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DPP - Aula 1

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AULA 1
AULA INAUGURAL
1 – Pretensão punitiva
Conceito (Renato Brasileiro): consiste no poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado-Administração procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do crime, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar a pena. Porém, tal pretensão não poderá ser voluntariamente resolvida sem um processo, não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator submeter-se à pena. Assim sendo, tal pretensão já nasce insatisfeita.
2 – Sistemas processuais 
2.1 – Inquisitório 
· as funções de acusar, defender e julgar encontram-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado de juiz inquisidor;
· não há falar em contraditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acusação e defesa;
· A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse;
· Como se admite o princípio da verdade real, o acusado não é sujeito de direitos, sendo tratado como mero objeto do processo, daí por que se admite inclusive a tortura como meio de se obter a verdade absoluta;
· No sistema inquisitivo, a confissão é considerada a rainha das provas e predominam nele procedimentos exclusivamente escritos.
· A concentração de poderes nas mãos do juiz e a iniciativa acusatória dela decorrente é incompatível com a garantia da imparcialidade (CADH, art. 8º, § 1º) e com o princípio do devido processo legal;
2.2 - Sistema acusatório.
· caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma separação das funções de acusar, defender e julgar. O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum;
· Gestão da prova: recai precipuamente sobre as partes. Na fase investigatória, o juiz só deve intervir quando provocado, e desde que haja necessidade de intervenção judicial. Durante a instrução processual, prevalece o entendimento de que o juiz tem certa iniciativa probatória, podendo determinar a produção de provas de ofício, desde que o faça de maneira subsidiária;
Exemplos: CPP: arts. 3º e 212. CF: art. 129, I.
2.3 - Sistema francês ou misto
É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade.
3 - Princípios processuais penais
3.1 - Princípio da presunção de inocência (estado de inocência ou presunção de não culpabilidade)
Conceito: Consiste no direito de não ser declarado culpado, senão após trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Previsão constitucional e convencional: 
CF: “(...) Art. 5º (...), LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
CADH: “(...)Art. 8 (...), § 2º: Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
3.2 – Princípio do Nemo Tenetur se Detegere
Conceito: ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Previsão: CF: Art. 5º (...) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Advertência quanto ao direito de não produzir prova contra a si mesmo: o imputado deve ser advertido acerca do direito de não produzir prova contra si mesmo, sob pena de ilicitude das provas obtidas;
* Aviso de Miranda: Os Miranda rights ou Miranda warnings têm origem no famoso julgamento Miranda V. Arizona, verificado em 1966, em que a Suprema Corte americana, por cinco votos contra quatro, firmou o entendimento de que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de: 1) que tem o direito de não responder; 2) que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à assistência de defensor escolhido ou nomeado.
Jurisprudência
A CF/88 determina que as autoridades estatais informem os presos que eles possuem o direito de permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII). Esse alerta sobre o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o interrogatório formal, mas também pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se o dever de zelar pelos direitos fundamentais. A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir dessa confissão. STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/5/2021 (Info 1016).
É nula a “entrevista” realizada pela autoridade policial com o investigado, durante a busca e apreensão em sua residência, sem que tenha sido assegurado ao investigado o direito à prévia consulta a seu advogado e sem que ele tenha sido comunicado sobre seu direito ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo. Trata-se de um “interrogatório travestido de entrevista”, havendo violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação. STF. 2ª Turma. Rcl 33711/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/6/2019 (Info 944).
A falta do registro do direito ao silêncio não significa que este não tenha sido comunicado ao interrogado, pois o registro não é exigido pela lei processual. Em outras palavras, não é porque não está escrito no termo de interrogatório que o interrogando foi advertido de que poderia ficar em silêncio que se irá, obrigatoriamente, declarar a nulidade do ato. STJ. 6ª Turma. RHC 65977/BA, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/03/2016.
Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo: STF: “(...) O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia”. (STF, 2ª Turma, HC 83.096/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/2003 p. 89).
Direito de não permitir a prática de prova invasiva: o imputado não é obrigado a se sujeitar à produção de provas invasivas, ou seja, que implicam na extração ou penetração no organismo humano. Porém, em se tratando de provas não invasivas, leia-se, meras inspeções corporais, é possível a sua produção mesmo contra a vontade do imputado.
