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Hitler_Conquista_a_União_Soviética_Origens_do_Imperialismo_Nazista

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SAMUEL SCHNEIDER
PASSO FUNDO
SALUZ
2019
© 2019 Samuel Schneider
Edição: Editora do IFIBE
Capa: Diego Ecker
Revisão: Daniela Cardoso e Jenifer Bastian Hahn
Impressão e Acabamento: Gráfica Berthier
Editora do IFIBE
Rua Senador Pinheiro, 350
99070-220 – Passo Fundo – RS 
Fone: (54) 3045-3277
E-mail: editora@ifibe.edu.br
Site: www.ifibe.edu.br/editora
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei nº 9.610 de 19/02/1998. 
Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora 
ou do(s) autor(es), poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais 
forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, 
gravação ou quaisquer outros.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CIP – Catalogação na Publicação 
 
S359h SCHNEIDER, Samuel 
 Hitler conquista a União Soviética : origens do imperialismo nazista / 
Samuel Schneider. – Passo Fundo: Saluz, 2019. 
 222 p.; 23 cm. 
 
Inclui bibliografia. 
ISBN 978-85-69343-56-1 
 
1. Hitler, Adolf, 1889-1945. 2. Nazismo. 3. União soviética – Política e 
governo. 4. Guerra Mundial, 1939-1945. I. Título. 
 
 CDD 320.5 
 CDU 321.64 
 
Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7
Sumário
Prefácio ......................................................................................... 9
Prólogo: o território da união Soviética 
como “eSPaço vital” alemão
O legado do ultramar .................................................................... 13
Manipulando a história .................................................................. 19
As três inspirações extra-europeias: Índia, África e 
Estados Unidos .............................................................................. 22
As fontes primárias da pesquisa .................................................... 23
Revisão bibliográfica ....................................................................... 26
caPítulo 1. o domínio britânico na índia
Símbolo de grandeza imperial ........................................................ 33
Dominando os “ridículos cem milhões de eslavos” ...................... 41
Subjugar e reprimir, mas sempre mantendo distância .................. 46
Apoio para o aprendizado: o velho contato anglo-alemão ............ 55
caPítulo 2. o imPerialiSmo na áfrica
Explorando a mão de obra eslava .................................................. 63
O legado do Império Colonial Alemão ........................................ 71
Ao invés do rio Níger, com a Marinha, o rio Volga com o 
Exército .......................................................................................... 83
8
Outras comparações ....................................................................... 87
A equiparação ideológica entre eslavos e negros ........................... 92
caPítulo 3. o deSbravamento doS eStadoS unidoS
Modelo para uma “colônia de povoamento”................................. 105
Uma nova “Guerra Indígena” ....................................................... 111
A influência dos livros de Karl May ............................................. 118
Justificando a “germanização” ....................................................... 123
ePílogo: rePenSando a nova ordem naziSta
Reflexo, não negação, da modernidade ocidental ........................ 135
“A melhor colônia do mundo” ...................................................... 140
O racismo colonial instituído na Europa ....................................... 144
Contradições e falhas do domínio nazista .................................... 148
De invasor a invadido: a “metrópole” conquistada pela 
“colônia” .......................................................................................... 153
notaS de fim ............................................................................... 157
bibliografia 
Fontes primárias ............................................................................ 207
Fontes secundárias .......................................................................... 210
Artigos e dissertações acadêmicas ................................................. 218
9
Prefácio
Muito se escreve atualmente sobre o Holocausto judeu e sobre 
as grandes operações da Segunda Guerra Mundial, como Stalin-
grado e o Dia D na Normandia. Há mais de 40 mil obras sobre 
o regime nazista, incluindo mais de 100 biografias famosas de
Hitler. Por outro lado, a tragédia dos povos eslavos da Europa
Centro-Oriental ainda é negligenciada. Preencher parte desse
vácuo é o objetivo do presente estudo, centrado na campanha
contra a União Soviética, que identifica como Hitler e seus par-
tidários planejavam dominar, em longo prazo, a população eslava
soviética, formada sobretudo por russos e ucranianos.
Além disso, este livro contribui para as pesquisas recentes 
sobre a relação entre o nazismo e a expansão europeia no além-
mar. O colonialismo e, sobretudo, o imperialismo europeus 
tiveram uma influência decisiva na invasão da União Soviética 
em 1941 (a maior operação militar da história, com 3,8 milhões 
de soldados alemães e aliados numa frente de quase 3 mil quilô-
metros, desde o Círculo Polar Ártico até o Mar Negro). Por trás 
dessa invasão titânica, houve métodos e objetivos parecidos com 
os dos conquistadores que haviam se aventurado na América, 
na África e na Ásia. 
Inova-se aqui com uma análise teórica do nacional-socialismo, 
salientando a linguagem e a representação ideológica dos líderes 
do regime, a fim de desvendar suas “visões de mundo”. Sobre-
tudo a de Hitler, que tinha uma percepção um tanto fantasiosa 
10
do além-mar, expressa, por exemplo, em seu interesse juvenil 
pelos romances do alemão Karl May sobre o Faroeste dos Esta-
dos Unidos. Ainda admirava as colônias do Império Britânico. 
Potências europeias como Esparta e o Império Romano (da 
Idade Antiga) e o Império Franco (da Idade Média) também 
influenciaram a identidade geopolítica hitlerista. Até o islamismo 
era admirado pelo ditador, devido às tendências militaristas de 
tal religião, ausentes no cristianismo.
Não se enfoca, nesta pesquisa, como a postura bélica e ad-
ministrativa do Terceiro Reich antes da derrota em Stalingrado 
refletiu, objetivamente, padrões usados anteriormente nas co-
lônias. Ao contrário, dá-se mais atenção à mentalidade da alta 
cúpula nazista, ou seja, ao seu imaginário subjetivo, em especial 
aos planos geopolíticos para o novo “Império de Mil Anos”, 
ou seja, a superpotência que a Alemanha deveria se tornar caso 
derrotasse o Exército Vermelho de Stálin. 
É claro que tal abordagem implica analisar as declarações 
pessoais dos próprios nazistas, as quais se encontram em fon-
tes como discursos, reuniões e memorandos, cujos conteúdos 
geralmente permaneceram inacessíveis ao público da época. É 
interessante que os registros das reuniões militares que Hitler co-
mandou entre 1942 e 1945 só foram publicados na Alemanha em 
1962, e algumas fontes de seus discursos secretos só apareceram 
nos anos 2000. Da mesma forma, por razões políticas, somente 
após o colapso do comunismo o governo russo permitiu o acesso 
aos arquivos da era soviética. Em 2013, o governo americano 
anunciou a descoberta de um diário perdido, escrito entre 1936 
e 1944 pelo ministro Alfred Rosenberg – um dos nazistas mais 
atuantes no espaço soviético –, o que também revela a possibili-
dade constante de novas interpretações.
11
P r ó l o g o 
O territóriO da 
UniãO SOviética cOmO 
“eSpaçO vital” alemãO
12
13
O legado do ultramar 
Na obra Origens do totalitarismo, a filósofa Hannah Arendt mostra 
que alguns xenófobos alemães do século XIX, como Ernst Hasse, 
da Liga Pangermânica, já haviam proposto que a Europa fosse 
dominada com métodos usados fora do continente. Os alemães 
deveriam tiranizar seus próprios vizinhos – sobretudo judeus, 
poloneses e tchecos, além de povos latinos como o francês eo 
italiano, em menor escala. Segundo Hasse, os alemães “tinham 
o mesmo direito à expansão que outras grandes nações e, se não
[lhes] fosse concedida essa possibilidade no além-mar, seriam
forçados a fazê-lo na Europa1”.
Hitler transformou tal utopia num programa oficial de 
Estado. Ele rompeu com a crença, expressa por Mussolini ao 
industrial italiano Pirelli, de que era “impossível tratar países 
europeus como colônias2”. Até ali intercontinental, eurocêntrica, 
a hierarquização imperialista se tornou uma realidade intra-
-europeia, germanocêntrica. A formação da Nova Ordem nazista
iniciou em março de 1939, quando a parte tcheca da Tchecoslo-
váquia foi transformada, por decreto, no Protetorado da Boêmia
e Morávia, sob controle de Berlim.
À semelhança do que os franceses faziam na Tunísia e no 
Marrocos, os alemães impediram os tchecos de terem uma política 
externa soberana, reorganizaram a economia e criaram um sistema 
de jurisdição dual, que deixava os cidadãos alemães isentos da 
lei local. As instituições democráticas, inclusive o Parlamento, 
foram abolidas. Publicado em Londres, um livro pioneiro para 
a época chamava-se O primeiro protetorado europeu da Alemanha, 
referindo-se ao infortúnio dos tchecos: “Nunca antes se impu-
seram condições semelhantes a uma nação pertencente à raça 
branca. Isso constitui o primeiro estatuto colonial alemão, na 
história moderna, para uma nação branca e civilizada3.”
14
Manifestada na Tchecoslováquia, a violência nazista se radi-
calizou com a invasão da Polônia em setembro de 1939, que deu 
início à Segunda Guerra Mundial. Esse foi o primeiro “duelo 
entre povos e raças” da era hitlerista, destinado a escravizar e mes-
mo exterminar parte da população conquistada. Muitos alemães 
que haviam servido na África acabaram convocados. Por outro 
lado, os “sub-humanos” polacos acabaram equiparados aos povos 
coloniais de cor: supostamente atrasados, vadiando na pobreza em 
meio a pulgas, doenças e sujeira, os polacos se tornavam assim 
“selvagens” incapazes de absorver a cultura europeia.
Numa conferência em dezembro de 1939, o governador 
Hans Frank exigiu que, no Governo-Geral estabelecido em partes 
da antiga Polônia, fosse “considerada a vontade do Führer [Hi-
tler] de que essa área será o primeiro território colonial da nação 
alemã”4. Mais de 11 milhões de pessoas viviam no Governo-
-Geral, que incluía a ex-capital Varsóvia, Cracóvia e Lublin. Não 
era um “protetorado” como em Boêmia e Morávia, mas uma 
zona fora do Reich e além de sua lei, com os habitantes polacos 
sem Estado e sem direitos5. Críticos também reconheceram tal 
semelhança. Nascido no Império Russo mas morando na França, 
o pintor judeu Simon Segal escreveu que a condição jurídica do 
Governo-Geral era “semelhante à de uma colônia sob o siste-
ma mercantilista do período anterior às Revoluções Francesa e 
Americana, com o diferencial de que fica em plena Europa6”.
