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Natalia Quintino Dias Principais arritmias na pediatria As arritmias são decorrentes de alterações na formação ou na condução do estímulo elétrico. Podem ser secundárias às alterações anatômicas presentes nas cardiopatias congênitas ou adquiridas ou, ainda, decorrentes de disautonomias e alterações metabólicas, hidroeletrolíticas e tóxicas. Ao nascimento, o sistema condutor não se encontra totalmente desenvolvido e o sistema nervoso autônomo ainda é imaturo com predomínio da atividade adrenérgica, razão pela qual as manobras vagais raramente revertem as taquicardias supraventriculares (TSV). Logo após o nascimento, as arritmias mais comuns são s relacionadas ao nó sinusal (arritmia sinusal fásica, pausas sinusais seguidas de escapes juncionais). Nessa faixa etária, as arritmias, como a fibrilação atrial, não se sustentam por necessitarem de uma massa crítica de células para manutenção. A resposta ventricular às arritmias atriais costuma ser elevada em crianças com menos de 1 ano, por causa do desenvolvimento incompleto do nó atrioventricular (NAV). Assim, quanto mais jovem a criança, maior a frequência cardíaca (FC) e maior a chance de ocorrência de insuficiência cardíaca (IC). A taquicardia com complexos QRS largos em recém-nascidos ou crianças maiores, até que se prove o contrário, deve ser considerada de origem ventricular. Apenas 3% dos casos correspondem à TSV com aberrância de condução. A TSV é a arritmia mais frequente em neonatos e lactentes, com predominância de reentrada atrioventricular pela presença de uma via anômala, caracterizando a síndrome de Wolff-Parkinson- White. Nos adolescentes e adultos jovens, a taquicardia atrioventricular mais frequente é a de reentrada nodal. As manifestações clínicas das arritmias podem variar desde uma sensação de palpitação, cefaleia ou mal-estar até situações de emergência como a síncope (alteração do nível de consciência) e parada cardiorrespiratória. Na pediatria, os principais fatores desencadeantes: - Infecções; - Anemia; -Distúrbios metabólicos/eletrolíticos/acidobásicos; - IC congestiva; - Pós operatório de cirurgia cardíaca; - Pericardites, miocardites; - Uso anterior de drogas; - Trauma cardíaco; - Cateterismo cardíaco; - Disritmias cerebrais. Bradiarritmias Bradicardia clinicamente significativa é definida como FC menor que o normal para a idade. São exemplos a bradicardia sinusal e os vários graus de bloqueio atrioventricular. As causas mais comuns são a excessiva estimulação vagal, como a induzida por aspiração ou intubação traqueal; a hipotermia; a hipoxemia; as toxinas e os fármacos (intoxicação digitálica, bloqueadores de canais de cálcio ou betabloqueadores); o bloqueio atrioventricular (BAV) congênito (filhos de mães lúpicas); bloqueios secundários à correção cirúrgica de cardiopatias congênitas; transplante cardíaco; miocardite inflamatória e as bradicardias secundárias às lesões de sistema nervoso central (SNC). Se a bradicardia for assintomática, deve-se investigar a etiologia e aguardar a avaliação do especialista. Caso a bradicardia esteja associada a uma perfusão sistêmica inadequada, ou seja, hipotensão arterial sistêmica, dificuldade respiratória, alteração de consciência, oligo/anúria e palidez cutaneomucosa, trata-se de uma bradicardia com grave comprometimento cardiorrespiratório. Oxigenação e a ventilação adequadas ao paciente, pois a hipoxemia é a principal causa de bradiarritmias. Natalia Quintino Dias Caso o paciente não apresente melhora da FC à ventilação com pressão positiva, deve ser iniciada a ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Na ausência de resposta às medidas anteriores, deverão ser ministrados medicamentos que aumentem a FC (simpatomiméticos) ou que inibam a estimulação vagal (anticolinérgicos). As bradiarritmias são as alterações de ritmo mais comuns precedendo a parada cardiorrespiratória no paciente pediátrico, quase sempre associadas a situações de hipoxemia, hipotensão e acidose, que diminuem a condução sinoatrial e da junção atrioventricular. Tratamento