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incontinência urinária

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incontinência urinária
	A incontinência urinária (IU) é a queixa de perda involuntária de urina. Com etiologia multifatorial, é elemento gerador de exclusão social, interferindo na saúde física e mental da paciente e comprometendo sua qualidade de vida.
	A IU é a soma de fatores de um processo natural que vão danificando e enfraquecendo o assoalho pélvico ao longo dos anos. Além disso, há também outras patologias que, independentemente da idade, vão contribuindo para esse desfecho.
	A IU é mais comum em mulheres, por apresentarem menor comprimento uretral e maior chance de dano musculofascial durante a gestação e o parto. O aumento da prevalência em mulheres com maior idade pode ser explicada por fatores como aumento de problemas orgânicos, dificuldade de mobilização, constipação, doenças respiratórias crônicas, cirurgias ginecológicas prévias, além do envelhecimento natural do assoalho pélvico na pós-menopausa.
	A obesidade é o mais importante fator de risco; obesas têm três vezes mais risco de IU do que as não obesas, particularmente na IU de esforço. O aumento da paridade é outro fator de risco, e pacientes com partos normais têm maior risco de IUE que as das cesarianas. A cesariana isoladamente, porém, não é fator protetor. Na história familiar, o componente genético parece aumentar o risco para incontinência, principalmente na IU de urgência. 
	Tabagismo, menopausa, cirurgias urogenitais prévias, doenças crônicas, atrofia genital e paradoxalmente a terapia hormonal também parecem aumentar o risco de incontinência. Infecção urinária, gestação, consumo de cafeína, vaginite atrófica, ação medicamentosa, imobilidade, entre outros, são fatores transitórios e reversíveis.
	