Manifestada na Tchecoslováquia e radicalizada na Polônia, a 
crueldade nazista chegou ao apogeu durante a invasão da União 
Soviética, iniciada em junho de 1941. Essa foi a campanha mais 
bem organizada de toda Segunda Guerra Mundial, a que mais 
teve motivação ideológica. Apesar de exposto, para o público, 
como uma “Cruzada europeia contra o bolchevismo7”, o conflito 
nazi-soviético também foi a consumação de um plano formulado 
por Hitler ainda nos anos 1920: a conquista de “espaço vital”, 
ou seja, um imenso território para exploração econômica e po-
15
voamento. Ao derrotar o arqui-inimigo comunista, a Alemanha 
fortaleceria seu progresso material com o trigo, o ferro, o car-
vão e o petróleo do Leste. Entre 220 e 250 milhões de alemães 
deveriam viver na Europa pós-soviética. A nova pax germanica 
talvez se estendesse até os Montes Urais, na distante fronteira 
com a Ásia, muito maior que a de conquistadores como Alexandre 
Magno e Napoleão.
O general Gotthard Heinrici imaginava um avanço ainda 
mais distante. Ao escrever à família em dezembro de 1941, 
quando lutava perto de Moscou, ele afirmou que os “proteto-
rados” estabelecidos no Báltico e na Ucrânia (com o nome de 
Comissariados) tornar-se-iam “boas áreas coloniais”; o resto da 
Rússia até o Lago Baikal, na longíssima Sibéria asiática, perto da 
China, seria organizado em repúblicas dependentes da Alemanha. 
Já a Rússia banhada pelo Oceano Pacífico ficaria sob controle 
do Japão, aliado alemão8. 
Era no Leste Europeu – não na África ou na Ásia – que 
Hitler esperava tomar aquilo que definiu como “a melhor colônia 
do mundo9”, abrangendo “oportunidade de trabalho para vários 
séculos10”. Ele visava a um programa de metamorfose étnica 
em escala continental, não cogitada nem mesmo por fascistas e 
comunistas. Desprezava eventos como a Revolução Francesa que, 
supostamente, só tivera repercussões sociopolíticas. Ao conduzir a 
maior operação bélica de toda história, Hitler esperava que a Ale-
manha talvez até superasse, em poder geopolítico, as duas principais 
potências do além-mar: o Império Britânico e os Estados Unidos. 
Todavia, não previu que a Alemanha acabaria derrotada ante o 
inverno russo, como a França de Napoleão em 1812. 
É claro que, nesse programa, a população nativa da Europa 
Oriental seria especialmente atingida. Humilhados como “coelhos 
eslavos” ou “animais humanos” completamente preguiçosos, de-
sorganizados e imundos, russos e ucranianos formavam a “escória 
racialmente estranha” cuja desgraça, segundo Hitler, era o pres-
16
suposto para a nova grandeza alemã. “Nosso princípio basilar é 
que essa gente existe apenas por um motivo: ser economicamente útil 
para nós11.” Como o ditador, seus subalternos na Ucrânia também 
degradavam a gente local como cultural e biologicamente inferior: 
“Para ficar claro, estamos no meio de negros12”.
Num regime moderno com milhões de membros, onde nem 
sempre se aceitou a autoridade de Hitler, naturalmente houve 
vozes contrárias. O jurista e diplomata Otto Bräutigam, por 
exemplo, criticou num memorando escrito o fato de os eslavos 
serem antropologicamente subestimados como “brancos de 
segunda classe”. Ele aprovava, tal como a maioria dos conser-
vadores europeus, a meta de destruir o bolchevismo stalinista; 
entretanto, lembrou que prisioneiros do Exército Vermelho es-
tavam “morrendo de fome como moscas”, algo que não ocorria 
com os prisioneiros poloneses e sérvios, nem com os franceses, 
muito menos com os ingleses, holandeses e noruegueses13. No 
pós-guerra, perante o Tribunal de Nuremberg, até nazistas de 
alta hierarquia depuseram que haviam desconhecido a amorali-
dade facínora de Hitler. Colocar toda culpa no ditador foi uma 
simplificação comum para alegar inocência14. 
Usando o conceito do filósofo Georg Hegel, o “espírito do 
tempo” em que surgiu o Partido Nazista foi muito influenciado 
pela expansão imperialista na África e na Ásia, e pela expansão 
americana no Meio-Oeste. Hitler nasceu em abril de 1889. Desde 
jovem, ele ouvia falar dos projetos um tanto megalomaníacos da 
época, como a ferrovia Berlim-Bagdá, cobiçada pelos alemães, e 
a ferrovia transafricana do Cabo ao Cairo sonhada pelos ingleses; 
ainda lia os famosos livros do alemão Karl May sobre o Faroeste 
estadunidense, do gênero aventura que remetia aos relatos de 
Marco Polo. Conhecia bem o simbolismo da chamada Era dos 
Impérios (1875-1914). Vários partidários seus haviam realmente 
servido nas colônias alemãs, sobretudo na África subsaariana, 
como as atuais Namíbia e Tanzânia.
17
 Com o confisco das colônias alemãs pelo Tratado de Ver-
salhes, em julho de 1919, a Alemanha foi rebaixada à condição de 
primeira potência europeia pós-colonial. Para os nazistas, Versalhes 
marcou o apogeu da “balcanização” alemã, da “suicização” alemã – a 
transformação do país numa “segunda Suíça”, pacata e inofensiva, 
dominada pela corrupção degenerada de povos balcânicos como o 
romeno15. Fazia parte da solução retomar o passado nacionalista in-
terrompido por Versalhes e pela República de Weimar. Em fevereiro 
de 1942,Hitler enalteceu seu hegemonismo como uma adaptação 
ou atualização, melhorada, do que ocorrera antes da Primeira 
Guerra Mundial na pequena colônia alemã de Kiauchau, no 
noroeste da China: “Hoje, nós temos os espaços russos. Eles são 
menos atraentes e mais inóspitos, porém valem mais para nós16”. 
Seria anacrônico vincular a política nazista ao colonialis-
mo mercantilista, consolidado no século XV com a partilha da 
América por Espanha e Portugal. Antes de 1871, aliás, nem 
existia uma Alemanha como Estado unificado. Deve-se focar 
no imperialismo – um conceito polissêmico, explicado de várias 
formas, mas segundo Hannah Arendt referente a um conjunto 
de práticas e mentalidades só surgido nos anos 1880, inclusive 
no Império Alemão, e direcionado principalmente para a África 
e a Ásia17. Algumas semelhanças são inegáveis, a despeito das 
diferenças óbvias em tempo e espaço. Como o imperialismo 
além-mar, a conquista da Europa Oriental em 1941 foi realizada 
por uma potência industrial capitalista, interessada em recursos 
naturais e zonas para povoação. Tentou-se atrair o povo alemão 
para a causa, via promessas de melhoramento social, e com par-
ticipação da “burguesia” financeira alemã (incluindo companhias 
como BMW, Mercedes-Benz e Auto Union, precursora da atual 
Audi, além de notáveis como o engenheiro Ferdinand Porsche). 
Empregou-se aparatos modernos de burocracia e combate militar. 
E como no imperialismo, por fim, justificou-se a arbitrariedade 
18
com teorias racistas “científicas”, potencialmente genocidas, que 
rebaixavam a antropologia das vítimas. 
Essa combinação essencialmente contemporânea não pode ser 
observada nos fenômenos da história alemã continental que mais 
eram admirados pelos nazistas: o Império Franco, os Cavaleiros 
Teutônicos, o Sacro-Império e a Hansa, além da Áustria e da 
Prússia pós-medievais. Tampouco pode ser observada na figura 
do chanceler prussiano Otto von Bismarck. Apesar de elogiado 
por unificar a Alemanha em 1871 com seu militarismo “sangue 
e ferro”, por sua postura antipolonesa e por sua luta contra o 
movimento operário, Bismarck foi associado à uma aristocracia 
agrária que não planejara dominar a Europa eslava com o racismo 
do tipo hitlerista.
Nem mesmo a invasão do Império Russo Czarista durante 
a Primeira Guerra Mundial – época do Kaiser Guilherme II – 
pode ser encarada como um bom precursor18. Embora Lênin 
tenha criticado essa “guerra imperialista (isto é, uma guerra de 
conquista, de pilhagem e de rapina)”19, denominação também 
usada por Stálin20, não houve uma sistemática importação, para 
a Europa, do que acontecia no além-mar. Em 1914-18 o gover-
no monárquico alemão anunciara a criação de Estados eslavos 
aliados, um método rejeitado, duas décadas depois, como ex-
cessivamente cortês e conservador pelo ministro da Propaganda 
nazista, Joseph Goebbels: “O nacional-socialismo é muito mais 
impiedoso nessas questões. Ele só faz o que é proveitoso para 
seu próprio povo21.” 
Assim, mesmo com reservas, pode-se aceitar o que o inte-
lectual francês Aimé Césaire escreveu na obra Discurso sobre o 
colonialismo, de 1955. Para ele, os nazistas “aplicaram à Europa 
processos colonialistas até então reservados exclusivamente aos 
árabes da Argélia, aos ‘coolies’ da Índia e aos negros da África22.” 
Ainda em 1943, a filósofa francesa Simone Weil escrevera que o 
hitlerismo consistia na “transposição, para o continente europeu, 
19
dos métodos coloniais de conquista e dominação23.” E num 
panfleto clandestino da mesma época, o padre católico ucrania-
no Ivan Hryniokh escreveu que a interferência nazista em sua 
pátria baseava-se no seguinte lema: “como não teremos colônias 
na África, elas devem ser estabelecidas na Europa24”. O próprio 
Stálin enfatizou esse ineditismo. O ódio religioso, nacionalista e 
classista-econômico era comum desde a Idade Média, ao passo 
que os eslavos foram excluídos até mesmo da “raça branca”, 
conceito pouco usado até ali em rivalidades no continente. 
Manipulando a história
As lideranças nazistas geralmente dispunham de um nível inte-
lectual alto, tendo escrito livros e discursos, com certa profun-
didade, para expor suas fantasias. O ministro da Propaganda 
Goebbels tinha até doutorado em filosofia pela Universidade de 
Heidelberg25. Logo, o expansionismo nazista acabou ilustrado 
e justificado com uma interpretação tendenciosa do passado. 
Enquanto o comunismo proclamava um futuro (econômico) 
inédito, nunca alcançado antes pela humanidade, o nazismo bus-
cou na história modelos ou inspirações para as práticas (racistas) 
do regime, que, teoricamente, repetia aquilo já feito por outras 
potências. Hitler escreveu em seu livro Minha luta: “A arte de 
pensar pela história, que me foi ensinada na escola, nunca mais 
me abandonou. A história universal tornou-se para mim uma 
fonte inesgotável de conhecimentos para agir no presente, isto 
é, para a política26”.
