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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Insuficiência cardíaca (IC) é a condição na qual o coração é incapaz de garantir um débito cardíaco (DC) adequado à demanda tecidual ou quando só o faz à custa do aumento de suas pressões de enchimento (intracavitárias ).
Ou, segundo a definição da diretriz da American College of Cardiology (ACC) e American Heart Association (AHA), "Síndron1e clínica complexa que resulta de desordem estrutural ou funcional que diminui a habilidade do ventrículo se encher de sangue ou ejetá-lo".
FISIOPATOLOGIA
Durante muito tempo, a IC foi vista como um processo meramente mecânico. A história começou a mudar quando se passou a entender que o quadro não se devia simplesmente a alterações hemodinâmicas, mas outros componentes neuro-humorais e um fenômeno que passou a ser chamado de remodelamento cardíaco eram fundamentais para que a IC se desenvolvesse.
Remodelamento Cardíaco- É a resposta do miocárdio à sobrecarga hemodinâmica imposta sobre ele ou ao efeito direto dos mediadores neuro-humorais em níveis cronicamente elevados. Os resultados são: (1) alteração na geometria ventricular (o ventrículo torna-se dilatado e esférico); (2) degeneração e apoptose dos miócitos; (3) fibrose miocárdica intersticial; (4) redução da sobrevida do paciente, pela piora progressiva da função ventricular.
Como ocorre o remodelamento? - A sobrecarga ventricular é o processo de base e tal sobrecarga hemodinâmica é representada pelo Estresse Sistólico (Esist) ventricular que, por sua vez, pode ser estimado pela seguinte fórmula matemática:
Com base nela, existiriam dois tipos principais de sobrecarga hemodinâmica que aumentam o estresse sistólico ventricular: (1) sobrecarga de pressão; (2) sobrecarga de volume.
1- Sobrecarga de pressão.
O ventrículo esquerdo trabalha contra uma pós-carga excessiva, como na hipertensão arterial e na estenose aórtica. A sobrecarga de pressão aumenta o estresse sistólico ventricular pelo aumento de P na fórmula! O VE responde inicialmente com hipertrofia dos miócitos: as células crescem em volume e aumentam a quantidade de fibras contráteis. Surge uma HVE concêntrica, com aumento da espessura da parede do VE (> 11 mm no ecocardiograma) e redução da cavidade ventricular. A relação R/h é reduzida, compensando o aumento de P. Portanto, a HVE concêntrica mantém o estresse sistólico inalterado, sendo benéfica e compensatória, pelo menos nas fases iniciais.
*Contudo, a hipertrofia concêntrica aumenta o consumo miocárdico de oxigênio, levando à isquemia subendocárdica, além de prejudicar diretamente a função diastólica ventricular e servir como substrato arrítmogênico para arritmias ventriculares malignas (morte súbita). Portanto, a HVE concêntrica também tem um efeito maléfico, sendo um fator de risco independente para evento cardiovascular e morte.
*Com o passar do tempo, se a sobrecarga de pressão não for corrigida, algumas fibras miocárdicas (miócitos) sofrem degeneração e apoptose, sobrecarregando as demais. Neste momento, a hipertrofia não mais evita o aumento do estresse sistólico e a degeneração miocárdica evolui para disfunção sistólica e dilatação ventricular. Surge então um ciclo vicioso: a degeneração miocárdica provoca dilatação ventricular (aumento do R) e redução da espessura da parede ventricular (redução do h), aumentando o estresse sistólico que, por sua vez, propicia mais degeneração miocárdica e disfunção sistólica.
2- Sobrecarga de Volume.
O ventrículo esquerdo trabalha com uma pré-carga excessiva. Os exemplos principais são as regurgitações valvares (mitral ou aórtica). Uma regurgitação valvar é dita grave quando mais de 50% do débito sistólico é regurgitado (para o átrio esquerdo, na regurgitação mitral, e de volta ao VE, na regurgitação aórtica). O VE neste caso recebe o enchimento diastólico normal acrescido do volume regurgitante, ou seja, trabalha com sobrecarga de volume.