farmacológico Epinefrina Dose durante RCP: 0,01 mg/kg ou 0,1 mL/kg da solução de 1:10.000, por via intravenosa (IV) ou intraóssea (IO); 0,1 mg/kg ou 0,1 mL/kg da solução de 1:1.000 por via endotraqueal (ET). - Pode ser repetida a cada 3 ou 5 minutos, se necessário. Manutenção: 0,1 a 0,2 mcg/kg/min, IV. Atropina Dose: 0,02 mg/kg (0,1 a 0,5 mg em crianças; 0,1 a 1 mg em adolescentes) por dose, IV ou IO. - Pode ser repetida a cada 5 minutos até o total de 1 mg em crianças ou 2 mg em adolescentes. Dopamina Dose: 2 a 20 mcg/kg/minuto, IV. Isoproterenol Dose: 0,1 a 1 mcg/kg/minuto, IV. Taquicardias supraventriculares originadas nos átrios Taquicardia Sinusal É uma taquicardia regular com ondas P sinusais. Em crianças e lactentes, a FC não excede 230 bpm e em crianças maiores, até 180 bpm. As condições predisponentes são febre, hipovolemia, hipóxia, dor, hipercapnia, falência miocárdica, estresse emocional, atividade física, hipertireoidismo e pós-operatório de cirurgia cardíaca, ou seja, situações acompanhadas de altos níveis de catecolaminas. Tratamento Consiste na remoção do fator causal e na administração de medicação sintomática. Os episódios prolongados e sintomáticos devem ser tratados. Manobras vagais (compressão do seio carotídeo, manobra de Valsalva ou colocação de gelo na face) podem melhorar em alguns casos. Raramente é necessário o tratamento medicamentoso, mas, se necessário, a primeira opção, visando à prevenção de recorrências, é o digitálico. Betabloqueadores, quinidina e até mesmo amiodarona, nessa ordem, podem ser utilizados se houver falha do digitálico. Deve-se ter cautela com crianças com disfunção do NS, pois essas medicações podem alterar o automatismo nodal. Em casos de persistência de FC elevada, após a remoção dos fatores causais, pode-se estar diante de um diagnóstico de taquicardia sinusal inapropriada, cujo tratamento é o mesmo. Taquicardia atrial ectópica O foco atrial ectópico é o mecanismo mais comum de arritmias supraventriculares crônicas em crianças. A taquicardia atrial ectópica pode estar associada à cardiopatia congênita ou a áreas de fibrose produzidas nos átrios após tratamento cirúrgico dessas cardiopatias. Em geral, não se associa a nenhuma cardiopatia estrutural. Os episódios inicialmente são esporádicos, com progressão até se cronificarem. A idade de aparecimento geralmente é anterior aos 6 anos e com histórico familiar positivo. Características no ECG ■ Onda P regular com orientação diferente do ritmo sinusal, FC variando de 90 a 220 bpm. ■ Onda P positiva em DII, DIII e aVF em 77% dos casos (átrio direito alto) e negativa em DI e V6 e do tipo dome and dart em V1 (origem atrial esquerda). ■ Intervalo PR longo, se a FC for elevada a normal, ou pouco aumentado em frequências mais baixas. ■ Complexos QRS com morfologia normal. Natalia Quintino Dias Flutter atrial Raro em crianças, podendo ocorrer em corações estruturalmente normais. Nessas condições, é mais frequente em recém-nascidos e fetos com elevada mortalidade se a arritmia persistir ou a resposta ventricular não for reduzida. A forma crônica geralmente está associada a cardiopatias, como a valvopatia mitral, a hipertensão arterial sistêmica, a cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica, a miocardite e a pericardite, além de pós-operatório de cardiopatia congênita. Características no ECG ■ Ondas P positivas ou negativas nas derivações DII, DIII e aVF; sem intervalo isoelétrico entre elas; morfologia em “dente de serra” no flutter clássico. Taquicardias originadas na junção atrioventricular Taquicardia Juncional Automática Existem dois tipos deapresentação: paroxística e não paroxística. A primeira é rara e secundária ao hiperautomatismo da junção atrioventricular. A forma não paroxística, mais comum, ocorre principalmente no pós-operatório de cirurgia cardíaca e é decorrente de hipóxia, distúrbios hidroeletrolíticos ou trauma cirúrgico; pode ocorrer também em cardite reumática, miocardite e intoxicação digitálica. Raramente é vista em corações normais. Características no ECG ■ Ritmo regular, com FC entre 75 e 150 