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Disciplina | 
Letramento 
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DISCIPLINA 
PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO E 
LETRAMENTO 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
Sumário 
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Sumário 
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2 
1 Letramento -------------------------------------------------------------------------------------------- 4 
1.1 A História da Escrita ---------------------------------------------------------------------------------------------- 4 
1.2 A História da Alfabetização ------------------------------------------------------------------------------------ 8 
2 As Diferentes Concepções de Aprendizagem ----------------------------------------------- 11 
2.1 A Teoria Construtivista de Piaget --------------------------------------------------------------------------- 15 
2.2 A Concepção Histórico-Cultural ----------------------------------------------------------------------------- 16 
3 Alfabetização x Letramento? -------------------------------------------------------------------- 18 
3.1 O Conceito de Alfabetização ao Longo da História ---------------------------------------------------- 18 
4 Os Métodos de Alfabetização ------------------------------------------------------------------- 25 
5 As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita --------------- 35 
6 Os Diferentes Níveis do Processo de Construção da Escrita ---------------------------- 40 
6.1 Nível Pré-Silábico ----------------------------------------------------------------------------------------------- 40 
6.2 Nível Silábico ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 41 
6.3 Nível Alfabético ------------------------------------------------------------------------------------------------- 42 
7 Alfabetizar Letrando: a Construção de uma Prática -------------------------------------- 44 
7.1 Saberes Necessários para Ler e Escrever ----------------------------------------------------------------- 44 
8 Ser Falante da Língua Portuguesa ------------------------------------------------------------- 50 
8.1 Saber a Diferença entre Desenho e Escrita -------------------------------------------------------------- 50 
8.2 Não se Escreve com Rabiscos, Bolinha etc. -------------------------------------------------------------- 51 
8.3 A Fala Aparece na Escrita Segmentada em Palavras -------------------------------------------------- 51 
9 O que é Palavra: Ideias, Sons-Letras e Ortografia ----------------------------------------- 52 
9.1 Controlar o Significado das Palavras em Segmentações --------------------------------------------- 52 
9.1.1 Como Controlar as Sequências de Sons das Palavras nas Segmentações ---------------------------------- 52 
9.2 Saber Segmentar a Fala para a Escrita: ------------------------------------------------------------------- 53 
9.2.1 Palavras, Consoantes e Vogais ----------------------------------------------------------------------------------------- 53 
9.2.2 Escreve-se com Letras ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 53 
9.2.3 O Alfabeto como um Conjunto de Letras --------------------------------------------------------------------------- 53 
9.2.4 O que é uma Letra: Unidade Abstrata ------------------------------------------------------------------------------- 54 
9.2.5 Categorização das Letras: a Unidade na Variedade -------------------------------------------------------------- 54 
9.2.6 O Nome das Letras -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 55 
9.2.7 Princípio Acrofônico como Chave da Decifração da Escrita ---------------------------------------------------- 55 
9.2.8 Categorização Gráfica: Inúmeros Alfabetos com as Mesmas Letras ---------------------------------------- 56 
9.2.9 Variação Funcional das Letras Controlada pela Ortografia ---------------------------------------------------- 56 
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10 A Ortografia como Volta ao Sistema Ideográfico -------------------------------------- 57 
10.1 A Ortografia como Forma Congelada de Escrita, Neutralizando a Variação Linguística ----- 58 
10.2 A Ortografia Determina o Valor que as Letras têm, Gráfica e Funcionalmente --------------- 58 
11 Variação Escrita e Falada --------------------------------------------------------------------- 58 
11.1 Palavras Variam não só de Acordo com Regras Fonológicas, mas também de Acordo com 
Regras Morfológicas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 59 
11.2 Escrita não é Transcrição Fonética ------------------------------------------------------------------------- 59 
11.3 Não se Escreve Qualquer Letra para Qualquer Palavra: Há Regras ------------------------------- 59 
11.4 Identificar Outros Sinais da Escrita (Além das Letras) como os Acentos, os Diacríticos, 
Marcas etc. 60 
11.5 Aspectos Secundários das Letras: Tamanho, Direção, Linearidade, Espacialidade, 
Maiúscula, Estilo, Caligrafia etc. ---------------------------------------------------------------------------------------------- 60 
11.6 Ler não é só Decifrar os Sons das Letras e das Palavras, mas Conseguir Pensar uma 
Mensagem Elaborada por Outra Pessoa e Representada na Escrita. ---------------------------------------------- 61 
12 Os Diferentes Tipos de Textos ---------------------------------------------------------------- 61 
13 O Ambiente Alfabetizador -------------------------------------------------------------------- 68 
13.1 Organização das Mesas, Cadeiras ou Carteiras: -------------------------------------------------------- 71 
13.2 O Alfabeto -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 71 
13.3 O Alfabetário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 71 
13.4 Biblioteca --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 72 
13.5 Jogos ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 73 
13.6 Murais-------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 75 
14 A Alfabetização com Textos ------------------------------------------------------------------ 75 
15 Os Erros Mais Comuns e Possíveis Estratégias de Intervenção --------------------- 82 
16 Referências ---------------------------------------------------------------------------------------- 92 
 
