralidade e universalidade.” (Pág. 108); “Bourdieu argumenta que o veredicto sempre envolve um trabalho de interpretação e escolhas, no qual o juiz deve optar entre diferentes direitos possíveis. Ele possui certo grau de autonomia, de forma que suas decisões irão sempre refletir uma tomada de posição.” (Pág. 108); “Quanto mais autonomia ele desfruta, melhor posicionado está no campo, e vice-versa.” (Pág. 108); “O sucesso (ou insucesso) de cada profissional atuante nessa disputa está relacionado à sua capacidade de mobilizar os recursos jurídicos disponíveis (capital jurídico), o que, como indicado anteriormente, depende da posição do espaço social que ocupa.” (Pág. 109); “Nesse sentido, Bourdieu afirma que há uma homologia (ou paralelismo) entre as diferentes categorias de produtores ou de vendedores de serviços jurídicos e as diferentes categorias de clientes.” (Pág. 109); “Outro ponto importante na analise empreendida por Bourdieu sobre o campo do direito se refere justamente a essa “divisão do trabalho jurídico”, ou seja, as oposições estruturais verificadas dentro do próprio campo. Dois polos compõem a estrutura do campo do direito: os teóricos e os práticos.” (Pág. 109); “Os teóricos, geralmente professores e outros académicos (além dos juízes das altas cortes), interpretam os textos jurídicos a partir da elaboração de doutrinas. Já os práticos, que podem ser representados por advogados ou por juízes (a depender do contexto), afirmam-se pela pratica processual e pela interpretação do direito a partir da avaliação de um caso concreto.” (Pág. 109); “(...) dependendo da posição social ocupada pelo campo do direito em cada sociedade, um desses polos ocupa a posição dominante, detendo o monopólio da interpretação autorizada dos textos jurídicos.” (Pág. 109); “A posição que cada agente ocupa nesse espaço está relacionada com o grau de apropriação do capital jurídico: a obtenção de capital implica a ocupação de 6 posição de maior vantagem em relação aos demais. Esse processo acarreta diferenciação e hierarquização interna ao campo.” (Pág. 110); “É o contato com a realidade usufruído pelos práticos que permite a introdução de inovações no direito. Cabe aos juristas a incorporação dessas mudanças ao sistema jurídico, garantido, inclusive, a perpetuação de sua coerência interna.” (Pág. 110); 5.3. Desdobramentos das análises de Pierre Bourdieu “(...) o método é aplicado à análise específica de um caso concreto: o estudo da internacionalização dos campos jurídicos nacionais europeus ao longo do surgimento de um espaço jurídico “transnacional”, fruto da criação da Comunidade Europeia.” (Pág. 111); “O contraste entre esses dois modelos está relacionado à maneira pela qual a hierarquia do campo jurídico é conformada: no caso europeu, são, sobretudo, os acadêmicos que detêm o monopólio da interpretação autorizada dos textos jurídicos; no caso norte-americano, tal posição é ocupada por grandes escritórios corporativos.” (Pág. 111); “A autoridade jurídica, no antigo modelo europeu, provinha da ciência do direito e da crença na imparcialidade a ela atrelada. No topo da hierarquia, estavam os líderes acadêmicos e a alta corte de juízes, todos ostentando perfil de independência e distância em relação a qualquer interesse comercial (embora os professores fossem eventualmente contratados por clientes abastados que podiam pagar os altos custos de sua opinião jurídica oficial).” (Pág. 111); “Assim, podiam manter uma distância aparente da prática jurídica e da atividade comercial. Essa aparência de autonomia dos produtores de direito era, inclusive, o que conferia legitimidade ao campo.” (Pág. 111); “No outro polo da divisão de trabalho e poder, estavam aqueles que praticavam o direito, que tinham contato com as realidades da vida jurídica cotidiana: os advogados.” (Pág. 111); 7 “A prática estava diretamente orientada para a resolução de litígios, o que era realizado mediante atuações individuais ou de empresas de pequeno porte, especializadas em determinadas áreas do direito.” (Pág. 112); “Já o modelo norte-americano — denominado pelos autores de “cravathismo”? * — tem como centro, ao contrário, a grande empresa de direito. No pico da hierarquia jurídica, estão os praticantes da advocacia corporativa (além dos juízes das altas cortes).” (Pág. 112); “Grandes escritórios jurídicos corporativos atuam em várias áreas diferentes, operam em escala nacional e regional, e, além do trabalho da advocacia litigiosa propriamente dita, oferecem também serviços de consultoria, preparação de legislação, regulamentação administrativa e prática de lobby. Os advogados são recrutados a partir de seu desempenho acadêmico nas mais prestigiosas faculdades de direito.” (Pág. 112); “(...) há