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0 ASPECTOS SOCIOANTROPOLÓGICOS 1 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 3 COMO SURGEM OS ESTUDOS DO HOMEM .................................................... 4 2.1 A profissão de antropólogo e a ciência antropológica ....................................... 5 2.2 A diversidade .................................................................................................... 8 2.3 O Conceito De Cultura .................................................................................... 10 QUE É ETNOCENTRISMO ............................................................................... 13 3.1 Etnos .............................................................................................................. 13 IDEOLOGIAS ETNOCÊNTRICAS ..................................................................... 18 4.1 Exemplos De Ideologias Etnocêntricas ........................................................... 19 A DIVERSIDADE CULTURAL: ALGUMAS REFLEXÕES .................................. 21 5.1 Campos Iniciais Da Antropologia .................................................................... 24 5.2 A Antropologia Hoje ........................................................................................ 27 A ESCRITA ANTROPOLÓGICA E A CONSTRUÇÃO DE “PERFIS” SOCIAIS .. 32 6.1 Evolucionismo Social E Materialismo Cultural ................................................. 34 REFERÊNCIA .......................................................................................................... 36 3 INTRODUÇÃO Iniciamos nossa jornada de estudos buscando compreender melhor o significado de antropologia cultural e social, que, no caso, diz respeito a TUDO que constitui uma sociedade, incluindo a nossa: “[...] seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas” (LAPLANTINE, 2000, p. 19). De acordo com Lévi-Strauss (1974, p. 80), o antropólogo busca compreender aquilo que os homens “não pensam habitualmente em fixar na pedra ou no papel”. Os gestos, as trocas simbólicas, os detalhes do comportamento humano são os objetos do estudo do homem. A antropologia é o estudo das culturas humanas, assim como de um TODO na sua diversidade histórica e geográfica (LAPLANTINE, 2000). A antropologia social trabalha, inicialmente, com os sistemas de pensamento, destaca a coesão das instituições, o caráter integrativo da família, da moral e da religião (DURKHEIM,1979). A antropologia social e cultural tem o mesmo campo de investigação: O social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração, de dominação...), que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo conjunto (etnia, região, nação...) e para com outros conjuntos, também hierarquizados. A cultura, por sua vez, não é nada mais que o próprio social, mas é considerado dessa vez sob o ângulo dos caracteres distintivos que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas...) (LAPLANTINE, 2000, p. 95). Os antropólogos culturais e sociais possuem os mesmos métodos etnográficos, fazem análises comparativas. No ângulo da antropologia social, a comparação é o social como sistema de relações sociais e na antropologia cultural observa-se o social através dos comportamentos particulares dos membros do grupo pesquisado. “Nossas maneiras específicas, enquanto homens e mulheres de uma determinada cultura, de pensar, de encontrar, trabalhar, se distrair, reagir frente aos acontecimentos (por exemplo, o nascimento, a doença, a morte) (LAPLANTINE, 2000, p. 96). 4 COMO SURGEM OS ESTUDOS DO HOMEM A antropologia tem origem na Europa, assim como a sociologia. Na França e em alguns países, muitos cientistas sociais não fazem distinção entre as duas. O surgimento da sociologia e da antropologia deve-se a uma série de mudanças políticas, sociais e econômicas do cenário daquela época. O contato com os novos povos gerou muitos questionamentos, desde o início das grandes navegações nos séculos XIV e XV. Marco Polo (apud LAPLANTINE, 2000, p. 60) fez um dos primeiros questionamentos antropológicos a partir da experiência de estar em contato com novos povos: “Como podem povos tão iguais (física e biologicamente) produzir culturas tão diferentes?” O que você acha, caro acadêmico? Como povos tão iguais desenvolvem culturas tão diferentes? Vivemos em um país com diversas culturas locais riquíssimas, mas fazemos parte da mesma nacionalidade, somos todos brasileiros, no entanto, praticamos ações e visões culturais bastante diferentes dos demais em nosso país. Figura 1 - Estudo Do Homem https://br.depositphotos.com/vector-images/das-culturas.html Voltamos para as grandes navegações e suas expansões pelos saberes antropológicos. Primeiramente, as sociedades espanhola e portuguesa delegaram à Igreja Católica Romana a função de conhecer e compreender os povos conquistados, 5 através das pesquisas dos jesuítas com os indígenas no processo de catequização. Seus estudos tinham o objetivo de conhecer o povo nativo para “dominá-lo” e colonizá- lo. Como bem sabemos, os indígenas (e depois os africanos escravizados) foram utilizados como mão de obra em muitas terras conquistadas pelos portugueses e espanhóis. Os britânicos, franceses e holandeses utilizaram outra técnica de dominação dos povos nativos, que não estava ligada à religião. Desejavam manipular sua base econômica para a produção comercial, não se interessavam em mudar as leis dos povos ou impor-lhes sua religião, tinham um objetivo: “Conhecer para manter”. A partir desta origem, a antropologia está embasada em três temas: Antropologia pragmática, “conhecer outros povos para explorá-los”, que poderia ser trabalhada no estudo da linha evolucionista na antropologia. Antropologia romântica, que tenta proteger o povo conquistado do contato e absorção pela civilização dominadora. E a antropologia científica, sendo estudada na linha funcionalista e estruturalista – social e cultural. A antropologia estuda todas as sociedades humanas, inclusive a nossa sociedade. É recente o estudo das chamadas sociedades complexas, as primeiras pesquisas trataram dos aspectos “tradicionais” das sociedades não tradicionais. Analisavam-se as comunidades camponesas europeias, logo após a atenção foi voltada para gruposmarginais e há poucos anos iniciou-se o estudo nas cidades. Anteriormente, a antropologia voltou-se para o estudo das civilizações primitivas, porém seu objeto de pesquisa mudou e, assim, muitas reflexões foram desenvolvidas para que as bases epistemológicas fossem amadurecidas. 2.1 A profissão de antropólogo e a ciência antropológica A profissão de antropólogo e a ciência antropológica surgiram no início do século XX, com os antropólogos Franz Boas (USA) e Bronislaw Malinowski (Inglaterra). A antropologia como ciência contribui com diversas formas de analisar as sociedades, o estranhamento da cultura do outro, o choque cultural a partir do contato com outra cultura e a negação do etnocentrismo são fatores positivos para um olhar diferenciado para o modo de viver em sociedade. 