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debate historiográfico - Mauro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE HISTÓRIA (BACHARELADO)
JOÃO HENRIQUE DA ROCHA SOUSA
NATHÁLIA RODRIGUES DE LIMA
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL: DISCUSSÃO HISTORIOGRÁFICA SOBRE O NEGRO NAS OBRAS DE FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN E JOÃO CAPISTRANO DE ABREU 
PROF. MAURO C. COELHO
BELÉM
2022
INTRODUÇÃO
A historiografia brasileira veio se constituindo desde meados do século XIX quando se achava emergente a necessidade de uma identidade brasileira. Diversos autores se propuseram a escrever sobre a história do brasil, uma história que desse conta de localizar os principais eventos e personagens que teriam influído na identidade nacional que representasse o Brasil como nação. Dois desses intelectuais que escreveram sobre a história do brasil se encontram ainda no século XIX, Francisco Adolfo de Varnhagen e João Capistrano Honório de Abreu.
Desde o lançamento dessas obras outros autores foram críticos dessas ideias, sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo fazer um debate historiográfico sobre a obra de Varnhagen e Capistrano de Abreu, mais especificamente como o negro foi retratado dentro de seus escritos. Com isso pretende-se compreender como os trabalhos desses dois intelectuais do século XIX foi pensada e analisada por outros historiadores, levando em consideração seus pressupostos teóricos e motodológicos, e como ela influenciou o pensamento historiográfico brasileiro desde o início do século XX. 
HISTORIOGRAFIA
Há um ponto importante a se destacar em relação ao posicionamento de Varnhagen acerca do negro que será destacado mais a frente, mas que é necessário alertar logo. Pelo fato de Varnhagen não simpatizar com os negros e sempre lhes considerar um problema a ser resolvido, ele dedicou pouco espaço de seus escritos para dissertar acerca deles, dito isto, podemos prosseguir a análise.
Francisco Adolfo de Varnhagen, apesar de ter crescido em Portugal, nasceu em São Paulo em 1818. cresceu em Portugal com sua família em um contexto de revolução do porto, transição da monarquia absolutista para a constitucional e de Guerra Civil, em 1828. Depois uma publicação, em 1838, na Academia das Ciências de Lisboa, Adolfo Varnhagen retorna ao Brasil com o reconhecimento do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro por sua contribuição feita a historiografia por meio de seu texto submetido.
Na historiografia analisada sobre as obras do autor, ele sempre é colocado em um lugar de suma importância, as vezes sendo definido até mesmo como primeiro historiador do Brasil.
   	Em 1844, com concurso lançado pelo IHGB acerca da historiografia brasileira, Karl Von Martius (1794 - 1868) vencia com uma proposta de escrever nossa história utilizando o conceito da existência de três razões — brancos, negros e índios.
   	A partir desse momento, pode se encontrar Adolfo Varnhagen escrevendo sobre a história brasileira dentro da ótica lançada por Martius e sendo influenciado pelas ideias da escola alemã de Ranke (1795-1885) que acreditava na supremacia dos documentos produzidos pelo Estado. Deve-se conceder destaque para a perspectiva que Varnhagen possuía acerca dos negros africanos, ressaltando sua visão econômica para essa razão, com base em seus escritos.
   	Varnhagen tem uma visão negativa sobre os negros, assim como sobre os indígenas, não deixando muitas linhas para tratar deles ou mesmo não nomeando-os em seus escritos. Dessa forma, o autor considera a presença do negro no Brasil um problema, pois, segundo ele, o africano trouxe para o Brasil seus costumes que são maléficos e prejudiciais para o país. José Carlos Reis evidencia isso quando afirma “Varnhagen responde afirmativamente: sim, sem os negros, o Brasil teria sido muito melhor! Foi um erro a colonização africana no Brasil. Perpetuou-se no Brasil um trabalho servil que ele se abstinha de qualificar, mas que não se pode mais dispensar sem grandes males para o país” (REIS, 2006). Em seu texto “Memorial Orgânico” que Varnhagen escreveu para os parlamentares, pode se encontrar o seguinte trecho:
Egoístas insensatos! E sacrificais assim o futuro do vosso país a
um conto de réis de menos ou de mais para as alfândegas! Quereis, pois, ver o vosso Brasil, daqui a séculos, igual ao continente d'África fronteiro e vossos netos reduzidos talvez à condição de servos dos netos dos africanos? (...) A estas considerações respondem os negreiros: Histórias! Sem o couro da Guiné, que seria do Brasil? Bárbaros! - O Brasil seria então mais do Brasil e menos dos negros! (VARNHAGEM,1849).