*A sobrecarga crônica de volume dilata a cavidade ventricular. Se o processo for paulatino, a dilatação ocorre sem elevar as pressões de enchimento, devido ao aumento compensatório da complacência (elasticidade) do miocárdio. É o que se observa na fase assintomática das regurgitações valvares crônicas (ventriculomegalia sem IC).
*No entanto, a sobrecarga de volume aumenta o estresse sistólico pelo aumento de R (dilatação ventricular) na fórmula da Lei de Laplace. Para evitar o estresse sistólico, a resposta compensatória é uma HVE excêntrica, isto é, um aumento da espessura ventricular (h) proporcionalmente ao aumento da cavidade (R).
*Tal como ocorre na sobrecarga de pressão, com o passar do tempo, se a sobrecarga de volume não for corrigida, começa um processo progressivo de degeneração e apoptose dos miócitos cardíacos, dilatando ainda mais a cavidade ventricular, mas desta vez com redução da espessura da parede ventricular. As pressões de enchimento elevam-se neste momento. O coração, então, entra no mesmo ciclo vicioso descrito acima para a sobrecarga de pressão.
Resultado: IC sistólica.
Também há outros tipos de sobrecarga…
- Sobrecarga de Freguência: é um terceiro tipo de sobrecarga ventricular. Não aumenta o estresse sistólico ventricular por batimento, mas o aumento crônico da FC pode aumentar o estresse sistólico na unidade de tempo (muitos batimentos por minuto), além de aumentar o consumo miocárdico de oxigênio. O exemplo clássico é a fibrilação atrial crônica de alta resposta ventricular. Se a frequência cardíaca não for controlada e o paciente permanecer taquicárdico por meses a anos, haverá degeneração e apoptose dos miócitos cardíacos, culminando com IC sistólica. É o que chamamos de Taquicardiomiopatia. A correção da taquiarritmia pode reverter o processo!
- Sobrecarga na IC com Fração de Ejeção (FE) reduzida e no pós-IAM: na IC com FE reduzida, como veremos, a partir de um certo momento, o ventrículo trabalha com pós- -carga e pré-carga excessivas, ou seja, com sobrecarga de pressão e de volume, em cima de um miocárdio já doente. Sem dúvida é um importante fator para o remodelamento cardíaco. No pós-IAM do tipo transmural (infarto com supra de ST ou com onda Q), uma área de tecido miocárdico foi perdida (necrose), sobrecarregando os demais segmentos miocárdicos. Primeiramente eles se hipertrofiam, mas depois a sobrecarga crônica leva à degeneração e apoptose dos miócitos, agravando a disfunção sistólica. É o chamado remodelamento pós-IAM.
O que está por trás da sobrecarga ventricular?
O remodelamento cardíaco é provocado não só pela sobrecarga ventricular, mas também pelo efeito direto de mediadores neuro-humorais e citocinas, liberados em grande quantidade na IC sistóíica, no IAM transmural e em alguns pacientes hipertensos ou com valvopatias que sobrecarregam o VE. Destes mediadores, os mais estudados são:
- Angiotensina lI
- Aldosterona
- Noradrenalina
A lesão cardíaca leva ao baixo débito, reduzindo o fluxo sanguíneo para os baroceptores e para os rins. O resultado mais importante é a ativação do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA). A angiotensina li e a aldosterona agem sobre os rins promovendo a retenção de sódio e água, aumentando a volemia. A hipervolemia aumenta o retorno venoso ao coração direito e ao coração esquerdo, aumentando, portanto, o volume de enchimento ventricular. Chamamos o volume de enchimento ventricular, ou volume diastólico final, de Pré-carga.