6 Figura 2 - Culturas https://br.depositphotos.com/vector-images/das-culturas.html A antropologia estuda ou analisa diversas formas de culturas e suas relações com o viver em sociedade. Segundo Giddens (2005), a cultura de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis – as crenças, as ideias e os valores que a formam –, como também os aspectos tangíveis, ou seja, os objetos, os símbolos ou a tecnologia que expressam este conteúdo. A noção de cultura parece ofertar a resposta mais ampla à questão da diferença entre os povos. De acordo com Cuchê (1999), o homem é essencialmente um ser cultural. “A cultura permite ao homem não somente adaptar-se a seu meio, mas também adaptar este meio ao próprio homem, a suas necessidades e seus projetos. Em suma, a cultura torna possível a transformação da natureza” (CUCHÉ, 1999, p. 10). No final do século XVIII e no início do século XIX, o termo germânico “Kultur” era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa “Civilization” referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) (1971, p. 71) no vocábulo inglês “Culture”, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade". Com esta definição Tylor abrangia em uma só palavra todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por 7 mecanismos biológicos (LARAIA, 2005). O conceito de cultura, utilizado atualmente, foi definido pela primeira vez por Tylor. Ele formalizou uma ideia que vinha crescendo na mente humana. A ideia de cultura, com efeito, estava ganhando consistência talvez mesmo antes de John Locke (1632-1704) que, em 1690, ao escrever Ensaio acerca do entendimento humano, procurou demonstrar que a mente humana não é mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento, através de um processo que hoje chamamos de enculturação. Locke (1978) refutou fortemente as ideias correntes na época, de princípios ou verdades inatas impressas hereditariamente na mente humana, ao mesmo tempo em que ensaiou os primeiros passos do relativismo cultural ao afirmar que os homens têm princípios práticos opostos: Quem investigar cuidadosamente a história da humanidade, examinar por toda a parte as várias tribos de homens e com indiferença observar as suas ações, será capaz de convencer-se de que raramente há princípios de moralidade para serem designados, ou regra de virtude para ser considerada... que não seja, em alguma parte ou outra, menosprezado e condenado pela moda geral de todas as sociedades de homens, governadas por opiniões práticas e regras de condutas bem contrárias umas às outras (LOCKE apud LARAIA, 2005, p. 14-15). Mais de um século transcorrido, Kroeber (1950, p. 85) escreveu que "a maior realização da Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a clarificação do conceito de cultura". Porém, as centenas de definições formuladas após Tylor serviram mais para estabelecer uma confusão do que ampliar os limites do conceito. Em 1973, Geertz escreveu que o tema mais importante da moderna teoria antropológica era o de "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente" (GEERTZ apud CUCHÊ,1999, p. 15). A cultura, segundo Clifford Geertz (1978), é um sistema de teias de significado que foi tecido pelo próprio homem. A cultura não seria uma ciência experimental, mas uma ciência interpretativa à procura de um significado. 8 Figura 3 - o desenvolvimento do conceito de cultura Fonte: https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/noticias/a-cultura-como-direito A primeira definição de cultura que foi formulada do ponto de vista antropológico, como vimos, pertence a Edward Tylor, no primeiro parágrafo de seu livro Primitive Culture (1871). Tylor (1871) procurou, além disto, demonstrar que cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, “pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução” (TYLOR apud LARAIA, 2005, p. 17). Mais do que preocupado com a diversidade cultural, Tylor preocupavase com a igualdade existente na humanidade. 2.2 A diversidade A diversidade é explicada por ele como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Assim, uma das tarefas da antropologia seria a de "estabelecer, grosso modo, uma escala de civilização", simplesmente colocando as nações europeias em um dos extremos da série e em outro as tribos selvagens, dispondo o resto da humanidade entre dois limites. Mercier (1974) mostra 9 que Tylor pensava as "instituições humanas tão distintamente estratificadas quanto a terra sobre a qual o homem vive. Elas se sucedem em séries substancialmente uniformes por todo o globo, independentemente de raça e linguagem – diferenças essas que são comparativamente superficiais –, mas moduladas por uma natureza humana semelhante, atuando através das condições sucessivamente mutáveis da vida selvagem, bárbara e civilizada" (LARAIA, 2005, p. 18). Para entender Tylor é necessário compreender a época em que ele viveu. O seu livro foi produzido nos anos quando a Europa sofria o impacto da Origem das espécies, de Charles Darwin, e a “nascente antropologia foi dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo unilinear” (LARAIA, 2005, p. 18). A principal reação ao evolucionismo, então denominado método comparativo, inicia-se com Franz Boas (1858-1949), nascido em Westfália (Alemanha) e inicialmente um estudante de física e geografia em Heidelberg e Bonn. Uma expedição geográfica a Baffin Land (1883-1884), que o “colocou em contato com os esquimós, mudou o curso de sua vida, transformando-o em antropólogo” (LARAIA, 2005, p. 19). São as investigações históricas – reafirma Boas (1986) – o que convém para descobrir a origem deste ou daquele traço cultural e para interpretar a maneira pela qual toma lugar num dado conjunto sociocultural. Em outras palavras, Boas (1986) desenvolveu o particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana), segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. A partir daí a explicação evolucionista da cultura só tem sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear BOAS apud LARAIA, 2005, p. 20). Alfred Kroeber (1950) (1876-1960), antropólogo americano, em seu artigo "O superorgânico", mostrou como a cultura atua sobre o homem, ao mesmo tempo em que se preocupou com a discussão de uma série de pontoscontrovertidos, pois suas explicações contrariam um conjunto de crenças populares. Demonstrou que graças à cultura, a humanidade distanciou-se do mundo animal. Para ele, o homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas. A preocupação de Kroeber era evitar a confusão, ainda tão comum, entre o orgânico e o cultural. Não se pode ignorar que o homem, membro proeminente da ordem dos primatas, depende muito de seu equipamento biológico. Para se manter vivo, independentemente do sistema cultural ao qual pertença, ele tem 10 que satisfazer um número determinado de funções vitais, como a alimentação, o sono, a respiração, a atividade sexual etc., mas, embora estas funções sejam comuns a toda humanidade, a maneira de satisfazê-las varia de uma cultura para outra. É esta grande variedade na operação de um número tão pequeno de funções que faz com que o homem seja considerado um ser predominantemente cultural. Os seus comportamentos não são biologicamente determinados. A sua herança genética nada tem a ver com as suas ações e pensamentos, pois todos os seus atos dependem inteiramente de um processo de aprendizado. O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade. De acordo com Laraia (2005), não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com frequência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária. 2.3 O Conceito De Cultura O conceito de cultura pode ser relacionada nos seguintes pontos: 1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. 2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo pelo qual passou. 