Nele, pode-se notar como o autor enxergava a cultura negra de forma ameaçadora e alarmante para elite branca que participava, assim como condenava aqueles que apoiavam escravatura. 
CAPISTRANO
   	Posterior a Varnhagen, tem-se o trabalho de João Capistrano de Abreu, que 63 anos depois, criticou a escrita Francisco Adolfo Varnhagen e trouxe uma nova visão sobre a figura negra no país.
    	João Capistrano Honório de Abreu nasceu em 1853, em Maranguape no Ceará, desenvolveu seus estudos em Pernambuco, sendo quase um autodidata. Capistrano escrevia de um contexto histórico do final da guerra do Paraguai e da Guerra Franco-Prussiana em que as ideias europeias — especificamente as francesas — já não tinham tanta credibilidade e a monarquia estava depreciada entre a elite letra carioca. Sendo assim, seu pensamento pôde ser influenciado pelas teorias alemães como de Spencer, Buckle e, principalmente de Ranke. 
   	Dessa forma, Capistrano de Abreu olhava para o passado de forma “cientificista”, trazendo o foco para o povo e sua formação étnica, e consequentemente, o negro sendo interpretado por uma ótica objetiva e racional, que acreditava que a sociedade poderia ser analisada por um viés legislativo universal, como nos elucida José Carlos Reis no fim da década de 1990 
A formação intelectual de Capistrano se deu neste ambiente determinista, cientificista, até racista. Discutia-se, então, o positivismo, o determinismo climático, o determinismo biológico, o spencerismo, o comtismo, o darwinismo, as teorias raciais. Pensava-se que a sociedade poderia ser estudada com a mesma objetividade com que se estudava a natureza, pois também submetida a leis gerais de desenvolvimento (REIS, 1998, p.66).
   	Em 1887, João Capistrano de Abreu adentrou o Instituto Histórico e geográfico Brasileiro com o fim de escrever uma “nova história brasileira” que se distinguisse da história de Varnhagen, assim, em seu livro Capítulos De História Colonial, de 1907, o autor apresenta o negro na mesma posição do português, um elemento exterior país, mas, diferente dos portugueses e indígenas, os africanos possuíam um “jeito alegre” (CAPISTRANO, 1907).
   	Divergindo de Varnhagen, Capistrano evidencia os conflitos ocorridos entre negros e portugueses, na visão de José Reis, Capistrano divergia no seguinte ponto “seu ponto de vista é inovador ao mesmo tempo constrói um novo passado e desconfia do passado estabelecido, oficial” (REIS, 2006, p. 114)
   	Capistrano faz sérias críticas a Varnhagen nas primeiras décadas de 1900, afirmando que Adolfo Varnhagen deixou lacunas em seus escritos — principalmente no século XVII — que deveriam ser preenchidas, e Capistrano estava se propondo a tal feito, vemos isso em 
Vejo nele tantas questões e, sobretudo tanta obscuridade! Na obra de Varnhagen, tirando o que diz respeito às guerras espanholas e holandesas, quase nada há para representar este século. Preencher estas lacunas é, portanto, meu interesse principal. (RODRIGUES, 1977a, p. 112-113).
Além disso, aponta que a escrita de Varnhagen é fria e insensível, e sua negligência para com a vida social, os seguimentos do povo — negros, índios — e as divergências peculiaridades regionais o revoltam. 
   	Para tal crítica, o autor cearense usa o “tratamento das fontes” e o uso da ciência para respeitar a realidade da época, se distanciando de seu objeto de estudo, divergindo da historiografia de Varnhagen. 
CANABRAVA
   	A historiadora Alice Canabrava (1911- 2003),em seu artigo de 1971, Apontamentos Sobre Varnhagen E Capistrano De Abreu, quando trata de Capistrano e Varnhagen, aponta que os dois autores se inspiraram na escola rankiana quando tratam dos documentos, mas Capistrano, diferentemente de Varnhagen, se interessou pelas teorias e correntes do pensamento europeu, quando a autora afirma “Varnhagen e Capistrano se encontram na preocupação fundamental pelo documento, no empenho quanto à autenticidade das fontes, na busca da verdade quanto aos fatos, quanto à objetividade da análise” (CANABRAVA, 1971, p.421)
   	Entretanto, no momento em que Canabrava critica a escrita de Capistrano, a autora afirma que o autodidata é confuso na teoria e não é consistente em sua problemática, o que resultou em uma fala extensa, mas sem domínio (CANABRAVA, 1971).