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Letramento 
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1 Letramento 
 
1.1 A História da Escrita 
O surgimento da escrita marca a história. Podemos acreditar que, desde os 
primeiros tempos, o homem procurou registrar suas impressões sobre o mundo e 
comunicá-la a outros homens, utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e 
orgânicos à base de tintas vegetais e minerais. 
Na Pré-história, o homem já se comunicava através de desenhos feitos nas 
paredes das cavernas. Com esse tipo de representação (pintura rupestre), trocava 
mensagens, passava ideias e transmitiam desejos e necessidades. Porém, ainda não 
era um tipo de escrita, pois não havia organização, nem mesmo padronização das 
representações gráficas. 
Temos conhecimento de que a escrita foi inventada por volta de 3.300 antes de 
Cristo, pelos sumérios, na Mesopotâmia (atual Iraque). Acredita-se que uma das 
razões para a sua invenção foi a necessidade de registrar as atividades comerciais 
(compra e venda).A primeira forma de escrita foi a pictográfica, onde cada “desenho” 
representava um objeto ou um ser específico. 
Os vários pictogramas empregados poderiam expressar uma ideia, surgindo, 
assim, o termo de escrita ideográfica, com sinais para palavras individuais ou 
conceitos. 
Por volta de 2.900 a.C. os pictogramas primitivos desapareceram, deixando de 
representar o objeto por ele designado para retirar o seu significado do contexto. 
Surge, então, a escrita cuneiforme, que possui esse nome por ser traçada em barro, 
formando uma suposta cunha. Essa escrita também utilizava pictogramas, porém não 
era uma criação livre do “escritor”. Foram encontrados verdadeiros “catálogos”, 
dicionários primitivos que apresentavam diferentes significados para o mesmo 
símbolo. Um desenho de pé podia dizer “andar”, “pôr-se de pé”, “transportar” etc. Os 
pictogramas podiam representar tanto ideias quanto objetos. 
Enquanto os símbolos cuneiformes riscam toda Mesopotâmia, outros sistemas 
de escrita nascem e se desenvolvem no vizinho Egito e, também, na longínqua China. 
De uma ponta a outra do mundo, os homens dedicam-se a transcrever sua história 
sobre a pedra, o barro e o papiro, vendo nisso um presente divino (JEAN, 2002: 25). 
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Os caracteres da escrita egípcia são chamados de hieróglifos, palavra que 
significa “escrita dos deuses” (do grego hieros, “sagrado”, e gluphein, “gravar”). Eles 
também eram pictogramas, porém os desenhos eram muito rebuscados e estilizados 
constituindo uma verdadeira obra de arte. “Logo que a ‘escrita dos deuses’ começa a 
ser decifrada, ao prazer da compreensão une-se o prazer da contemplação.” 
No Egito, como na Mesopotâmia, saber ler e escrever era, ao mesmo tempo, 
privilégio e poder. Será que no mundo de hoje, principalmente no Brasil, isso é 
diferente? 
 
