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PÚBLICA 
 
 
Esse artigo foi criado em 2017, pelo mentor Endeavor Marcio Pionkowski, 
ex-CFO da In Loco, sobre sua experiência lidando com crises financeiras. 
Os aprendizados sobre renegociação de dívidas, redução de custos e um 
plano de ação para navegar pela crise são mais atuais do que nunca, como 
orientações para scale-ups impactadas diretamente pelo Covid-19. 
Acontece com muita gente. O negócio parecia bem, as vendas aumentavam a 
cada mês, dinheiro entra, dinheiro sai… Mas chegou a hora em que o dinheiro 
acabou. O caixa fica no vermelho e a solução parece por vezes ser a mais óbvia: 
reduzir custos. Demitir pessoas nem sempre dá, porque a rescisão custa. Mudar 
o plano de saúde, cortar o copinho plástico do escritório ajudam, mas muitas 
vezes escondem um desafio maior: o empreendedor tem problemas estruturais 
de fluxo de caixa. 
 
 
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Minha experiência com gestão de caixa sob estresse foi no susto. Onze anos 
trabalhando em uma multinacional, posso dizer que o que eu mais tinha era 
disponibilidade de recursos. Porém, quando fui para uma empresa de médio 
porte que fazia terceirização de serviços, tive que aprender na prática o que era 
viver com o caixa no vermelho. No início, foi bastante assustador: a situação 
parecia irreversível, não tinha mais de onde tirar dinheiro para cobrir as 
despesas, e cheguei a dormir noites sem saber como pagaria fornecedores no 
dia seguinte. 
Com o tempo, fui ganhando musculatura para lidar com esse desafio e uso esses 
aprendizados nas mentorias que faço com alguns empreendedores apoiados 
pela Endeavor. Reuni neste artigo um passo a passo para te orientar nesse 
desafio, caso você também esteja com problemas de fluxo de caixa. 
Por que estou com problemas com fluxo de caixa? 
Idealmente, todo o empreendedor precisar trabalhar para identificar os 
problemas de fluxo de caixa o quanto antes, por meio do planejamento. No 
entanto, o jeito mais óbvio de percebermos os problemas com o fluxo de caixa é 
a falta de dinheiro em si. Chega um dia em que você não consegue honrar os 
compromissos e começa a atrasar os primeiros pagamentos. Com uma 
sistemática de planejamento e visualização antecipada dos problemas, não 
resolvemos a situação em si, mas fabricamos tempo para tomar uma série de 
medidas de ajuste. 
Antes de seguir, é importante termos clareza de qual (is) cenário (s) estamos 
vivendo: 
1) “O negócio “para de pé”, é economicamente viável, 
mas sofre temporariamente de problema financeiro.” 
 
 
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Se você ainda não o fez, sugiro começar com a projeção de um fluxo de caixa 
para os próximos três ou quatro meses e se deparar com a quantificação do real 
problema. Nos mundos da psicologia e da gestão, estar face a face com ele é 
um importante passo para começar a resolvê-lo. Enfiar a cabeça dentro de um 
buraco, entrar em senso de negação ou colocar as fichas em algum evento 
incerto podem ser apenas a terceirização do problema ao acaso. 
Ninguém melhor para resolver esse problema tático do que o esforço conjunto do empreendedor e sua equipe. 
2) “Desconfio que o problema seja mais grave, 
porque tenho indícios de que a conta nunca fecha.” 
Essa é uma situação mais séria, que vai além da capacidade de gestão do time 
financeiro e envolve diretamente o empreendedor e o modelo de negócios da 
empresa. Os problemas de viabilidade econômica podem acontecer com 
qualquer empresa ao longo de sua vida, não só com as mais novas que ainda 
estão em fase de validação do negócio. 
A empresa onde trabalhei, por exemplo, já tinha 17 anos de mercado, um 
faturamento de US$ 250 milhões por ano. Mas a conta não fechava. Ao longo de 
uma década ela foi pedalando: entrava dinheiro, fechava novos contratos, 
crescia e abraçava novas linhas de crédito para sustentar a operação. 
Mas a rentabilidade era baixa e o risco altíssimo. Ela 
foi crescendo, se endividando…Até que uma hora a 
corda estourou. 
Enxergar se essa situação também acontece no seu negócio é um enorme 
desafio porque o empreendedor é o primeiro a defender com todas as forças sua 
empresa. Esse senso de autonegação faz a pessoa perder a capacidade objetiva 
de olhar o mercado e reinventar o negócio criando um modelo mais sustentável 
financeiramente. 
 