STJ: “(...) A Constituição Federal, na esteira da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, consagrou, em seu art. 5º, inciso LXIII, o princípio de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si. Não há, nos autos, qualquer comprovação de que tenha havido abuso por parte dos policiais na obtenção da prova que ora se impugna. Ao contrário, verifica-se que os pacientes assumiram a ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional da cocaína apreendida para a Angola, o que denota cooperação com a atividade policial, refutando qualquer alegação de coação na colheita da prova. Ademais, é sabido que a ingestão de cápsulas de cocaína causa risco de morte, motivo pelo quala constatação do transporte da droga no organismo humano, com o posterior procedimento apto a expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da integridade física e, mais ainda, da vida, bens jurídicos estes largamente tutelados pelo ordenamento. Mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes. (...) Ordem denegada”. (STJ, 6ª Turma, HC 149.146/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 05/04/2011).
3.3 – Princípio do Contraditório
Conceito: Consiste na ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los. O contraditório é a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis.
Jurisprudência
(...) 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 127.900/AM, deu nova conformidade à norma contida no art. 400 do CPP (com redação dada pela Lei n. 11.719/08), à luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O interrogatório passa a ser sempre o último ato da instrução, mesmo nos procedimentos regidos por lei especial, caindo por terra a solução de antinomias com arrimo no princípio da especialidade. Ressalvou-se, contudo, a incidência da nova compreensão aos processos nos quais a instrução não tenha se encerrado até a publicação da ata daquele julgamento (10.03.2016). In casu, o paciente foi sentenciado em 3.8.2015, afastando-se, pois, qualquer pretensão anulatória. (...) STJ. 6ª Turma. HC 403.550/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/08/2017.
A concessão da “última palavra” ao acusado não corporifica especificidade, mera formalidade ou capricho de nosso sistema processual.
A finalidade dessa regra repousa, segundo Roxin/Schünemann, na possibilidade de o acusado “manifestar-se definitivamente sobre o conjunto do material processual”
3.4 – Princípio da Ampla Defesa
Subdivide-se em: a) Defesa técnica; b) Autodefesa.
a) Defesa Técnica (processual ou específica): é aquela a ser exercida por profissional da advocacia inscrito na OAB (advogado).
* Caráter irrenunciável da defesa técnica: Súmula 708 do STF: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.
* Direito de escolha do defensor pelo próprio acusado: Súmula 707 do STF: “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”.
* Existe a possibilidade de um mesmo advogado exercer a defesa de dois ou mais acusados, desde que não haja colidência de teses defensivas (STJ, 6ª Turma, HC 86.392/PA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/05/2010, Dje 21/06/2010).
b) Autodefesa (material ou genérica).
É aquela exercida pelo próprio acusado. Desdobra-se em três:
a. Direito de ser ouvido pelo juiz
b. Direito de presença: direito que o acusado possui de acompanhar os atos da instrução probatória. Há situações em que o direito de presença pode causar constrangimento na pessoa da vítima, das testemunhas, hipóteses em que o direito de presença pode ser afastado (art. 217 do CPP).
c. Capacidade postulatória autônoma do acusado: poderá interpor recursos; poderá também provocar incidentes da execução; impetrar habeas corpus.
3.5 – Princípio do Juiz Natural
Consiste no direito que cada cidadão possui de conhecer antecipadamente a autoridade jurisdicional que irá processar e julgá-lo caso venha a praticar um fato delituoso.
Previsão constitucional: Art. 5º, XXXVII, da CF: não haverá juízo ou tribunal de exceção;/ Art. 5º, LIII, da CF: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
Regras de Proteção que Derivam do Juiz Natural:
· Só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição;
· Ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato;
· Entre os Juízos pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja.
3.6 – Princípio da Publicidade
Conceito: como regra, os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos.
Alguns doutrinadores dizem que esse princípio funciona como uma garantia de segundo grau ou garantia de garantia (Ferrajoli). o princípio da publicidade permite que a sociedade tome conhecimento dos atos processuais produzidos e que possa verificar se as demais garantias processuais estão sendo respeitadas.
Previsão constitucional e legal: Art. 93, IX, da CF, Art. 5º, LX, da CF, Art. 792 do CPP.
* Publicidade restrita: em alguns casos justificáveis (exemplos: intimidade das partes ou interesse social), pode haver restrição à publicidade.
4 – Lei Processual no Tempo
 
É o estudo da aplicação das leis processuais penais no tempo.
a. Norma genuinamente processual
São aquelas que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo;
Aplica-se o princípio da aplicação imediata (tempus regit actum)
Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.) 
