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Autora: Profa. Luciana Matos Loureiro Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Farmácia Homeopática Professora conteudista: Luciana Matos Loureiro Farmacêutica graduada em 1985 pela Faculdade Oswaldo Cruz, especialista em homeopatia pela Universidade de São Paulo. Atua como farmacêutica no mercado da manipulação em farmácias homeopáticas, no gerenciamento das boas práticas e controle de qualidade e no atendimento ao público através da atenção farmacêutica nas Práticas Integrativas e Complementares, além de ser docente na Universidade Paulista (UNIP) desde 1998. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) L892f Loureiro, Luciana Matos. Farmácia Homeopática / Luciana Matos Loureiro. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Homeopatia. 2. Medicamento. 3. Método. I. Título. CDU 615.015.32 U515.92 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Andressa Picosque Vera Saad Sumário Farmácia Homeopática APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 A HOMEOPATIA ................................................................................................................................................ 11 1.1 A farmácia na homeopatia ............................................................................................................... 11 1.1.1 Responsabilidade técnica do farmacêutico ..................................................................................11 1.2 Áreas de atuação do farmacêutico homeopata ...................................................................... 12 2 HISTÓRIA DA MEDICINA HOMEOPÁTICA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS .................... 15 2.1 Homeopatia: história e tipos de terapêutica ............................................................................ 15 2.1.1 Homeopatia no Brasil ............................................................................................................................ 18 2.1.2 Tipos de terapêutica .............................................................................................................................. 21 2.2 Princípios ou fundamentos da homeopatia .............................................................................. 22 2.2.1 Lei dos Semelhantes (Similia similibus curentur) ...................................................................... 22 2.2.2 Experimentação no homem são ....................................................................................................... 23 2.2.3 Doses mínimas ......................................................................................................................................... 24 2.2.4 Remédio único ......................................................................................................................................... 25 2.3 Ação do medicamento homeopático ........................................................................................... 26 2.3.1 Ação primária e efeito secundário no Organon ......................................................................... 27 2.3.2 Lei biológica de Arndt-Schultz .......................................................................................................... 28 2.3.3 Leis de Hering ........................................................................................................................................... 29 2.4 Força vital ................................................................................................................................................ 30 2.4.1 Níveis dinâmicos: suscetibilidade constitucional ...................................................................... 32 2.5 Escolas homeopáticas ......................................................................................................................... 34 2.5.1 Unicismo ..................................................................................................................................................... 34 2.5.2 Pluralismo ou alternismo ..................................................................................................................... 36 2.5.3 Escola complexista ................................................................................................................................. 38 2.5.4 Outras prescrições: organicismo ....................................................................................................... 39 3 CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS ................................................................................................................. 39 3.1 Doenças agudas .................................................................................................................................... 39 3.1.1 Enfermidades agudas individuais e coletivas .............................................................................. 40 3.1.2 Gênio epidêmico ..................................................................................................................................... 40 3.1.3 Critérios para a escolha do medicamento no quadro agudo ............................................... 41 3.2 Doenças crônicas .................................................................................................................................. 42 3.3 Classificação dos miasmas crônicos ............................................................................................. 42 3.3.1 Psora ............................................................................................................................................................. 44 3.3.2 Sicose ........................................................................................................................................................... 44 3.3.3 Sífilis ............................................................................................................................................................. 44 4 A CONSULTA HOMEOPÁTICA ...................................................................................................................... 46 4.1 Anamnese ................................................................................................................................................ 46 4.2 Matéria médica homeopática ......................................................................................................... 47 4.2.1 Exemplo de patogenesia ......................................................................................................................48 4.2.2 Repertório médico homeopático ..................................................................................................... 48 4.3 Características dos medicamentos ................................................................................................ 49 4.3.1 Medicamentos policrestos .................................................................................................................. 49 4.3.2 Medicamentos incompatíveis e complementares ..................................................................... 50 4.3.3 Medicamentos antimiasmáticos ....................................................................................................... 50 4.3.4 Medicamento de fundo ou de terreno .......................................................................................... 50 4.3.5 Medicamentos constitucionais ......................................................................................................... 50 4.3.6 Medicamentos homeopáticos oficinais ......................................................................................... 51 4.4 Críticas à homeopatia, mitos e dúvidas frequentes ............................................................... 52 Unidade II 5 O MEDICAMENTO HOMEOPÁTICO ............................................................................................................ 61 5.1 Insumos inertes e excipientes ......................................................................................................... 61 5.1.1 Água purificada ....................................................................................................................................... 62 5.1.2 Álcool etílico ou etanol ........................................................................................................................ 63 5.1.3 Glicerina bidestilada .............................................................................................................................. 65 5.1.4 Lactose ........................................................................................................................................................ 66 5.1.5 Sacarose ...................................................................................................................................................... 66 5.1.6 Glóbulos inertes ....................................................................................................................................... 66 5.1.7 Microglóbulos inertes ........................................................................................................................... 67 5.1.8 Comprimidos inertes ............................................................................................................................. 67 5.1.9 Tabletes inertes ........................................................................................................................................ 68 5.2 Material de acondicionamento e embalagens ......................................................................... 68 5.2.1 Lavagem e esterilização dos recipientes e acessórios .............................................................. 