Tal processo de figuração teórica estendeu-se à guerra contra 
a URSS. Chamada “Operação Barbarossa” – em homenagem 
ao imperador alemão medieval Frederico Barbarossa, ou Barba-
-Ruiva, que participou das Cruzadas no século XII – a campanha 
oriental foi a mais ideologicamente embasada de toda era nazista. 
Com uma fascinação romântica e nostálgica, mencionou-se epi-
20
sódios como os Cavaleiros Teutônicos, que haviam dominado as 
margens do Mar Báltico na Idade Média, para atestar a velha 
presença alemã no “Oriente”27. Em novembro de 1941, ademais, 
Hitler inseriu sua campanha numa tradição milenar de expansão 
europeia: “Na Antiguidade, a Europa se restringia à parte sul da 
península grega; depois a Europa se confundiu com as fronteiras 
do Império Romano. Se a Rússia for derrotada nesta guerra, a 
Europa se estenderá até os limites da colonização germânica28”.
Esse tipo de paralelo ainda foi usado num contexto geopo-
lítico. Indicava quais os benefícios a serem alcançados em caso de 
vitória. Apelando para a geografia, Hitler chegou a definir o Mar 
Báltico como um futuro “Mediterrâneo alemão”; valorizou o 
sul da Ucrânia como uma “Riviera alemã” parecida com a da 
França, devido à sua beleza e ao seu clima quente; falou até mes-
mo em “criar um Jardim do Éden29”. No futuro, Berlim seria 
reconstruída com uma arquitetura imponente e, renomeada como 
Germania, tornar-se-ia “uma capital mundial só comparável ao antigo 
Egito, à Babilônia ou a Roma30”, muito superior a Paris e Londres.
Tais analogias foram parte essencial da linguagem nazista. O 
passado ajudava a explicar como os alemães deviam agir com os 
eslavos e o que ganhariam impondo sua hegemonia. Tratava-se, 
além disso, de mostrar a viabilidade de um projeto tão ambicioso. 
Nesse sentido, Hitler invocou a tradição da Igreja Católica e da 
República de Veneza imaginando que o Estado nazista poderia 
“durar de oito a nove séculos31”, com gestores notórios à altura 
dos Doges venezianos. 
Essa mesma lógica de esclarecimento e estímulo é que moti-
vou as menções ao ocorrido na Ásia, África e América. Tratava-
-se de conscientizar historicamente até os escalões mais baixos 
do regime para a ação prática. Só que havia uma vantagem: a 
atualidade, pois a supremacia da “raça ariana” pelo globo era 
uma realidade da época, especialmente sugestiva. Hitler exigia, 
ou pelo menos autorizava, que seus subordinados aplicassem 
21
métodos capitalistas já conhecidos pelo grande público, também 
incentivando uma atitude de desdém, prepotência e rapacidade 
comum, talvez, desde as navegações espanholas e portuguesas no 
século XV, tempo de Cristóvão Colombo, radicalizada a partir 
de 1884. Queria que o comunismo soviético desaparecesse, do 
solo europeu, mais ou menos como os Impérios Asteca e Inca 
com a chegada dos cristãos. 
A identidade da época ainda incluía diversos fatores, que às 
vezes se complementavam em harmonia: o pangermanismo, o ro-
mantismo nacionalista, o pensamento de autores como Nietzsche, 
Gobineau, Wagner etc. Tal cenário anterior, com suas aspirações 
latentes,serviu de base para a manipulação nazista das massas. 
Embora Hitler fosse vangloriado como um “Messias” e mesmo 
como um “Jesus Cristo alemão32”, ele só foi tão longe com dema-
gogia histórica – focou-se, notavelmente, nos fracassos e traumas 
que a Alemanha testemunhara desde sua unificação em 1871.
Com senso de urgência – algo comum a vários regimes 
genocidas, como o Império Otomano, o Camboja de Pol Pot e 
a própria União Soviética –, os nazistas olhavam para o mapa-
-múndi da época com certa inveja. Tendiam a encarar o planeta 
como uma arena darwinista de competição, pois haviam testemu-
nhado o confisco do território alemão, colonial e também metro-
politano, pelo Tratado de Versalhes em junho de 1919, devido à 
derrota na Primeira Guerra Mundial. Não aceitavam a pequenez 
germânica perante as potências que mais se destacavam no ul-
tramar. Os Estados Unidos contavam com um imenso território 
continental; a Inglaterra mantinha um império mundial baseado 
na Índia; a França controlava sobretudo o noroeste da África; 
até os pequenos Portugal, Holanda e Bélgica tinham colônias; 
os japoneses tinham entrado na Manchúria chinesa em 1931 e 
a Itália invadiu a Etiópia quatro anos depois. Em resumo, até 
países minúsculos e não-europeus dominavam terras exóticas. O 
Terceiro Reich, pretensamente, tinha ainda mais direito do que 
22
eles, porque a Alemanha era a nação-núcleo ariana: após a China, 
“a mais numerosa estrutura política de uma única raça existente 
na Terra”, com mais de oitenta milhões de germânicos33.
Hitler também tentava, de modo cínico, justificar os crimes 
nazistas. Ele dizia adaptar ou até repetir o que outros haviam feito, 
definindo seu antieslavismo não como algo inédito, e sim como 
aceitável e mesmo inevitável. Costumava invocar em discursos 
“a inexorável lei do Talião”, a “vontade eterna do Deus Todo-
-Poderoso34”, apoiando-se numa combinação curiosa de biologia 
com teologia. Leitor de Nietzsche, zombava da paz perpétua 
advogada por Kant, e abominava a igualdade universal de Marx 
e Lênin. Ainda em 1937, numa reunião na Chancelaria do Reich 
com generais, Hitler já havia mencionado os Impérios Britânico 
e Romano como provas de seu fatalismo darwinista35. Dois anos 
depois, a eclosão da guerra viabilizaria a limpeza étnica totalitária.
As três inspirações extra-europeias: 
Índia, África e Estados Unidos
Nos cálculos do Terceiro Reich, aproximadamente 100 milhões 
de eslavos europeus acabariam subjugados. Eles habitavam mais 
de 5 milhões de quilômetros quadrados, em dinâmicas regionais 
especificas devido a peculiaridades como clima e relevo. Não seria 
possível, nem conveniente, impor um único sistema de domina-
ção a toda essa gente. No caso específico da União Soviética, o 
planejamento nazi pode ser explicado, esquematicamente, a partir 
de três tipos complementares de violência, para setores diferentes 
da população local; cada um desses modelos foi associado ao 
ocorrido em partes diferentes da Terra.
Na Índia, os ingleses mantinham seus súditos numa condição 
de precariedade cultural e política. Na África subsaariana, os 
negros haviam sido explorados como mão de obra descartável, 
inclusive por alemães. E nos Estados Unidos, os índios haviam 
23
sido exterminados em massa mediante a expulsão de suas terras. 
No imaginário nazista, tais episódios serviam de inspiração para 
o que fazer com a população soviética: controlar a maioria, explo-
rar alguns (sobretudo ucranianos) e eliminar outros (sobretudo 
russos comunistas).
Tal divisão lógica, ao estilo de Max Weber, é um mero recur-
so metodológico de interpretação. Ela apresenta falhas, perante 
os enigmas da chamada Lingua Tertii Imperii, a linguagem do 
Terceiro Reich36. Mesmo assim, a historiadora Wendy Lower 
ressalta que nos devaneios nazistas “encontramos referências à 
fronteira norte-americana, ao senhorio britânico na Índia, e à 
exploração europeia sobre os africanos no final do século XIX37”. 
Paradoxalmente, o Império Britânico e os Estados Unidos 
foram inimigos da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. 
Hitler lutou contra dois países cujos métodos esperava copiar: 
caso raro na história! Ele só expôs essa admiração em declarações 
privadas (“secretas”), em reuniões, memorandos e discursos que 
geralmente ficaram restritos à alta cúpula nazista, pois como 
era chefe de Estado desde 1933 não podia admitir oficialmen-
te suas intenções. Em público, ele optou por criticar Londres 
e Washington, para desmerecer seus adversários Churchill e 
Roosevelt e, assim, melhorar a própria reputação. Enfim, acusava 
os inimigos “anglo-saxões” de agirem justamente com as táticas 
que esperava empregar: velha artimanha de ditadores, inclusive 
de Lênin, Stálin e Mussolini.
As fontes primárias da pesquisa 
No quesito publicidade, a postura nazista foi muito diferente com 
relação a judeus e eslavos. O antissemitismo nazista foi explícito 
desde os anos 1920, sendo que mesmo o Holocausto acabou pu-
blicamente reconhecido pelo regime38; afinal, o “problema judeu” 
teve uma “Solução Final” no genocídio. Só que o contato entre 
24
alemães e eslavos perduraria por vários séculos, de modo que o 
máximo de sigilo devia evitar que os “Ivans” conhecessem seu 
destino e, então, combatessem o soldado alemão que depreciavam 
como “Fritz sanguinário”.
Numa reunião em julho de 1941, Hitler enfatizou que se 
limitaria a “primeiro dominar, depois administrar e, por fim, 
explorar” o território soviético europeu, mantendo suas intenções 
em segredo39. Associava tal falsidade ao domínio britânico na 
Índia. Ele era, aliás, uma pessoa muito reservada, muito mais do 
que Churchill e Napoleão, talvez até mais que Stálin40. 
Como fonte primária, destacam-se as Conversas de Hitler à 
mesa: a compilação, editada no pós-guerra, do que ele declarou 
oralmente a seu círculo íntimo, sobretudo entre julho de 1941 
e setembro de 1942. Ele autorizou que nessa época de euforia, 
marcada pelo avanço do Exército alemão, datilógrafos registras-
sem por escrito o que confessou aos aliados mais confiáveis, sob 
supervisão de seu secretário pessoal Martin Bormann. Embora 
secretas na época, tais reflexões seriam publicadas no futuro para 
doutrinar os membros do Partido Nazista41. A maior parte das 
anotações ocorreu no quartel-general ultrassecreto Toca do Lobo, 
nas florestas da Prússia Oriental, onde Hitler se instalou logo 
após o início da guerra nazi-soviética.