bpm, podendo chegar a 250 em crianças menores. ■ Dissociação atrioventricular: frequência de QRS maior que das ondas P. ■ Ondas P negativas em DII, DIII e aVF quando a condução atrial for retrógrada. Taquicardia Supraventricular por Reentrada no Nó Atrioventricular Encontrada em 16 a 23% dos pacientes submetidos a estudo eletrofisiológico, é a segunda causa mais frequente de TSV em crianças e em pós operatório de correção cirúrgica de defeitos congênitos. Taquicardia Supraventricular Envolvendo Via Acessória (Síndrome de Wolff-Parkinson-White) É a causa mais comum de TSV em crianças. Comum em lactentes a partir de 1 mês de vida e, em razão da imaturidade do sistema de condução, acompanham-se de FC mais elevadas e sinais de IC. Quando ocorre em crianças maiores, a FC é menor, mas pode haver IC. Há ainda a possibilidade de desaparecimento da via acessória com a maturação do sistema de condução e, por isso, a prevalência real de vias acessórias em crianças não está bem estabelecida. Características no ECG ■ Intervalo RR regular. ■ QRS estreito, relação P/QRS 1:1. ■ Pode ocorrer alternância elétrica dos complexos QRS (amplitudes diferentes). Arritmias ventriculares Taquicardia Ventricular Em crianças, é acompanhada de cardiopatia estrutural na maioria (isquemia; pós-operatório de cirurgia cardíaca, principalmente com ventriculotomia; síndrome do QT longo; miocardite/cardiomiopatia). Outras causas de taquicardia ventricular (TV) são os distúrbios metabólicos (hipoglicemia), hipóxia, acidose, desequilíbrio eletrolítico (hipocalemia) e drogas (digitálicos, drogas antiarrítmicas, catecolaminas, anestésicos, fenotiazina, cafeína, nicotina, antidepressivos tricíclicos). É extremamente rara em recém-nascidos até os 3 anos de idade, porém, quando presente, deve-se pensar em tumores intracardíacos (hamartomas) e intoxicação materna por cocaína ou heroína. A TV pode apresentar-se na forma não sustentada, com mais de três batimentos e duração menor que 30 segundos; sustentada, com duração maior que 30 segundos; monomórfica, com morfologia única; polimórfica, com duas ou mais morfologias; paroxística, frequente, esporádica ou de caráter incessante. Características no ECG ■ Frequência ventricular regular ≥ 120 bpm. ■ QRS largo (maior que 0,08 segundo). ■ Dissociação atrioventricular (ondas P não relacionadas ao QRS). Natalia Quintino Dias ■ Ondas T com polaridade oposta ao QRS. A TV com pulso ou com perfusão adequada pode degenerar-se em TV sem pulso ou fibrilação ventricular (FV) e necessitar de RCP. Fibrilação Ventricular A fibrilação ventricular consiste em uma série de despolarizações caóticas e desorganizadas que resultam em um miocárdio incapaz de gerar fluxo sanguíneo. É um evento terminal incomum ao grupo etário pediátrico. Ao ser detectada, deve-se iniciar imediatamente a RCP e a desfibrilação. Tratamento das taquicardias Em linhas gerais, pode-se resumir o tratamento considerando-se dois tipos de taquicardia: - Com perfusão adequada; - Com perfusão inadequada. Taquicardias com Perfusão Adequada Taquicardia supraventricular com QRS estreito ■ Manobra vagal: em recém-nascidos e lactentes pode-se utilizar a aplicação de gelo na face e, em crianças maiores, fazer compressão do seio carotídeo ou manobra de Valsalva (p. ex., soprar em canudo obstruído). Deve-se acompanhar a manobra com ECG de 12 derivações. Não havendo sucesso com as manobras vagais, deverá ser obtida uma via de acesso venoso para administração de drogas. ■ Adenosina: é a droga de escolha para crianças. Causa depressão do automatismo e da condução nas células nodais (nó sinusal e NAV), bloqueando temporariamente o estímulo através do NAV. A meia-vida é de 15 segundos. Dose: 0,1 mg/kg (máxima de 6 mg), em bolo rápido IV, seguida de infusão rápida também em bolo de soro fisiológico (3 a 5 mL). Se não houver efeito, a dose deverá ser dobrada (0,2 mg/kg; segunda dose máxima de 12 mg). A adenosina não é efetiva para arritmias que não utilizem o NAV no circuito de entrada como flutter atrial, fibrilação atrial, taquicardia atrial e TV. ■ Drogas com ação no NAV, no tecido atrial