69 5.3 Medicamentos homeopáticos: regras de nomenclatura ...................................................... 70 5.3.1 Siglas dos métodos e escalas de dinamização ............................................................................ 70 5.3.2 Regras de nomenclatura ...................................................................................................................... 71 5.3.3 Sinonímias ................................................................................................................................................. 71 5.3.4 Abreviaturas .............................................................................................................................................. 72 5.3.5 Rotulagem ................................................................................................................................................. 74 5.4 Insumo ativo: origem do medicamento homeopático ......................................................... 75 5.4.1 Drogas do reino vegetal ....................................................................................................................... 76 5.4.2 Drogas do reino animal ........................................................................................................................ 76 5.4.3 Drogas do reino mineral ...................................................................................................................... 77 5.4.4 Outras substâncias ................................................................................................................................. 77 5.5 Medicamento homeopático: definição ....................................................................................... 78 6 FARMACOTÉCNICA HOMEOPÁTICA: PREPARAÇÕES BÁSICAS E PREPARAÇÕES DINAMIZADAS OU DERIVADAS ..................................................................................................................... 78 6.1 Tinturas homeopáticas ou preparações básicas....................................................................... 78 6.1.1 Preparação de tintura-mãe de origem vegetal .......................................................................... 79 6.1.2 Preparação de tintura-mãe de origem animal ........................................................................... 82 6.1.3 Prazo de validade .................................................................................................................................... 82 6.2 Preparações homeopáticas derivadas .......................................................................................... 83 6.2.1 Método de dinamização hahnemanniano ou de frascos múltiplos .................................. 85 6.2.2 Método de dinamização de fluxo contínuo ................................................................................. 92 6.2.3 Método de dinamização korsakoviano .......................................................................................... 95 6.3 Escalas de dinamização ..................................................................................................................... 96 6.4 Formas farmacêuticas de dispensação: uso interno .............................................................. 99 6.4.1 Formas farmacêuticas de uso interno líquidas .........................................................................100 6.4.2 Preparações especiais ..........................................................................................................................106 6.4.3 Formas farmacêuticas de uso interno sólidas ...........................................................................107 6.5 Formas farmacêuticas de dispensação: uso externo ...........................................................113 Unidade III 7 BIOTERÁPICOS ................................................................................................................................................126 7.1 Prescrição dos nosódios ou bioterápicos ..................................................................................128 7.2 Definição ................................................................................................................................................129 7.3 Classificação .........................................................................................................................................129 7.3.1 Bioterápicos de estoque .................................................................................................................... 129 7.3.2 Isoterápicos .............................................................................................................................................131 8 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA ........................................................................................................................1348.1 Boas Práticas de Manipulação em Farmácias .........................................................................135 8.1.1 Estrutura física ...................................................................................................................................... 136 8.1.2 Documentos ........................................................................................................................................... 137 8.1.3 Profissionais ........................................................................................................................................... 137 8.1.4 Mobiliário e equipamentos .............................................................................................................. 138 8.2 Controle de qualidade ......................................................................................................................139 8.2.1 Teste de gotejamento para medicamentos homeopáticos ..................................................141 8.3 Monografias encontradas na FHB 3 ...........................................................................................142 8.4 Atualizações..........................................................................................................................................143 8.4.1 Pesquisa clínica ..................................................................................................................................... 145 9 APRESENTAÇÃO O presente livro-texto oferece informações atualizadas aos acadêmicos de farmácia envolvidos nesta disciplina, aproximando-os ao tema e apresentando alguns conceitos e discussões que lhes possibilitarão construir seus conhecimentos na área, visando suscitar reflexões sobre a atuação do profissional de saúde na prática homeopática. Como futuro profissional, o aluno será capaz de atuar na área farmacêutica com a devida responsabilidade que esta especialização exige, podendo ainda complementar seu aprendizado com as aulas práticas disponibilizadas ao longo da disciplina e buscar aperfeiçoamento em um estágio num ambiente homeopático, viabilizando sua habilitação perante os órgãos competentes. Esta disciplina traz como objetivo principal a apresentação de conceitos importantes à abordagem clínica da homeopatia. Visa ainda preparar o aluno para a avaliação dos procedimentos necessários à promoção e recuperação da saúde e para o atendimento e a adequada orientação ao usuário desta terapêutica e suas particularidades, possibilitando a descoberta de caminhos que suscitem a abordagem da atenção farmacêutica. Além disso, a disciplina propõe-se a capacitar o aluno, através de conhecimentos técnicos e científicos, para executar atividades relacionadas ao preparo de medicamentos homeopáticos e suas atualizações, familiarizando-o com esta farmacotécnica singular e possibilitando-lhe avaliar a prescrição, dispensação, gerenciamento e qualidade dos medicamentos. Ao longo destas páginas, o aluno poderá descobrir um universo diferenciado com temas significativos. Este livro-texto busca trazer à tona aspectos relevantes à tentativa de desmistificar conceitos de que a homeopatia não teria embasamento científico e que estes mais de 200 anos em que ela se destaca seriam apenas uma ilusão da sua eficácia em relação à recuperação da saúde. Bons estudos! INTRODUÇÃO Esta disciplina aborda os conceitos e os princípios básicos da homeopatia em um exercício de prática reflexiva, auxiliando o processo de ensino-aprendizagem e apresentando ao aluno elementos que podem ajudá-lo a diferenciar as diversas abordagens do profissional clínico. Este livro-texto dá condições ao futuro profissional de entender amplamente a arte farmacêutica e suas diversas abordagens clínicas, permitindo um diálogo sempre que necessário com o prescritor e garantindo a manipulação correta da sua prescrição. Na Unidade I destacam-se as exigências legais para a assunção da responsabilidade técnica no setor homeopático e as diversas áreas de atuação do profissional, com a construção de conceitos dessa terapêutica. 