3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em vez de modificar o seu aparato biológico, o homem modifica o seu equipamento superorgânico. 4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a Terra em seu hábitat. 5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas. 11 6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação) que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional. 7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo. 8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos de seu sistema cultural, e criar um novo objeto ou uma nova técnica. Nesta classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o fogo através do atrito da madeira seca; ou o primeiro homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha etc. São eles gênios da mesma grandeza de Santos Dumont e Einstein. Sem as suas primeiras invenções ou descobertas, hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado ao que é hoje. No final do século XIX havia uma ideia de que civilizados eram os europeus e os norte-americanos, e as outras populações eram vistas como menos evoluídas, ou atrasadas. Franz Boas (1986) critica o uso do termo cultura com o sentido de ser mais ou menos civilizado. Para ele a cultura era múltipla, não se tratava de uma cultura, mas sim de várias “culturas”. Ao pensar cultura no “plural” pode-se desconstruir as hierarquias do pensamento colonial e racista da época, assim como analisamos cada cultura em sua perspectiva. Para Franz Boas (1986), os diferentes povos que há no mundo possuem diferentes culturas e entre elas é difícil estabelecer qualquer hierarquia. Em sua pesquisa com povos indígenas do noroeste americano e do Alasca, Boas (1986) verificou que as histórias das comunidades são tão particulares e preenchidas por interesses tão diversos que não há possibilidade de comparação. Para Franz Boas, cultura era um todo integrado, e não um conjunto desagregado de práticas, hábitos, técnicas, relações e pensamentos. Tal integração de múltiplos elementos se dá a partir de um princípio compartilhado por todos os indivíduos de uma sociedade específica, assim se criaria a cultura. 12 Por isso seria única e exclusiva de cada sociedade, o que inviabilizaria qualquer comparação. Segundo Boas (1986), qualquer comparação exigiria tanto cuidado e investigação histórica e antropológica que, na prática, seria muito difícil realizar tal ação, porque [...] “a cultura inclui o processo de simbolização, ou seja, de processos de substituição de uma coisa por aquilo que a significa” (SANTOS, 2006, p. 41). Para Santos (1984), a cultura é compreendida como a totalidade de uma dimensão da sociedade. Nos tempos atuais, ela seria algo como o conhecimento num sentido ampliado, ou seriam as maneiras pelas quais a realidade que se conhece é codificada por uma sociedade, através de palavras, ideias, doutrinas. 13 QUE É ETNOCENTRISMO Vamos falar um pouco sobre a negação do etnocentrismo e o que isto tem a ver com antropologia e com nossas relações cotidianas. Começaremos com alguns exemplos para a tentativa de compreensão do que é etnocentrismo. Seguimos pela área musical, você gosta de que tipo de música? Você acredita que o estilo musical funk é melhor que a música popular brasileira (MPB)? Ou MPB é melhor que música clássica? De que forma classificamos o que é “melhor” ou “pior” em termos generalizantes? Quem dita as regras, ou normas, do que é bom para cada grupo social, povo ou nação? Questionamentos como estes nos levam a iniciar nossas reflexões a respeito do etnocentrismo. 3.1 Etnos ETNOS: nação, tribo ou pessoas que vivem juntas, e CENTRISMO: centro. Logo, a ideia de que o grupo está no centro. Assim, as ideias, conceitos, modos de conviver, regramentos sociais, morais, culturais, sexuais, religiosos, ambientais, políticos, são para o grupo o centro de tudo. Ou seja, tais pontos dão-se como o “certo” e o que não se ajusta a isso está “errado”. CUCHÉ (1999) relata que de acordo com o sociólogo americano William G. Sumner (1906), etnocentrismo “é o termo técnico para a visão das coisas segundo a qual nosso próprio grupo é o centro de todas as coisas e todos os outros grupos são medidos e avaliados em relação a ele”. Cada grupo alimenta seu próprio orgulho e vaidade, considera-se superior, exalta suas próprias divindades e olha com desprezo as estrangeiras. Cada grupo pensa que seus próprios costumes (folkways) são os únicos válidos e se ele observa que outros grupos têm outros costumes, encara-os com desdém (SIMON apud CUCHÊ, 1999). Para Rocha (1994), o etnocentrismo pode ser visto por dois planos, o plano intelectual e o plano afetivo. No plano intelectual o etnocentrismo pode ser observado como a dificuldade de pensarmos a diferença. Já no plano afetivo, analisamos como sentimentos de estranheza, medo e hostilidade etc. De acordo com Everaldo Rocha (1994),o etnocentrismo mistura estes dois planos, pois eles compõem um fenômeno bastante presente na sociedade e que também é muito encontrado em nosso cotidiano. De certo modo, ao nos depararmos com o “diferente” nos sentimos ameaçados, já que nossa identidade cultural está sendo ferida ou 14 contestada. Existe uma clara distinção entre grupos, o grupo do “EU” e o grupo do “OUTRO”. Figura - 4 etnocentrismo https://novosnavegantes.wordpress.com/porque-o-etnocentrismo-nao-deveria-existir/ O choque cultural se dá quando se verificam as formas como o viver de cada grupo se difere e nestes aspectos a diferença sobressai, assim o “EU” determina que sua visão é a única, ou a superior, a correta. Os questionamentos sobre como o grupo do “OUTRO” vive de determinada forma são frequentemente explanados. O grupo do “OUTRO” irá apresentar-se diante do grupo do “EU” como o engraçado, absurdo, anormal etc. O grupo do “EU” trabalha na perspectiva de fortalecimento da identidade, identificando-se como “perfeitos”, “excelentes” ou “ser humano”, e ao “OUTRO” chamam de “macacos da terra” ou “ovos de piolhos” (por exemplo). O grupo do “EU” é visto como “superior” e “civilizado”, seria a sociedade onde existem o saber e o progresso, já a do “OUTRO” seria “atrasada”. Voltando aos estilos musicais, identificamos diversos tipos de músicas, muitas são visualizadas como “boas” ou “ruins”, “decentes” ou “indecentes” e também são caracterizadas conforme sua origem de classe social. Caso venha de classe mais abastada, com grande poder aquisitivo, de um grupo que “aparenta” ter “conhecimento” de música, é vista como músicas “boas”, porém se o estilo musical 15 tem origem de classes mais pobres, em que já se preconiza um estereótipo de “falta de conhecimento”, as músicas já são vistas como “ruins”. Contudo, estamos colocando nestas observações juízos de valores etnocêntricos, pois cada grupo vai compreender que seu estilo musical é melhor, assim, não se consegue desenvolver uma crítica mais qualificada sobre o processo de criação musical e qual sua função nos meios em que é praticado. Segundo Lévi- Strauss (1986), os homens têm dificuldade de encarar a diversidade das culturas como um fenômeno natural. Quando falamos das grandes navegações, iniciamos a construção do conceito de humanidade. Para os povos primitivos, a humanidade acaba em suas fronteiras étnicas ou linguísticas, assim denominam-se “os homens”, “os excelentes” ou “os verdadeiros”, opondo-se aos estrangeiros que não são reconhecidos como humanos completos. Na sociedade greco-romana antiga, todos que não participavam da cultura greco-romana eram “bárbaros”. Na Europa ocidental, os que não