	Os tratos urinário e reprodutivo estão intimamente associados durante o período embrionário. O trato urinário inferior pode ser dividido em três partes: bexiga, colo vesical e uretra.
	A bexiga é um órgão muscular revestido de epitélio de transição cuja função é o armazenamento da urina. A musculatura da bexiga consiste em camadas de músculo liso, que são densamente entrelaçadas e constituem o músculo detrusor. Na base da bexiga encontra-se o colo vesical ou trígono, que é embriologicamente distinto da bexiga.
	A uretra feminina mede aproximadamente de 3 a 4 cm de comprimento e de 5 a 6 mm de diâmetro, sendo composta por um epitélio estratificado pavimentoso; intercaladas ao epitélio, há porções de epitélio semiestratificado cilíndrico. A mucosa está disposta em pregas alongadas, em razão da organização da lâmina própria fibrelástica. Esse eficiente mecanismo de selo da mucosa é a maior contribuição para o fechamento da uretra, e está sujeito ao efeito hormonal. A falta de estrogênio leva à atrofia e à substituição do suprimento vascular por tecido fibroso. Outras causas dessa incompetência são cirurgias múltiplas, traumas, radiação e neuropatias.
	A musculatura lisa da uretra tem duas camadas que são continuação das camadas interna e externa do músculo detrusor da bexiga. A camada interna é composta por fibras longitudinais, que se contraem no início da micção. A camada externa, formada pelas fibras semicirculares, mantém a uretra e o colo vesical fechados em situações de repouso. Essas camadas formam o esfíncter uretral interno, cuja inervação é simpática e parassimpática, com predomínio de receptores α -adrenérgicos. No terço médio, a uretra é circundada por dois grupos de fibras musculares estriadas que formam o esfíncter uretral externo. Acredita-se que a porção medial da uretra desempenhe o principal papel no mecanismo da continência. 
	O conceito de esfíncter é baseado em mecanismos ou zonas de continência. O mecanismo proximal situa-se no nível do colo vesical, sendo considerado de manutenção do tônus de fechamento do colo vesical. Durante as contrações do músculo detrusor o colo se abre, permitindo a passagem da urina. O mecanismo distal ocorre na altura do assoalho pélvico, sendo composto pelo esfíncter externo da uretra e pelos músculos elevadores do ânus. 
Os músculos estriados dessa região têm duas porções: a) rabdoesfíncter, que é composto por fibras tipo 1, responsáveis pela contração lenta, especializadas em manter o tônus por um grande período sem fadiga; e b) musculatura estriada periuretral, formada por fibras tipos 1 e 2, responsáveis pela contração rápida e vigorosa após estímulo voluntário. 
O mecanismo intrínseco estende-se por toda a uretra e é composto por mucosa, submucosa, tecido elástico periuretral e músculo uretral liso. O mecanismo extrínseco, por sua vez, age quando há súbitos aumentos da pressão intra-abdominal, desempenhando contração da musculatura do assoalho pélvico, ao mesmo tempo em que ocorre o aumento da pressão intra- abdominal, ampliando, assim, a pressão uretral e diminuindo a possibilidade de perda involuntária de urina.
A IU, como sintoma na fase de armazenamento, pode ser classificada basicamente em IUE (por esforço), IUU (de urgência), incontinência urinária mista, incontinência por desvio, incontinência por transbordamento e incontinência funcional (ou transitória), as quais são descritas a seguir.
· Incontinência urinária de esforço
	A IUE é definida como toda observação de perda involuntária de urina pelo meato uretral externo, sincrônica ao esforço, espirro ou tosse. É também conceituada como a perda involuntária após um esforço sem que haja contração do detrusor. Devido a uma alteração anatômica ou funcional da uretra, a pressão intravesical excede a pressão intrauretral em situações de esforço. A IUE é classificada em duas categorias: hipermobilidade do colo vesical e defeito esfincteriano uretral intrínseco (DEUI). 
	A hipermobilidade do colo vesical ocorre devido a alterações no mecanismo uretral extrínseco, secundário à mudança de posição do colo vesical e da uretra proximal. O posicionamento do colo vesical é essencial para o correto funcionamento do mecanismo de continência urinária. O diagnóstico da hipermobilidade é presuntivo no exame clínico e na avaliação urodinâmica (AU), quando os valores de pressão da perda urinária forem superiores a 90 cmH2O, podendo ser confirmado também em exame de imagem, como a ultrassonografia (US) ou uretrocistoscopia.
	A DEUI refere-se à inabilidade ou falência dos mecanismos esfincterianos que são os responsáveis para que os níveis pressóricos na bexiga e na uretra proximal sejam semelhantes, podendo coexistir alterações das estruturas anatômicas de suporte uretral. Clinicamente, caracteriza-se por perdas com mínimos esforços, e pode ser diagnosticada quando a pressão de perda for inferior a 60 cmH20 no estudo urodinâmico.
· Incontinência urinária de urgência 
A IUU é definida como a perda involuntária de urina acompanhada de urgência. As pacientes com esse distúrbio apresentam falta de controle da micção quando têm urgência miccional ou quando sentem a bexiga cheia. Nessas situações, há o início da micção e a inabilidade de cessá-la, com perda irregular de grande ou pequena quantidade de urina. É chamada de bexiga neurogênica ou hiperatividade neurogênica quando as pacientes apresentam doenças neurológicas.
A síndrome da bexiga hiperativa (SBH) se caracteriza pela presença de urgência, geralmente acompanhada por aumento da frequência e noctúria, com ou sem incontinência, na ausência de infecções urinárias ou outras patologias intrínsecas.
· Incontinência urinária mista 
A IU mista ocorre quando há concomitância dos dois componentes de esforço e urgência. 
	
· Incontinência por desvio 
A IU por desvio ocorre na presença de fístulas urogenitais.
· Incontinência por transbordamento 
A IU por transbordamento normalmente ocorre quando a bexiga apresenta-se com volume aumentado na ausência de contração do detrusor. Ocorre com mais frequência devido a uma obstrução pósoperatória se o colo vesical é sobrecorrigido ou com uma bexiga hiporrefléxica devido a uma doença neurológica ou por lesão na medula espinal.
· Incontinência funcional ou transitória
	A IU funcional ocorre na presença de infecções, fármacos, mobilidade restrita,demência, comprometimento vascular cerebral e outras patologias crônicas, como diabetes e pneumopatias. 
· Diagnóstico
	