Na fase inicial da doença, o aumento da pré- -carga, ou seja, a dilatação ventricular, funciona como mecanismo compensatório, para manter o débito cardíaco normal. Você deve se lembrar da Lei de Frank-Starling, que diz: "Quanto maior a pré-carga, maior o débito sistólico". Porém, existe um limite até o qual o ventrículo pode aumentar o seu débito sistólico. Quando este limite é atingido, o aumento adicional da pré-carga deixa de ser compensado - e é neste momento, geralmente, que o paciente começa a descompensar. Este fenômeno perpetua e agrava a dilatação ventricular na insuficiência cardíaca sistólica. E, com isso, desenvolve-se um ciclo de agressão contínua ao coração!
Repare então que,embora na fase inicial a ativação neuro-humoral seja benéfica e compensatória, a partir de um certo momento torna-se deletéria e excessiva, provocando sobrecarga a um ventrículo que já se encontra doente. A angiotensina 11, a noradrenalina e a vasopressina (ADH) são potentes vasoconstrictores arteriais; assim, provocam um aumento da resistência vascular periférica. O paciente torna-se vasoconstricto!!! Então surge um outro conceito: a Pós-carga. A pós- -carga do ventrículo esquerdo é determinada pela resistência vascular periférica. Outros fatores que influenciam a pós-carga do VE são a pressão arterial sistólica e a abertura da valva aórtica. A hipertensão arterial e a estenose aórtica são condições de pós-carga elevada. O principal fator que determina a pós-carga do ventrículo díreíto (VD) é a pressão arterial pulmonar. A hipertensão arterial pulmonar é uma condição de alta pós-carga do VD. 
Cabe lembrar que outros mediadores também estão envolvidos como vasopressina (ADH), endotelina, TNF-alfa, interleucina-1, etc. Tais mediadores, além de contribuírem para a sobrecarga hemodinâmica, pelo efeito vasoconstrictor e de retenção volêmica excessiva, também agem diretamente sobre o miocárdio, provocando degeneração e apoptose (angiotensina 11, noradrenalina, citoquinas) e fibrose intersticial miocárdica (aldosterona). A maior prova da sua participação fundamental no remodelamento cardíaco é a melhora pronunciada da performance ventricular e da sobrevida média pelo tratamento crônico com drogas que os inibem (ex.: inibidores da ECA, antagonistas da angiotensina li, antagonistas da aldosterona, betabloqueadores e, recentemente, os antagonistas da vasopressina). Para consolidar os conceitos sobre remodelamento cardíaco, observe as imagens a seguir.
IMPLICAÇÃO TERAPÊUTICA: Para melhorar os sintomas do paciente com IC devemos reduzir a pré-carga (diuréticos) e a pós-carga (vasodilatadores) - inotrópicos como o digital também podem ser utilizados. Para aumentar a sobrevida, devemos utilizar drogas que ínibam os mediadores neuro-humorais e o remodelamento cardíaco.
EPIDEMIOLOGIA
A IC constitui uma condição clínica cada vez mais comum, respondendo por uma parcela considerável dos óbitos devidos às doenças cardiovasculares. Tal fato se torna ainda mais relevante diante do envelhecimento populacional. Segundo estatísticas da última edição do Braunwald, um dos mais renomados tratados de Cardiologia, devem existir em torno de 23 milhões de portadores de IC em todo o mundo.
No Brasil, temos alguns poucos dados oriundos de estudos na cidade de Niterói (RJ) e no estado de São Paulo. Dados da Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), por exemplo, mostram que a IC ou etiologias associadas foram responsáveis por 6,3% dos óbitos no Estado de São Paulo.
QUADRO CLÍNICO
A síndrome de IC apresenta duas alterações básicas que explicam os seus achados característicos:
(1) Débito cardíaco insuficiente - o ventrículo não consegue bombear o sangue adequadamente para atender a demanda dos tecidos. Ocorre tanto na insuficiência do ventrículo esquerdo (IVE), quanto na insuficiência do ventrículo direito (IVD).