10 Para você poder compreender como surgiram os fundamentos da homeopatia, são trazidos conceitos importantes sobre a história da medicina e os tipos de terapêutica adotados, mostrando diferenças nas práticas para uma melhor compreensão dos princípios homeopáticos, como também da ação de seus medicamentos. Ainda nessa unidade são descritas as diversas escolas homeopáticas, destacando diferenças nas prescrições, suas vantagens e dificuldades no tratamento. Destacam-se ainda a importância da força vital, que nos mantém vivos, e a classificação das doenças na visão de Hahnemann, fundador da homeopatia, que revolucionou a abordagem clínica dos enfermos e, através de suas observações, conseguiu deixar um legado que se mostra eficaz no cuidado de indivíduos que procuram um tratamento diferenciado. Tão relevante é sua terapêutica que hoje a homeopatia está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) através da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Na Unidade II busca-se exemplificar aos estudantes o cotidiano do profissional na farmácia homeopática, apresentando a farmacotécnica desde a origem dos princípios ativos, assim como os insumos inertes e excipientes utilizados na manipulação dos medicamentos homeopáticos. Por ser uma técnica diferenciada, destacam-se conceitos importantes dos métodos e escalas de dinamização, mostrando detalhadamente como desenvolver toda a produção das matrizes nas escalas decimal, centesimal e cinquenta milesimal. Nessa unidade se demonstra a rotina do laboratório homeopático, com a descrição das dispensações de seus medicamentos de uso interno e também externo. A Unidade III continua a desenvolver conceitos da manipulação dos bioterápicos, isoterápicos e autoisoterápicos. Além disso, são abordadas as boas práticas da manipulação homeopática, com destaque ao controle de qualidade. No final deste livro-texto é apresentado ainda um levantamento dos medicamentos oficinais baseado no Formulário homeopático, o qual garante seu uso racional e pode favorecer a prescrição farmacêutica, assim como a disponibilidade destes produtos no SUS através das Práticas Integrativas e Complementares, que disponibilizam este atendimento aos seus usuários (Apêndice 1). São indicados ainda sites interessantes, inclusive para a pesquisa clínica, o que possibilita complementar temas relevantes (Apêndice 2), e são relacionadas as legislações que envolvem esta prática terapêutica (Apêndice 3). Por fim, para facilitar a compreensão do conteúdo, é disponibilizado ainda um glossário (Apêndice 4) no qual se buscou definir algumas palavras e alguns termos técnicos específicos da homeopatia. Enfim, esperamos que você possa deixar de lado algum preconceito que porventura tiver e aproveitar o passeio que este livro-texto proporciona. Bom estudo! 11 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Unidade I 1 A HOMEOPATIA 1.1 A farmácia na homeopatia Diferentemente de outros países, que apenas dispensam medicamentos homeopáticos industrializados, a farmácia homeopática no Brasil é um estabelecimento que dispensa e principalmente manipula esse tipo de fármaco, podendo ainda manipular e comercializar artigos de outras especialidades, bastando para isso ter as áreas adequadas que possibilitem a atuação farmacêutica em sua amplitude. Por volta das décadas de 1970 e 1980, a farmácia homeopática voltou a ser reconhecida no mercado devido ao grande número de profissionais prescritores da época, junto com o surgimento de instituições e associações da área. É neste contexto, com esta retomada, que a homeopatia passa a ser reconhecida como especialidade médica e surge a Associação Brasileira de Farmacêuticos Homeopatas (ABFH), que desenvolve um trabalho de intensificação de pesquisas para garantir uma padronização e melhoria na qualidade dos produtos homeopáticos, sempre mantendo um diálogo com a categoria de classee também com as associações médicas para garantir um elo entre farmacêutico, medicamento e médico. 1.1.1 Responsabilidade técnica do farmacêutico São diversos os campos de atuação para o profissional farmacêutico na homeopatia. Entre eles, temos a indústria, a farmácia de manipulação, o ensino, a pesquisa, o serviço público, a assistência e atenção farmacêutica e a prescrição. Segundo a legislação, para o farmacêutico assumir a Responsabilidade Técnica (RT) é necessário comprovar seu conhecimento na área – com exceção dos profissionais que já exerciam esta atividade antes da publicação da Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) n. 319/1997 (CFF, 1997). Atualmente, está em vigor a Resolução CFF n. 576/2013, que “dá nova redação ao artigo 1º da Resolução CFF n. 440/2005, que dispõe sobre as prerrogativas para o exercício da responsabilidade técnica em homeopatia” (CFF, 2013a). Com essa atualização, a Resolução CFF n. 440/2005 (CFF, 2005) passa a determinar que, para assumir a RT na área, o profissional deverá se enquadrar em três possibilidades: • ter cursado a disciplina de homeopatia com carga horária mínima de 60 horas-aula no curso de graduação em Farmácia, além de ter realizado estágio obrigatório em homeopatia de 120 horas; 12 Unidade I • ter concluído curso de pós-graduação ou curso livre reconhecidos pelo Ministério da Educação e/ou CFF ou possuir título de especialista reconhecido pelo CFF; • comprovar o efetivo exercício da RT antes da publicação da Resolução CFF n. 319/1997, por direito adquirido. No momento de entregar os documentos para registro no Conselho Regional de Farmácia (CRF) ou seu houver interesse na área durante sua graduação, verifique os critérios exigidos de acordo com a data de ingresso na graduação nos sites dos CRFs. 1.2 Áreas de atuação do farmacêutico homeopata São diversas as áreas em que este profissional pode atuar. Entre elas temos a farmácia de manipulação, a indústria, a farmácia clínica, o ensino e pesquisa, além do serviço público e da assistência e atenção farmacêutica. Grande número de farmácias tem hoje, graças à regulamentação das Boas Práticas de Manipulação em Farmácias (BPMF), laboratório também de manipulação homeopática, possibilitando assim a elaboração desse tipo de medicamento, o que abre um mercado promissor. Segundo a legislação, o profissional que se dedica a essa atividade deverá ter pleno conhecimento da farmacotécnica homeopática, definida pela edição em vigor da Farmacopeia homeopática brasileira (FHB), assim como das publicações reconhecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disto, as atribuições e deveres do farmacêutico na homeopatia estão dispostos na Resolução CFF n. 635/2016 (CFF, 2016). O profissional deve seguir ainda a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa n. 67/2007 (ANVISA, 2007c) e a RDC n. 87/2008 (ANVISA, 2008), que ditam as BPMF, e a RDC n. 44/2009 (ANVISA, 2009), que dispõe sobre as Boas Práticas Farmacêuticas. Este profissional poderá atuar em diversas áreas, como no laboratório de manipulação, na garantia de qualidade, na prescrição, na dispensação e na atenção farmacêutica, podendo auxiliar diversos clientes em consulta. O artigo 3º da Lei n. 13.021/2014 estabelece que a farmácia é uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, na qual se processe a manipulação e/ou dispensação de medicamentos magistrais, oficinais, farmacopeicos ou industrializados, cosméticos, insumos farmacêuticos, produtos farmacêuticos e correlatos (BRASIL, 2014). A lei respalda a atuação clínica desse profissional na provisão de diferentes serviços e procedimentos. Assim, cabe ao farmacêutico homeopata fundamentar e implantar todas estas ações (BRASIL, 2014). 13 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Saiba mais Para saber mais sobre as atribuições e deveres desse profissional, acesse: CFF. Resolução n. 635, de 14 de dezembro de 2016. Brasília, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3xAx1sB. Acesso em: 16 jun. 2022. Outra área de atuação deste profissional é na indústria homeopática, onde são fabricados insumos farmacêuticos dinamizados, conhecidos como matrizes homeopáticas, e as tinturas-mãe (TM), que são matérias-primas essenciais para as farmácias de manipulação, além de produtos oficinais e medicamentos homeopáticos industrializados para comercialização em farmácias e drogarias. Assim como na manipulação, o funcionamento da indústria depende do Responsável Técnico habilitado em homeopatia de acordo com a legislação em vigor. Além disso, o farmacêutico homeopata pode atuar na gestão da produção, na garantia e controle de qualidade e na elaboração de relatórios técnicos na indústria homeopática tanto para uso humano quanto veterinário. A cartilha Homeopatia, publicada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), esclarece que, de acordo com a RDC Anvisa n. 238/2018, existem os medicamentos homeopáticos de componente único, passíveis de notificação ou de registro, e os medicamentos dinamizados compostos, que são medicamentos passíveis de registro. Somente os medicamentos dinamizados de um único insumo ativo isentos de prescrição […] são passíveis de notificação. Todo medicamento homeopático industrializado deve ser preparado a partir de insumos ativos, em quaisquer potências, com base nos fundamentos da homeopatia, cujos métodos de preparação e controle estejam descritos na edição em vigor da Farmacopeia Homeopática Brasileira, outras farmacopeias homeopáticas ou compêndios oficiais reconhecidos pela Anvisa, com comprovada ação terapêutica descrita nas matérias médicas homeopáticas ou nos compêndios homeopáticos oficiais reconhecidos pela Anvisa, estudos clínicos ou revistas científicas (CRF-SP, 2019, p. 32). 