   	Canabrava critica Varnhagen no sentido de que, na concepção da historiadora, o autor se coloca em um lugar de juiz da História que atribui a sentença e o mérito conforme suas concepções. Escrevendo uma História factual e político-administrativa, valorizando a elite branca e expondo seus preconceitos (CANABRAVA, 1971, p.419).
JOSÉ CARLOS REIS 
Em 1999 quando José Carlos Reis publicava seu livro As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, em um contexto de…
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No momento em que José Carlos Reis crítica escrita de Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu, Reis conclui que Varnhagen escrevia para uma elite letrada e Capistrano tinha seu público mais simples, voltado para economia social e menos para política (REIS, 1998, p.70)
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 MANUEL SALGADO 
Em 2010, tem-se o trabalho histográfico de Manuel Salgado Guimarães (1952 - 2010) que escreveu sobre a figura do negro em Varnhagen, em um momento em que os profissionais da história estavam focados em buscar entender mais sobre a própria memória e porque foi esquecida.
   	Por meio do conceito de história política — influência de Michel Foucault — o autor vai contrapor o discurso historiográfico de Adolfo Varnhagen. Dessa forma, Guimarães Salgado parte da ideia de historicização das formas de escrita histórica sobre o Brasil, apontando a sua parte racional que rege as regras do conhecimento histórico. 
   	Portanto, diferenciando-se de Varnhagen que via os documentos oficiais como fontes indiscutíveis, quando Guimarães Salgado discute acerca do negro em Varnhagen, o autor se utiliza da ótica da cultura histórica para suas considerações acerca de seu objeto de estudo, em que, partindo do princípio de que o passado não é alto evidente — ou seja, a existência do passado não prova o conhecimento acerca dele, a escrita histórica deve ser entendida dentro do mecanismo de produção de significado. 
Em seu livro Historiografia e nação no Brasil 1838-1857 (2011), Salgado acredita que Adolfo Varnhagen construiu sua historiografia brasileira considerando a formação pelas três raças, entretanto, o português sempre esteve em primeiro lugar, superior e capaz de ultrapassar os “danos” causadas pelos africanos. Já o negro é visto como um elemento dispensável e até mesmo a se evitar para o futuro do Brasil, segundo afirma em 
Interessante notar quais conceitos são atribuídos a que parcela da população: civilização aos colonizadores portugueses, barbárie aos escravos negros e selvageria aos indígenas. Uma vez sendo a intenção declarada de Varnhagen escrever "uma história geral conscienciosa da civilização de nosso país", ele agia de modo coerente ao acentuar com uma tónica especial o papel dos brancos. (GUIMARAES, 2011, p.205)
 
CONCLUSÃO
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	Como nosso ponto de partida é a historiografia sobre as opiniões de Francisco Adolfo de Varnhagen e João Capistrano Honório de Abreu acerca da importância do negro dentro da História do Brasil, é clara a repetição de argumentos nos diversos autores que se dedicaram a este assunto e a obra desses dois intelectuais, visto que os próprios autores que foram analisados dentro da historiografia, apesar de opiniões contrastantes, destinaram um ínfimo número de linhas para destacarem suas opiniões. 
	Contudo, essas ausências também tem sua significância. A análise desses autores nos mostra como a visão de cada um foi influente e também um reflexo do período em que eles viveram. 
REFERÊNCIAS
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial: 1500-1800. 6. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; Brasília, INL, 1976.
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857). Trad. Paulo Knauss e Ina de Mendonça Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2011. 
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
REIS, José Carlos. Capistrano de Abreu (1907): O surgimento de um povo novo: o povo brasileiro. Revista de História, [S. l.], n. 138, p. 63-82, 1998. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18843.
RODRIGUES, José Honório (org.). Correspondência de João Capistrano de Abreu. Edição organizada e prefaciada por José Honório Rodrigues. 2a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1977a. Volume 1
VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. Reflexões críticas sobre um escrito do século XVI. “Artigo extrahido das Actas da Academia Real das Sciencias da sessão de 2 de maio de 1839.” Código do catálogo: 36.3.15- IHGB.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de (1907). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Edições Melhoramentos
VARNHAGEN, Francisco Adolfo. Memorial orgânico que à consideração das Assembleias geral e provinciais do Império, apresenta um brasileiro. Dado a luz por um amante do Brasil. Brasília: FUNAG, 2016.

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