Nas Conversas à mesa percebe-se o quanto Hitler negligen-
ciava o jus in bello dos conflitos europeus tradicionais, tomado 
pela dita “embriaguez do Leste”: o desejo de transformar seus 
pântanos e estepes como não se ousou fazer em países ocidentais 
como a França42. Rejeitava o direito intra-europeu, suas leis e 
tratados, julgando-os mediocridades jurídicas. Costumava evitar 
a companhia de advogados. A culpa por esses crimes ainda recai 
sobre outros personagens, como Heinrich Himmler. Especial-
mente temido e odiado, Himmler foi o líder da SS: organização 
de elite responsável pelo povoamento de territórios estrangeiros 
25
e pelo Holocausto, que cometeu os piores massacres do século 
XX, inclusive Auschwitz. 
Previsivelmente, até soldados e administradores de baixa 
hierarquia acabaram contagiados pela utopia da chefia nazi. Mais 
tarde laureado com o Nobel de Literatura, o jovem Heinrich Böll, 
apesar de não ser um combatente fanático, escreveu à mãe no 
final de 1943 a partir de um hospital militar na União Soviética: 
“Tenho muitas saudades do rio Reno, da Alemanha, mas ainda 
assim penso muito na possibilidade de uma vida colonial aqui 
no Leste depois de uma guerra vitoriosa43.” A mesma sedução 
envolveu vários empresários, industriais, aristocratas, servidores 
públicos e, sobretudo, membros das Forças Armadas. Numa 
carta para casa um soldado da Força Aérea escreveu, com me-
nosprezo, que “no geral a Rússia é um imenso desapontamento 
para nós. Nada de cultura, nada de paradisíaco [...], um baixo 
nível, uma imundície, uma gente, que nos mostramque nossas 
grandes tarefas coloniais ocorrerão aqui44.” Tal terminologia 
foi usada até por estrangeiros. Às vezes num tom apologético 
e nostálgico, que glorificava os feitos alemães sem consideração 
pelo sofrimento alheio. Líder da divisão belga da SS, Léon De-
grelle assim elogiou em suas memórias pós-guerra as ferrovias, 
rodovias, fábricas e usinas construídas por companhias alemãs 
na Ucrânia, nas bacias dos rios Donets e Dnieper: “Em um ano 
a Alemanha havia criado na Rússia a colônia mais rica de todo 
o mundo. Que trabalho maravilhoso!45”
Tudo isso reforça a necessidade de contextualizar o ambiente 
psicossocial da época. Os nazistas não eram marginais niilistas, e 
muito menos loucos, já que aproveitaram a ambição de pessoas 
comuns que não eram criminosas patológicas, incluindo advoga-
dos, médicos, professores e intelectuais. Também seduziram os 
grandes capitalistas alemães. Com algum exagero, os opositores 
comunistas denunciavam famílias proprietárias de cartéis indus-
triais – Krupp, Röchling, Poensgen e Siemens – como os “clientes 
26
imperialistas” na luta “pelos campos de grãos ucranianos e pelo 
petróleo do Cáucaso46.” A mesma acusação atingiu instituições 
financeiras, por exemplo o Deutsche Bank, e a fabricante de 
roupas Hugo Boss. 
A partir da derrota alemã na batalha de Stalingrado, no início 
de 1943 (“certamente a pior tragédia já conhecida por um exército 
alemão47”, que acabou com a possibilidade de subjugar a URSS), 
a euforia nazista deu lugar a certa decepção e medo. As menções 
ao ultramar se tornaram então mais raras. E o Ministério da 
Propaganda proibiu rigorosamente “expressões de que a Alema-
nha está estabelecendo colônias no Leste48”. Conforme o regime foi 
chegando a seu fim desastroso em 1945, cresceu o temor de que a 
própria Alemanha conhecesse uma invasão estrangeira – como a que 
acontecera, sobretudo, na América pós-colombiana. Em novembro 
de 1944, por exemplo, militares alemães na frente oriental foram 
recomendados, por uma exortação do general Heinz Guderian, 
a usar táticas de guerrilha “semelhantes às dos índios”. Livros 
fantasiosos sobre o Faroeste dos Estados Unidos, sobretudo os 
do escritor alemão Karl May, como Winnetou, foram distribuídos 
a oficiais e soldados para que aprendessem a lutar com a bravura 
associada aos nativos americanos49. Antes de Stalingrado, os 
russos é que haviam sido comparados com os índios, devido à 
resistência encarniçada na defesa de sua terra. Mas no fim essa 
postura militar foi recomendada aos próprios alemães, que eram 
expulsos e aniquilados em massa pelo Exército Vermelho. 
Revisão bibliográfica
Já nos Julgamentos de Nuremberg (1945-46), as potências vito-
riosas na Segunda Guerra Mundial, inclusive a União Soviética, 
acusaram empresas alemãs como Bosch, Siemens, Krupp e I.G. 
Farben – que incluía BASF e Bayer – de conspirarem a favor 
da política externa nazi. O general Roman Rudenko, principal 
27
promotor soviético, sintetizou o vocabulário marxista da época, 
usado até por socialdemocratas, ao anunciar que o “fascismo 
alemão” fora financiado por capitalistas “reacionários” de cartéis 
metalúrgicos e carboníferos50. Nos Julgamentos Subsequentes de 
Nuremberg (1946-49), realizados exclusivamente por americanos, 
uma linguagem mais cristã foi usada pelo promotor americano 
Telford Taylor, que identificou a “trindade profana de nazismo, 
militarismo e imperialismo econômico51” como a causa da ca-
lamidade. Embora exposta nos anos 1940, tal interpretação se 
consolidou especialmente na última década, entre uma geração 
de estudiosos não comprometidos com assuntos oficiais e devi-
damente apoiados pelo método científico. 
O historiador britânico Mark Mazower merece destaque. 
Na obra O Império de Hitler: a Europa sob o domínio nazista, ele 
alega que o nazismo refletiu o “velho desejo de controlar terri-
tórios e povos, que tinha levado os europeus para a África, para 
as Américas e para as mais remotas ilhas do Pacífico”. Como 
agravante, os nazistas tentaram a liderança global numa velocida-
de vertiginosa, em poucos anos, e com originalidade geográfica: 
tentaram governar o robusto povo russo, berço dos escritores 
Dostoiévski e Tolstói, como se fazia com as tribos canibais das 
selvas do Congo52. 
A historiadora Shelley Baranowski alega que, apesar de sua 
natureza superlativa, o nazismo contou com forte legado opera-
cional da violência usada nas colônias alemãs na África. Na atual 
Namíbia, em especial, o Exército colonial alemão concebeu o 
extermínio dos negros hereró nativos, entre 1904 e 1907, como 
uma disputa por espaço contra semi-macacos similares a chim-
panzés. Tal herança deixada pelo Segundo Reich de Bismarck 
influiu na competitividade desesperada do Terceiro Reich, no 
medo de ser sobrepujado por adversários melhor preparados53. 
Como Baranowski, outra mulher de destaque é a historiadora 
Wendy Lower. Ela insere o nazismo “num contexto europeu 
28
maior de opressão, conquista, migração e destruição em massa de 
povos indígenas”, acrescentando: “A ocupação nazista da Europa 
Oriental demonstrou que tais práticas não eram exclusivas do 
além-mar, e que os piores aspectos do colonialismo podiam ser 
realizados em imensa escala, numa questão de poucos anos, no 
coração da Europa ‘civilizada’54”. 
É verdade que o ataque contra a URSS foi singular por, 
desde o início, intencionar uma escala monstruosa de devastação 
com forte significado ideológico. O resultado foi uma campanha 
ainda mais mortífera que a da Itália fascista contra a Etiópia em 
1935-36, e que as travadas pelo Japão na China em 1931-1945. 
Mesmo assim, o filósofo canadense André Mineau enfatiza os elos 
de continuidade. Realça que os nazistas, com um enfoque sanitário, 
combateram um “conceito bio-político de inimigo”, avaliado inclu-
sive mediante antropometria, ou seja, medições corporais de crâneo, 
altura, órgãos genitais e pigmentação. “O colonialismo europeu foi 
parte das origens ideológicas da Operação Barbarossa, e assim que a 
beligerância foi desencadeada na União Soviética, Hitler colocou 
em prática percepções mentais e modelos de gestão concebidos 
para a África e para a Ásia, mas pela primeira vez na Europa55”. 
Os pioneiros em abordarem o tema, de modo um tanto su-
perficial, foram estudiosos judeus diretamente afetados. Foi o caso 
da filósofa alemã Hannah Arendt, que fugiu para Paris em 1933 
e para Nova York em 1941. No clássico Origens do totalitarismo, 
ela descreveu o além-mar como um “laboratório”, um “estágio 
preparatório para as catástrofes vindouras56”. Outro pioneiro 
foi o jurista polonês Raphael Lemkin, que defendeu Varsóvia 
em 1939, mudou-se para os Estados Unidos e contribui para a 
ONU reconhecer, em 1948, o crime de “genocídio” – termo que 
Lemkin cunhou, considerando matanças como a dos armênios 
pelos turcos-otomanos durante a Primeira Guerra Mundial. À 
semelhança de Arendt, contudo, ele se focou no Holocausto quase 
sem considerar a tragédia de eslavos e ciganos.
29
No que tange à figura de Hitler, deve-se muito a seus bió-
grafos, em especial ao alemão Joachim Fest. Nascido em 1926, 
ele serviu como soldado na guerra; também leu os romances de 
Karl May quando jovem, e uma de suas tias serviu como mis-
sionária religiosa na África57. Logo, conheceu bem a atmosfera 
onde prosperou o hitlerismo. Fest define a invasão da União 
Soviética como uma obsessão formulada por Hitler no início 
de sua carreira e que liderou com um protagonismo único na 
história, com forte motivação geobiopolítica. Muito mais do que 
uma “Cruzada contra o bolchevismo”, esta foi “uma guerra de 
conquista colonial no estilo do século XIX, dirigida, é verdade, 
contra uma das grandes potências europeias58”. O sistema nazista 
desponta assim como uma negação das Revoluções Francesa 
e Russa, também revolucionário, porém sem universalismo, e 
atrelado a um único super-líder, quase que um super-homem 
nietzschiano disposto a arriscar tudo em nome dos fins.
Outro biógrafo importante é o inglêsIan Kershaw. Recente-
mente, ele deu mais atenção do que Fest para o meio social e para 
a complexidade gerencial do período. Sem reflexões metafísicas, 
trazendo informações empiricamente objetivas, Kershaw tenta 
comprovar que Hitler não foi uma personalidade de grandeza 
excepcional: ilustrou a máxima de Marx de que os homens fazem 
história sob pré-condições impostas. Sequer inventou uma filosofia 
própria, oferecendo, na verdade, uma “versão modernizada do 
antigo imperialismo, ajustado para o campo etnicamente misto da 
Europa Oriental, onde os eslavos seriam o equivalente germânico 
das populações nativas conquistadas na Índia e na África pelo 
Império Britânico59”. 