Deriva-se do dispositivo acima duas regras: 1) aplicação imediata da lei genuinamente processual; 2) conservação dos atos processuais praticados sob a vigência da leia anterior.
b. norma processual mista (ou híbrida)
Normas que, a um só tempo, abrigam naturezas penais e processuais penais. 
Exemplo: normas que tornam certos crimes inafiançáveis.
· Normas penais: aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade).
· Normas processuais penais: aquelas que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade.
d. Normas penais heterotrópicas
São aquelas que, embora previstas em uma lei de processo penal, têm natureza penal, ou vice-versa.
Exemplo: o direito ao silêncio assegurado ao acusado em seu interrogatório, o qual, apesar de previsto no CPP (art. 186), possui caráter nitidamente assecuratório de direitos (material).
5 – Interpretação da Lei Processual Penal
Interpretar é extrair o sentido da lei.
Art. 3º do CPP - A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
4 (quatro) espécies de interpretação:
a) Interpretação declaratória
O intérprete não amplia e nem restringe o significado da Lei.
b) Interpretação restritiva
A Lei disse mais do que pretendia dizer.
c) Interpretação extensiva
A Lei disse menos do que pretendia dizer.
* não se pode confundir a analogia com a interpretação extensiva, pois a analogia é um método de integração (suprir lacunas) e não de interpretação.
d) Interpretação progressiva
É a interpretação que busca adaptar o texto da lei a realidade social vigente naquele determinado momento.
CPP, art. 68: inconstitucionalidade progressiva. Jurisprudência:
A Constituição confere à Defensoria Pública a defesa dos necessitados (art. 134). Por isso, o STF entendeu que o art. 68 do CPP, que confere ao Ministério Público a incumbência de requerer a reparação cível dos pobres, é norma que só será aplicada enquanto não estruturadas eficazmente a Defensoria Pública nos Estados.
STJ: “(...) O Ministério Público tem legitimidade para representação de hipossuficiente em ação civil de reparação por dano decorrente de conduta criminosa, nos expressos termos do art. 68 do CPP. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP, concluindo que 'enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista' (REnº 135.328-7/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01/08/94). Evidenciando-se que a atuação do Parquet se deu, in casu, nos estreitos limites do art. 68 do CPP em momento anterior à instituição da Defensoria Pública no Estado de São Paulo (janeiro de 2006), revelam-se válidos todos os atos praticados pelo órgão ministerial na defesa dos interesses do hipossuficiente autor da demanda”. (STJ, 4ª Turma, REsp 219.815/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, DJe 24/11/2008).
Aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC ao processo penal: Art. 15 do NCPC - Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
6 – Investigação Preliminar
6.1 – Conceito (Renato Brasileiro): é o procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, com o objetivo de identificar fontes de prova e colher elementos de informação quanto à autoria e a materialidade da infração penal, a fim de permitir que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.
Destrinchando o conceito:
a) procedimento administrativo: não é processo, pois do inquérito policial não resulta, pelo menos diretamente, a imposição de sanção. 
* relevância de se concluir que o inquérito trata-se de um procedimento administrativo: eventuais vícios constantes do inquérito não têm o condão de contaminar o processo penal subsequente (ilegalidades restringem-se ao inquérito), salvo em se tratando de provas ilícitas (o elemento de informação ilícito poderá contaminar os demais se houver relação de causalidade – prova ilícita por derivação).
b) procedimento inquisitório: no inquérito não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa. * a Lei n. 13.245/16: altera o Estatuto da OAB prevendo que o advogado tem o direito de assistir aos seus clientes durante as investigações. A modificação gerou certa controvérsia, pois o inquérito já não mais seria inquisitorial, cf. doutrina minoritária. No entanto, cf. doutrina majoritária, a Lei n. 13.245/16 não modificou a natureza inquisitorial do inquérito.
c) procedimento preparatório: tem como finalidade subsidiar o autor da ação penal (Promotor de Justiça ou querelante) para a propositura a sua propositura.