pertenciam à civilização ocidental eram “selvagens”. O barbarismo demonstra confusão, desarticulação e desordem (ROCHA,1994). Aqueles que são diferentes do grupo do “EU” – os diversos “OUTROS” deste mundo –, por não poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados pela ótica etnocêntrica e segundo as dinâmicas ideológicas de determinados momentos (ROCHA, 1994, p. 15). Ser etnocêntrico, pensar de forma etnocêntrica, pode causar formas extremas de intolerância cultural, religiosa, política. A antropologia inicia a ideia de relatividade das culturas e da não hierarquização. Para a antropologia, recomenda-se a aplicação do método da observação participante para escapar do etnocentrismo na pesquisa. Para a antropologia, segundo Rocha (1994), a diferença é a forma como os grupos sociais deram soluções distintas a limites ou problemas existenciais comuns. A diferença não seria uma ameaça ou algo ruim, mas sim uma alternativa, ou uma possibilidade que o “OUTRO” pode abrir para o “EU”. Você já deve ter ouvido falar em noticiários, nas redes sociais e demais meios de comunicação, sobre o grande aumento de casos de xenofobia. Mas, afinal, o que é isso? O que a antropologia tem a ver com este fenômeno social? Xenofobia é o ato de repudiar, hostilizar e/ou odiar estrangeiros, fundamenta-se em fatores sociais, culturais, raciais, religiosos, históricos etc. 16 O termo "xenofobia" é formado por dois termos: “xénos” (estrangeiro, estranho ou diferente) e “phobos” (medo), que corresponde, literalmente, ao medo do diferente. Ao constatarmos que uma cultura se sobrepõe como fator de superioridade a outra, estamos contribuindo com um olhar preconceituoso e xenófobo, produzindo estereótipos que podem violentar uma cultura e um povo de diversas formas. Para contrapor o etnocentrismo existem algumas ideias, e entre elas está a relativização. Mas o que seria a relativização? Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando. Quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta, mas no contexto em que acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos: estamos relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. Ver as coisas do mundo como a relação entre elas. Ver que a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferente (ROCHA, 1994, p. 20). A antropologia, ao longo de seus estudos, busca visualizar as diferentes formas, maneiras, resoluções que os indivíduos deram para as situações que se configuravam como limites existenciais. A diferença, para a antropologia, não é ameaça, é alternativa. Segundo Rocha (1994, p. 10), “Ela (diferença) não é uma hostilidade do “outro”, mas uma possibilidade que o “outro” pode abrir para o “eu””. Compreender que a diferença do “EU” em relação ao “OUTRO” pode ser pensada através do olhar da relativização é algo que vem a desconstruir os pensamentos etnocêntricos. As ideologias mais extremas, por exemplo, possuem grande dificuldade de aceitar a relativização, pois são gestadas e mantidas pelo seu próprio monólogo, e a relativização descentraliza o pensamento, o que causa uma multiplicidade de pontos de vista, questionamentos e respostas. Franz Boas nos mostra a partir do relativismo que a cultura do homem só poderia ser interpretada na perspectiva de sua cultura local. O outro passou a ser visto na condição de fazedor de cultura e essa cultura entendida a partir do contexto no qual estava inserida. Isto é, análise não acontecia 17 mais em função dos padrões do analista, mas em função dos padrões do próprio pesquisado (MENESES, 2009, p. 51). Sob a perspectiva do etnocentrismo, compreendemos a cultura como algo único, sendo entendida do ponto de vista daquele que está contando a história. Como exemplo, o colonizador insere em suas narrativas suas formas de contar, suas crenças, hábitos, costumes, formas de ver o mundo. Todavia, com o relativismo, ao percebermos a cultura em que o colonizado está inserido, fica mais fácil compreender o ponto de vista deste. 18 IDEOLOGIAS ETNOCÊNTRICAS Ao longo da história, várias ações etnocêntricas foram sendo desenvolvidas em prol da evolução da humanidade. Nas visões etnocêntricas, as relações de poder, superioridade e dominação sempre são estabelecidas. “[...] a negação do “Outro” enquanto tal. E nega-o por senti-lo como uma ameaça à sua própria maneira de ser, e mesmo ao seu ser. E como a melhor defesa é o ataque, pode partir para a eliminação física do Outro (PAULO, 2006, p. 13). Como exemplo histórico destas relações de dominação, relembramos o holocausto judeu, durante a Segunda Guerra Mundial, quando Hitler compreendia que a raça ariana era superior à judaica e outras. Milharesde pessoas foram retiradas de suas casas, cidades, famílias e aprisionadas em campos de concentração, onde eram expostas a trabalhos forçados, experiências médicas e mortas em câmaras de gás. Figura 5 - Holocausto Judeu https://brasilescola.uol.com.br/historiag/holocausto.htm 19 Recentemente, Slobodan Milosevic, presidente da Sérvia, liderou uma guerra civil, em que bósnios e kosovares foram dizimados, causando um verdadeiro genocídio. Já citamos aqui também o processo da escravidão dos africanos, nas Américas e Europa, onde os escravizados eram sequestrados de suas regiões na África e, ao chegar nas colônias, eram batizados com nomes cristãos, pois eram considerados seres sem alma, ou seja, inferiores aos colonizadores. Existe uma forma mais sutil de lidar com o outro: mantendo a alteridade, porém esta é pretexto para oprimi-lo. A diferença torna-se título que legitima a dominação e exploração, já que demonstra uma degradação da condição humana; por isso, merece um estatuto de inferioridade e de discriminação. Por exemplo, maior esforço na produção, menor fatia na distribuição, privação do poder decisório; não ter a plenitude dos direitos do cidadão; ser considerado como objeto e não como sujeito da história (PAULO, 2006, p. 13). 4.1 Exemplos De Ideologias Etnocêntricas • Grandes navegações: Supremacia cristã, em que Deus era o único a ser venerado. Durante as expedições ao Novo Mundo, costumes e rituais que não eram cristãos, o demônio era retirado das pessoas pagãs. • Época das luzes: A desqualificação do outro se dá pelo “atraso” em relação à civilização ocidental, devido ao triunfo do racionalismo e do cientificismo. Desejava-se expandir a “cultura” e o progresso sobre os continentes bárbaros. Inúmeras barbáries em prol do progresso foram realizadas, destruições de culturas, pilhagem econômica, opressão política e massacres. • Racismo: Formulado com conceitos científicos, onde a raça branca era superior às demais, que situavam entre os primatas superiores e o homem europeu, onde se entende a Europa como centro (euro centrismo). • Evolucionismo cultural: Prega que o europeu ou o wasp americano ocupe o lugar mais alto da cultura, ou seja, é aquele em que a sociedade e a cultura europeia são as mais evoluídas. A cultura é vista em etapas, todas caminharão para a evolução, que no caso seria a visão europeia de cultura. Deste modo, os “civilizados” controlariam as 20 populações selvagens, bárbaras ou primitivas, até que possam alcançar a evolução cultural ou maturidade cultural, conduzida pelos europeus. 