ou nas vias acessórias poderão ser utilizadas caso não haja reversão da taquiarritmia ou com recorrência com o intuito de reduzir a resposta ventricular. Exemplos: - Amiodarona: inibe os receptores adrenérgicos alfa e beta, produzindo vasodilatação e supressão do NAV com diminuição da condução através dele. Inibe a corrente de potássio para fora da célula com aumento da duração do intervalo QT e dos Natalia Quintino Dias canais de sódio com diminuição da condução nos ventrículos e prolongamento do QRS. Esses efeitos podem ser benéficos em alguns pacientes, mas podem aumentar o risco de TV polimórfica. --> Dose: ataque de 5 mg/kg, IV, durante 20 a 60 minutos. Doses repetidas de 5 mg/kg podem ser administradas até o máximo de 15 mg/kg/dia. Nos casos refratários, é indicada impregnação com doses elevadas, em infusão contínua, variando de 10 a 40 mg/kg/dia até a reversão para ritmo sinusal ou a ocorrência de efeitos colaterais (hipotensão, bradicardia excessiva, alargamento do complexo QRS). A amiodarona não deve ser administrada rotineiramente em combinação com outro agente que prolongue o intervalo QT, como a procainamida. - Procainamida: agente antiarrítmico bloqueador dos canais de sódio, o que prolonga o período refratário dos átrios e dos ventrículos e deprime a velocidade do estímulo dentro do sistema de condução (prolonga os intervalos QT, QRS e PR). A procainamida é eficaz para o tratamento da fibrilação atrial, do flutter atrial e da TSV. --> Dose: ataque de 10 a 15 mg/kg, IV, durante 30 a 60 minutos, com monitoração de ECG e da pressão arterial (PA). A infusão deve ser lenta para evitar efeitos colaterais adversos. Não deve ser utilizada em combinação com agentes que prolonguem o intervalo QT, como a amiodarona. Taquicardia com QRS largo Até que seja provado o contrário, a taquicardia com QRS largo não diagnosticada previamente em um lactente ou criança deve ser tratada como TV. Drogas antiarrítmicas - Lidocaína: bloqueia os canais de sódio, diminuindo a automaticidade e suprimindo as arritmias ventriculares de complexo largo. Está indicada tanto na TV estável como na instável. --> Dose: 1 mg/kg, IV, em bolo; se necessário, repetir a cada 5 minutos. As demais drogas (amiodarona, procainamida e propafenona) são utilizadas nas mesmas doses indicadas para a TSV. Cardioversão elétrica sincronizada Consiste na aplicação oportuna (sincronizada) de um choque específico no coração que interrompa com sucesso um ritmo rápido. A sincronização da energia fornecida com a onda R do ECG reduz a possibilidade de degeneração para um ritmo instável como a TV sem pulso ou FV, pois evita o fornecimento de impulso elétrico durante o “período vulnerável” (onda T) do ciclo cardíaco. Deve-se estabelecer um acesso vascular e proporcionar sedação e analgesia. --> A dose inicial é de 0,5 a 1 J/kg; se a taquiarritmia persistir, pode-se aumentar a dose para 1 a 2 J/kg. Taquicardias com Perfusão Inadequada Taquicardia supraventricular com QRS estreito Na TSV com sinais de IC congestiva, colapso cardiovascular e choque -> cardioversão elétrica (CVE)sincronizada (0,5-1 J/kg), ou administrar adenosina, o que for mais rápido. Taquicardia com QRS largo ou taquicardia ventricular Na TSV com QRS largo (aberrância de condução) ou TV instável, a CVE sincronizada é o tratamento de escolha. Se houver instabilidade hemodinâmica, não se deve atrasar a CVE sincronizada na tentativa de obter acesso vascular. Taquicardia com QRS largo sem pulso Iniciar RCP imediatamente e, assim que possível, realiza-se a desfibrilação (choque não sincronizado). --> Deve-se administrar o primeiro choque com 2J/kg, o segundo choque com 4 J/kg e aumentar progressivamente até 10 J/kg ou carga máxima de adulto (200 J no desfibrilador bifásico ou 360 J no monofásico). Entre os choques, o paciente deve receber RCP e drogas, conforme protocolos locais. No controle da arritmia, é recomendada a utilização de apenas uma droga (monoterapia). As medicações são as mesmas descritas para TV estável (lidocaína, amiodarona e procainamida).
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