(2) Síndrome congestiva - ocorre acúmulo de sangue na porção do aparelho circulatório que precede o ventrículo insuficiente. Quando o problema é no VE, o aumento da pressão nesta câmara é transmitido ao átrio esquerdo, que por sua vez o transmite para a circulação venocapilar pulmonar. Quando o problema é no VD, o aumento da pressão nesta câmara é transmitido ao átrio direito, que por sua vez o transmite para a veia cava e, consequentemente, para a circulação venocapilar sistêmica. O resultado do aumento da pressão nas circulações venocapilares é o ingurgitamento venoso e o extravasamento de fluido para o interstício. No caso da hipertensão venocapilar pulmonar, a congestão pulmonar domina o quadro. Já a hipertensão venocapilar sistêmica causa congestão sistêmica, com !urgência jugular, hepatomegalia congestiva e edema de membros inferiores.
Dessa forma, como a manifestação depende em grande parte de qual foi o ventrículo predominantemente acometido, podemos didaticamente separar duas síndromes cllnicas diferentes:
Insuficiência ventricular esquerda (IVE): 
- Cansaço aos esforços 
- Dispneia aos esforços. ortopneia, DPN 
- Estertoração pulmonar 
- Derrame pleural
Insuficiência ventricular direita (IVD): 
- Cansaço aos esforços 
- Turgência jugular patológica 
- Refluxo hepatojugular 
- Sinal de Kussmaul (aumento da jugular na inspiração) 
- Hepatomegalia 
-Ascite, derrame pleural 
- Edema gravidade-dependente (membros inferiores, bolsa escrotal) 
Quando a IVE associa-se à IVD, instala-se o quadro clássico chamado de Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), caracterizada por congestão pulmonar e sistêmica (IVE + IVD)I Os principais sintomas da insuficiência cardíaca congestiva são o cansaço aos esforços (pela falta de um débito cardíaco adequado), a dispneia (pela congestão pulmonar) e a retenção de líquidos (pela congestão sistêmica). A redução da tolerância ao esforço e o edema não necessariamente ocorrem juntos; por isto, o termo mais recomendado não seria mais "insuficiência cardfaca congestiva ou ICC", já que nem sempre existe congestão (ou edema), mas falência cardíaca ou "insuficiência cardíaca" apenas.
Origem de cada achado:
- Cansaço aos esforços: no paciente com insuficiência ventricular, o débito cardíaco não aumenta como deveria durante o esforço físico, levando a uma oxigenação inadequada dos músculos esqueléticos. O resultado é uma sensação de fadiga, astenia e intolerância ao esforço físico.
- Dispneia: explicada pela congestão pulmonar quando ocorre IVE. O pulmão está com a quantidade aumentada de líquido intersticial, tornando-se mais pesado. Isso dificulta o trabalho respiratório, dando a sensação de dispneia. Inicialmente, o paciente refere dispneia aos esforços, pois a pressão venocapilar pulmonar eleva-se ainda mais durante a sobrecarga ventricular induzida pelo esforço físico. Com o tempo, surge a Ortopneia (dispneia desencadeada pela posição supina), havendo necessidade de utilizar vários travesseiros para dormir. Isso ocorre devido à redistribuição do sangue da circulação esplãncnica e das extremidades para a circulação pulmonar, quando o paciente se deita. A ortopneia é rapidamente aliviada quando o paciente se senta ou se levanta. Em casos mais graves, há Dispneia paroxística noturna ou DPN (franca taquidispneia, frequentemente acompanhada por tosse, que acorda o paciente geralmente após 1-3 horas de sono e leva 10-30 minutos para melhorar). A sibilância que geralmente acompanha a DPN recebe o nome de "asma cardíaca", e se deve ao broncoespasmo secundário ao edema intersticial pulmonar e ao aumento da pressão nas artérias brônquicas. Esse sintoma é frequentemente acompanhado pela tosse noturna.