21 A DIVERSIDADE CULTURAL: ALGUMAS REFLEXÕES Assim como a diversidade, nenhuma identidade é construída no isolamento. Ao contrário, ela é negociada durante a vida toda dos sujeitos por meio do diálogo, parcialmente exterior, parcialmente interior, com os outros. Tanto a identidade pessoal quanto a identidade social são formadas em diálogo aberto. Estas dependem de maneira vital das relações dialógicas com os outros. A diversidade cultural varia de contexto para contexto. Nem sempre aquilo que julgamos como diferença social, histórica e culturalmente construída recebe a mesma interpretação nas diferentes sociedades. Além disso, o modo de ser e de interpretar o mundo também é variado e diverso. Por isso, a diversidade precisa ser entendida em uma perspectiva relacional. Ou seja, as características, os atributos ou as formas “inventadas” pela cultura para distinguir tanto o sujeito quanto o grupo a que ele pertence dependem do lugar por eles ocupado na sociedade e da relação que mantêm entre si e com os outros. Não podemos esquecer que essa sociedade é construída em contextos históricos, socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processos de colonização e dominação. Estamos, portanto, no terreno das desigualdades, das identidades e das diferenças. Trabalhar com a diversidade na escola não é um apelo romântico do final do século XX e início do século XXI. Na realidade, a cobrança hoje feita em relação à forma como a escola lida com a diversidade no seu cotidiano, no seu currículo, nas suas práticas faz parte de uma história mais ampla. Tem a ver com as estratégias por meio das quais os grupos humanos considerados diferentes passaram cada vez mais a destacar politicamente as suas singularidades, cobrando que as mesmas sejam tratadas de forma justa e igualitária, desmistificando a ideia de inferioridade que paira sobre algumas dessas diferenças socialmente construídas e exigindo que o elogio à diversidade seja mais do que um discurso sobre a variedade do gênero humano. Ora, se a diversidade faz parte do acontecer humano, então a escola, sobretudo a pública, é a instituição social na qual as diferentes presenças se encontram. Então, como essa instituição poderá omitir o debate sobre a diversidade? E como os currículos poderiam deixar de discuti-la? Mas o que entendemos por currículo? Segundo Antonio Flávio B. Moreira e Vera Maria Candau (2006, p. 86), 22 existem várias concepções de currículo, as quais refletem variados posicionamentos, compromissos e pontos de vista teóricos. As discussões sobre currículo incorporam, com maior ou menor ênfase, debates sobre os conhecimentos escolares, os procedimentos pedagógicos, as relações sociais, os valores e as identidades dos nossos alunos e alunas. Os autores se apoiam em Silva (1999), ao afirmarem que, em resumo, as questões curriculares são marcadas pelas discussões sobre conhecimento, verdade, poder e identidade. Retomo, aqui, uma discussão já realizada em outro texto (GOMES, 2006, p. 31-2). O currículo não está envolvido em um simples processo de transmissão de conhecimentos e conteúdo. Possui um caráter político e histórico e também constitui uma relação social, no sentido de que a produção de conhecimento nele envolvida se realiza por meio de uma relação entre pessoas. Segundo Tomaz Tadeu da Silva (1995, p. 194), o conhecimento, a cultura e o currículo são produzidos no contexto das relações sociais e de poder. Esquecer esse processo de produção – no qual estão envolvidas as relações desiguais de poder entre grupos sociais – significa reificar o conhecimento e reificar o currículo, destacando apenas os seus aspectos de consumo e não de produção. Ainda segundo esse autor, mesmo quando pensamos no currículo como uma coisa, como uma listagem de conteúdo, por exemplo, ele acaba sendo, fundamentalmente, aquilo que fazemos com essa coisa, pois, mesmo uma lista de conteúdos não teria propriamente existência e sentido, se não se fizesse nada com ela. Nesse sentido, o currículo não se restringe apenas a ideias e abstrações, mas a experiências e práticas concretas, construídas por sujeitos concretos, imersos em relações de poder. Currículo pode ser considerado uma atividade produtiva e possui um aspecto político que pode ser visto em dois sentidos: em suas ações (aquilo que fazemos) e em seus efeitos (o que ele nos faz). Também pode ser considerado um discurso que, ao corporificar narrativas particulares sobre o indivíduo e a sociedade, participa do processo de constituição de sujeitos (e sujeitos também muito particulares). Sendo assim, as narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral 23 e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são (SILVA, 1995, p. 195). A produção do conhecimento,assim como sua seleção e legitimação, está transpassada pela diversidade. Não se trata apenas de incluir a diversidade como um tema nos currículos. As reflexões do autor nos sugerem que é preciso ter consciência, enquanto docentes, das marcas da diversidade presentes nas diferentes áreas do conhecimento e no currículo como um todo: ver a diversidade nos processos de produção e de seleção do conhecimento escolar. O autor ainda adverte que as narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualquer representação. Elas, além disso, representam os diferentes grupos sociais de forma diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns grupos são valorizadas e instituídas como cânone, as de outros são desvalorizadas e proscritas. Assim, as narrativas do currículo contam histórias que fixam noções particulares de gênero, raça, classe – noções que acabam também nos fixando em posições muito particulares ao longo desses eixos (de autoridade) (SILVA, 1995, p. 195). A perspectiva de currículo acima citada poderá nos ajudar a questionar a noção hegemônica de conhecimento que impera na escola, levando-nos a refletir sobre a tensa e complexa relação entre esta noção e os outros saberes que fazem parte do processo cultural e histórico no qual estamos imersos. 24 Figura 6 –Relações Raciais https://olma.org.br/conferencia-educacao-das-relacoes-etnico-raciais-e-dialogo-inter- religioso/ Podemos indagar que histórias as narrativas do currículo têm contado sobre as relações raciais, os movimentos do campo, o movimento indígena, o movimento das pessoas com deficiência, a luta dos povos da floresta, as trajetórias dos jovens da periferia, as vivências da infância (principalmente a popular) e a luta das mulheres? São narrativas que fixam os sujeitos e os movimentos sociais em noções estereotipadas ou realizam uma interpretação emancipatória dessas lutas e grupos sociais? Que grupos sociais têm o poder de se representar e quais podem apenas ser representados nos currículos? Que grupos sociais e étnico/raciais têm sido historicamente representados de forma estereotipada e distorcida? Diante das respostas a essas perguntas, só nos resta agir, sair do imobilismo e da inércia e cumprir a nossa função pedagógica diante da diversidade: construir práticas pedagógicas que realmente expressem a riqueza das identidades e da diversidade cultural presente na escola e na sociedade. Dessa forma poderemos avançar na superação de concepções românticas sobre a diversidade cultural presentes nas várias práticas pedagógicas e currículos. 