14 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre o registro e a notificação de medicamentos dinamizados industrializados, leia: ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada n. 238, de 25 de julho de 2018. Brasília, 2018d. Disponível em: https://bit.ly/3xzg55F. Acesso em: 16 jun. 2022. Já na farmácia clínica, de acordo com a Resolução CFF n. 585/2013 (CFF, 2013b), as atribuições clínicas do farmacêutico, incluindo o homeopata, abrangem o cuidado ao paciente de forma a promover o uso racional de medicamentos e otimizar a farmacoterapia, com o propósito de alcançar resultados que melhorem a qualidade de vida do doente. Muitas vezes, no dia a dia da farmácia, somos procurados para o atendimento farmacêutico com a solicitação de um medicamento, geralmente para casos como febre, dor de garganta, alergia, tosse etc. Este atendimento é legítimo, pois, como farmacêuticos homeopatas, temos o conhecimento adequado para intervir num quadro agudo, auxiliando na cura de doenças leves e prevenindo o desenvolvimento de enfermidades graves, levando sempre em conta a Lei dos Semelhantes e considerando os sintomas apresentados para procurar e indicar o medicamento mais apropriado para cada caso. Observação Não temos um medicamento único para determinado quadro gripal, mas devemos considerar todos os sintomas que o indivíduo apresenta para escolhermos a solução mais adequada, dentro da concepção do tratamento pelo semelhante. Como a maior parte das faculdades de Farmácia disponibiliza a disciplina de Farmácia ou Farmacotécnica Homeopática, o ensino é mais uma possibilidade para o futuro profissional, considerando as diversas peculiaridades tanto na terapêutica quanto na farmacotécnica. Também diversas pesquisas são realizadas nas instituições homeopáticas e nas universidades, muitas vezes tendo o farmacêutico inserido nas equipes multiprofissionais necessárias para este desenvolvimento. Com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), a homeopatia passou a fazer parte dos serviços públicos disponibilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), portanto exigindo também a presençado farmacêutico homeopata para garantir a manipulação dos medicamentos ofertados e sua adequada aquisição e dispensação. 15 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Na assistência e atenção farmacêutica, esse profissional é um elo entre a farmácia, o prescritor e o cliente. É ele que, em caso de dúvidas na prescrição, deverá contatar o prescritor para resolvê-las. Em diversas situações, o cliente acaba questionando o farmacêutico sobre a finalidade dos medicamentos prescritos, pois ele fica intimidado de perguntar ao seu prescritor. Portanto, esse profissional deve também conhecer a filosofia homeopática, suas escolas e as diversas patogenesias dos medicamentos inseridas nas matérias médicas homeopáticas. O profissional deve ainda ser capaz de orientar o usuário a utilizar corretamente os medicamentos, pois estes apresentam particularidades que devem ser respeitadas para permitir sua melhor ação e eficácia no tratamento. Como os medicamentos homeopáticos são muito sensíveis, essa orientação abrange alguns cuidados como: mantê-los longe de aparelhos eletrodomésticos que emitam radiações (TVs, computadores, fornos de micro-ondas, celulares); distantes de odores fortes, como perfumes, produtos de limpeza e medicamentos canforados; afastados de calor e umidade; não utilizar cânfora ou mentol; administrar a dose sempre longe das refeições etc. Em viagens de avião, por exemplo, é preciso protegê-los dos raios X. Para isso hoje temos embalagens apropriadas que conseguem impedir a passagem das radiações (figura 1). Figura 1 – Invólucros e estojos para proteger medicamentos homeopáticos, florais, antroposóficos, fisioquânticos e fitoterápicos contra radiações não ionizantes Disponível em: https://bit.ly/3b51LtW. Acesso em: 10 fev. 2022. 2 HISTÓRIA DA MEDICINA HOMEOPÁTICA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 2.1 Homeopatia: história e tipos de terapêutica Hipócrates, representante do pensamento médico e considerado o pai da medicina, redescobriu na Grécia Antiga os princípios da analogia e da semelhança já existentes desde a civilização babilônica. A medicina deixou de ser uma religião ou magia e o estudo do homem tornou-se verdadeiramente seu objetivo, sendo a atividade médica apoiada no conhecimento experimental. A tradição hipocrática tinha como base o poder curativo da natureza – vis medicatrix naturae –, sendo que a unidade do homem é uma unidade vital, clínica e terapêutica. Ele entendia a doença como perturbação do equilíbrio que mantinha o ser humano em perfeita harmonia consigo e com a natureza. 16 Unidade I O conceito de unidade vital afirmava que o homem doente não deveria ser separado de seu meio, tampouco a doença corresponderia apenas a sinais e sintomas de um único órgão doente que deveriam ser curados isoladamente, mas devia ser interpretada considerando o quadro particular de cada indivíduo. Para Hipócrates, os sintomas são reações do organismo à enfermidade, e a homeopatia se alicerça na questão difundida de que “a doença é produzida pelos semelhantes e através dos semelhantes o paciente retorna à saúde” (FONTES et al., 2018, p. 1). Esse conceito se concretiza num dos fundamentos da homeopatia, a Lei dos Semelhantes – similia similibus curentur, ou seja, o semelhante será curado pelo semelhante –, que indica que “toda substância capaz de provocar determinados sintomas em um indivíduo sadio é capaz de curar, desde que em doses adequadas, um doente que apresente sintomas semelhantes” (FONTES et al., 2018, p. 9). O processo especial de preparação que permite curar a pessoa doente com a mesma substância capaz de provocar determinadas alterações (sintomas) em uma pessoa sadia é a manipulação homeopática, que você poderá estudar mais detalhadamente na Unidade II. Saiba mais O filme O físico, baseado no livro de Noah Gordon (1998), retrata a medicina do século XI, descrevendo o empirismo da medicina, o envolvimento da religião e o desconhecimento do corpo humano: O FÍSICO. Direção: Philipp Stölzl. Alemanha: UFA Fiction, 2013. 155 min. Lembrete O Ministério da Saúde define bem os fundamentos da homeopatia, entre eles a Lei dos Semelhantes, nas Práticas Integrativas e Complementares: “A Lei dos Semelhantes (similia similibus curentur) diz: que as substâncias existentes na natureza (de origem vegetal, mineral e animal) têm a potencialidade de curar os mesmos sintomas que são capazes de produzir, ou seja, se uma pessoa ingerir doses tóxicas de uma determinada substância, irá apresentar alguns sintomas. Se, por outro lado, dermos esta mesma substância, preparada homeopaticamente, obteremos como resultado a melhora destes sintomas” (BRASIL, [s.d.]). Após a morte de Hipócrates (377 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), também médico, estabeleceu uma doutrina geral fixa e fechada, em que cada ramo do saber tem seu lugar. Galeno (129-201 d.C.) limitou similarmente a medicina ao sistema aristotélico, mas espalhou os ensinamentos hipocráticos pelo mundo médico. Estes conceitos perduraram até a Renascença, quando surgiu Paracelso (1493-1541), precursor da 17 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA homeopatia, que preferiu retornar aos princípios hipocráticos e introduziu a análise química e física na prática médica. Dois séculos depois nasceu Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755-1843). Filho de artesãos, Hahnemann observava seu pai, pintor e mercador de porcelana, no preparo das tintas, o que lhe proporcionou um contato com a química, e, como o acompanhava, foi desenvolvendo o conhecimento de vários idiomas. Como plebeu, não podia frequentar a biblioteca da escola, no entanto, pelo seu desempenho, recebeu ajuda dos professores, intensificando seus estudos em diversas áreas. Em 1775, foi para Leipzig estudar medicina, dedicando-se, para seu sustento, a aulas particulares de línguas estrangeiras e traduções de obras científicas para o alemão. Sempre se destacando no meio acadêmico, recebeu o grau de doutor em Medicina na Universidade de Erlangen, Alemanha, e seu tratado Matéria médica, que versava sobre as propriedades medicinais das drogas, tornou-se o manual oficial da época, além de ter sistematizado a farmacopeia alemã (FONTES et al., 2018). Hahnemann, já como médico ortodoxo, insatisfeito com as práticas existentes, teceu várias críticas à medicina da época – que se apoiava, basicamente, em sangrias, fórmulas e medicamentos tóxicos para o tratamento das doenças – e, desiludido, abandonou a profissão. Para sobreviver, voltou a trabalhar como tradutor científico e traduziu, em 1790, a Matéria médica de Cullen, observando o estudo que este fazia da casca da Cinchona officinalis, a quinina, já utilizada na época para o tratamento da malária. Intrigado, resolveu experimentar sua ação nele mesmo. Tomou várias doses fortes de quinina e logo sentiu os sintomas de um estado febril semelhante às febres intermitentes que são curadas pelo uso desta substância. Portanto, Hahnemann redescobriu a antiga Lei da Semelhança de Hipócrates. Saiba mais O vídeo a seguir apresenta um breve resumo da vida de Hahnemann e seu método terapêutico: HAHNEMANN e a história da homeopatia. 7 fev. 2012. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal fbhomeopatia. Disponível em: https://bit.ly/3HtMIpL. Acesso em: 16 jun. 2022. Hahnemann passou então a experimentar várias drogas em homens sadios, mas surgia um problema: como testar as drogas tóxicas? Para isso, ele contava com relatos de casos acidentais e estudos da farmacologia tradicional. Visando poder dar sequência aos seus experimentos, passou a aplicar o processo de diluições seriadas, que permitiriam testar drogas tóxicas e venenos, e em 1796 criou a homeopatia, tendo como fundamentos a Lei da Semelhança, a experimentação no homem são e doses mínimas, também conhecidas como infinitesimais. Por volta de 1805, sua vida começou a melhorar e conseguiu se dedicar aos seus escritos. O mais importante deles foi o ensaio A medicina da experiência, precursor de seu trabalho teórico Organon da arte de curar, livro que traz toda afilosofia e farmacotécnica homeopática, sendo o material de cabeceira 18 Unidade I ou a bíblia homeopática de quem se dedica a esta arte terapêutica. Outros escritos importantes foram a Matéria médica pura e As doenças crônicas, em que lista uma série de medicamentos completamente novos para curar tais enfermidades. Hahnemann obteve muito sucesso nesta sua abordagem, angariando seguidores e discípulos e espalhando a homeopatia por todos os continentes. No entanto, uma nova terapêutica sempre traz também muitos inimigos, principalmente devido aos ataques de Hahnemann à escola médica tradicional e também aos boticários, pois ele fazia seus próprios medicamentos e aconselhava também todos os seus discípulos a fazê-lo. Sua vida na Alemanha foi sempre muito difícil. Em 1834, já viúvo, Hahnemann conheceu Marie Melanie d’Hervilly, jovem francesa que o procurou para tratar da saúde. Acabaram se casando e se mudando para Paris, onde a homeopatia já estava estabelecida e o médico foi recebido de braços abertos. Foi então que conquistou todo o reconhecimento e sucesso de sua carreira, e nesta época escreveu a sexta e última edição do Organon. Saiba mais Se você deseja praticar ou tem curiosidade por esta arte terapêutica, leia Organon da arte de curar, obra mais importante de Hahnemann que traz toda a sua filosofia, a farmacotécnica homeopática, e como olhar para o indivíduo: HAHNEMANN, S. Organon da arte de curar. 