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Definição: São todos os distúrbios do ritmo ou frequência do coração decorrentes de: (1) alterações na formação ou condução do estímulo elétrico pelo coração; (2) alterações anatomofuncionais por cardiopatias congênitas ou adquiridas; ou (3) alterações autonômicas e toxicometabólicas. Podem ser transitórias ou persistentes. Fisiopatologia As arritmias cardíacas ocorrem quando temos algum defeito na estimulação nervosa do coração que prejudica o sincronismo da contração cardíaca. Apresentação Clínica Anamnese A anamnese deverá ser dirigida aos sinais e sintomas iniciais e possíveis fatores desencadeantes: ● Em crianças maiores e adolescentes: A queixa de palpitação (sensação de "coração acelerado") é muito comum, assim como a síncope. Muitas vezes, as palpitações são geradas por causas não cardíacas, como ansiedade e medo. Entre as causas de síncope, as arritmias são representadas tipicamente pelas taquiarritmias; Arritmias cardíacas com um ritmo cardíaco irregular raramente ocasionam dor torácica em crianças; ● Em crianças menores: Comportamentos anormais, irritação e alterações da coloração da pele podem ajudar no diagnóstico. O uso de medicações e o histórico positivo de cardiopatias congênitas são fundamentais para investigação. É muito importante questionar sobre: ●Alergias; ●Uso de medicações; ●Doenças de base; ●Frequência e duração do episódio; ●Sintomas; ●Fatores atenuantes e agravantes; ●Histórico familiar de cardiopatias, arritmias e morte súbita. ●O quadro clínico e o tratamento são variáveis conforme a arritmia em questão. As arritmias serão divididas: ●Arritmias sinusais e extrassístoles; ●Taquicardia supraventricular; ●Taquiarritmias ventriculares; ●Síndrome do QT longo; ●Disfunção do nó sinusal; ●Bloqueio atrioventricular (AV). Exames de Rotina ● Eletrocardiograma e o Holter são os exames que auxiliam no melhor diagnóstico; ● Ecocardiograma pode ser indicado em alguns casos para investigação de anomalias estruturais no coração. Características do Ritmo Sinusal ● Onda P precede QRS; ● Intervalo PR é regular; ● Eixo da onda P está entre 0 e +90°; ● Onda P é positiva em DII e negativa em ● AVR; ● O ritmo sinusal regular tem frequência cardíaca (FC) normal para a idade (figura 1). Figura 1: Ritmo Sinusal em lactente Arritmias Sinusais e Extrassístoles Bradicardia Sinusal Características do ritmo sinusal: ● É definida como uma frequência cardíaca (FC) que é menor que a FC normal para determinada idade. É mais significativa se < 80 bpm em neonatos e < 60 bpm em crianças maiores. Podem ocorrer contrações atriais prematuras (figura 2); ●Causas: ocorrem em atletas ou em pacientes com hipotireoidismo, estímulo vagal, anorexia nervosa, hipertensão intracraniana, hipotermia, hipóxia, hipotensão e usuários de fármacos como digitálicos e betabloqueadores; ● Repercussão clínica: pode ocorrer baixo débito cardíaco; ● Tratamento: da causa subjacente; ●Se o paciente apresentar comprometimento pulmonar (hipotensão, alteração do estado mental aguda ou sinais de choque) + FC < 60 bpm com perfusão inadequada: está indicado manobras de reanimação cardiopulmonar. Figura 2: Bradicardia sinusal em adolescente Arritmia Sinusal ● A frequência cardíaca aumenta com a inspiração e diminui com a expiração por estímulos do Sistema Nervoso Autônomo Parassimpático, mantendo características do ritmo sinusal; ● Podem ocorrer extrassístoles da junção atrioventricular (AV) de escape; ● Tratamento: não necessita. Taquicardia Sinusal É definida como uma frequência cardíaca (FC) que é maior que a FC normal para determinada idade, mas geralmente em bebês (< 1 ano de idade) < 220 bpm e em crianças < 180 bpm. Tem início gradual (figura 3); ●Causas: dor, febre, hemorragia, desidratação, medo, ansiedade. Início e/ou com término abruptos; ●Exame físico sinais dos fatores desencadeantes (ex.: febre, anemia, hipovolemia e ansiedade); ● ECG: ondas P presentes precedendo QRS estreito e intervalo R-R varia com a respiração; ● Tratamento: tratar causa subjacente. Figura 3: Taquicardia sinusal em lactente Pausa Sinusal ● Ocorre por breve pausa da atividade do marca-passo