- Retenção de llquidos: explicada pela congestão sistémica, quando ocorre IVD. O sangue que o ventrículo direito não consegue "empurrar" para frente fica retido nos vasos periféricos, elevando a pressão hidrostática e levando ao surgimento de !urgência jugular, hepatomegalia congestiva, ascite, edema de membros inferiores.
Outros sintomas, menos comuns:
• Anorexia, náusea e saciedade precoce devido a edema das alças intestinais.
• Dor no quadrante superior direito do abdome devido à distensão da cápsula hepática.
• Confusão mental, desorientação, alterações do sono e do humor devido à redução da perfusão cerebral.
• Noctúria.
Nos estados mais avançados da doença a perda ponderai é comum, sendo multifatorial: edema de alças intestinais e congestão do sistema venoso, aumento da taxa metabólica, saciedade precoce, anorexia, náusea e vômitos devido à hepatomegalia congestiva e ao aumento do TNFalfa circulante. A caquexia é um fator de mau prognóstico na IC.
E o que é a respiração de Cheyne-Stokes?
Este ritmo respiratório é comumente observado nos pacientes com IC avançada, decorrendo da redução do débito cardíaco e da diminuição da sensibilidade do centro respiratório àPC02 arterial. Observa-se uma fase de apneia durante a qual a P02 cai e a PC02 aumenta. Este aumento da PC02 causa hiperventilação e consequente hipocapnia, gerando um novo episódio de apneia, dando início a um novo "ciclo".
EXAME FÍSICO
O paciente pode apresentar crepitações pulmonares bibasais, alterações compatíveis com derrame pleural à direita, distúrbios no exame do precórdio (ictus difuso, terceira bulha, sopro sistólico mitral), turgêncía jugular patológica e acentuação pela compressão abdominal (refluxo hepatojugular), pulso venoso retroauricular (com o paciente a trinta graus), hepatomegalia, ascite, edema de membros inferiores e de bolsa escrotal.
Tanto a IVE quanto a IVD levam ao cansaço aos esforços - a explicação é simples: na IVE, o culpado é o próprio ventrículo esquerdo, que não consegue bombear o sangue para o corpo adequadamente Já na IVD, chega menos sangue ao VE, já que o ventrículo direito não consegue bombear com eficácia. Assim, mesmo que a função do VE esteja preservada, também ocorre cansaço aos esforços.
No início do quadro, a PAé geralmente normal, porém pode se apresentar diminuída nos casos mais graves, refletindo a importante redução do débito cardíaco. O pulso alternante também pode aparecer na IC grave. Taquicardia sinusal pode se dever à hiperatividade adrenérgica, que também causa vasoconstrição periférica, com extremidades frias e até mesmo cianóticas.
CLASSIFICAÇÃO
A IC pode ser classificada de quatro formas principais:
- pelo acometimento ventricular predominante
- pela fração de ejeção
- pelo débito cardíaco
- pela cronologia 
Todas elas são utilizadas em conjunto, na tentativa de caracterizar melhor o quadro do paciente e auxiliar tanto na busca do diagnóstico quanto na escolha do melhor método terapêutico. Confira a seguir algumas das principais características de acordo com cada classificação.
INSUFICIÊNCIA VENTRICULAR ESQUERDA X DIREITA
A maioria dos pacientes com IC apresenta-se com IVE, já que as causas mais comuns são a doença coronariana e a hipertensão arterial, condições que prejudicam mais o ventrículo esquerdo. Como vimos, estes pacientes normalmente apresentam quadro clínico com cansaço aos esforços (baixo débito) e síndrome congestiva pulmonar (dispneia, ortopneia, DPN, estertoração bibasal, derrame pleural), ou seja, com a síndrome clínica da IVE.
Na prática, porém, as insuficiências nem sempre são vistas de forma tão isolada. Muitos destes pacientes apresentam ainda aumento da pressão jugular e, por vezes, até uma turgência jugular patológica na manobra do refluxo hepatojugular, devido á interdependência entre VE e VD através do septo interventricular. Contudo, não há hepatomegalia congestiva, nem ascite e nem edema. Além disso, ao longo do curso da doença, espera-se que estes pacientes também apresentem IVD franca.