6. ed. São Paulo: Robe, 1996. 2.1.1 Homeopatia no Brasil A homeopatia foi introduzida oficialmente no Brasil em 1840 pelo médico francês Benoît Jules Mure, que trouxe da Europa o conhecimento, as substâncias e tinturas utilizadas nessa prática e começou a divulgar sua doutrina através de cursos. Por volta de 1851, separou-se a prática médica da prática farmacêutica, mas somente com o Decreto n. 9.554/1886 (BRASIL, 1886) surgiu o direito de apenas os farmacêuticos manipularem medicamentos homeopáticos. A partir da década de 1930, a homeopatia gradativamente perdeu força e importância no Brasil, sem, no entanto, desaparecer. O Decreto n. 57.477/1965 (BRASIL, 1965) regulamentou a manipulação, o receituário, a industrialização e venda de produtos utilizados em homeopatia, a qual ressurgiu para começar a se destacar no meio médico na década de 1970. A Lei n. 5.991/1973 (BRASIL, 1973), que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, correlatos e insumos farmacêuticos, incluiu a farmácia homeopática na legislação, enquanto a Lei n. 6.360/1976 (BRASIL, 1976) incluiu os medicamentos homeopáticos no sistema de Vigilância Sanitária. 19 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Surge em 1976 a primeira edição da FHB, com destaque para Helena Minin, farmacêutica e médica homeopata. Em 1980, a homeopatia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade médica, e nessa mesma década a Resolução CFF n. 176/1986 (CFF, 1986) ratificou a farmácia homeopática como privativa da profissão farmacêutica. Nesse período, as farmácias podiam usar como referência as farmacopeias alemã, francesa, brasileira e outras literaturas oficiais, o que levava a uma não padronização da técnica utilizada. Foi então aprovada no Congresso Brasileiro de Homeopatia, realizado em Gramado/RS em 1988, uma moção que culminou com a publicação pela ABFH do Manual de normas técnicas para farmácia homeopática em 1992. Hoje estamos já com a quinta edição deste manual, trabalho árduo e fruto da união de farmacêuticos homeopatas de todo o Brasil que realizam pesquisas e buscam sempre melhorar a padronização e atualizar as técnicas utilizadas. A) B) Farmacopeia Homeopática Brasileira 3a edição 2011 Figura 2 – Imagens ilustrativas do A) Manual de normas técnicas para farmácia homeopática e B) Farmacopeia homeopática brasileira Fonte: A) ABFH (2019); B) Brasil (2011). Em 1992 o CFF regulamentou a RT em farmácia homeopática pela primeira vez. Em 1997 surgiu a segunda edição da FHB (BRASIL, 1997), muito criticada, pois normatizava técnicas divergentes daquilo que o Manual da ABFH (1995) desenvolveu. Apenas em 2011 surgiu a terceira edição da Farmacopeia homeopática brasileira (FHB 3), aprovada pela Anvisa e finalmente aceita pelas farmácias como dentro da padronização. Dois anos depois foi publicada a Resolução CFF n. 585/2013, que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico, e a Resolução CFF n. 586/2013 (CFF, 2013c), que regula a prescrição farmacêutica. 20 Unidade I De terapia “alternativa”, a homeopatia se desenvolveu científica e politicamente neste início do século XXI para a posição de Prática Complementar, avalizada pelas políticas de saúde do governo brasileiro quando o Ministério da Saúde publicou a PNPIC (figura 3) no SUS, em 2006. Segundo essa política, as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) compreendem um universo de abordagens de medicina tradicional e complementar/alternativa estabelecido pela Organização Mundial da Saúde. Atualmente, o SUS oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos de PICs à população. Os atendimentos começam na atenção básica, principal acesso ao SUS. Figura 3 – PNPIC Fonte: Brasil (2015). A homeopatia faz parte das chamadas PICs, sendo uma abordagem terapêutica de caráter holístico e vitalista que vê a pessoa como um todo, não em partes, e cujo método terapêutico envolve três princípios fundamentais: a Lei dos Semelhantes; a experimentação no homem sadio; e o uso da ultradiluição de medicamentos. Envolve tratamentos com base em sintomas específicos de cada indivíduo e utiliza substâncias altamente diluídas que buscam desencadear o sistema de cura natural do corpo (PICs, 2020). 21 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Observação Os medicamentos homeopáticos da FHB estão incluídos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Saiba mais Para conhecer as PICs, acesse o portal do Ministério da Saúde: PRÁTICAS Integrativas e Complementares (PICs). Ministério da Saúde, Brasília, 20 nov. 2020. Disponível em: https://bit.ly/39B9ob7. Acesso em: 16 jun. 2022. 2.1.2 Tipos de terapêutica Para entendermos a ação dos medicamentos alopáticos, devemos entender a medicina convencional, conhecida como medicina alopática, que tem como princípio a cura pelo contrário, ou seja, o medicamento indicado para tratamento funciona com um efeito oposto aos sintomas sentidos pelo paciente. O termo alopatia vem do grego allos (contrário, diferente) e pathos (sofrimento, doença), e essa terapêutica se baseia no princípio Contraria contrarius curantur Antibióticos ou antiparasitários são exemplos dela. Dentro deste conceito temos ainda o termo enantiopatia, que também trata a doença pelo contrário: enantios significa contrário, oposto, e alguns de seus exemplos são antitérmicos, antiácidos e analgésicos. Muitas vezes, essa terapêutica acaba sendo paliativa, pois não trata o desequilíbrio, somente alivia o sintoma, que pode voltar a aparecer quando passa o efeito do medicamento. Exemplo de aplicação No caso de um paciente com febre acima de 38 °C, a alopatia usaria um antitérmico para diminuir a temperatura corporal, ou seja, agiria de forma contrária ao sintoma. Um paciente com acidez estomacal poderia fazer uso de um antiácido para minimizar este problema. Em nenhum desses casos se investigou o que estava levando à febre ou provocando a acidez. Reflita sobre isso, sobretudo levando em consideração que, em muitas ocasiões, ao passar o efeito do medicamento, o problema pode voltar. 22 Unidade I Por sua vez, a homeopatia trabalha de maneira diferente. Emprega-se a Lei da Semelhança ou similitude, segundo a qual, como já vimos, para tratar a enfermidade, deve-se procurar a substância que no homem sadio causa sintomas semelhantes aos sintomas do enfermo. Lembrete Homeopatia vem do grego homoios (semelhante) e se baseia no princípio similia similibus curentur. Exemplo clássico deste conceito é o uso do café. Quem gosta desta bebida sabe como nos auxilia a acordar diariamente,pois atua como estimulante, e na homeopatia, pela similitude, poderá ser administrado, entre outras coisas, para o tratamento da insônia. Veremos na seção 2.3 a ação dos medicamentos homeopáticos, relacionando a ação primária e reação secundária das substâncias. Outro tipo de terapêutica é a isopatia, cujo método trata a doença com o mesmo princípio contagioso que a produziu. Iso significa igual, mesmo. Um exemplo para elucidar esta terapêutica é o uso de alérgenos, cuja aplicação irá dessensibilizar o indivíduo. No caso, a missão do clínico homeopata é prescrever substâncias que, quando utilizadas em pessoas sadias, produzam sintomas análogos aos da doença a ser combatida. Essas substâncias são transformadas em medicamentos homeopáticos através de um processo denominado dinamização, que permite diminuir os efeitos tóxicos da substância original e aumentar seu poder curativo. Exemplo de aplicação Temos um medicamento homeopático feito de uma abelha, o Apis mellifica. Se um indivíduo apresenta um processo alérgico por picada desse inseto, com dor, coceira, rubor, inchaço etc., poderá utilizar este medicamento dinamizado para combater esta reação. Desta maneira, ele é utilizado segundo a isopatia. No entanto, Apis mellifica é um medicamento com muitas outras ações. Portanto, se um paciente apresentar dores intensas, similares a ferroadas, com inchaço etc., mas nem mesmo chegou perto de uma abelha, este medicamento será prescrito segundo a Lei da Semelhança. 2.2 Princípios ou fundamentos da homeopatia 2.2.1 Lei dos Semelhantes (Similia similibus curentur) Fontes et al. afirmam que: Qualquer substância capaz de provocar em um homem sadio, porém sensível, determinados sintomas é capaz de curar, desde que em doses adequadas, um homem que apresente um quadro mórbido semelhante, com exceção das lesões irreversíveis (2018, p. 9). 