sinoatrial com falta de onda P e complexo QRS por curto período; ● Causa: tônus vagal aumentado (ex.: em atletas), intoxicação por digital, doença do nó sinoatrial e hipóxia; ● É normal se menor que 2 segundos em crianças pequenas e adolescentes; ● Tratamento: geralmente, não é indicado, exceto nos casos de intoxicação digitálica e doença do nó sinoatrial. Marcapasso Atrial Mutável ● Ocorre quando há uma mudança intermitente no marca-passo do coração, do nó sinusal para outra parte do átrio; ● É comum em crianças e pode estar associada à bradicardia sinusal; ● Tratamento: depende da causa. Extrassístoles São produzidas por descargas prematuras de um foco ectópico que pode estar situado no átrio, na junção AV ou no ventrículo. - Contração atrial prematura: Causa: Comuns em crianças na ausência de cardiopatia, também pode acontecer após cirurgia cardíaca e na intoxicação digitálica; ● Origem: Átrio; ● Características: Sua forma dependerá do momento do ciclo cardíaco que ocorreu com refratariedade ou não do modo AV, gerando onda P diferente das demais que pode estar se sobrepondo à onda T e pode gerar QRS estreito e diferente dos demais. - Contração ventricular prematura: ●Origem: Em qualquer parte dos ventrículos de forma prematura gerando complexos QRS alargados anormais não precedidos por onda P; ●Quanto à gravidade: As benignas desaparecem durante a taquicardia induzida por exercício, enquanto as malignas aumentam ou persistem no exercício; ● Causas: Malignas (distúrbio eletrolítico, hipóxia, tóxicos ou lesão miocárdica) ou benignas; ●Quanto à forma: Podem ser uniformes (único foco de origem) ou multiformes (múltiplos focos de origem); Quanto à frequência, podem ser: ➔ Isoladas (sem periodicidade); ➔ Bigeminismo (após cada batimento sinusal há uma extrassístole ventricular); ➔ Trigeminismo (após cada dois batimentos sinusais há uma extrassístole ventricular); ➔ Quadrigeminismo (após cada três batimentos sinusais há uma extrassístole ventricular); ➔ Par (duas extrassístoles consecutivas); ➔ Taquicardia ventricular não sustentada (três ou mais extrassístoles ventriculares consecutivas): Será abordada na próxima seção; ●Tratamento de contração ventricular prematura (excluindo taquicardia ventricular): tratar causa e geralmente bólus de Lidocaína, seguido de infusão contínua EV de Lidocaína. Taquicardia Supraventricular (TSV) É a mais comum na infância. Inclui: ● Taquicardia reentrante com via acessória (principalmente em lactentes); ● Taquicardia reentrante sem via acessória (figura 4); ● Taquicardia ectópica ou automática (mais comum em cardiopatas e após cirurgias cardíacas). Figura 4: Taquicardia supraventricular reentrante nodal da criança Taquicardia supraventricular reentrante: ● Início e término abruptos; ● Geralmente ocorre quando o paciente está em repouso, embora em crianças possa ser precipitada por infecção aguda; ● Os ataques podem durar alguns segundos ou persistir por horas. Tabela adaptada de American Heart Association. Suporte Avançado de Vida em Pediatria: Manual do Profissional: American Heart Association, 2017. Tratamento da taquicardia supraventricular com perfusão adequada: ● Considere manobras vagais (aplicação de bolsa de gelo na metade superior da face do paciente, sem obstruir o nariz nem a boca e/ou em crianças mais velhas: manobra de Valsalva e/ou compressão de seio carotídeo); ● Quando as medidas iniciais falham e o paciente está estável, a droga de escolha é adenosina em bólus EV rápido em duas doses: - Primeira dose: 0,1 mg/kg (dose máxima de 6 mg); - Segunda dose: 0,2 mg/kg (dose máxima de 12 mg); ● A aplicação deve ser feita em torneira de três vias na região mais proximal do acesso venoso (three way) de forma muito rápida (bólus rápido). Logo depois que for feita adenosina numa das vias, uma segunda pessoa deve aplicar bólus de 10 mL de SF 0,9%; ● A meia-vida da adenosina é≤ 10 segundos. Se a adenosina fizer o efeito desejado, levará a traçado isoelétrico e depois retornará ao ritmo sinusal. Tratamento da taquicardia supraventricular com perfusão inadequada: ● Em situações urgentes e em que o paciente está instável, a cardioversão sincronizada é a