5.1 Campos Iniciais Da Antropologia Durante muito tempo a antropologia foi considerada a história natural física do homem e seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Deste modo, houve uma restrição em seu campo de estudos, o que privilegiaria a antropometria, ciência que 25 trata das mensurações do homem fóssil e dos seres vivos. A antropologia desempenha um papel muito maior no estudo dos seres humanos, definindo, assim, uma ciência que estuda suas produções e seus comportamentos. Enquanto uma espécie (o homem) que se caracteriza pela formação de grupos sociais, agrupamentos de indivíduos que compartilham de uma mesma história e de uma mesma visão de mundo, e que definem regras de comportamento, convivência e sobrevivência. O conjunto dessas regras é o que se convencionou chamar de CULTURA. Então, todo grupo social, ou sociedade, possui uma cultura que, como já foi dito, define a visão que seus indivíduos têm do mundo em que vivem, definindo formas de atuarem sobre ele. Todo grupo social é também um grupo cultural; toda sociedade possui a sua cultura particular (PASSADOR, 2002, p. 1). Preocupa-se em revelar os fatos da natureza e da cultura, interessa-se pelo homem biológico e o ser cultural existente neste homem. Na busca de compreender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço-tempo, identifica também a compreensão das manifestações culturais, do comportamento e da vida social. As questões sobre o homem sempre foram frequentes. Este sempre foi objeto de atenções. Alguns homens teóricos “inventaram” modelos elaborados em “casa”. Os famosos antropólogos de gabinete, como bem veremos na Unidade 2. Analisar o homem de forma antropológica se dá através de uma abordagem integrativa, objetivando a observação das inúmeras dimensões do ser humano em seu grupo social. Ao efetivar a coleta de dados e desenvolver formas de investigação, o antropólogo aprende que seu fazer se dá nas correlações que realiza em seus e com seus campos de investigações. Ele não os separa totalmente, a fim de poder visualizar todos os ângulos de seu objeto. Neste sentido, o antropólogo relaciona-se com cinco áreas. Vamos conhecê-las? Antropologia biológica ou física: Tem sua atenção nas relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social). Esta área atenta para as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio ambiente, assim como observa a evolução destas particularidades. O antropólogo biologista estará atento aos fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do indivíduo. Esta área é importante para manter a comunicação entre as ciências biológicas e as ciências humanas. Antropologia pré- histórica: é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados nos solos. 26 Integra-se à arqueologia, busca reconstituir as sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, quanto suas produções culturais e artísticas. Antropologia linguística: É o estudo dos dialetos, e também das novas técnicas modernas de comunicação. O estudo da língua busca compreender como os homens pensam, o que vivem e o que sentem, analisam-se suas categorias psicoativas e psicocognitivas (etnolinguística). “Compreendemos também como os homens expressam o universo e o social” (LAPLANTINE, 2000, p. 18), através do estudo da literatura, com a tradição oral. Assim, compreendemos com a antropologia linguística como são interpretados seu próprio saber e saber-fazer, as chamadas etnociências. Antropologia psicológica: É o estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. Através da análise de comportamentos, conscientes ou inconscientes, dos homens em seus grupos sociais, é que podemos apreender esta totalidade. A dimensão psicológica é absolutamente indissociável do campo da antropologia, ela é parte integrante destes estudos. Antropologia social e cultural: É o estudo que está relacionado a “tudo” que constitui uma sociedade. “Seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimentos, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas” (LAPLANTINE, 2000, p. 19). A antropologia social e cultural procura compreender, de acordo com Levi Strauss, “o que os homens não pensam habitualmente em fixar na pedra ou no papel” (LAPLANTINE, 2000). Os gestos, as trocas simbólicas, os detalhes dos comportamentos, fazem com que a antropologia social e cultural tenha uma abordagem fundamentalmente diferente dos métodos utilizados pelos colegas geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos etc. Trabalha-se com o estudo de todas as sociedades humanas, das culturas da humanidade em suas diversidades históricas e geográficas. Inicialmente, a antropologia atribuiu como seu objeto de estudo as populações não ocidentais, que seriam as chamadas sociedades primitivas. Com o avanço da evolução social, o universo dos “selvagens” desaparece, assim o antropólogo depara- se com uma crise de identidade: seria o fimda antropologia? Neste momento, o antropólogo reflete sobre seu fazer, retoma seus contatos com as ciências humanas e reencontra a sociologia, a partir da sociologia comparada. Deste modo, busca-se 27 uma nova área de investigação: o camponês, o nativo que estava mais perto do que se imaginara. Ao voltar sua atenção para sua prática, compreende que a especificidade de seu fazer não está apenas no objeto empírico o selvagem, o camponês, mas sim em uma abordagem epistemológica constituinte. A antropologia constitui-se no enfoque que trabalhamos ao efetivar o “estudo do homem inteiro e o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes e todos os seus estados em todas as épocas” (LAPLANTINE, 2000, p. 16). Para aprofundar seus conhecimentos sobre as linhagens antropológicas, segue texto para reflexão, de autoria de Mariza Peirano. 5.2 A Antropologia Hoje Bela Feldman-Bianco A antropologia constitui campo consolidado e dinâmico no Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares de excelência científica. Combinando o interesse em compreender o mundo com a preocupação em desvendar os códigos culturais e os interstícios sociais da vida cotidiana, a pesquisa antropológica é extremamente relevante para desvendar problemáticas que estão na ordem do dia sobre a produção da diferença cultural e desigualdades sociais, saberes e práticas tradicionais, patrimônio cultural e inclusão social e, ainda, desenvolvimento econômico e social. No quadro da globalização contemporânea, além de contribuir cada vez mais para a formulação de políticas públicas e propostas para a sociedade, a antropologia apresenta os aparatos necessários para expor a dimensão humana da ciência, tecnologia e inovação. Ao mesmo tempo, no curso de seus processos de transformação e internacionalização, surgem novos desafios e perspectivas para o ensino, a pesquisa e a atuação de antropólogos e antropólogas. Esses desafios incluem, por exemplo, as políticas científicas que favorecem a expansão da pós-graduação. Os números são eloquentes. Enquanto em 2001 havia dez programas de mestrado e seis programas de doutorado, hoje são 20 programas de mestrado e 12 de doutorado que, ainda que insuficientes, implicaram em melhor distribuição no Nordeste e na inédita e bem-vinda criação de dois mestrados e doutorados na Amazônia Legal. 