um espírito de objetividade e autonomia do campo jurídico, o que advém do “cult of servisse to the law” (“servir e estar a serviço do direito”), ou seja, da busca pela garantia de que o sistema legal esteja a serviço de todos. Nesse sentido, advogados renomados também acumulam capital jurídico ao firmar compromissos com serviços públicos e realizar atividades de advocacia pro bono.” (Pág. 112); “A criação da Comunidade Europeia, a abertura de fronteiras, a reestruturação das economias e o aumento do número de empresas que operam simultaneamente em diversos países europeus levaram ao surgimento de um novo mercado de atividades jurídicas.” (Pág. 113); “E esse novo “mercado de direito europeu”, fortemente marcado pela incorporação de características oriundas do direito norte-americano, passou a exercer grande influência nos campos jurídicos de vários Estados nacionais.” (Pág. 113); “Profissionais que exercem atividades práticas, os quais até então ocupavam posição periférica na antiga divisão europeia do trabalho jurídico, com o surgimento desse novo mercado de direito europeu passam a desfrutar de prestígio cada vez maior.” (Pág. 113); “(...) uma nova geração de acadêmicos capazes de, ao apresentar um duplo perfil, contestar as hierarquias até então vigentes: por um lado, estão orientados para 8 a prática; por outro, são também capacitados para manter o tradicional privilégio professoral de dizer o direito.” (Pág. 114); “Os “melhores e mais brilhantes” advogados franceses, incluindo os que já ocupavam alguma posição de professor ou tinham aspirações acadêmicas, são atraídos por essas novas oportunidades.” (Pág. 114); “Além disso, esse novo contexto também altera a origem social dos advogados mais bem posicionados no campo, já que os processos de recrutamento vão sendo cada vez mais pautados por critérios meritocráticos.” (Pág. 114); “(...) essas mudanças na organização do direito também têm o efeito de contribuir para a crescente integração das economias e o consequente surgimento de áreas jurídicas transnacionais.” (Pág. 114); “Vê-se aí mais uma característica que distancia a vertente de pesquisas sobre o direito iniciada por Pierre Bourdieu da tradição do pensamento marxista. Para além do movimento de determinação unilateral do direito pela economia,deve-se considerar também a situação inversa: as influências que o próprio campo jurídico exerce tanto no espaço social como um todo quanto no campo econômico mais especificamente.” (Pág. 114); Considerações finais “As pesquisas desenvolvidas por Bourdieu têm como principal parâmetro a sociedade francesa e suas instituições. É por meio desse referente que ele introduz suas concepções teóricas e discussões conceituais. O esquema cognitivo desenvolvido a partir daí, no entanto, é passível de ser mobilizado para a análise de outros casos empíricos.” (Pág. 115); “Bourdieu assinala que, embora na sociedade francesa os capitais econômico e cultural detenham centralidade, isso pode variar conforme as formações sociais.” (Pág. 115); “(...) ele mesmo aponta que a posição ocupada pelo capital econômico nas sociedades capitalistas é substituída pelo que ele chama de “capital político”: aquilo que “assegura aos seus detentores uma forma de apropriação privada de bens e de 9 serviços públicos (residências, veículos, hospitais, escolas etc.)” (BOURDIEU, 1997, p. 31).” (Pág. 115); “O mesmo raciocínio vale para a compreensão do direito no Brasil. O campo jurídico brasileiro não poderia ser decalcado diretamente nem do modelo francês nem do norte-americano.” (Pág. 115); “Não se pode, por exemplo, desconsiderar tanto o caráter patrimonialista do Estado quanto a herança estamental que marca a formação da sociedade brasileira.” (Pág. 116); “A ressalva vale também para a hegemonia global do direito norte-americano. Não obstante sua crescente influência sobre nossas instituições, não se pode simplesmente tomar a importação de modo automático, sendo necessário compreender os interesses dos agentes envolvidos nesse processo, bem como o sentido que os mecanismos importados assumem no contexto do direito brasileiro.” (Pág. 116); Além disso, a própria gênese de um campo do direito no Brasil deve ser investigada. O esquema desenvolvido pelas pesquisas de Pierre Bourdieu nos levaria a indagações relativas às condições de autonomização desse campo, como se constitui historicamente, quem são seus agentes, quais posições ocupam e em que instituições, o que está em disputa, quais as hierarquias vigentes, os princípios de classificação operantes e os polos de tensão que configura. Sem dúvida, essa perspectiva enfatiza dimensões que ainda estão por ser exploradas no Brasil. (Pág. 116);
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