 
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O empreendedor precisa entender o mercado, seus competidores e se sua 
proposta de valor é adequada para gerar vendas — em algum aspecto do 
produto ou serviço deve haver diferenciação suficiente para fisgar o seu cliente. 
Logo, realismo em torno do desenho do produto ou serviço, a começar pela 
precificação, é vital para um negócio sustentável e que se refletirá na 
rentabilidade da empresa. O outro lado dessa moeda mora na estrutura eficiente 
de operação da empresa, no qual o consumo de recursos deve ser na medida 
certa para a entrega da proposta de valor. 
Se o problema de fluxo de caixa na sua empresa for apenas tático, será muito 
mais fácil de resolver. Nesse texto, você encontra algumas ações práticas para 
adotar e melhorar a saúde do seu caixa. Mas, se for também estrutural, 
relacionado com a viabilidade do negócio, vai depender de você se reinventar. 
Para se aprofundar, veja também: Pivot: 10 formas de dar um 180° no 
seu negócio 
Prever o futuro antes do dinheiro acabar 
Você precisa saber meses antes que vai faltar dinheiro para ter tempo de fazer 
alguma coisa a respeito. Porque se já faltou e a data de vencimento é amanhã, 
suas opções se tornarão mais restritas (se ainda houver!), como pegar um 
“dinheiro caro” para pagar com urgência as contas prestes a vencer. 
É necessário fazer planejamento! Não precisa ser uma projeção anual se a 
natureza da sua empresa for pouco previsível e os clientes não forem regulares. 
Faça uma projeção de caixa para os próximos 3 ou 4 meses. Ainda parece muito 
tempo? Comece, então, prevendo as próximas 4 semanas. O mais importante é 
ganhar alguma margem de antecipação porque, com o tempo, você fará 
melhores escolhas e, sobretudo, não começará a colocar sua reputação em 
risco. 
 
 
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Quando você faz um fluxo de caixa com certo horizonte, consegue prever com alguma dose de realismo se existe problema à 
vista. 
Assim, você tem tempo de discutir com seus sócios o que é prioridade negociar 
para fazer as contas fecharem. 
Fluxo de caixa é matemática simples: só 
pode sair aquilo que entrou 
Seja realista nas previsões de entradas e muito mais ainda ao cobrá-las 
O controle de contas a pagar e a receber tem dinâmicas totalmente diferentes. 
Por um lado, a saída de caixa será mais previsível. Você sabe que precisa pagar 
todo mês os salários dos funcionários, os encargos, impostos, aluguel e 
fornecedores. Porém, as entradas não são tão previsíveis assim. Há o risco da 
inadimplência e de atraso de seus clientes, então é importante que o 
conhecimento e dados do histórico sejam usados na projeção. Fluxo de caixa 
tem que ser uma peça de realismo, e não de desejos de que algo funcione. 
Recomendo, então, que entradas arriscadas sejam retiradas do fluxo e mantidas à parte dentro da lista de ações e medidas 
para o time. 
Aliás, quanto menor for sua margem de lucro, mais importante será ter um grau 
de certeza alto de pagamento dos clientes. Se um negócio de serviços, por 
exemplo, tem uma margem de 10 a 15%, e apenas 80% de previsibilidade do 
pagamento, essa combinação já é suficientemente explosiva para a conta não 
fechar ao final do mês. 
Nesse caso, será mais necessário ainda estruturar um processo de cobrança 
com regras claras, definindo por um lado que flexibilidade de prazos será 
oferecida ao cliente mas em quais momentos as devidas medidas 
administrativas e judiciais serão tomadas. É recomendável que alguém do time 
 