28 Dobrou-se o número de programas em dez anos. Abrangem, ainda, um aumento da demanda discente por cursos de antropologia, a ampliação do mercado de trabalho, além de mudanças no campo de atuação frente às políticas educacionais e políticas públicas, de modo geral, inclusive no que concerne às relações da antropologia com o Estado e a sociedade. Assiste-se, ademais, à emergente reapropriação do modelo dos "quatro campos" (arqueologia, antropologia social/cultural, antropologia biológica e antropologia linguística) e à revisão das relações com outras áreas constitutivas das ciências humanas. Este modelo, originalmente utilizado para analisar a humanidade através de grandes esquemas evolucionistas e difusionistas, está sendo reelaborado e sobreposto às práticas de trabalho de campo, desenvolvidas a partir de estudos sobre culturas e sociedades particulares. A tradição antropológica de pesquisa de campo, requerendo vivência prolongada dos pesquisadores com seus sujeitos de pesquisa e implicando em compromisso perante esses sujeitos, fornece um aprendizado para olhar o mundo com sensibilidade e, assim, compreender, apreciar e traduzir códigos culturais diversos e respeitar a diferença cultural. Destarte, a produção antropológica tem o potencial não só de desenvolvimento científico no sentido restrito, mas de ação social no sentido mais amplo, particularmente quanto à elaboração de políticas públicas para segmentos sociais urbanos e rurais em situações de desvantagem e risco social e grupos étnicos diferenciados. Com base na constante renovação de seus horizontes empíricos, antropólogos e antropólogas têm realizado pesquisas de ponta na intersecção de várias áreas de conhecimento. Destaca-se a ampla experiência de pesquisa na Amazônia, tanto no Cerrado quanto no Pantanal, sobre a relação entre populações, agro biodiversidade e conhecimento tradicional, desenvolvimento e padrões de agricultura sustentável, conflitos ambientais, entre outros. Ressalta-se também a relevância da pesquisa antropológica na interface com as políticas públicas para as populações tradicionais. A qualidade e seriedade dessa atuação dos antropólogos exprimem-se, por exemplo, na existência de um duradouro e ativo convênio entre a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Ministério Público da União. Estudos realizados na cidade, seja na intersecção com a sociologia 29 ou com o direito, têm examinado problemáticas sobre, por exemplo, grupos urbanos, pobreza, movimentos sociais, violência, justiça, religião e políticas de administração de conflitos, entre outras que podem igualmente subsidiar políticas públicas. Figura – 7 Gênero, Família, Gerações, Sexualidade https://www.mundosimples.com.br/educacao-auto-irmas-e-irmaos.htm Nesse âmbito, os estudos sobre gênero, família, gerações, sexualidade e reprodução recobrem focos muito importantes de preocupação pública. Por sua vez, os trabalhos em antropologia visual são cruciais tanto para a divulgação da disciplina quanto para compreensão de uma sociedade cada vez mais imagética. Ainda que incipiente, desenvolve-se com grande vigor a antropologia da ciência e da técnica, acompanhando tendências internacionais. Na interconexão com a saúde, a análise antropológica torna-se de grande valia para se entender as representações sobre doenças e processos terapêuticos como parte dos sistemas simbólicos culturalmente ordenados e os contextos sociais nos quais ocorrem, como também para examinar e analisar os aspectos organizacionais, institucionais e político-ideológicos dos programas de saúde pública. Concomitantemente à histórica predominância de estudos relacionados à etnologia indígena, às populações afro-brasileiras, às questões do campo e da cidade no Brasil, bem como aos diversos aspectos da cultura nacional, há antropólogos realizando pesquisas na América Latina, África, Europa, América do Norte e em países como Timor Leste e China. Como resultado, a antropologia do Brasil ocupa 30 hoje inegável liderança na América Latina. Pela ação pioneira da ABA na criação do World Council of Anthropologial Associations, as antigas relações com a antropologia francesa, inglesa e norte-americana foram redefinidas, e novos diálogos institucionais e acadêmicos foram iniciados com antropologias de outros continentes. Essa multiplicação de temáticas e sujeitos de pesquisa apresenta desafios que requerem uma agenda de prioridades de pesquisa. Se o trabalho de campo (que tende a ser individual) e a relação artesanal entre orientador e orientando constituem pontos fortes da produção do conhecimento antropológico e da formação disciplinar, ao mesmo tempo tendem a levar a uma aparente fragmentação da produção em grande número de linhas e grupos de pesquisa. Para não se perder essa indispensável característica da pesquisa antropológica minuciosa e intensa, as perspectivas que se abrem são no sentido de se estimular a formação de redes que possam levar à elaboração de grandes projetos transdisciplinares. Essa estratégia molda, por exemplo, a emergente criação dos INCTs, alguns dos quais liderados por antropólogos. A ampliação do mercado de trabalho traz também desafios para a formação e a atuação dos antropólogos em órgãos governamentais e não governamentais, no Ministério Público, nas empresas e nos movimentos sociais, cujas demandas implicam, muitas vezes, expertise em laudos antropológicos. Com a reestruturaçãoe expansão das universidades federais, em vez da tradicional formação em ciências sociais ou da abertura de mestrados profissionais, foram criados vários cursos de graduação em Antropologia que visam propiciar a necessária competência profissional, com ênfase em pesquisa de campo e interfaces com outras áreas interdisciplinares. Como são cursos novos e polêmicos, com currículos variados, torna-se imperativo acompanhar, avaliar e refletir criticamente se suprem as necessidades de formação. A crescente relação entre a antropologia e políticas públicas no contexto brasileiro contemporâneo e o papel de intermediação dos antropólogos entre Estado e movimentos sociais constituem desafios que merecem reflexões propositivas. Nesse sentido, deve-se levar em conta que as transformações no próprio corpus conceitual e analítico da disciplina se fazem acompanhar de mudanças nas relações com os sujeitos da pesquisa antropológica, seja por seu acesso ao sistema formal de ensino (inclusive em programas de pós-graduação em Antropologia), seja 31 pela crescente agência política que passaram a desempenhar em cenários globalizados. Se falar junto, falar com estas populações (mais do que falar em lugar delas) é um imperativo que a ABA afirmou na luta pelo reconhecimento dos direitos das populações tradicionais, hoje esses sujeitos estão se tornando parceiros e colegas tanto no âmbito acadêmico como de atuação política. Essa parceria marca um novo ciclo de atuação política dos antropólogos no Brasil. 32 A ESCRITA ANTROPOLÓGICA E A CONSTRUÇÃO DE “PERFIS” SOCIAIS Claudia Fonseca (2006), em seu texto Classe e a recusa etnográfica, inicia sua argumentação discorrendo sobre a falta de trabalhos sobre classe. Contrastando com outras áreas onde as pesquisas são diversas, o tema classe é pouco discutido. Uma falta significativa para a sociedade, em que muitos trabalhos etnográficos contribuem para o conhecimento de suas especificidades. Os profissionais que trabalham com classe buscam conceitos e abordagens analíticas desenvolvidas por outras disciplinas em que não se realizam as etnografias em sua maioria. Quando o assunto é tratado, os exemplos geralmente são de pessoas que vivem na margem, e se sobressaíram tornando-se mediadores de um grupo ou outro. Normalmente usam-se as trajetórias individuais (artistas, músicos) utilizando sua classe como pano de fundo. A autora denomina de classes subalternas as camadas populares ou grupos. Ela sugere que os pesquisadores não trabalhem apenas seus dados empíricos exclusivamente em termos de impacto da sociedade dominante e, não abraçando esse como objetivo principal de análise, sofrem o pejo de “culturalista” (FONSECA, 2006, p. 16). Para a sociologia espontânea, de Bordieu, a criação de estereótipos, das camadas populares da base para alguns antropólogos que trabalham nesta área. É interessante abordar o aspecto da cultura dessas camadas, que serviria como contrapeso a estereótipos que diminuem estes grupos. Pobre não deveria nem existir É muito discutido o tratamento discriminatório que os setores dominantes reservam aos mais pobres ou excluídos, contudo não são analisadas formas de evitar a discriminação. Se existe exclusão e, por isso, excluídos e estes são os pobres, é defendida a ideia de que exclusão não deveria existir e, logo, os pobres também não. Essa ideia é um demonstrativo de que não há interesses nessas camadas. As exclusões sociais, os grupos populares, são uma parcela de pessoas que não estão na lógica econômica capitalista. E esta presença causa desajuste à concepção de que a sociedade é integrada, justa e harmonicamente, na visão dos antropólogos americanos. No Brasil, na década de 80, ocorreu uma forte produção antropológica, sobre classe. 