23 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Segundo Kossak-Romanach (1984, p. 28), Hipócrates escreve que “a doença é produzida pelos semelhantes e, através dos semelhantes, o paciente retorna à saúde”. No entanto, coube a Hahnemann não somente fundamentar a Lei dos Semelhantes como método de tratamento sob o nome de homeopatia, mas também estabelecer a prioridade do método experimental, realizar o estudo clínico do efeito secundário das drogas, descobrir o poder dinâmico das doses infinitesimais, entre outros insights. Fontes et al. (2018, p. 9) apresentam um exemplo prático do primeiro fundamento da homeopatia: sintomas de um indivíduo com úlcera gástrica: hemorragia frequente, eventuais diarreias explosivas, gosto amargo na boca, sensação de sufocamento com falta de ar à noite, grande inquietude de espírito, ansiedade e muito medo da morte, diminuição de memória, além de queimação no estômago que acalma com o calor e piora com o frio. Esses sintomas são semelhantes aos da ingestão de arsênico e, com isso, sugerem ao médico doses mínimas de Arsenicum album. Portanto, é necessário saber o que cada substância provoca em indivíduos sadios, para poder indicá-las no momento adequado de acordo com a Lei da Semelhança. Isso nos leva ao segundo princípio da homeopatia, que é a experimentação no homem são, também conhecida como experimentação patogenética. Saiba mais Para entender melhor o modelo homeopático, Marcus Zulian Teixeira busca no livro a seguir fundamentar o princípio da similitude: TEIXEIRA, M. Z. Semelhante cura semelhante: o princípio de cura homeopático fundamentado pela racionalidade médica e científica. São Paulo: Petrus, 1998. 2.2.2 Experimentação no homem são De 1790 a 1796, Hahnemann experimenta numerosas substâncias, sempre em indivíduos sadios e dentro de normas protocolares preestabelecida. Kossak-Romanach (1984, p. 31) conta que Hahnemann escreveu um artigo para o Jornal de Medicina Prática em 1796 intitulado “Um novo princípio sobre as propriedades curativas de substâncias medicamentosas, com algumas considerações sobre os métodos precedentes”, no qual expõe seus resultados e afirma que uma doença pode ser curada por medicamentos que provocam sintomas semelhantes. Hahnemann experimenta em si próprio cerca de cinquenta substâncias, catalogando o poder farmacodinâmico (e curativo) de cada uma. 24 Unidade I A experimentação no homem são é o procedimento de testar substâncias medicinais em indivíduos sadios para elucidar os sintomas e perturbações causados pelos medicamentos e que irão refletir sua ação. Essa experimentação torna possível o correto conhecimento do poder farmacodinâmico de cada droga como único artifício para evidenciar o menor desvio da força vital ou do mecanismo da homeostase diante de um estímulo perturbador. Esses sintomas são chamados patogenéticos Para que o organismo os produza, é necessário que a dosagem seja suficiente para promover seu desequilíbrio. As drogas são testadas nas doses tóxicas, hipotóxicas e dinamizadas para poder revelar todos os seus sintomas. Sendo a substância experimentada um estímulo transitório, os seus efeitos se extinguem sem deixar sequelas. Surge o conceito de patogenesia, que é o conjunto de manifestações de sintomas objetivos (físicos) e subjetivos (emocionais e mentais) que um organismo sadio apresenta ao experimentar determinada substância medicinal. Os sintomas patogenéticos ou patogenesias obtidos pela experimentação no homem sadio são reunidos em compêndios conhecidos como matéria médica homeopática. Observação Experimento no homem são = sinais e sintomas = patogenesia ↓ Várias patogenesias = matéria médica homeopática 2.2.3 Doses mínimas Segundo Kossak-Romanach (1984), Hahnemann adotou a aplicação clínica das drogas em doses reduzidas, subtóxicas, embora em nível ponderável, sobrevindo curas sempre que a correlação de semelhança era obedecida. Como a princípio os indivíduos frequentemente apresentavam agravamento inicial, atribuído à soma da doença já existente com aquela artificial induzida pelo simillimum – somatório dos efeitos do medicamento com a doença (figura 4) –, foi através da experimentação que se chegou à dose mínima, pois, para testar substâncias tóxicas e venenos, Hahnemann utilizou medicamentos diluídos no intuito de contornar os inconvenientes. Doença natural + Doença artificial semelhante _______________________________ Piora inicial Figura 4 – Agravação dos sintomas 25 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Inicialmente, Hahnemann acreditava que esta técnica de diluição pudesse diminuir o efeito terapêutico da droga. No entanto, surpreendeu-se ao constatar que as diluições não apenas conservavam, mas também adquiriam maior potencial curativo. Hahnemann criou então um método de diluições que pudesse ser copiado e usado por outras pessoas, elaborando a escala de diluição centesimal (1:99), sendo que a cada diluição sucussionava o frasco para melhor homogeneizar o conteúdo. Observação A dinamização é a soma da diluição e energização, sendo utilizada a escala de diluição centesimal (1:100, que contém 1 parte do insumo ativo + 99 partes do insumo inerte) e a energização correspondendo a agitações violentas ou sucussões. A diluição somada às sucussões promove uma diminuição da concentração química e um aumento da ação dinâmica, que estimula a reação do organismo na direção da cura. Os termos diluição, potência e dinamização passaram a ser empregados sob o ponto de vista prático. Na homeopatia, não se admite uma diluição que não esteja complementada pelas sucussões. A descoberta do poder farmacodinâmico das doses mínimas tornou as doses ponderáveis desnecessárias, obsoletas e contraindicadas, sendo que, segundo Kossak-Romanach (1984), dose mínima passou a representar um dos fundamentos do novo método, o mais polêmico até a atualidade. 2.2.4 Remédio único Na experimentação patogenética, testa-se apenas uma droga por vez. Portanto, são administrados os medicamentos isoladamente, evitando interações ou mesmo antídotos entre as diferentes substâncias. O médico homeopata procura individualizar os sintomasdo paciente para encontrar o seu simillimum, cobrindo a totalidade dos sintomas de um homem doente, ou seja, aquele medicamento cuja patogenesia melhor coincidir com os sintomas do doente. Trata-se da escola unicista. Assim, cada indivíduo terá seu medicamento próprio de fundo ou constitucional, que servirá para tratar suas queixas, ou melhor, o desequilíbrio de sua energia vital. O simillimum capaz de curar o portador de determinada doença será qualquer uma das substâncias homeopáticas, desde que os sintomas coincidam, estando esta droga na dependência exclusiva das características pessoais do doente. 26 Unidade I Lei da Semelhança Experimentação no homem são Doses mínimas (remédio único) Figura 5 – Fundamentos da homeopatia Observação O Arsenicum album, no indivíduo são, causa queimação, diarreia, ansiedade noturna, gripe com irritação próxima ao nariz por conta da secreção mais ácida. O indivíduo enfermo com estes sintomas pode tomar esta substância para tratá-los. 2.3 Ação do medicamento homeopático O medicamento homeopático é como uma chave, um conversor. Se o indivíduo está doente, utilizar o medicamento semelhante à sua enfermidade leva à cura; se ele está com saúde, tomar o medicamento leva à enfermidade – patogenesia ou enfermidade artificial (figura 6). Indivíduo são Doença artificial Medicamento Saúde Indivíduo enfermo Figura 6 – Ação do medicamento homeopático: binômio saúde-doença Existem várias teorias sobre o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos, mas até hoje nada foi totalmente comprovado. Segundo Kossak-Romanach (2003), o modo como a droga age está descrito na introdução da primeira edição do Organon em português, onde Licínio Cardoso faz uma representação esquemática explicativa da ação do medicamento homeopático. No início, o organismo recebe a influência da ação morbífica e reage, mas sem muita eficiência, desencadeando a doença. Com a introdução do medicamento semelhante ao quadro do enfermo, que agirá paralelamente à moléstia, o organismo reagirá mais fortemente à doença e ao medicamento. Como as reações contrárias 27 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA à droga são semelhantes às reações contrárias à moléstia, quando o medicamento for eliminado, a soma das duas reações do organismo atuará sobre a ação morbífica (figura 7). Ação morbífica Ação morbífica + medicamento Organismo reage, mas sem eficiência Reação maior do organismo Saúde Indivíduo são + medicamento (causa morbífica artificial) Indivíduo são + causa morbífica natural sintomas da enfermidade = sintomas do medicamento então Se = = Enfermidade artificial Indivíduo enfermo Enfermo + remédio = cura Figura 7 – Gráfico do mecanismo do simillimum Adaptada de: Kossak-Romanach (2003). Hahnemann (1996 apud KOSSAK-ROMANACH, 2003, p. 58) esclarece: Portanto, o que ocorre é que o medicamento estimula o organismo a reagir contra ele mesmo e ao estado morbífico. Com sua eliminação, a resposta de ataque ao estado morbífico torna-se muito maior, conseguindo devolver ao indivíduo sua saúde. A espécie de ação do medicamento é dinâmica, e não física ou química. O medicamento age por dinamismo, e não por sua massa. 2.3.1 Ação primária e efeito secundário no Organon Segundo Hahnemann (1996), todo medicamento capaz de atuar sobre a vida desarmoniza mais ou menos a força vital, produzindo alterações que se devem principalmente ao agente causal e que representam a ação primária. A esta atuação, a força vital, na condição de atividade automática responsável pela conservação do equilíbrio orgânico, desenvolve e opõe resistência – reação ou efeito secundário –, clinicamente traduzida por sintomas. Durante a ação primária, o organismo e sua força vital se comportam de modo passivo ou receptivo, para depois desenvolverem estado oposto à atuação nociva através da reação secundária. Eventualmente, o organismo extingue as alterações imprimidas pelo agente externo e volta ao estado normal primitivo, sem chegar a evidenciar sintomas (HAHNEMANN, 1996). 