Junto com outras obras e dissertações acadêmicas, tal biblio-
grafia contribui para uma problematização do nazismo que, já 
consolidada em países de língua inglesa e alemã, deve ganhar 
visibilidade em países de língua portuguesa e espanhola. 
30
31
c a P í t u l o 1 
 
 
O dOmíniO britânicO na índia
32
33
Símbolo de grandeza imperial
Desde seus pronunciamentos iniciais nas cervejarias de Munique, 
em 1919, Hitler admirava as colônias britânicas fora da Europa, 
sobretudo a Índia60 (que na época incluía os atuais Paquistão, 
Bangladesh e até 1937 Myanmar). Segundo ele, o domínio 
sobre o sul da Ásia tornara a “Inglaterra” a maior economia 
capitalista do planeta, que chegou a derrotar a Alemanha na 
Primeira Guerra Mundial. A aristocracia baseada em Londres, 
como a do antigo Império Romano, combinava “o mais elevado 
valor genético com o mais claro espírito político61”. No fundo, 
tal aristocracia tinha um instinto predatório semelhante ao dos 
judeus, sempre competindo por mais lucro62. “Meros 65 milhões 
de ingleses” controlavam o maior império da história, superior 
mesmo ao mongol, com cerca de 1/4 da superfície continental 
da Terra: “mais de 40 milhões de quilômetros quadrados e 480 
milhões de seres humanos63”.
Hitler, apesar de não possuir muita escolaridade no sentido 
formal, até estudou o tema com alguma profundidade. Chegou a 
exigir que o ministro Alfred Rosenberg, considerado pesquisador 
sério, escrevesse para ele um estudo no outono de 1941, buscando 
compreender com detalhes a administração britânica na Índia. 
Depois ordenou que Joachim von Ribbentrop, o ministro do 
Exterior nazista, que fora embaixador em Londres entre 1935-38, 
formulasse um novo memorando com mais fontes sobre temas 
como “a arte britânica de divide et impera”, ou seja, a capacidade 
de mandar aproveitando divisões entre os próprios nativos64. 
Em agosto de 1942, quando estava em seu quartel-general Lo-
bisomem em Vinnytsia, na Ucrânia, Hitler leu o livro Índia, do 
indólogo alemão Ludwig Alsdorf, que continuamente elogiou pelo 
retrato feito sobre os métodos ingleses. O ditador recomendou-o 
a vários de seus aliados, falando que todo alemão enviado para 
o exterior deveria lê-lo, sobretudo diplomatas65. De fato, tal 
34
obra foi publicada e distribuída, mostrando o quanto a história 
pode ser manipulada na doutrinação política. Outras leituras 
ainda foram encorajadas, como o relato do viajante alemão Kurt 
Freber, Com minha mochila até a Índia, e A peste mundial judaica 
do nazista Hermann Esser66. 
A admiração de Hitler explica a forma como ele expôs seus 
planos para o território da União Soviética, nos monólogos pu-
blicados no pós-guerra como Conversas à mesa. Para inspirar, 
na alta cúpula nazista, um senso de ambição e missão histórica, 
o ditador prometeu que na Europa Oriental haveria uma típica 
“colônia de exploração67”, assim que o Exército Vermelho de 
Stálin fosse derrotado e o regime soviético fosse extinto. 
“O que a Índia foi para a Inglaterra, os territórios da Rússia 
serão para nós68”. Acreditando na vitória da guerra-relâmpago, 
Hitler assim projetou ao visitar pessoalmente a frente de batalha 
na Ucrânia. Ele exigia que os alemães implantassem o progresso 
naquela paisagem – considerada suja e subaproveitada, devido 
à ineficiência corrupta do bolchevismo – construindo imensos 
portos, canais e ferrovias, além de luxuosos palácios para os 
administradores, até maiores que os construídos pelos ingleses 
em Calcutá e depois em Nova Delhi. Hitler abriu-se com vários 
aliados em reuniões privadas, inclusive o ministro da Propaganda 
Joseph Goebbels, que anotou em seu diário em dezembro de 
1941: “No geral o Führer vê o Leste como nossa futura Índia. 
Essa é a zona colonial onde queremos nos estabelecer69”.
Com sua frota de navios a vapor, e com a estabilidade da libra 
esterlina enquanto moeda forte, o capitalismo inglês gerara uma 
riqueza formidável através do acesso a recursos naturais como chá 
e a mercados consumidores. O sul da Ásia é que permitira a uma 
pequena ilha superar suas limitações malthusianas, fortalecendo a 
pujança advinda da Revolução Industrial. Hitler esperava que a 
Grande Alemanha (“Grande” por abranger quase todos alemães 
35
do continente, inclusive os da Áustria) tivesse uma prosperidade 
parecida com a moeda marco. Refletindo com o almirante Kurt 
Fricke da Marinha alemã, ele definiu a Ucrânia como um “novo 
Império indiano”, ou uma “Índia europeia”, imaginando como 
usurpá-la após a vitória sobre Moscou70. Encarada como a re-
gião soviética mais produtiva, a Ucrânia contribuiria para que a 
economia germano-europeia fosse uma autarquia, autossuficiente 
em recursos naturais como madeira, algodão, borracha, carvão, 
aço, níquel e manganês, ainda dispondo do precioso petróleo 
do Cáucaso. A Bielorrússia, apesar de pouco valorizada devido 
ao excesso de pântanos e florestas densas, também foi definida 
por planejadores do Exército alemão como “parte de nossa nova 
possessão colonial oriental71”.
Além disso, adotar-se-ia uma prática essencial do capitalis-
mo inglês: o comércio com os nativos dominados. Após o fim 
do comunismo soviético, a grande indústria alemã teria imensos 
mercados consumidores, vendendo produtos de baixa qualidade 
por preços acessíveis e deixando os eslavos na dependência da 
metrópole. Isso com o apoio de companhias responsáveis pela 
infraestrutura, como a elétrica AEG, a petrolífera Kontinentale Öl 
e talvez a Opel, subsidiária alemã da General Motors. Conforme 
Hitler previu numa reunião com seu embaixador na França, 
Otto Abetz, que registrou num memorando: “A Europa suprirá 
suas próprias necessidades de matérias-primas, e terá seu próprio 
mercado para exportação no território russo. Não dependeremos 
mais do comércio internacional. A nova Rússia, chegando até 
os Montes Urais, se converterá na ‘nossa Índia’, porém muito 
melhor localizada que a dos britânicos72”. 
Tal como as empresas inglesas, as alemãs deveriam comercia-
lizar produtos adequados ao nível cultural dos súditos, conside-
rados primitivos já acostumados à miséria comunista. Os eslavos 
receberiam “tudo que os povos coloniais gostam73”, basicamente 
36
quinquilharias de mau-gosto como espelhos, bijuterias e roupas 
de algodão muito coloridas. Talvez aprenderiam a escovar os 
dentes e tomar banho, com os produtos “mais toscos” de fabri-
cação alemã. Os eslavos ainda seriam estimulados a se viciar em 
nicotina e álcool, como, de certa forma, os chineses haviam se 
viciado no ópio inglês74. Mais importante, teriam medicamentos 
anticoncepcionais e abortivos a preço de custo, para que tivessem 
o mínimo de filhos visando ao controle populacional. Mesmo que 
proibidos de comprar armas, os nativos garantiriam um mercado 
consumidor permanente para os cartéis alemães de regiões como 
o Reno-Ruhr, que adaptariam as velhas estratégias comerciais das 
manufaturas inglesas de Manchester, Liverpool e Birmingham. 
A monarquia anglicana, com seus títulos hereditários, não foi 
parâmetro para o Terceiro Reich num ponto crucial: seu coletivis-
mo “socialista”. O novo império deveria beneficiar todo o povo, 
não apenas uma classe ou uma dinastia. Não se imaginava uma 
elite com seus automóveis Rolls-Royces, comprando diamantes 
dos judeus Rothschild, e sim a massa da nação alemãcom seus 
Volkswagens financiados a prazo. 
Hitler criticava o fato de os ingleses terem, certa época, 
cometido o erro de industrializar a Índia. Tal competição criara 
desemprego entre os operários da metrópole, inclinando-os ao 
marxismo. Pensando no apoio do proletariado alemão, o ditador 
previu que o Leste seria “apenas uma fonte de matérias-primas e 
área de comercialização, não um campo para a produção indus-
trial. [...] Não precisaremos mais procurar um mercado ativo no 
Extremo Oriente. Nosso mercado está na Rússia75.” Ainda falou 
que a Romênia, apesar de aliada na Operação Barbarossa, seria 
desencorajada a possuir indústrias para exportar seus produtos 
agropecuários, em especial o trigo da Bessarábia, para o mercado 
alemão em troca de bens manufaturados. Hitler disse gostar do 
campesinato romeno, mas menosprezou seu proletariado como 
37
incompetente76. Portanto, de modo distinto, outras nações também 
seriam envolvidas na autarquia continental.
Numa época de insegurança jurídica, o Estado nazista pre-
cisou de estímulos verbais para convencer a iniciativa privada 
a investir. Foi pensando no capital, de fato, que o ministro da 
Economia nazista, Walther Funk, teve uma conferência com 
industriais em Praga em dezembro de 1941, poucos dias depois 
do ataque japonês a Pearl Harbor. Lá descreveu “os vastos terri-
tórios do Leste” como “a promissora terra colonial para o futuro 
da Europa”, que superaria o “poder naval anglo-saxão77”. 
Entretanto, Hans Frank, governador-geral da Polônia ocupa-
da, rejeitava como excessivamente liberal a forma como os ingleses 
organizavam, juridicamente, suas empresas coloniais na Índia e 
na África do Sul, defendendo mais intervenção do Estado alemão 
no território polonês78. Consequentemente, abundaram reclama-
ções por parte dos grandes capitalistas sobre a burocratização 
nazi. Mesmo assim, a colaboração da “burguesia” europeia já 
se manifestou durante a guerra. Conglomerados industriais ale-
mães como Volkswagen, Krupp e Siemens, e empresas como a 
holandesa Phillips, a francesa L’Oréal e a americana IBM, entre 
várias outras, aceitaram as encomendas nazistas: em caso de vitó-
ria possivelmente expandiriam seus negócios no Leste Europeu.