O aumento crõnico da pressão venocapilar pulmonar secundário à IVE pode ser transmitido retrogradamente para o leito arterial pulmonar, provocando vasoconstricção reativa dos vasos arteriais pulmonares que, com o tempo, sofrem hipertrofia muscular e até mesmo fibrose (remodelamento vascular). O resultado é a hiper- -resistência vascular pulmonar, levando a uma progressiva hipertensão arterial pulmonar (HAP). A pressão sistólica na artéria pulmonar normalmente é de 20 mmHg, elevando-se paulatinamente para 50 mmHg, um limite acima do qual o ventrículo direito entra em falência sistólica por sobrecarga de pressão (pós-carga excessiva). O resultado é a dilatação do VD, com degeneração miocárdica, disfunção sistólica e elevação importante das pressões de enchimento do coração direito. Ou seja, uma IVD franca. Neste momento, o paciente fica mais cansado ( o débito cardíaco cai mais ainda) e surge turgência jugular acentuada, hepatomegalia, ascite, edema de membros inferiores. Ele está, na verdade, com insuficiência biventricular (IVE + IVD).
Vale ressaltar que nas miocardiopatias (doenças primárias do miocárdio), o processo patológico pode atingir tanto o VE quanto o VD desde o início da doença. Nestes casos, o paciente já abre o quadro clínico com IVE + IVD. Na miocardiopatia da doença de Chagas, a IVD é particularmente acentuada e pode dominar o quadro. Outros exemplos de predomínio de IVD são as miocardiopatias restritivas e a pericardite constrictiva, causas clássicas de IC diastólica. Dois sinais de IVD são característicos destas últimas: sinal de Kussmaul (aumento da !urgência jugular com a inspiração) e pulso jugular com descenso Y proeminente.
Existem ainda causas de IVD isolada (IVD sem IVE). Podemos citar o infarto de ventrículo direito e o cor pulmonale. Lembrando: Cor pulmonale = IVD provocada por uma pneumopatia que cursa com hipertensão arterial pulmonar (ex.: embolia pulmonar, DPOC grave, outras pneumopatias hipoxêmicas).
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES
1- O paciente apenas com IVE já pode ter turgência jugular patológica e refluxo hepatojugular. A explicação é a interdependência entre VE e VD por meio do septo interventricular ( o aumento da pressão de enchimento do VE se transmite parcialmente para o VD através do septo!).
2- A estertoração pulmonar é mais comum na congestão pulmonar aguda (ou crônica agudizada). Na congestão pulmonar crônica, mesmo quando acentuada, os estertores estão frequentemente ausentes.
3- O derrame pleural é quase sempre maior à direita. É do tipo transudato (proteína e LDH baixos). A IC é a causa mais comum de derrame pleural transudativo!
4- A ascite é do tipo alto gradiente de albumina (> ou igual 1, 1 ), já que o seu mecanismo é a transudação hepática por hipertensão porta pós-hepática.
5- Todos os sinais e sintomas da síndrome congestiva (dispneia, turgênciajugular, hepatomegalia, derrame pleural, ascite, edema) respondem rapidamente á administração de diuréticos, especialmente a furosemida!
EXAMES COMPLEMENTARES
- SÍNDROME EDEMATOSA
Uma primeira questão importante consiste em se o edema é localizado ou generalizado. Caso seja localizado, devem-se considerar os fenômenos locais que podem estar implicados. Se o edema for generalizado, deve-se determinar, inicialmente, se há hipoalbuminemia grave, p. ex., albumina sérica < 25 g/L. Em caso
positivo, a anamnese, o exame físico, o exame de urina e outros dados laboratoriais
ajudarão a avaliar as hipóteses de cirrose, desnutrição grave ou síndrome nefrótica
ser a doença básica. Se não houver hipoalbuminemia, deve-se determinar se há evidências de insuficiência cardíaca grave o suficiente para produzir edema generalizado. Finalmente, deve-se verificar se o paciente apresenta ou não um débito urinário adequado ou se há oligúria ou anúria significativas.