 
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exerça a função de primeiro nível de cobrança, já que ela é vital para o fôlego do 
seu negócio, mas não tira o foco do empreendedor de outras importantes 
questões. 
Leia também: Processo de cobrança:um 
plano de ação para evitar atrasos e 
inadimplência 
Não tenha vergonha de negociar 
Quando vemos momentos difíceis no horizonte, a reação mais usual que 
observei entre empreendedores (e eu mesmo a tive ao início do meu ciclo de 
gestão de caixa sob estresse) é esgotar primeiramente as alternativas de 
endividamento a curto prazo, desde a antecipação de recebíveis até recorrer a 
um empréstimo. A reação é lógica por um lado, mas muitas vezes insuficiente. 
Interessante também é pontuar os pensamentos por detrás deste 
comportamento — “Eu, empreendedor ou gestor, resolverei o tema internamente 
e não deixarei transparecer nenhum tipo de dificuldade aos nossos parceiros e 
colaboradores”. 
Entretanto, dependendo do porte do problema de caixa, quanto mais cedo o 
empreendedor sentar e negociar com seus parceiros de negócio, melhor. Podem 
ser seus prestadores de serviço, fornecedores e até mesmo o proprietário do 
prédio que você aluga. A maioria dos empreendedores fica reticente em fazer 
isso por não quererem transparecer algum problema de solidez, mas se o 
recurso for bem usado, você e seus parceiros passarão pela turbulência e, ainda 
de quebra, terão a relação de confiança fortalecida. O famoso “combinado não 
sai caro” se encaixa muito bem aqui. 
É interessante se colocar nos sapatos de seus parceiros — o pior para eles é 
haver expectativa de um pagamento seu, e sem uma comunicação prévia não 
 
 
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receber nada. Do lado do fornecedor, também é importante fidelizar o cliente. 
Então, ele vai fazer o que for preciso para mantê-lo como cliente ativo, de acordo 
com a disponibilidade de capital e o fôlego financeiro dele. 
Novamente, na minha experiência, quando você faz isso com antecedência 
suficiente, quem está do outro lado se torna muito receptivo. Depois de sair 
daquela empresa de prestação de serviços, fui trabalhar em um hospital que 
tinha uma situação de caixa sensível às vésperas do 13º salário –e, ao mesmo 
tempo tinha que garantir a normalidade de serviços e suprimentos. Comecei no 
final de outubro a negociar com os parceiros uma janela de tempo até janeiro, 
garantindo um fluxo mínimo de pagamento que tinha certeza que cumpriríamos 
(olha aí a importância do fluxo de caixa novamente!). 
Ao final passamos pelo período juntos, com feedback positivo de vários deles 
quando viram que cumprimos o combinado. A negociação evitou que nós 
tivéssemos problemas com o fornecimento dos equipamentos e também um 
excesso de cobranças no momento errado, que tiram a tranquilidade de qualquer 
pessoa. 
Essa atitude de negociação deixou a reputação do hospital mais fortalecida porque transpareceu maturidade de gestão. 
Se precisar atrasar, priorize o que tem menor risco para 
o negócio 
Você tem uma série contas na mesa e precisa decidir qual delas priorizar, já que 
não consegue pagar todas. Nesse caso, escolha pagar primeiro aquilo que tem 
o maior risco de interromper o funcionamento da sua operação. Recomendo que, 
quanto maior sua operação for, mais pessoas de outras partes da empresa 
sejam envolvidas, porque uma cabeça só será insuficiente para ponderar todas 
as possíveis consequências. Isso implica comunicação sólida e positiva aos 
colaboradores que serão envolvidos neste “comitê de pagamentos”. 
 
 
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Tente ao máximo conjugar esta ação com a anterior, garantindo boa 
comunicação com os parceiros possíveis. 
Aumentar as vendas nem sempre é a 
solução 
Se lá em cima nós dissemos que fluxo de caixa é uma matemática simples de 
entrada e saída de dinheiro, uma forma de atacar o problema é aumentando a 
entrada de capital, certo? 
A estratégia de gerar mais caixa sempre passa por aumentar o volume de vendas, mas essa nem sempre é a decisão mais 
eficiente para o curto prazo. Em alguns casos, acredite, é mais importante vender menos. 
Boa parte das vendas demanda algum capital de giro, o que você poderá não 
ter. Ainda pior: se você caminhar para contratos com risco de inadimplência e 
baixa rentabilidade, pois você pode comprometer ainda mais o funcionamento 
da empresa. Você aumenta a demanda de mão de obra, matéria prima ou 
suprimentos para garantir aquela entrega e não tem segurança de que o 
pagamento vai ser realizado no tempo que você precisa. 
Nesses casos, pode ser mais importante você limpar seu portfólio de clientes 
para diminuir o risco. Você pode diminuir o número de contratos, equacionando 
quem são os clientes com margem baixa e risco alto de inadimplência para, 
então, decidir abrir mão deles. 
Por outro lado, para compensar esse movimento de enxugamento de carteira (e 
de entradas) será preciso reestruturar os gastos da empresa. 
Reestruturação de gastos 
Se você mexeu no volume de vendas e no número de clientes, precisa 
compensar isso reestruturando os gastos para a operação ficar mais enxuta. Na 
 