Este conjunto de signos hieroglíficos é lido, excepcionalmente, da esquerda para 
a direita. O primeiro signo, à esquerda, lê-se “hb”. O segundo é determinativo: a perna 
demonstra tratar-se de uma palavra relativa a algo que passa com o pé. O terceiro é 
um pictograma figurativo: um homem que dança, significando o todo “dançar”. 
No ano de 2000 a.C., a China inventa a escrita que perdura até hoje. É uma escrita 
marcada por pictogramas. A escrita chinesa é um caso único: “codificada em 1500 
antes da nossa era e constituída em sistema coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é 
perceptivelmente a mesma que os chineses leem e escrevem hoje”. 
Apesar de a escrita ideográfica ser datada dos primórdios da história, até hoje a 
utilizamos em diferentes culturas. Por exemplo: nas placas de trânsito, nas indicações 
de porta etc. 
Os símbolos foram sendo usados e aprimorados até que surgiu o fonetismo. Os 
sumérios e os egípcios passaram a usar os pictogramas não designando mais o objeto 
representado e sim um outro cujo nome lhe era foneticamente semelhante. É a 
aproximação da escrita com a fala. Nesta perspectiva, o desenho de um gato (chat) e 
um desenho de um pote (pot) passa a significar “chapeau” (chapéu). Esta “tecnologia 
da escrita” teve a sua origem em uma brincadeira infantil denominada rebus (do latim: 
res “coisa”, rebus “pelas coisas”). Era As guerras, motivadas pelo domínio territorial, 
fizeram com que algumas línguas fossem abafadas, enquanto outras difundidas. 
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Com o passar do tempo, todas as civilizações sentiram necessidade de registrar 
suas ações do cotidiano, como as conquistas, festas, rituais etc. Para muitos povos, a 
escrita, cada vez mais, foi se tornando uma necessidade. Então, passaram a criar 
símbolos para poder representar as coisas e, cada vez mais, esses símbolos foram 
sofrendo modificações e ganhando sons, tornando assim um alfabeto. 
A verdadeira revolução da escrita ocorreu em 1000 a.C., com a invenção do 
alfabeto, que tem origem com os fenícios, que emigraram para a margem oeste do 
Mediterrâneo, para o norte da África, o sul da Espanha, a Sicília, a Sardenha, Chipre, 
Grécia e Itália. 
Na escrita chinesa, as “chaves”, um jogo muito parecido com o que conhecemos 
hoje em números de 214, colocadas ao lado de um outro caractere, lhes especificam 
o sentido. O elemento “poder” (c), precedido da chave “água” (a), significa “rio” (d). 
Porém, o mesmo elemento associado à chave “palavra” (b) dá “criticar” (e). 
A escrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm em comum 
transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever, nesses sistemas, consiste em 
conhecer muitos signos ou de caracteres. 
Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, permitindo, a 
princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever. Todavia, não é tão simples assim, 
pois as 23 letras de nosso alfabeto não reproduzem todos os sons. Daí o os problemas 
cruciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia. Mesmo assim, 23 
letras são muito menos do que mil caracteres do chinês popular, as algumas centenas 
de hieróglifos do povo egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes 
do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam que o 
aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do 
saber (JEAN, op. cit.: 52). 
Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais específicos para representar 
as sílabas, isto é, os sinais representavam sílabas inteiras em vez de letras individuais. 
Os fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que representavam o 
som consonantal: é a chamada escrita fonética. Escolheram um conjunto de palavras 
cujo primeiro som fosse diferente dos demais, e, para representá-lo graficamente, 
escolheram hieróglifos egípcios, cujo aspecto figurativo lembrava o significado das 
palavras da lista (21 sons). Não havia vogais. Por exemplo: a primeira palavra da lista 
era a palavra “alef”, que significava “boi”, e o hieróglifo escolhido foi o que 
representava a cabeça do boi. Sendo assim, a figura da cabeça do boi passou a 
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representar o som inicial da palavra “alef”. Essa relação foi realizada com as 21 
palavras. 
Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as 
vogais e criando, assim, a escrita alfabética (alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, 
as duas primeiras letras do alfabeto grego). Os gregos mantiveram o princípio 
acrofônico, ou seja, o som inicial do nome da letra é o som que a letra representa. 
 
A escrita grega foi adaptada pelos romanos, constituindo-se o sistema alfabético 
greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto. Os romanos dispensaram os 
“nomes especiais” das letras. Para eles bastava ter como nome da letra apenas o 
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próprio som dela. “Foi assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon etc. transformaram-
se em a, bê, ce, dê, e etc.” (CAGLIARI, 1998: 17). Esse sistema representa o menor 
inventário de símbolos que permite a maior possibilidade combinatória de caracteres, 
isto é, com o alfabeto podemos escrever qualquer palavra de uma língua. É a 
possibilidade de registrar o pensamento. O homem agora pode escrever qualquer 
ideia ou sentimento. 
Com certeza, a invenção do alfabeto possibilitou ao homem ampliar a sua 
capacidade de expressão e de perpetuar a história. Mas isso não quer dizer que tenha 
tornado simples a aquisição da língua escrita. 
 
(...) o alfabeto parece a própria essência da simplicidade, ‘tão fácil 
quanto o ABC’. Mas o sentido de simplicidade é traiçoeiro, pois o 
alfabeto é a aparência externa de profundezas linguísticas ocultas. 
Os seus poucos símbolos não são nada se comparados à 
complexidade de sons que representam, enquanto aqueles sons 
apenas sugerem a complexidade da própria língua (...). As nossas26 letras formam uma grade que nos dá a nítida impressão de 
controle e compreensão. Olhe com mais cuidado e verá que está 
penetrando em um pântano que talvez tenha feito com que nosso 
escriba asiático desistisse na hora (...) (MAN, 2002: 85). 
 