O nazismo ainda cumpriria sua “missão europeia” ao per-
mitir que outras potências com tradição além-mar participassem 
desse comércio. A Holanda, por exemplo, teve sua colônia na 
Indonésia ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra 
Mundial. Mas por serem “germânicos”, racialmente aparentados 
dos alemães, os holandeses poderiam conseguir um mercado 
substituto nas terras improdutivas da Bielorrúsia, conforme 
projeto do comissário-geral Wilhelm Kube79. O mesmo acon-
teceria na Ucrânia. Em 1943, o ministro Rosenberg criou uma 
Companhia Holandesa de Comércio, com a esperança de que os 
38
holandeses ajudassem a modernizar a paisagem oriental com o 
que haviam aprendido na Indonésia por trezentos anos, desde o 
século XVII80. Entre os holandeses, tal esboço foi aprovado por 
colaboracionistas como Meinoud Rost van Tonningen, nascido 
na Indonésia81. Hitler ainda idealizou que a Bélgica poderia tro-
car seus produtos industriais – ninharias de consumo barato, de 
baixa qualidade – pelo trigo da terra preta ucraniana, conhecida 
antes de 1914 como a “cesta de pão da Europa”82. Assim, os 
belgas teriam uma compensação caso perdessem suas colônias, 
em especial o Congo, na África Central.
Quanto ao espaço soviético, seu aproveitamento econômico 
demandaria dos alemães uma reorientação espiritual. Após a 
Segunda Guerra Mundial, nos anos 1960 ou 1970, eles teriam 
de consolidar uma mentalidade enérgica, como a do venerado 
conquistador e negociante inglês Cecil Rhodes (1853-1902)83. Os 
alemães ocupariam milhões de quilômetros quadrados, incluindo 
rios gigantescos à altura do Ganges e do Nilo, como o rio Volga 
russo, prognóstico este que excitava a insistência quase fanática 
de Hitler em transformar a face da Terra: “Os britânicos, mas 
também os russos, possuem a autoconfiança que se origina dos 
amplos espaços. Eu espero que, com o tempo, nós também 
tenhamos isso84.” Chegou a titular seus Comissários Imperiais 
como “uma classe de vice-reis”, referindo-se aos representantes 
da monarquia britânica na Índia: pessoas que não seriam empre-
gadas em países ocidentais ocupados, como França e Bélgica85. 
Para Alfred Rosenberg, do Ministério do Leste nazista, a 
presença alemã era basicamente uma tarefa de melhoramento civi-
lizatório, destinada a trazer progresso. Sugeria a criação de jardins 
botânicos no estilo vitoriano, para palmeiras e orquídeas, além 
de santuários para a proteção de bisões, ursos, cavalos selvagens, 
avestruzes e antílopes, onde os alemães realizariam safáris. Os 
jovens, em particular, adquiririam responsabilidade com armas, 
39
sexo e filhos no rigoroso inverno russo86. Já Herbert Backe, um 
dos principais responsáveis pelo confisco dos alimentos soviéticos, 
escreveu os 12 mandamentos para os alemães no Leste. Tais jovens 
deveriam testar sua produtividade e camaradagem, aprenden-
do as coisas por conta própria, não sendo mimados pelos pais, 
como a juventude que a Inglaterra transformara em “lideranças 
natas” por séculos87. (Era o caso do primeiro-ministro Winston 
Churchill, que durante sua carreira no exército presenciara ações 
militares na Índia britânica, no Sudão e na Segunda Guerra dos 
Bôeres de 1899-1902. Antes de tudo isso, em 1895, Churchill 
passara voluntariamente suas férias em Cuba, junto com militares 
espanhóis que combatiam na Guerra de Independência Cubana).
Deve-se considerar que os nazistas não invejavam apenas as 
colônias do Império Britânico. Também invejam as bases navais 
que Londres estabelecera ao redor do planeta. Chegou-se a 
apelidar a Península da Crimeia, na Ucrânia, como uma futura 
“Gibraltar alemã”: os alemães deveriam dominar o Mar Negro 
da mesma forma que os ingleses dominavam o Mediterrâneo a 
partir da base naval de Gibraltar, ao sul da Espanha europeia88. 
Os nazistas ainda mencionaram regiões que, ao contrário da 
Índia, haviam sido povoadas em massa por ingleses. Além dos 
Estados Unidos, isso incluía Canadá, Austrália, Nova Zelândia 
e, em partes, África do Sul (que juridicamente não eram colônias, 
tornando-se, entre 1867 e 1910, domínios com grande autonomia 
política).
Heinrich Himmler, líder-supremo da SS, era um apaixonado 
por crianças loiras que financiava pesquisas e escavações sobre 
a mitologia viking. Ele projetou que o oeste da Rússia seria 
administrativamente dividido, como Carlos Magno fizera no 
leste do Império Franco medieval; “os métodos seguidos seriam 
aqueles com os quais a Inglaterra transformara suas colônias em 
domínios89.” Chegou a mencionar as figuras de Lorde Halifax e 
40
Sir Nevile Henderson para algo inusitado: convencer mulheres 
alemãs a tomarem mingau no café da manhã. Algumas recla-
maram que engordavam, embora Himmler deixasse claro que 
“os lordes e ladies ingleses são praticamente criados com essa 
alimentação90”. 
Tratava-se, enfim, de um pedantismo intelectual que abran-
gia os mais ínfimos detalhes. Às vezes sem consideração pela 
realidade prática, os nazistas gerenciaram um Estado moderno 
com o tipo de compulsão megalomaníaca que Hitler manifestara 
quando jovem na Áustria, desenhando edifícios colossais ao som 
de Wagner, Mozart e Beethoven. Naturalmente, fatos europeus 
também foram mencionados para ilustrar tais desígnios. Hitler 
garantiu, por exemplo, que a Rússia seria desbravada como os ro-
manos de César haviam feito na Germania, penetrando em brejos, 
pântanos e florestas com estradas de qualidade91. Ainda elogiou 
a rede de transportes do Império Inca pré-colombiano92, além 
das modernas rodovias norte-americanas. Deve-se acrescentar 
que vários nazistas citavam a Hansa e os Cavaleiros Teutônicos 
da Idade Média como testemunho de que os alemães já haviam 
implantado sua cultura na própria Europa Oriental, especialmen-
te nas margens do Mar Báltico. Na IdadeAntiga, ademais, a 
tribo germânica dos ostrogodos ocupou partes da atual Ucrânia. 
Para evidenciar tal continuidade, buscando legitimidade para a 
anexação, Hitler e Rosenberg falaram em renomear a península 
ucraniana da Crimeia como “Terra dos Godos”, ou com o antigo 
nome grego de Tauride; sua cidade de Simferopol chamar-se-ia 
“Cidade dos Godos” e Sebastopol teria seu nome alterado para 
“Porto de Teodorico”, em homenagem ao célebre rei ostrogodo93. 
Essa paixão pela história talvez inexistiu no expansionismo ul-
tramarino: britânicos e franceses raramente afirmaram, se é que 
o fizeram, estar recuperando terras que haviam pertencido aos 
antepassados.
41
Dominando os 
“ridículos cem milhões de eslavos”
É claro que, para usufruírem do novo império, os alemães teriam 
de manter a população nativa sob controle, após a extinção do 
stalinismo. Esperava-se cultivar entre os alemães a astúcia, o ma-
quiavelismo e o egoísmo dos ingleses, que tinham “um orgulho 
parecido com o dos antigos romanos94”. No outro extremo, os 
eslavos orientais conheceriam a precariedade político-cultural, 
numa relação colônia/metrópole como a mantida por Londres 
com os hindus e muçulmanos do subcontinente indiano. 
Tratando cristãos, inclusive católicos fiéis ao Papa, de tal 
modo, Hitler só foi sincero em reuniões a portas fechadas. Muitos 
de seus monólogos, publicados no pós-guerra como Conversas à 
mesa, foram anotados no quartel-general Toca do Lobo, na Prússia 
Oriental, complexo de bunkers onde ele passou mais de 800 dias 
no período 1941-194495. A Himmler, por exemplo, ele reiterou 
que pretendia uma opressão duradoura: “Não é possível manter 
com meios democráticos aquilo que foi tomado pela força. Nesse 
ponto, eu partilho da opinião dos Tories ingleses. Se eu subjugo 
um país independente, com a intenção de depois devolver-lhe sua 
liberdade, qual a lógica disso?96”. Tratava-se de violar o cosmo-
politismo democrático do direito internacional. Noutra ocasião, 
expôs que o povo alemão “deve saber ser honesto apenas consigo 
mesmo, enquanto com outros povos (como os tchecos) deve agir 
de modo tão hipócrita como fazem os ingleses97”, assimilando a 
habilidade em mentir e iludir.
Acima de tudo, Hitler apreciava a capacidade de uma pe-
quena elite de funcionários leais à Coroa dominar todo o sub-
continente indiano, a segunda região mais populosa do mundo, 
atrás apenas da China. Contando todo Império Britânico, havia 
em média um inglês para cada nove estrangeiros98. O domínio 
sobre os eslavos também se basearia nesta hegemonia da qua-
42
lidade sobre a quantidade: “Vamos aprender com os ingleses, 
que, com uma totalidade de 250 mil homens, incluindo 50 mil 
soldados, governam 400 milhões de indianos99.” Nesse quesito, 
ainda costumava vangloriar os 6 mil gregos de Esparta (o “pri-
meiro Estado racialista” da história) que, supostamente, haviam 
oprimido mais de 350 mil hilotas na Antiguidade100.
Subordinado de Hitler, a quem jurava lealdade e obediência 
incondicionais, Heinrich Himmler foi ainda mais ambicioso. 
Num discurso em Zhytomyr, na Ucrânia ocupada, em setembro 
de 1942, ele exortou policiais da SS a compreenderem os ingleses 
“não apenas na teoria, mas também na prática”, de modo que 
uma única pessoa germânica mandaria sobre 100 mil eslavos101. 
Na cidade de Posen, Himmler novamente citou os ingleses pre-
vendo o manejo de no mínimo 100 milhões de eslavos, e recursos 
energéticos em quantias ilimitadas102.
Eventualmente, alegou-se que essa supremacia inglesa era 
parecida com a praticada no antigo Império Austro-Húngaro, 
onde uma “minoria de 12 milhões de alemães” havia “comandado 
40 ou 50 milhões súditos de raças estrangeiras nos Bálcãs103”. 
Como os ingleses, os Habsburgos austríacos haviam dado certa 
autonomia cultural para seus súditos – inclusive tchecos, sérvios, 
poloneses e ucranianos – em troca de subserviência de política. 
Todavia Hitler, que nasceu no Império Austro-Húngaro, também 
criticava como excessivamente tolerante a gestão de Viena antes 
da Primeira Guerra Mundial. Certa vez presumiu que, caso os 
austríacos tivessem manifestado o auto-orgulho inglês, nunca 
teriam permitido que a Hungria ganhasse tanta autonomia a 
partir de 1867: como não eram germânicos, os húngaros deviam 
ter sido mantidos como submissos ao invés de parceiros104.