 
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prática, significa desde a troca de fornecedores, plano de saúde até o local de 
seu escritório para diminuir os gastos totais. 
Essa reestruturação se divide em coisas que custam e outras que não custam. 
Por exemplo, mandar pessoas embora custa. Se você não tem caixa, não poderá 
mexer nisso no curto prazo. Mas poderá rever contratos de fornecimento de 
insumos e de serviços, pedir condições melhores sobretudo se forem contratos 
mais antigos e gerar espaço gradual em caixa para medidas de redução de 
gastos que custem. 
Lembre-se que se o mercado está mais volátil nos últimos dois anos, e os parceiros estarão mais abertos para negociar. 
Como é a rotina do financeiro quando o caixa 
está no vermelho? 
Se a situação realmente é grave, não dá para o gestor financeiro tomar as 
decisões sozinho. Quanto mais graves as decisões, mais frequentes precisam 
ser as conversas dele com os empreendedores. Na primeira experiência que 
tive, nós fazíamos uma ou duas conversas por semana porque não tínhamos 
dinheiro para pagar todo mundo. As decisões do que seria pago ou não eram 
feitas por um comitê, formado por líderes de outros times, porque uma cabeça 
sozinha não consegue mais pensar em todas as consequências de uma conta 
não paga. 
Alguns membros desse comitê podem ser eleitos inclusive o “padrinho” de 
comunicação com determinados parceiros — portanto, não se esqueça de 
alinhar o discurso entre todos, tendo certeza de que o tom e mensagem estão 
ajustados. 
Se o gestor financeiro ficar sozinho, vai tomar más decisões. Em grupo, ele terá uma visão mais ampla da situação para 
priorizar melhor, minimizando o risco para o negócio. 
 
 
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E como ficam as pessoas? 
O mais difícil no processo de reestruturação de custos é quando ela chega aos 
funcionários da empresa. Vários empreendedores e gestores esgotam as 
alternativas externas, antes de seguir com cortes de funcionários. 
Nessa fase, a transparência é essencial. É muito importante colocar todo mundo 
na mesma página, para que todos entrem em um modo de ‘vacas magras’, 
economizando ao máximo: do porteiro ao empreendedor. 
Se puder, evite a todo custo mexer nos benefícios dos funcionários porque isso 
afeta a percepção do clima da empresa, diminui o engajamento das pessoas e 
aumenta o medo e a insegurança. Antecipe-se a essa decisão para cortar gente, 
se for preciso, quando você ainda tem dinheiro em caixa. 
Na minha opinião, é mais importante garantir que quem está dentro está feliz do 
que tentar preservar todo mundo sem oferecer um ambiente, benefícios e 
estrutura que as façam felizes lá dentro. 
Para se aprofundar, veja também: 
Demissão: um percurso que exige 
cuidados redobrados 
Nesse momento, o papel do líder é trabalhar a moral das pessoas. Esteja 
presente na empresa, seja visto pelos corredores, converse com as pessoas, 
faça reuniões e comunicados frequentes. As pessoas pedem por isso e, quanto 
menos veem os líderes por perto, mais sozinhas se sentem com receio do que 
pode acontecer. 
É em momentos de crise que o empreendedor tem como maiorresponsabilidade assumir o leme do barco e dar o seu melhor para fazer ele 
não afundar. 
 
 
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Na prática, o que eu posso fazer? 
– Se você tem problemas de caixa, faça antes de tudo a reflexão: esse problema 
é tático, por conta da inadimplência dos clientes ou baixa nas vendas,; ou 
estrutural, por conta da viabilidade econômica de sua empresa? 
– Se a resposta for de nível tático, faça o planejamento e a projeção do caixa; 
desenhe um processo de cobranças; não tenha medo de negociar com os 
fornecedores e reestruture os gastos para a operação ficar mais enxuta; 
– Se o problema for estrutural, revisite seu modelo de negócios. Para isso, tenha 
ao seu lado um gerente financeiro ou CFO capaz de te dar suporte estratégico 
na tomada de decisão.

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