terapêutica de escolha na dose de 0,5-1 J/kg (se ineficaz, aumentar para 2 J/kg). Preferencialmente com sedoanalgesia leve, mas não se deve retardar a cardioversão; ● É possível tentar manobras vagais sem retardo e, se houver acesso venoso ou intraósseo disponível, tentar adenosina; ● A ablação por cateter de uma via acessória é utilizada como tratamento eletivo de crianças e adolescentes muito sintomáticos. Taquicardia Ectópica Tem FC > 200 bpm com foco automático único, mais difíceis de controlar com medicação. Podem necessitar de ablação por cateterismo. Taquicardia Atrial Multifocal ou Caótica ● Taquicardia com ≥ 3 tipos de ondas P com FC geralmente > 200 bpm; ●Causa: principalmente em lactentes < 1 ano de idade com miocardite viral ou pneumopatia; ● Tratamento medicamentoso: Amiodarona. Outros fármacos que reduzem a frequência cardíaca (FC) podem ser usados: são o Propranolol e Digoxina. Flutter Atrial (Taquicardia Reentrante Intra-atrial) ● Taquicardia atrial com frequência de 240-360 bpm com ondas serrilhadas de flutter (figura 5); ● Causas: É mais comum em pacientes com átrios dilatados, cirurgia cardíaca prévia com abordagem atrial, miocardite e tireotoxicose, mas, em neonatos, pode ocorrer mesmo com corações normais em vigência de sepse; ● Tratamento: No flutter atrial agudo, fazer cardioversão sincronizada com 0,5-1 J/kg. Se for flutter atrial crônico, fazer ecocardiografia transesofágica para avaliar se há trombo intracardíaco. Na presença ou suspeita de trombo intracardíaco, anticoagular, o paciente com warfarina por 14-21 dias e postergar a cardioversão por 14-21 dias, podendo usar betabloqueadores ou bloqueadores de canal de cálcio para reduzir a FC. Figura 5: Flutter atrial Fibrilação Atrial ● É menos comum em crianças e rara em lactentes; ● FC 350-600 bpm; ● Associada à dilatação ou doença atrial; ● Causas: Complicação de cirurgia cardíaca atrial, tireotoxicose, tromboembolismo pulmonar, pericardite, cardiomiopatia ou familiar; ● Tratamento: Controle da FC de forma medicamentosa com bloqueadores de canal de cálcio. Se crônica, anticoagular também. Ritmos no Nó Atrioventricular Extrassístoles Juncionais ● Ocorrência precoce de complexo QRS; ● Se presentes, ondas P estarão invertidas após complexos QRS; ●Causas: Idiopático, pós-operatório cardíaco ou intoxicação por digital; ●Geralmente, sem repercussão hemodinâmica; ●Tratamento: Geralmente só nos casos de intoxicação por digital. Taquicardia Juncional ● Complexo QRS geralmente normal, mas pode ser aberrante, sem onda P ou com onda P aberrante. FC de 120-200bpm (figura 6); ●Causa: Aumento da automaticidade da região juncional, transitório secundário a trauma ou inflamação de cirurgia cardíaca, que dura 24-48 horas, ou raramente congênito; ●Tratamento: Pós-operatório: Se FC > 170-190 bpm, reduzir. Tolerar FC < 170 bpm. Avaliar uso de marca-passo para suprimir hiperestimulação atrial. Induzir hipotermia discreta com temperatura central de 34-35°C. Avaliar uso de Amiodarona como antiarrítmico; Congênito: Avaliar uso de Amiodarona e, se não melhorar, avaliar ablação. Figura 6 - Taquicardia juncional Taquiarritmias Ventriculares ● A taquicardia ventricular é menos comum que a TSV em pacientes pediátricos e é definida como pelo menos três extrassístoles ventriculares em FC > 120 bpm; ●Complexo QRS: É largo (> 0,09 segundos); pode ser de duas formas: monomórfica (único formato de QRS - figura 7) ou polimórfica, também chamada torsades de pointes (alterna QRS com baixa amplitude com alta amplitude - figura 8); ●Ondas P: não identificáveis; ●Ondas T: Normalmente, de polaridade oposta ao QRS; ●Causas: Miocardite, artéria coronária anômala, displasia ventricular direita arritmogênica, neoplasia cardíaca primária, prolapso de valva mitral, cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica, pós-operatório de cirurgia cardíaca, hipercalemia, tóxicos e outros; ●Tratamento com pulso e sem comprometimento cardiopulmonar, se ritmo regular e QRS monomórfico: Considerar adenosina em bólus rápido, 1ª dose 0,1 mg/kg (dose máxima: 6 mg). Se não melhorar, 2ª dose 0,2 mg/kg (dose máxima: 12 mg); ●Tratamento com pulso e comprometimento