	A primeira abordagem em uma paciente com IU é uma boa história clínica. O conhecimento da duração, da frequência e da gravidade da condição é essencial para a compreensão das implicações sociais e seu impacto na qualidade de vida da paciente, além de orientar o médico na condução diagnóstica e terapêutica.
	A frequência considerada normal para urinar é até oito vezes ao dia e uma vez à noite, com um volume máximo diário de até 1.800 mL. 
	O exame ginecológico deve ser feito em todas as mulheres com queixa de IU. O exame deve começar com a paciente na posição de litotomia. O objetivo é inspecionar as áreas da vulva, da parede vaginal e do assoalho pélvico. 
	A integridade da parede vaginal deve ser avaliada. A presença de atrofia pode ser indicativa da privação estrogênica na pós-menopausa. A presença de defeitos da parede vaginal anterior (cistocele), posterior (retocele) e defeitos apicais, como prolapso uterino e enterocele, podem ser observados e quantificados. Realizar a manobra de Valsalva ou tossir repetidamente com a bexiga confortavelmente cheia são testes que podem ser realizados para observar a perda aos esforços. A mobilidade do colo vesical pode ser observada também, mas deve-se atentar para o fato de que muitas mulheres com hipermobilidade podem não apresentar IU.
	A presença de urina na vagina pode ser indicativa de fístulas. A avaliação neurológica inicialmente não é necessária, a menos que surjam suspeitas mais específicas.
	
	A US tem seu papel como exame complementar na investigação das pacientes com IU. Inicialmente foi utilizada para avaliação da hipermobilidade do colo vesical, mas ao longo dos últimos anos vem sendo realizada para várias outras patologias que envolvem o trato urinário. A US pode ser utilizada pelas vias transretal, transvaginal, transperineal e a translabial. As vias translabial e transvaginal, no entanto, são as mais utilizadas. 
	Para avaliação da hipermobilidade, o transdutor é aplicado em sentido sagital ao períneo para a visualização do colo vesical, da junção uretrovesical (JUV) e da sínfise púbica. Mede-se o deslocamento da JUV em relação à sínfise púbica durante o repouso e o esforço. Constatou-se que um deslocamento superior a 10 mm é compatível com o diagnóstico da hipermobilidade. 
A US pode ser utilizada para identificação de prolapsos genitais e divertículos, medida do resíduo pós-miccional, avaliação da uretra e esfíncteres, além de acompanhamento pós-operatório de cirurgias anti-incontinência. Além disso, a medida do diâmetro uretral interno superior a 6 mm está associada com DEUI.
· Tratamento
As intervenções não terapêuticas constituem-se de produtos que auxiliam na coleta (cateterismos permanentes ou intermitentes, absorventes), prevenção (dispositivos vaginais) ou bloqueio da perda urinária (dispositivos uretrais). Elas auxiliam no manejo temporário, considerando outras opções terapêuticas, ou de longo prazo, em casos de falha terapêutica completa ou contraindicações absolutas a outros tratamentos.
Classicamente, o tratamento para a IU era cirúrgico. Com o passar do tempo e diante de possível insucesso terapêutico, procurou-se compreender melhor a fisiopatologia da doença, desenvolver exames para um diagnóstico mais preciso e buscar novas opções de tratamento. Atualmente o tratamento não cirúrgico tem sido indicado, inicialmente, para a maior parte dos casos.
	A farmacoterapia se apresenta como uma segunda linha de tratamento em pacientes que obtiveram resposta insatisfatória ao treinamento vesical. Tendo como base a neurofisiologia do trato urinário, os fármacos utilizados atuam produzindo relaxamento do detrusor (ação antimuscarínica), auxiliando na continência nos casos de IUU e IUM.
	O mirabegron é um novo fármaco, com diferente mecanismo de ação, também indicado para tratamento de IUU e IUM. Tem ação agonista em receptores β -3-adrenérgicos, e há previsão de disponibilidade em nosso meio a partir de 2016. Constitui uma opção para pacientes que não toleram ou têm contraindicações a medicações anticolinérgicas. Também é possível combiná-lo ao anticolinérgico em pacientes com má resposta a este.
	Quando não há resposta a nenhum outro tratamento, a paciente deve ser referenciada a um urologista para avaliar a necessidade de cirurgia. Geralmente, as opções incluem cistoplastia de aumento, derivação urinária ou colocação de cateter suprapúbico.
	O cloridrato de duloxetina foi um fármaco proposto para uso em pacientes com IUE, e age inibindo a recaptação de serotonina e norepinefrina, com potencial aumento da atividade motora da musculatura estriada periuretral. Pode apresentar benefícios em algumas pacientes, mas, atualmente, não é recomendado como primeira linha de tratamento. 
	O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de IU por defeito anatômico. Muitas cirurgias têm sido propostas, mas poucas permaneceram indicadas com bom embasamento científico, como a colpossuspensão retropúbica (cirurgia de Burch) e os procedimentos de sling tradicionais.

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