A investigação laboratorial ou com exames de imagens dependerá dos achados iniciais do exame clinico e da anamnese. Portanto, conhecer a fisiopatologia do edema em suas diferentes etiologias é fundamental para a realização adequada do questionamento das queixas e a busca de sinais clínicos.
Alguns exames podem ser destacados, por serem frequentemente necessários na avaliação dos edemas e na programação terapêutica com diuréticos:
• Avaliação da função renal: ureia, creatinina sérica e urinária, urina tipo 1 e, na presença de proteinúria, dosagem de proteinúria 24h.
• Testes de função hepática: albumina sérica, tempo de protrombina.
• Dosagem de TSH e T4 livre para afastar hipotireoidismo.
• Avaliação cardiopulmonar inicial para avaliar a função cardiopulmonar. Na sequência, o ecocardiograma pode ser necessário, se esses dois exames mostrarem evidências de cardiopatia.
• Dosagem de eletrólitos: sódio sérico e urinário para avaliação da fração de excreção de sódio e dosagem de potássio sérico.
• Demais exames de imagem podem ser necessários na hipótese de distúrbio hepático: ultrassonografia de abdome ou, na identificação de edema unilateral de
membro inferior, ultrassonografia venosa com Doppler para avaliação de veias profundas e exclusão de trombos no trajeto venoso.
- SÍNDROME URÊMICA
É a presença de todos os constituintes da urina no sangue; pode ocorrer secundariamente a falência renalou a distúrbios pós-renais, incluindo obstrução uretral e ruptura da vesícula urinária. A síndrome urêmica é uma constelação de sintomas (gastroenterite, acidose, penumonite, osteodistrofia e encefalopatia) que ocorrem secundariamente à uremia.
Síndrome composta por distúrbios neurológicos (irritabilidade, sonolência, confusão
mental, convulsões, coma), cardiovasculares (pericardite, tamponamento pericárdico, arritmias), pulmonares (congestão pulmonar, pleurite), digestivas (inapetência, náuseas, vômitos, gastrite, úlceras pépticas e enterocolites), hematológicos (anemia, alterações da função de neutrófilos e linfócitos e defeitos plaquetários, predispondo a infecções e hemorragias).
AVALIAÇÃO LABORATORIAL
• Creatinina e taxa de filtração glomerular: para que ocorra aumento dos níveis de
creatinina, a taxa de filtração glomerular deve estar reduzida cm torno de 70%.
Desse modo, a creatinina sérica não constitui parâmetro fidedigno nas disfunções renais precoces. É importante lembrar que aumentos muito rápidos de creatinina sérica podem ser decorrentes de rabdomiólise.
• Ureia: principal produto do catabolismo proteico e primariamente excretada pelos
rins. Quando existe diminuição do fluxo sanguíneo renal, a reabsorção tubular de ureia pode atingir valores ao redor de 90%. Contudo, há situações em que ocorre aumento dos níveis de ureia sem uma correlação direta com a função renal: sangramento gastrintestinal, uso de corticosteroides, estados de hipercatabolismo e aumento de ingesta proteica.
• Eletrólitos plasmáticos:
1) sódio: hipo ou hipematremia, com maior incidência do primeiro;
2) potássio: hipercalemia;
3) fósforo: usualmente, ocorre hiperfosfatemia em torno de 5 a 8 mg/dL, podendo existir níveis mais elevados na presença de grande destruição tecidual;
4) cálcio: hipocalcemia, sendo rara a ocorrência de hipercalcemia;
5) magnésio: hipermagnesemia geralmente assintomática.
Essas anormalidades devem ser rapidamente determinadas e monitoradas, fazendo
parte do diagnóstico e do tratamento dos quadros de lRA.