28 Unidade I Efeito primário é a modificação de maior ou menor duração provocada por toda substância na saúde do indivíduo. Efeito secundário ou reação secundária é a resposta do próprio organismo ao estímulo que o altera. Fontes et al. (2018, p. 35) complementam: A partir da absorção da droga, o efeito primário é imediatamente sentido. Este representa a propriedade da substância em alterar o meio interno; é a consequência direta (química) da droga no organismo, capaz de causar os chamados sintomas primários (patogenéticos). Na tentativa de restabelecer o equilíbrio híbrido perdido, o organismo lança mão do efeito secundário; é a consequência da reação homeostática do organismo, capaz de proporcionar efeitos secundários (reacionais), opostos aos sintomas primários, com finalidade de neutralizá-los. Segundo Kossak-Romanach (1984), um exemplo clássico para esclarecer estas ações é observado facilmente no hábito de ingestão de café, já mencionado na seção 2.1.2. A dose usual desta bebida é estimulante pela presença maciça da cafeína. Quando a sua eliminação atinge determinado limiar, são acionados mecanismos orgânicos responsáveis pela sintomatologia contrária à fase de estímulo, principalmente sonolência e desânimo, induzindo a nova ingestão de cafeína para readquirir o bem-estar anterior dependente da ação bioquímica dominante das concentrações humorais elevadas e que caracterizam a fase primária. 2.3.2 Lei biológica de Arndt‑Schultz Kossak-Romanach (1984) destaca que Hahnemann, com base nas suas experimentações científicas, afirmou que os efeitos primário e secundário dos medicamentos dependem da dose em que são administrados. Para confirmar esta constatação, em 1920 Hugo Schultz, professor de Farmacologia da Universidade de Greifswald, estudou leveduras e observou que seu crescimento dependia da concentração de substâncias tóxicas que recebiam, ou seja, enquanto doses pequenas estimulavam o crescimento das leveduras, doses grandes o inibiam. Surgiu então a Lei da Farmacoterapia, que dispõe que “toda excitação provoca sobre a célula um aumento ou diminuição de sua função fisiológica, na dependência da intensidade fraca ou forte da excitação” (KOSSAK-ROMANACH, 1984, p. 52). Rudolf Arndt, fisiologista da mesma universidade, baseando-se na Lei de Schultz, após várias pesquisas enunciou a Lei Biológica Fundamental, que pode ser resumida da seguinte forma: • excitações fracas ou pequenas despertam a atividade vital; • excitações médias aumentam a atividade vital; • excitações fortes deprimem em parte a atividade vital; • excitações exageradas anulam totalmente a atividade vital. Este enunciado explica a ação inversa dos medicamentos segundo a dose, auxiliando a compreender o mecanismo de ação das doses mínimas dentro da Lei da Semelhança. 29 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Quanto à administração das concentrações medicamentosas: • pequenas doses têm efeito estimulante; • doses moderadas têm fase estimulante pouco duradoura – depressão; • doses grandes têm fase estimulante breve – depressão. Lembrete Lei Biológica Fundamental: ação dupla e inversa das drogas de acordo com as doses. Por exemplo, em doses fortes, a atropina dilata a pupila; em doses fracas, a diminui. Digitalina, em doses elevadas, acelera o batimento cardíaco; em doses fracas, o retrai. 2.3.3 Leis de Hering Diarreias, febres e vômitos são sintomas que refletem a expressão dos mecanismos de defesa do organismo na luta contra a doença. Suprimir estas manifestações é, muitas vezes, dificultar o trabalho orgânico em direção à cura. Geralmente, o sintoma é uma reação benéfica do organismo contra algo que o perturba. Contudo, existem situações em que a doença é mais profunda e o sintoma não é suficiente para debelá-la e, nestes casos, pode ser uma influência nociva ao organismo, afetando a condição clínica do paciente e consequentemente criando obstáculos ao seu restabelecimento. Na homeopatia, um medicamento semelhanteaos sintomas do enfermo poderá reforçar os mecanismos naturais de defesa ao agir na mesma direção da força vital. A primeira constatação de que o tratamento está sendo benéfico é um aumento transitório das manifestações orgânicas, que chamamos na homeopatia de “agravação dos sintomas”, pelo estímulo dado com a administração do medicamento homeopático semelhante aos sintomas do enfermo. Esta agravação desaparece logo a seguir, com a cura do paciente. Constantine Hering (1800-1880), discípulo de Hahnemann, elaborou diversos experimentos e afirmou que, à medida que a doença se torna crônica, existe uma progressão dos sintomas, cujo desaparecimento, na ordem inversa do seu aparecimento, indica que a doença está evoluindo para a cura. Surgem então as Leis de Cura de Hering, que representam parâmetros que auxiliam os prescritores a acompanhar a evolução de seus pacientes em relação à doença ou cura de seus sintomas. A seguir estão relacionados os cinco postulados das Leis de Cura de Hering: • os sintomas devem desaparecer na ordem inversa do seu aparecimento; • a cura progride do alto do corpo para baixo; 30 Unidade I • a cura progride dos órgãos mais nobres para os menos nobres; • o corpo exterioriza os sintomas (eczemas, urticárias, diarreias, vômitos etc.); • os antigos sintomas podem reaparecer. Saiba mais Este artigo debate uma série de argumentos a favor e contra as Leis de Hering: RÎNDASU, I. Leis de Hering: prós e contras. Revista de Homeopatia, São Paulo, v. 74, n. 3/4, p. 61-65, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3xWy5rT. Acesso em: 16 jun. 2022. Observar a evolução do paciente na constatação desses postulados ajuda o médico a conduzir seu tratamento homeopático. 2.4 Força vital A escola hipocrática entende que o organismo agredido automaticamente busca reagir para voltar ao seu equilíbrio, de forma natural. A essa força curativa atribui-se o epíteto vis medicatrix naturae, que, traduzindo do latim, significa a via de cura natural. Para exemplificar essa força, temos a febre. Ela nada mais é que uma reação do organismo para tentar atacar o agente nocivo que está se instalando. Muitos médicos homeopatas são contra o uso de antitérmicos, pois o indivíduo estaria perdendo essa reação de defesa. O indivíduo, portanto, é visto como um ser dotado de uma força curativa, responsável por mantê-lo saudável, que Hahnemann acabou chamando de força vital. Quando essa força não é suficiente, a pessoa fica enferma. O importante é não analisar somente a doença, mas sim o doente, com suas manifestações deste desequilíbrio, sua constituição, o meio onde vive, seus hábitos alimentares etc., pois todos esses aspectos trazem informações muito importantes para sua individualização. E isto traz a concepção do binômio saúde-doença da filosofia hipocrática. Vírus, bactérias, mudanças no tempo, não importa qual é o agente nocivo, pois todos estão presentes e em contato com todos os indivíduos. Alguns adoecem e outros, não. Isto se deve ao distúrbio que a força vital sente e a enfraquece, possibilitando o surgimento da enfermidade. Isto é também um reflexo da suscetibilidade constitucional. O verdadeiro médico deve analisar cada caso individualmente, com seu diagnóstico clínico ou diagnóstico de terreno ou suscetibilidade. 31 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Segundo Hahnemann (1996, § 9), No estado de saúde, a força vital que anima dinamicamente o corpo material (organismo), governa com poder ilimitado e conserva todas as partes do organismo em admirável e harmoniosa operação vital, tanto com respeito às sensações quanto às funções, de modo que o espírito dotado de razão que reside em nós pode empregar livremente este instrumento vivo e sadio para os mais altos fins de nossa existência. O agente nocivo de qualquer natureza, também conhecido como noxa, é capaz de perturbar o estado de saúde do organismo, despertando os sintomas. Observação Sintomas correspondem à expressão da doença . O modelo conceitual no qual a terapêutica homeopática se apoia é de origem vitalista. Observação Vitalismo é uma doutrina filosófica segundo a qual os seres vivos possuem uma força particular que os mantém atuantes – o princípio ou a força vital –, distinta das propriedades físico-químicas do corpo. Hahnemann interpreta a força vital como a mantenedora do equilíbrio orgânico. As doenças não são mais que manifestações deletérias da força vital modificada, e os microrganismos são apenas fatores necessários, mas não suficientes, para produzir doenças. É a força vital que mantém o organismo em harmonia. Sem ela, o organismo não age, não sente e se desintegra, sendo a força vital responsável pela integração dos diversos níveis dinâmicos da realidade humana: “Quando uma pessoa cai enferma é somente a força vital imaterial ativa por si mesma e presente em todas as partes do organismo que sofre o desvio determinado pela influência dinâmica do agente mórbido” (FONTES et al., 2018, p. 22). A saúde é o estado de equilíbrio nos seus aspectos físico, emocional e mental. Observação Saúde corresponde à harmonia das: sensações + funções + conservação. Quando a força vital é perturbada, os mecanismos de defesa do organismo são acionados (sistemas imunológico e endócrino). A força vital pode ser influenciada negativamente por fatores exógenos, como ritmos de vida insalubres, alimentação inadequada, drogas etc., e por fatores endógenos, como tristeza, irritabilidade e ódio. 32 Unidade I Mediante os sintomas, a doença reflete o esforço da força vital de tentar restabelecer o equilíbrio. A homeopatia é uma terapêutica, ou seja, estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes, sendo que a missão do médico é curar, e esta cura deve ser rápida, suave e permanente. A doença é um sentir + agir + conservar-se mal. É um desvio, uma desarmonia da força vital. Sem a força vital, o corpo é incapaz de sentir + agir + conservar-se. Está morto. Observação Enfermidade significa a pessoa colocada fora do seu estado de saúde, fora de seu equilíbrio. Doenças são aberrações dinâmicas experimentadas por nossa vida espiritual. A doença teria origem num desequilíbrio da força vital, e seria “um meio para restabelecimento da saúde, não devendo ser extirpada e sim ajudada” (HAHNEMANN, 1996, § 72). 