cardiopulmonar (hipotensão, alteração aguda de estado mental e/ou sinais de choque): Cardioversão sincronizada 0,5-1 J/kg. Se ineficaz, aumentar para 2 J/kg. Aplicar sedação, se necessário, mas não se deve retardar a cardioversão; ●Tratamento sem pulso (parada cardiorrespiratória): Reanimação cardiopulmonar, desfibrilação com 2 J/kg com aumento de carga para 4 J/kg nos choques subsequentes até carga máxima de 10 J/kg, protocolo de parada cardiorrespiratória e após 3º choque fazer Amiodarona 5 mg/kg EV em bólus. Figura 7. Taquicardia ventricular monomórfica Figura 8. Taquicardia ventricular polimórfica Fibrilação Ventricular ●Ritmo anárquico com FC aumentada, irregular, QRS alargado, diferentes morfologias e amplitudes, obrigatoriamente paciente não tem pulso (figura 9); ●Causas: Hipercalemia, pós-operatório cardíaco, hipóxia grave, intoxicação por quinidina ou digital, infarto agudo do miocárdio e medicamentosa (ex.: aminas vasoativas); ●Tratamento (parada cardiorrespiratória): Reanimação cardiopulmonar, desfibrilação com 2 J/kg com aumento de carga para 4 J/kg nos choques subsequentes até carga máxima de 10 J/kg, protocolo de Parada Cardiorrespiratória e após 3º choque fazer Amiodarona 5 mg/kg EV em bólus. Figura 9. Fibrilação Ventricular Síndromes do QT Longo ●São anormalidades genéticas de repolarização que se apresentam como intervalo QT longo ao ECG de superfícies e estão associadas a arritmias ventriculares malignas (torsades de pointes e fibrilação); ●A manifestação clínica em crianças é mais frequente em um episódio de síncope provocado por exercício, medo ou susto súbito; ●Tratamento: consiste em uso de agentes betabloqueadores em doses que diminuam a resposta da FC ao exercício. Figura 10. Síndrome do QT longo em criança Bloqueios Atrioventriculares (BAV) É um distúrbio da condução elétrica através do nódulo AV. Essas arritmias são raras na infância, exceto como manifestações de toxicidade da digoxina ou em pacientes que fizeram cirurgia atrial extensa. A doença do nó sinusal é mais comumente vista após correção cirúrgica de defeitos cardíacos congênitos, especialmente o procedimento de Fontan e operação de troca atrial para transposição de troca atrial. ●Classificação do bloqueio AV de 1º grau: Intervalo PR prolongado (representando condução retardada através do nódulo AV), mas todos os impulsos atriais são conduzidos até os ventrículos. Os pacientes são assintomáticos. Conduta: só tratar se for por intoxicação digitálica. ●Classificação do bloqueio AV de 2º grau: Nem todos os impulsos são conduzidos até os ventrículos. Divididas em: ●Mobitz tipo I: Ocorre normalmente no nódulo AV. O intervalo PR aumenta gradativamente até que o impulso atrial não é conduzido para o ventrículo (fenômeno de Wenckebach), logo a onda P correspondente a esse impulso não é seguida de QRS. No ciclo seguinte o intervalo PR se normaliza. Ocasionalmente pode causar pré-síncope. Conduta: tratar causa subjacente (figura 11); ●Mobitz tipo II: Ocorre abaixo do nível do nódulo AV. Não ocorre condução de alguns estímulos atriais para o ventrículo, sem alteração alguma do intervalo PR, de repente a onda P não é seguida de QRS. Pode causar: palpitações, pré-síncope e síncope. Conduta: tratar causa subjacente e avaliar necessidade de marca-passo profilático (figura 12).a Figura 11. Bloqueio atrioventricular (BAV) de 2º grau Mobitz I em adolescente Figura 12. Bloqueio atrioventricular (BAV) de 2º grau Mobitz II ●Classificação do bloqueio AV de 3° grau ou total: Nenhum dos impulsos atriais conduz aos ventrículos. Há completa assincroniaentre onda P e QRS (figura 13); sintomas mais frequentes: fadiga, delírio e síncope. ●Tratamento de BAV total: O marca-passo cardíaco é recomendado em recém-nascidos com baixas frequências ventriculares (≤ 50 bpm), evidência de insuficiência cardíaca, ritmos com complexos largos ou cardiopatia congênita. Isoproterenol, Atropina ou Epinefrina podem ser usados para tentar aumentar a frequência temporariamente até a colocação do marca-passo. Figura 13. Bloqueio atrioventricular total (3ºgrau) - Última atualização: 23/12/2020
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