d) presidido pela autoridade policial: toda vez que a lei fizer menção à autoridade policial, deve ser compreendido como o Delegado de Polícia. Vide art. 2º da Lei 12.830/2013: 
“As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. Há remissão, quanto à presidência do inquérito policial, também no art. 2º, § 1º da Lei n. 12.830/13: “Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio do inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”
e) identificar fontes de prova. “fontes de provas” são todas as pessoas ou coisas que têm algum conhecimento sobre o fato delituoso. Essas fontes são anteriores ao processo e, aliás, têm sua existência independentemente do próprio processo. Exemplo: crime ocorrido na rua em que uma câmera de vigilância captou as imagens. A câmera de vigilância poderá ser uma fonte de prova (Renato Brasileiro)
f) colher elementos de informação quanto à autoria e materialidade. Observação: “elementos de informação”. À luz do art. 155 CPP, o que é colhido, em regra, no inquérito policial, são elementos de informação. O termo “prova” só poderá ser utilizado, em regra, para aquilo que é produzido em juízo, sob o crivo do contraditório judicial. É a inteligência do art. 155 CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Portanto, a expressão “prova” refere-se àquilo produzido em contraditório judicial, ao passo que os elementos informativos, em regra, são aqueles colhidos na fase investigatória (Renato Brasileiro).
6.2 – Dupla função do inquérito policial (Renato Brasileiro)
a) Preparatória: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, além de acautelar meios de prova que poderiam desaparecer com o decurso do tempo. Observação: não é a única função (atentar para a função preservadora).
b) Preservadora: a existência prévia de um inquérito inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evitando custos desnecessários para o Estado.
6.3 – Diferença entre elementos informativos e provas
6.3.1 - Os elementos informativos 
· São produzidos na fase pré-processual, não se resumindo ao inquérito policial. Pode ser qualquer fonte de informação que aponta a materialidade e os indícios de autoria em relação a determinado(s) crime(s). Exemplos: procedimento investigatório criminal presidido pelo MP, relatórios de inteligência financeira da UIF ou procedimento fiscalizatório da Receita Federal;
· Não é obrigatória a observância do contraditório e da ampla defesa;
· O juiz deve intervir apenas quando necessário, e desde que seja provocado nesse sentido;
· Finalidade: a) úteis para a decretação de medidas cautelares; b) auxiliam na formação da opinio delicti. 
* Pela leitura do artigo 155 do CPP é possível concluir que o juiz não pode proferir sentença condenatória com base exclusivamente nos elementos informativos, contudo, tais elementos não devem ser desprezados durante a fase judicial, podendo se somar à prova produzida em juízo para auxiliar na formação da convicção do magistrado.
Jurisprudência:
“(...) Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação”. (STF, 1ª Turma, RE 287.658/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003).
O art. 155 do CPP, ao proibir que a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos durante a fase inquisitorial, tem aplicação também para as sentenças proferidas no Júri. Os jurados não precisam motivar sua decisão (sistema da íntima convicção), no entanto, o Tribunal de 2ª instância precisa fazê-lo. Por isso, ao julgar a apelação da defesa, cabe ao Tribunal de Justiça (ou TRF) a tarefa de identificar quais foram as provas produzidas nos autos que demonstram a autoridade e a materialidade delitivas, bem como eventuais qualificadoras, sob pena de, não o fazendo, incorrer em negativa de prestação jurisdicional.
Se o Tribunal encontrar prova judicializada idônea, deverá manter a condenação e/ou a qualificadora.
Por outro lado, se não houver provas produzidas na forma do art. 155 do CPP, o Tribunal deverá dar provimento ao recurso, cassando a condenação.
Caso concreto: as qualificadoras foram baseadas apenas no depoimento prestado no inquérito policial por uma testemunha que ouviu dizer. Diante disso, o STJ decidiu cassar a sentença e submeter o réu a novo júri. Isso porque:
As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri. STJ. 5ª Turma. REsp 1916733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/11/2021 (Info 719).
	É possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial?
	NÃO
	SIM
	É ilegal a sentença de pronúncia fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial.
O principal fundamento é o art. 155 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicçãopela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
A decisão de pronúncia é um mero juízo de
admissibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa (bastam indícios suficientes de autoria e certeza da materialidade).
Muito embora a análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, julgado em 23/02/2021.
STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/02/2021.
	É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155. Embora a vedação imposta no art. 155 (decisão fundada exclusivamente em elementos
informativos colhidos na investigação) se aplique a qualquer procedimento penal, inclusive dos do Júri, não se pode perder de vista que o objetivo da decisão de pronúncia não é o de condenar, mas apenas o de encerrar o juízo de admissibilidade da
acusação (iudicium accusationis). Na pronúncia opera o princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do art. 155 do CPP
não se aplica à referida decisão.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 1702743/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/12/2020. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1609833/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/10/2020.

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