Alfred Rosenberg, do Ministério do Leste, era o nazista da 
alta cúpula que melhor entendia do espaço soviético. Ele vivera 
no Império Russo até 1918, testemunhando a Revolução Bol-
chevique em Moscou, também conhecendo pessoalmente regiões 
43
como a Ucrânia e o Báltico, pois nascera como súdito dos Czares 
Romanov. Num discurso para seus burocratas e tecnocratas, 
comparou-os com os ingleses da Companhia das Índias Orientais 
enviados para a Ásia no século XVII – ainda na época mercanti-
lista – em busca de chás, seda e ópio105. Noutra ocasião, tentou 
legitimar Berlim aproximando-a de Londres: ambas recusavam 
o marxismo em prol da “dominância racialmente definida”.106
Na bibliografia, os administradores nazistas já foram chama-
dos de “sátrapas”107, uma referência aos governadores provinciais 
do Império Persa, e também de “mandarins”108, uma referência 
aos altos funcionários letrados do Império Chinês. Tais asso-
ciações estão vinculadas ao excesso de pompa e burocracia que 
realmente apareceu na ocupação alemã. Num detalhado memo-
rando escrito de dezembro de 1942, que seria usado como prova 
em Nuremberg, um subordinado de Rosenberg reclamou disso 
ao recomendar uma postura mais versátil e dinâmica, baseada 
em experimentos regionalizados em vez de dogmas ideológicos: 
“capacidade de liderança” que associou ao anglo-saxonismo. Na 
verdade, o funcionário de Rosenberg lembrava que os ingleses 
haviam, sim, permitido a alguns hindus estudarem na metrópole 
(como Mahatma Gandhi, que cursou direito em Londres). Ape-
sar de levar à formação de uma “intelligentsia proletária hindu”, 
inclinada ao marxismo e a rebeliões, essa medida racionalizara 
a economia indiana109. Mais uma vez percebe-se a existência de 
agências rivais no interior da máquina nazista, que interpretavam 
a história de modo diferente.
Numa reunião em Cracóvia, o governador-geral da Polônia, 
Hans Frank, citou os Impérios Britânico e Romano como teste-
munhos de que “nenhum grande império existe sem um sistema 
de leis110”. Como advogado, Frank recomendava que a submissão 
dos polacos fosse regulamentada por escrito, tornando-se mais 
coerente e estável – algo que já acontecia com os tchecos, num 
sistema de recompensas por docilidade conhecido como “pão de 
44
açúcar e chicote”. Condenado à prisão em Nuremberg, Paul Kör-
ner, considerado o principal subordinado de Hermann Göring, 
defendeu-se com o álibi de que havia se espelhado nos ingleses 
visando à mera retirada de recursos para a indústria alemã, sem 
os excessos cometidos antes por Espanha e Portugal na América: 
“Eu não acreditava que essas áreas seriam cruelmente extorqui-
das, e a população colocada numa posição de escravos, como no 
primeiro período do colonialismo europeu111”.
Em público, Hitler até atacou o governo do primeiro-
-ministro Winston Churchill por negar os direitos demandados 
pelo povo indiano na época. Em maio de 1942, chegou a receber 
em seu quartel-general Subhas Chandra Bose, famoso defensor 
da libertação indiana, que também se encontrou com Himmler, 
buscando voluntários para a dita Legião Indiana do Exército ale-
mão112. Contudo, tais medidas representavam demagogia pública, 
visando iludir correspondentes estrangeiros e mesmo parte do 
povo alemão. Contrariavam seu etnocentrismo doentio, inimigo 
da alteridade humana. Para ele, a essência do poder britânico 
não era a legalidade com os súditos, nem a chance dada a eles de 
conhecerem ferrovias ou papel higiênico; no Egito, esclareceu, 
os ingleses haviam construído barragens no rio Nilo pensando 
apenas na independência de seu algodão perante a concorrência 
americana113. Num discurso para estudantes nazistasem janeiro 
de 1936, ele mencionou a rapinagem do espanhol Hernán Cortés 
no atual México e a do inglês Robert Clive na Índia do século 
XVIII para justificar a supremacia mundial da raça branca114. E 
em janeiro de 1942, consta em Conversas à mesa, Hitler informou 
residir a riqueza da Grã-Bretanha na “exploração capitalista dos 
trezentos milhões de escravos indianos”, incluindo a venda de ópio 
e álcool, enquanto os alemães, ingênuos, haviam tentado evitar 
que os negros conhecessem os malefícios da nicotina: “O homem 
inglês é superior ao alemão em um aspecto – seu orgulho115”.
45
De fato, Hitler desconsiderava o mito do bom selvagem do 
francês Jean-Jacques Rousseau, as utopias do Iluminismo, pre-
ferindo um egoísmo do tipo nietzschiano em escala planetária. 
Argumentava que os alemães não tinham qualquer obrigação com 
a dignidade dos “ridículos cem milhões de eslavos”, acrescen-
tando: “e todo aquele [nazista] que falar em agradar o nativo ou 
civilizá-lo irá imediatamente para um campo de concentração116”. 
Para ele, um autodidata que nunca teve formação acadêmica, o 
paradigma a ser seguido era a aristocracia do outro lado do Canal 
da Mancha, cujo apogeu fora na era vitoriana, antes da conso-
lidação do Partido Trabalhista. Eis um precedente duradouro, 
quase obsessivo na mente de Hitler, comparável ao rei prussiano 
Frederico II, seu personagem preferido da história alemã117. 
Tal influência é observável, além do mais, no jeito como 
Hitler rebaixava a antropologia das vítimas eslavas. Para ele, 
os russos estavam quase no mesmo patamar dos “intocáveis” 
que, no sistema de castas indiano, eram obrigados a defecar nas 
ruas e comer lixo como cães. Criticando a “mania” dos médicos 
de distribuir vacinas, disse alarmante o fato de a população da 
Índia ter aumentado 55 milhões nos dez anos anteriores, devido 
à tolerância inglesa: “Nós testemunhamos hoje o mesmo fenô-
meno na Rússia. As mulheres têm um filho a cada ano118”. No 
caso, havia uma crítica indireta ao domínio britânico, que não 
adotara mecanismos adequados de contenção demográfica, po-
rém os russos eram equiparados aos indianos em sua propensão 
reprodutiva, teoricamente originada da vulgaridade sexual desde 
a infância. Mesmo os eslavos mais a oeste foram excluídos da 
Europa, em termos civilizatórios. “A Ásia começa na Polônia”, 
declarara Hitler em outubro de 1939, colocando Varsóvia no 
mesmo continente de Bombaim e Calcutá119. Por incrível que 
pareça, e para o desgosto dos intelectuais soviéticos, Karl Marx e 
Friedrich Engels foram pioneiros a partir de 1853 ao difundirem 
a imagem da Rússia Czarista – que incluía a Polônia – como um 
46
“despotismo asiático” ou “oriental”, intesamente mongolizado, 
que não pertencia ao Ocidente capitalista por ser tão estagnado 
quanto Índia e China120. Eis uma linguagem comum entre a 
intelectualidade comunista pré-1917, que acabou apropriada para 
fins diametralmente opostos.
Subjugar e reprimir, 
mas sempre mantendo distância
Hitler elogiava os ingleses por interferirem pouco na vida dos 
povos coloniais121. Segundo ele (e segundo Hannah Arendt), os 
ingleses não tentavam converter estrangeiros a uma civilização 
universal, como a da Grécia de Alexandre Magno e a do Império 
Romano. Ao contrário dos imperialistas alemães e, sobretudo, 
franceses, acusados de ingenuidade, os anglo-saxões adotaram 
um método de “domínio indireto” no século XIX: permitiram 
que os indianos continuassem tomando banho entre cadáveres, 
no rio Ganges, e cultuando vacas como divindades. Hitler visava 
a um utilitarismo similar para as regiões da Europa Oriental que 
não seriam “germanizadas”, ou seja, povoadas. Apesar de rejeitar 
o auxílio de autoridades locais, como os rajás e marajás mantidos 
em partes da Índia, e apesar de visar um senhorio muito mais 
baseado na intimidação que o inglês, Hitler pretendia deixar os 
eslavos num estilo de vida “asiático”, segregados em favelas de 
casebres e cabanas. 
Para ele, até a Itália fascista de Mussolini, aliada alemã, de-
veria examinar como os britânicos “aprenderam a arte de serem 
senhores122”, esnobes e vaidosos, sem a afeminação francesa. Se 
os italianos conseguissem tomar o Egito dos próprios ingleses, 
teriam de continuar mantendo os muçulmanos com suas tradições, 
sem “perturbá-los” com a literatura italiana que Roma, na época, 
tentava difundir entre os gregos, albaneses e croatas conquistados.
47
Na Europa do Leste haveria uma negligência intencional de 
modo que a cultura alemã não seria exportada aos autóctones. 
Vegetando em casas com paredes de barro e tetos de palha, sem 
acesso a esgoto, infestadas por pulgas e carrapatos, o máximo de 
modernidade que os autóctones teriam seria bicicletas e eletro-
domésticos alemães. Difundir a educação básica e fundar uma 
universidade em Kiev, como queria Rosenberg, representavam 
medidas contraproducentes a longo prazo. O estudo da história 
pré-comunista era especialmente perigoso. Afinal, num predo-
mínio “semelhante ao da Inglaterra na Índia123”, não haveria 
conhecimento teutônico para que povos de uma “sub-raça” se 
organizassem politicamente ou modernizassem suas armas com 
tecnologia.
Hitler nem cogitava beneficiar os eslavos como fizeram, 
em suas respectivas áreas, os aliados europeus da Alemanha 
na Segunda Guerra Mundial. A começar pela Itália fascista, 
que colocou a difusão cultural na frente da pureza racial, com 
instrumentos como as escolas Dante Alighieri, os regimes pró-
-nazistas do continente, apesar de frequentemente antissemitas, 
investiram na assimilação de estrangeiros. Na Iugoslávia ocupada, 
os croatas pró-nazistas tentaram converter os sérvios ortodoxos 
para o catolicismo, mesmo que à força. A Hungria permitiu que 
os povos das regiões anexadas durante a Segunda Guerra Mun-
dial tivessem representação em seu Parlamento, que funcionava 
livremente. Ademais, os romenos que invadiram a Ucrânia com 
os alemães mantiveram parte do sistema educacional, adaptando-
-o para a “romanização” da cultura ucraniana124. Mas Hitler 
recusava algo parecido, alegando que seria perda de tempo falar 
sobre Schopenhauer e Mozart com uma “escória bestial” que, 
no máximo, entendia sobre niilismo e o anarquismo de Bakunin. 