• Índices urinários: a avaliação do sedimento urinário poderia ser útil no diagnóstico
diferencial entre azotemia pré-renal e NTA.
No entanto, o índice com maior grau de acurácia nessa diferenciação parece ser a fração de excreção de sódio - tipicamente menor do que 1 % na IRA pré-renal (indicio de retenção de sódio) e cerca de 3% na NTA. Existem, entretanto, condições em que essa distinção não é acurada, como NTA superimposta a quadros crônicos de hipoperfusão renal (cirrose, insuficiência cardfaca congestiva) e uso prévio de
diuréticos de alça (aumento da perda de sódio).
Um outro índice urinário passou a ser também avaliado: a fração de excreção de
 ureia. Esse índice teria um melhor desempenho, principalmente nos casos em que
 houvesse uso de diuréticos, sendo seu valor menor do que 35% nos quadros pré-renal
e maior do que 35% na NTA. Outro fndice também utilizado é a osmolaridade urinária.
• Sedimento Urinário: 
1) pH: tende a ser maior nos quadros pré-renais;
2) densidade: nos quadros de IRA, ocorre perda da capacidade de diluição e concentração;
3) glicosúria: pode representar dano tubular intenso na ausência de hiperglicemia;
4) sangue: a excreção de mioglobina, como nos casos de rabdomiólise, e a excreção de hemoglobina, como cm certos casos de anemias hemollticas, são responsáveis por testes positivos;
5) proteinúria: quando mínima, pode caracterizar quadros pré-renais e obstrutivos; nefrites intersticiais podem ser responsáveis por valores ao redor de 2 gldia;
6) leucocitúria: nas pielonefrites;
7) eosinofilúria: nefrite intersticial aguda;
8) cristalúria: em casos de lise tumoral intensa e toxicidade de sulfas e antivirais.
• Relação creatinina urinária/creatinina plasmática: outra maneira de estimar a reabsorção tubular de água.
A concentração de creatinina no filtrado é igual ao plasma e aumenta progressivamente à medida que a água, mas não a creatinina, é reabsorvida; a secreção de creatinina também pode ter uma contribuição modesta para a elevação do lndice. Pacientes com doença pré-renal geralmente têm uma relação acima de 40, indicando que 39/40 ou 97,5% da água filtrada foi reabsorvida. A reabsorção de água é menos eficiente na NTA, ficando o índice abaixo de 20, refletindo a reabsorção de menos de 19/20 ou 95% da água filtrada.
AVALIAÇÃO DA MORFOLOGIA RENAL (DIAGNÓSTICO POR IMAGEM)
O procedimento mais simples é a ultrassonografia, que traz informações a respeito do tamanho renal, das características do parênquima (ecogenicidade) e da presença de hidronefrose. Na suspeita de doenças vasculares, a realização de ultrassonografia com Doppler pode trazer informações dos fluxos em veias e artérias renais. Convém ressaltar que exames contrastados devem ser evitados na vigência de IRA. Até pouco tempo, preconizava-se, caso fosse fundamental um exame contrastado, a realização de ressonância magnética com gadolínio.
Contudo, estudos mostram que em pacientes com clearence de creatinina < 30 m/min o gadolínio não deverá ser utilizado, pois pode desencadear uma síndrome grave caracterizada por fibrose pulmonar, cutânea ou renal, denominada fibrose sistêmica nefrogênica que, geralmente, é fatal e ainda sem tratamento.
BIOPSIA RENAL
A biópsia renal está indicada quando a causa da IRA permanece desconhecida,
suspeita-se de doenças sistêmicas, na vigência de manifestações clínicas extrarrenais, proteinúria maciça ou persistente, hipertensão arterial grave na ausência de hipervolemia, oligúria prolongada por mais de 4 semanas, anúria na ausência de uropatia obstrutiva, suspeita de necrose cortical ou de nefrite intersticial por agentes necessários ao tratamento do paciente.

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