33 Estudos sobre a periferia, mostrando a cultura musical, circense, clubes de futebol, organização familiar, as formas de participação etc. Ação inspirada na escola inglesa. Nos anos 90, com a conciliação entre partidos políticos de direita e de esquerda e o incentivo de agências financiadoras internacionais, a pesquisa voltase para problemas de gênero, etnia e outras instâncias. O popular é subsumido na ideia de cultura de massa, esquecendo o método etnográfico, práticas e experiências compartilhadas no dia a dia no âmbito de determinado modo ou padrão de vida. Mas, e as posturas dos pesquisadores em relação às classes populares? Claudia Fonseca (2006) questiona, neste novo clima neoliberal político, o fato de que os profissionais em questão não tomaram para si um silêncio discursivo. E se não ocorreu a tendência de não ver aquelas dimensões da realidade que se choca com a ideologia hegemônica. Outro questionamento, levantado no texto e também quanto à falta, à diminuição de pesquisas sobre classe, traria consequências políticas para a sociedade. Enquanto as pesquisas da década de 80 estavam sendo produzidas, ajudavam a mostrar e influenciar a realidade dos grupos aos quais eram chamados de populares. Com a troca do termo “popular” para “excluídos” foi criada uma característica negativa dessas camadas da população, estereotipada de modo negativo a todos eles. Se existe pobre, nossa tarefa é transformá-lo Não necessariamente porque existem pobres os antropólogos devem ajudá-los a sair da miséria. Muitos pesquisadores acreditam que a própria motivação da pesquisa já remediará a situação dos pesquisados. Ao pensar na remediação dos pobres, o pesquisador pouco preparado procura nos dados etnográficos as curas da miséria e também suas próprias causas. As estruturas capitalistas são identificadas como causa última da pobreza e com isso o etnógrafo procura, através de sua pesquisa, mecanismos educativos capazes de provocar uma transformação libertadora de valores entre os próprios pobres. Contudo, pelo fato de o pesquisador “dar uma mão” aos seus pesquisados, ele corre dois perigos: 34 - Resistência “Reificada”, quando se reduz o modo de vida da população estudada aos seus aspectos “reativos”, ignorando a historicidade endógena de mundos locais. - Idealismo romântico, em que, admitida a possibilidade de algo “endógeno”, esse modo de vida seja positivo a tal ponto que não se enxerga mais conflitos, desigualdades ou formas de dominação inerentes às dinâmicas internas do grupo, produzindo uma imagem caricata do grupo, dificultando a etnografia densa. Algumas pesquisas utilizam a autoridade de estudo etnográfico para documentar a carência moral e espiritual que, na consciência do pesquisador, parece acompanhar a carência material, de acordo com o texto de Fonseca (2006). As críticas à análise culturalista aparecem nos trabalhos; as ações “ignorantes”, “alienadas” ou “atrasadas” dos pobres são mostradas como causa principal da miséria. E algumas atitudes são postas em prática como medida de intervenção que tem o objetivo mais de disciplinar as populações do que alterar as suas condições de vida. Muito dos trabalhos visionários de melhora das camadas é devido à mentalidade dos não nativos de vontade de mudança unilateral (a verdade levada por “nós” e para “eles”) usando uma versão pobre da pesquisa etnográfica para legitimar o esforço 6.1 Evolucionismo Social E Materialismo Cultural Figura - Caminho Linear Da História Do Homem Fonte:https://brasilescola.uol.com.br/evolucionismo-cultural-segundo-lewis-morgan.htm Toda disciplina se embasa em estudos clássicos para se constituir como ciência, por isso temos de conhecer os nossos clássicos a fim de não inventarmos a 35 roda novamente. Ou seja, é a partir deles que os estudos sobre o homem na sociedade vão partir. Conhecer a história desses autores, seus ensinamentos e seus dilemas antropológicosnos faz repensar a nossa própria prática no âmbito desta disciplina. Em 1830 tem-se o embrião de uma Antropologia Evolucionista, na Inglaterra, apoiada na Teoria da Evolução, que defende a questão da mutabilidade das espécies, de modo que cada mutação ocorrida no homem passa por uma seleção. Por outro lado, tem-se os argumentos dos enciclopedistas da Idade Média, que acreditavam num mundo ordenado a partir de uma “Grande cadeia do ser”, e assim sendo, numa estabilidade da espécie. Entretanto, quem mais influenciou os “primeiros antropólogos” foi o filósofo inglês Herbert Spencer, com suas ideias de escala evolutiva ascendente baseada na noção de “estágios”. Esse Evolucionismo Unilinear se apoiou na ideia de que há uma linha dominante no sistema evolutivo, em que todas as sociedades passam pelos mesmos estágios, o que permitiria à Antropologia, como ciência, relacionar passado e presente. Durante esta época acontecia a expansão colonial e o comércio exterior que instigavam a busca por um conhecimento global, mas também se estruturava uma crítica forte da sociologia britânica, representada por ativistas, em relação ao tráfico de escravos e a legalidade da instituição da escravidão nas colônias britânicas. Ou seja, buscamos mais conhecimento, mas agimos de formas ainda grotescas e impondo nossa força. 36 REFERÊNCIA ANTROPOLOGIA (ABA) (2011-2012), professora colaboradora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e cocoordenadora do Gt Migración, Cultura Y Políticas da Clacso (2011-2012). SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura? São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção Primeiros Passos; 110). OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o pensamento antropológico. Edições Tempo Brasileiro/CNPq, Rio de Janeiro, 2001, p. 1988. PEIRANO, Mariza. Desterrados e exilados: antropologia no Brasil e na Índia. In: OLIVEIRA, Roberto Cardoso de; RUBEN, Guilhermo Raul (Org.). Estilos de antropologia. Campinas: Editora da Unicamp, 1995. p.13-30. STOCKING Jr. George. Os pressupostos básicos da antropologia de Franz Boas. STOCKING Jr. In: George. Franz Boas. A formação da antropologia americana. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2004. WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo, Cosac Naify, 2010. VELHO, G. Observando o familiar. In: VELHO, G. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. 2. ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, p. 121-132.
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