Nesse quesito, os aliados fascistas pouco o inspiravam: “Quan-
to ao sistema educacional da população não-alemã nós nunca 
48
devemos esquecer que, na extensão do Leste, empregaremos as 
mesmas técnicas dos ingleses em suas colônias125.” 
Ao contrário dos católicos alemães, os anglicanos ingleses 
não haviam importunado estrangeiros com noções de limpeza e 
higiene, mantendo-os no esgoto. De maneira afim, os eslavos só 
aprenderiam a escrever o próprio nome e teriam distrações como 
música alegre durante o trabalho manual: “Basta que contem 
até 100126”. Os eslavos não teriam chance de desenvolver uma 
intelectualidade científica, permanecendo como simples consu-
midores dependentes da Alemanha, “isolados na imundície de 
seus chiqueiros127”, acostumados com bugigangas industriais de 
mau-gosto. Seriam proibidos de frequentar as aldeias alemãs. 
Em transportes públicos ocupariam espaços segregados. Não 
seriam vacinados, nem teriam acesso à medicina ou odontologia 
do tipo moderno.
Essa marginalização foi mais estável nas zonas ocidentais 
da Polônia, anexadas pela Alemanha, onde os autóctones tinham 
de carregar cartões especiais de identificação, não tendo acesso 
às bibliotecas, livrarias, cafés, cinemas, hotéis e restaurantes re-
servados aos alemães, incluindo austríacos. Homens poloneses, 
mesmo de origem aristocrática ou cultos, repentinamente tiveram 
de obedecer a alemães de origem proletária, inclusive mulheres 
alemãs, algo que causou polêmica128. Com relação ao espaço 
soviético, Hitler disse ser contra a colocação de avisos em ucra-
niano, chamando a atenção para cruzamentos ferroviários; pois 
“o que importa se um nativo a mais ou a menos seja esmagado 
por nossos trens?129”
Os alemães precisariam de devoção e fanatismo para manter 
a coesãoentre si. Como paradigma institucional, mencionou-se 
o padre Inácio de Loyola. Loyola foi o fundador da Companhia 
de Jesus, os jesuítas, que como reação à Reforma Protestante 
empenharam-se por difundir o catolicismo romano ao redor 
do mundo a partir do século XVI, inclusive nas Américas e na 
49
Índia, parcialmente ocupada por portugueses. Hitler apoiava a 
forma como Heinrich Himmler doutrinava os membros da SS, 
chamando-o de “nosso Inácio de Loyola130”. Todavia, tal associa-
ção não significava que os eslavos, acusados até de canibalismo, 
seriam convertidos ao culto neopagão nórdico himmleriano. 
Referia-se exclusivamente à estrutura interna da SS, cujos valores 
de lealdade, obediência incondicional e espiritualidade – mas 
não a castidade católica, claro – seriam rigidamente inacessíveis 
aos de fora. 
O esforço de precarização também seria político. O fato de 
os eslavos não terem acesso à cultura ocidental devia impedir a 
formação de novos Estados, no padrão europeu. Hitler prestigiava 
os ingleses por usarem a estratégia de “Dividir para imperar”, 
estimulando o máximo de divisões internas na Índia, inclusive 
entre hindus e muçulmanos. De modo análogo, os alemães ex-
plorariam as velhas divisões étnicas e religiosas entre os eslavos 
orientais, algumas agravadas pelo bolchevismo após 1917, e o 
autonomismo de regiões como a Chechênia; os eslavos seriam 
assim isolados em pequenas comunidades sem coesão nacional, 
que não resistiriam devido à sua insignificância. Hitler chegou 
a antecipar que, após o fim do comunismo, alguns vilarejos 
acabariam “adotando a magia negra, no padrão de negros e in-
dianos131”. Seriam assim reduzidos a uma condição pagã, como 
aquela anterior ao cristianismo ortodoxo, não integrando um 
regime colaboracionista moderno como a França de Vichy ou a 
Croácia do Ustashe.
Muito antes dos ingleses, a artimanha de dividir para sub-
meter fora exposta por notáveis como César e Maquiavel, depois 
por Napoleão, todos lidos pelos nazistas. Acabou usada pelos 
imperialistas na África. Na atual Ruanda, a sangrenta rivalidade 
entre as etnias hutu e tutsi, culminando no genocídio de 1994, 
atesta como as metrópoles europeias (no caso, sobretudo a Bél-
gica) favoreceram certos grupos nativos para controlar outros, 
50
intensificando ódios. O Japão imperial, aliado da Alemanha 
nazista, fez o mesmo na China. Ao criarem o Estado fantoche 
de Manchukuo em 1932, os japoneses fortaleceram a alteridade 
da minoria local manchu com relação à maioria chinesa de etnia 
han. E os nazistas empregaram tal artimanha com destreza bem 
antes da Operação Barbarossa. Na ex-Tchecoslováquia, favorece-
ram os eslovacos contra os tchecos; na ex-Iugoslávia, aceitaram 
a tese de que os croatas eram católicos ocidentais que ajudariam 
a controlar os sérvios, ortodoxos e pan-eslavistas; na URSS, por 
fim, incitaram os ucranianos contra os russos.
Segundo o relato pouco confiável de Hermann Rauschning, 
Hitler já havia manifestado seu exclusivismo em 1934, numa con-
versa informal entre os dois. Ele teria rejeitado a sugestão de “um 
Estatuto de Westminster para os Estados da Europa Central e 
Oriental, uma federação voluntária sob liderança alemã132”. (Pelo 
Estatuto de Westminster de 1931, australianos, canadenses, sul-
-africanos, neozelandeses e irlandeses foram declarados parceiros 
co-iguais do Reino Unido, e não mais domínios dependentes). 
Deveras, salvo exceções como a Finlândia, o que Hitler ansia-
va era a imposição racista unilateral, jamais a cooperação com 
parceiros compartilhando valores comuns. A longo prazo nem 
mesmo povos germânicos como o holandês teriam tal privilégio, 
devendo ser anexados à força na Grande Alemanha, mais ou 
menos como a Prússia de Bismarck fizera com outros reinos 
alemães nas Guerras de Unificação de 1864-1871133.
Mais importante, os ingleses mostravam que era possível 
evitar a miscigenação com mulheres subjugadas, uma velha 
tentação enfrentada por homens militaristas. Ao contrário dos 
portugueses – que, segundo Rosenberg, haviam transado com 
hindus quando ocuparam a Índia, gerando uma linhagem mes-
tiça134 – a aristocracia inglesa evitava ao máximo o contato físico 
e sexual com seus súditos. Embora as colônias alemãs na África 
tenham sido pioneiras na proibição de casamento e coabitação 
51
“inter-raciais”, a partir de 1905, nem sempre tal experiência 
nacional com os negros foi valorizada. “Nós adotaremos a atitude 
britânica de arrogância135”, esclareceu Hitler num monólogo a 
seus companheiros de mesa, com seu elitismo vulgar. Previa que 
os alemães viveriam longe dos povoamentos eslavos e seriam 
praticamente proibidos de frequentá-los, não tomando cerveja 
em bailes de confraternização. A “contaminação” sexual entre 
mulheres alemães e homens eslavos seria punida com rigor 
especial. Isso evitaria a temível possibilidade de que uma herança 
civilizatória e genética fosse transmitida por meio de mestiços – de 
acordo com a versão nazi, o erro cometido pelos portugueses na 
Índia, e também pelos holandeses com os malaios136, mas pouco 
cometido pela aristocracia anglicana inglesa. 
O pequeno livro Política racial, publicado pela SS durante a 
guerra, mostrava negros de colônias inglesas sendo discriminados 
em escolas e hospitais. Também mostrava um criminoso negro 
sendo enforcado em público por brancos nos Estados Unidos. 
Comemorando a morte alheia, a legenda das fotos louvava a “forte 
consciência racial” dos anglo-saxões que não haviam sucumbido 
aos igualitarismos cristão, liberal e marxista, todos de “essência 
judaica”137. 
Em formatos específicos, a institucionalização do racismo 
ainda ocorreu noutros continentes. Na África do Sul, o regime 
de apartheid imposto aos negros por descendentes de ingleses e, 
sobretudo, de holandeses (africâneres), baseou-se em medidas 
discriminatórias parecidas com as nazistas. Em maior ou menor 
grau, esses africâneres, alguns de origem alemã, foram inspirados 
por ideias fascistas138. E na Austrália, os cidadãos britânicos de 
origem inglesa impuseram severa segregação aos nativos aborí-
genes. Quanto aos nazistas, no pré-guerra eles já haviam impe-
dido judeus e negros de se casarem com alemães, retirado sua 
cidadania e restringido seu acesso a locais públicos como escolas, 
hospitais e transportes. Realizada por meio de leis oficiais, essa 
52
experiência na própria Alemanha prenunciou o que ocorreria 
no exterior a partir de 1939 – dessa vez sem muita preocupação 
com formalidades legais.
Por fim, a elite alemã de “vice-reis” empenhar-se-ia na “paci-
ficação”139. Puniria revoltas com rapidez e efetividade, abusando 
da pólvora ou cortando suprimentos para regiões amotinadas. O 
uso de armas talvez seja o pressuposto mais antigo do senhorio, 
constando no Antigo Testamento, sobretudo no livro de Samuel, 
que os filisteus não permitiam aos israelitas nem mesmo afiar 
suas ferramentas, temendo rebeliões. “Isso nós definitivamente 
devemos aprender com os ingleses140”: eis como Martin Bormann 
anotou a fala de seu Líder numa importante reunião em julho 
de 1941, na qual se pediu o uso de blindados e bombardeios 
estratégicos contra guerrilheiros. A mesma truculência vitimaria 
lideranças locais que empregassem nacionalismos e/ou o cristia-
nismo ortodoxo para resistir. Diferentemente dos Cavaleiros Teu-
tônicos e do Islã – cujo Alcorão era celebrado pela intolerância, 
de um tipo ausente na Bíblia141 – não se visava à vitória bélica 
para catequizar os vencidos. 
Defendeu-se algo parecido para a Polônia. Numa conferência 
que presidiu em Berlim em setembro de 1942, o marechal-de-
-campo Erhard Milch, cujo pai era judeu, falou dos polacos: 
“Se essa gente faz um motim e não trabalha, então eu demando 
que ocorra um fuzilamento. Nós fazemos na Polônia o mesmo 
que os britânicos fazem na Índia, com a única diferença de que 
os britânicos lidam com seus próprios súditos, enquanto nós 
lidamos com o inimigo. Eu exijo que nenhum de nós mostre 
falta de atitude142.” 
Com requintes

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