2.4.1 Níveis dinâmicos: suscetibilidade constitucional O ser humano é um ser integrado, com três níveis dinâmicos que agem o tempo todo e desenvolvem uma hierarquia identificável: o físico, o emocional e o mental. A força vital é o que os mantém equilibrados. Como dito, a mudança no tempo, as bactérias, os vírus, tudo está em contato com todos os indivíduos. Mas por que somente algumas pessoas sentem as agressões disseminadas no nosso meio? É justamente pela suscetibilidade constitucional. Um mesmo fator nocivo pode ser sentido em diferentes níveis, de acordo com a suscetibilidade pessoal. Então, cada indivíduo responde a uma simples mudança no tempo de acordo com a sua sensibilidade. Uns manterão seu equilíbrio; outros podem ter uma gripe; outros, uma artrite; e outros até desenvolver uma angústia. O agente nocivo, ou noxa, foi o mesmo, mas a maneira como a pessoa sentiu seu efeito é o que a diferencia na sua individualidade. Quando a angústia é transformada numa depressão em alguém com pouca vitalidade, o problema foi deslocado do nível emocional para o mental, uma vez que a força vital não estava fortalecida o suficiente para transferi-lo para o nível físico. Nosso organismo seria como uma cebola, com todas as suas camadas. Temos na parte mais externa o aparecimento dos sintomas físicos; na intermediária, sintomas emocionais; e na parte mais central, os sintomas mentais (figura 8). Esta profundidade também determina a potência dos medicamentos a serem prescritos. Para o físico, geralmente é possível restabelecer o equilíbrio com potências baixas, do tipo 6 CH (esta sigla indica que o medicamento foi produzido na sexta potência na escala centesimal pelométodo hahnemanniano). Quanto mais interiorizados os sintomas, mais intensos precisam ser os estímulos, dados através de potências mais altas. O medicamento deverá fortalecer a vitalidade do doente para restabelecer o equilíbrio entre os três níveis. 33 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA Nosso organismo seria como uma cebola, com todas as suas camadas. Temos na parte mais externa o aparecimento dos sintomas físicos; na intermediária, sintomas emocionais; e na parte mais central, os sintomas mentais (figura 8). Esta profundidade também determina a potência dos medicamentos a serem prescritos. Para o físico, geralmente é possível restabelecer o equilíbrio com potências baixas, do tipo 6 CH (esta sigla indica que o medicamento foi produzido na sexta potência na escala centesimal pelo método hahnemanniano). Quanto mais interiorizados os sintomas, mais intensos precisam ser os estímulos, dados através de potências mais altas. O medicamento deverá fortalecer a vitalidade do doente para restabelecer o equilíbrio entre os três níveis. Físico Mental Emocional Figura 8 – Níveis hierárquicos do ser humano Adaptada de: Vithoulkas (1980). Portanto, quando pensarmos no enfermo, devemos observar se sua enfermidade estará caminhando para a parte externa do organismo ou se está cada vez mais se interiorizando. Isto é para o médico um sinal de alerta, pois esse agravamento contínuo, ou melhor, essa interiorização, significa que o paciente não está sendo beneficiado pelo tratamento. Este é um dos alertas para avaliar a melhora ou piora da condição do doente, conforme já retratado nas Leis de Cura de Hering (tópico 2.3.3). É preciso ainda observar a ocorrência de: • Obstáculos à cura: usar medicamento tópico de forma paliativa. Ao remover a totalidade dos sintomas antes da cura do problema original, além de não curar, impede a identificação do simillimum. • Metástases mórbidas: perturbações causadas pela supressão, que, ao eliminar os sintomas, reverte a ação mórbida a níveis mais profundos. Por exemplo, se uma diarreia é tratada com antidiarreicos sem considerar a totalidade sintomática, provavelmente causará uma supressão que poderá gerar uma úlcera gástrica ou outro problema mais grave que a diarreia. 34 Unidade I 2.5 Escolas homeopáticas Existem várias escolas homeopáticas. Entre as principais, temos o unicismo, o pluralismo – representado pelo alternismo – e o complexismo, conforme a quantidade de insumos ativos nos medicamentos e o modo de administrá-los. 2.5.1 Unicismo Hahnemann, de acordo com os conceitos fundamentais da homeopatia, deixa seu legado na escola unicista, conforme muito bem o registra, descrevendo esta aplicação tanto para o quadro agudo como para o crônico: Em nenhum caso é necessário empregar mais de um medicamento de cada vez. Como o verdadeiro médico acha nos medicamentos simples tudo o que pode desejar, isto é, os poderes morbíficos artificiais que, pela sua faculdade homeopática, curam por completo as doenças naturais, e como é um sábio preceito não procurar realizar com muitas forças aquilo que se pode conseguir com uma só, jamais lhe ocorrerá dar mais de um medicamento de cada vez. Pois sabe que, embora tenhamos estudado no homem sadio os efeitos específicos e puros de todos os medicamentos simples, nem por isso estaremos em condições de prever e calcular o modo pelo qual duas substâncias medicinais associadas poderão antagonizar-se e modificar-se reciprocamente no que tange aos respectivos efeitos (HAHNEMANN, 1996, § 273). Caso nos estados miasmáticos seja necessário continuar a terapêutica, o paciente receberá o simillimum adaptado aos quadros sucessivos, mas sempre de forma isolada. Por definição, unicismo consiste no emprego de um único medicamento de cada vez até que se consiga a máxima realização terapêutica possível. Se, por acaso, não se obtiver a cura com esse primeiro medicamento, ele será, então, substituído – mas só nessas circunstâncias – por outro, cuja escolha será orientada pelo novo estado do paciente. Os seguidores de James Tyler Kent (1849-1916) criaram uma escola variante do unicismo conhecida como kentismo, que emprega o método de fluxo contínuo (FC) para produzir medicamentos com alta potência. Além de um único medicamento, essa escola também exige que a droga seja administrada em dose única e potência superior a 1.000 FC. Para Hahnemann (1996), a mais forte argumentação sobre a prescrição do remédio único está no fato de a totalidade sintomática representar a expressão da doença e garantir a identificação do simillimum. Então, a característica da escola unicista é a prescrição de um único medicamento com base na totalidade dos sintomas da doença (simillimum), não importando se será administrado em dose única ou em doses repetidas. 35 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA DR. SAMUEL HAHNEMANN CRM XXXXX Pac. Fulano de Tal End. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Lycopodium clav. 30 CH líquido – 1 frasco Tomar 3 gotas pela manhã em jejum e longe da escovação dos dentes, mantendo-se em jejum por pelo menos 30 min, por 30 dias. Agitar o frasco 10 vezes antes de tomar. ¥¥ (assinatura) Data XX/XX/XXXX End. XXXXXXXXXXXXXX Cidade: XXXXXXX Figura 9 – Exemplo de receita da escola unicista (doses repetidas) DR. J. TYLER KENT CRM XXXXX Pac. Fulano de Tal End. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Phosphorus 10.000 FC dose única – 5 glóbulos Chupar os glóbulos pela manhã em jejum, mantendo-se em jejum por pelo menos 30 min, e longe da escovação dos dentes. €££ (assinatura) Data XX/XX/XXXX End. XXXXXXXXXXXXXX Cidade: XXXXXXX Figura 10 – Exemplo de receita da escola unicista (dose única) No caso desta escola, o médico tem que ter conhecimento profundo da matéria médica homeopática e um bom repertório médico para conseguir desvendar o simillimum do paciente. O emprego de um único medicamento oferece muitas vantagens, tanto para o paciente quanto para o médico: • no caso de resolução do quadro, cura da enfermidade com base na totalidade sintomática; • seguimento detalhado, com melhor documentação obtida nas anamneses; • registro de transformações inerentes ao simillimum; • interrupção de medicamento mal escolhido; • identificação de medicamento complementar quando necessário; • custo baixo do medicamento. 36 Unidade I Na prática, muitas vezes podem surgir alguns entraves para o bom resultado do médico na sua conduta clínica. Por exemplo: • é preciso que a substância prescrita esteja disponível na farmácia de manipulação, na potência adequada e no momento oportuno; • o paciente deve conseguir relatar pontos importantes na sua anamnese; • o paciente pode fazer uso de medicamentos alopáticos imprescindíveis; • os sintomas podem ser relatados por terceiros, como na pediatria ou na geriatria. Enfim, é uma prática que exige muita experiência por parte do prescritor, mas que traz muitos benefícios para o restabelecimento do paciente. 2.5.2 Pluralismo ou alternismo A prática do pluralismo consiste na prescrição de dois ou mais medicamentos dotados de correspondência patogenética parcial ao estado mórbido presente, a serem administrados em horas intercaladas num esquema sucessivo no qual se usam intervalos regulares para que o efeito dos medicamentos não seja perturbado pela dose subsequente do outro. Assim, um completa a ação do outro, totalizando os sintomas do paciente. É uma boa prática no caso de doenças agudas e que com frequência pode adotar um medicamento similar em vez do simillimum verdadeiro. Geralmente, em casos agudos, são prescritos medicamentos em baixas potências e atuando com as adaptações necessárias de acordo com o quadro. Exemplo de aplicação Paciente está com febre, amígdalas bem inchadas e dificuldade de deglutição. Foram prescritos dois medicamentos para serem administrados em horas distintas: Belladona 6 CH glóbulos (para febre) Tomar 3 glóbulos nas horas pares. e Mercurius solubilis 6 CH glóbulos (para amígdalas) Tomar 3 glóbulos nas horas ímpares. No caso desta prescrição, foram indicados dois