1.2 A História da Alfabetização 
Qualquer sistema de escrita só é capaz de atravessar o tempo se as novas 
gerações se apropriarem dele. Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que 
dominam o seu funcionamento ensinem aos outros como decifrá-lo. 
Podemos acreditar que na época primitiva da escrita, ser alfabetizado implicava 
apenas saber “ler” o que os símbolos significavam e ser capaz de “escrevê-los”, já que, 
provavelmente, se escrevia apenas um tipo de documento ou texto (anotações de 
compra e venda). Com o desenvolvimento do sistema escrito, houve um aumento 
significativo da quantidade de informações necessárias para saber ler e escrever, 
usando cada vez mais símbolos para representarem o som da fala. 
Acredita-se que: 
 
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o longo processo de invenção da escrita também incluiu a 
invenção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que 
permitem ao leitor decifrar o que está escrito e saber como o 
sistema de escrita funciona para usá-lo apropriadamente 
(CAGLIARI, 1998: 15). 
 
Temos informação que na Antiguidade as pessoas alfabetizavam-se aprendendo 
a ler algo já escrito e depois copiando. Iniciavam com palavras e posteriormente, 
passavam para textos famosos, que eram “estudados” exaustivamente; para então 
chegar a escrever seus próprios textos. Muitos aprendiam sem ir à escola, já que não 
pretendiam tornar-se escribas. Com certeza, a curiosidade levou muita gente a 
aprendera ler para lidar com os negócios, comércio, ler obras religiosas ou obter 
informações sobre a cultura da época. 
A alfabetização, nesses casos, dava-se com a transmissão de conhecimentos 
relativos à escrita de quem possuía para quem queria aprender. Aprender a decifrar a 
escrita, ou seja, a ler relacionando os caracteres às palavras da linguagem oral, devia 
ser o procedimento comum. Aqui não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava 
saber ler. 
Para se alfabetizar em um sistema de escrita que têm como base o princípio 
acrofônico, bastava decorar a lista dos nomes das letras, observar a ocorrência de 
consoantes nas palavras e transcrever esses sons. Por exemplo, “para escrever David, 
bastava identificar as consoantes DVD, procurar na lista de letras, aquelas que 
começavam com sons de D e V e escrevê-las”. 
Quando os gregos passaram a utilizar o alfabeto, aprender a ler e escrever 
tornou-se um uma tarefa de grande alcance popular. Surgem as “escolas de alfabeto”. 
A ortografia passa a fixar a forma de escrita das palavras, para evitar que falantes de 
dialetos diferentes escrevessem as mesmas palavras de maneiras diferentes, seguindo 
apenas a transcrição da própria fala e o valor sonoro do alfabeto. 
Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns ‘alfabetos’: tabuinhas 
ou pequenas pedras ou chapas de metal onde se encontravam todas as letras, na 
ordem tradicional dos alfabetos. Na verdade, serviam de guia para as pessoas 
aprenderem a ler e a escrever, ou mesmo quando fossem escrever. Tais documentos 
foram, por assim dizer, as mais antigas “cartilhas” da humanidade: uma cartilha que 
continha apenas o inventário das letras do alfabeto (IBIDEM: 18). 
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Na Idade Média, a alfabetização ocorreu menos nas escolas e passou a ser uma 
tarefa da vida privada. Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando o valor 
fonético das letras em determinada língua, a forma ortográfica das palavras e a 
interpretação da forma gráfica das letras e suas variações. O fato de os aprendizes 
serem falantes da língua que estavam aprendendo/decifrando, se constituía em um 
facilitador da aprendizagem da escrita, pois ajudava nas tentativas de descobrir, entre 
as várias possibilidades a leitura correta. É o que acontece com as crianças de hoje (e 
de sempre) que ao depararem, por exemplo, com a palavra RODA em um texto, não 
lerão [rôda], pois [róda] terá significado por fazer parte do seu acervo linguístico. 
No século XV, na Europa, começaram a aparecer as primeiras cartilhas 
(diminutivo de “carta”, no sentido de esquema, mapa de orientação) e gramáticas com 
o objetivo de estabelecer uma ortografia e ensinar o povo a escrever nas línguas 
vernáculas, abandonando o latim. Os textos destes livros são basicamente religiosos. 
Não temos muitos registros de quando e como começa a história da 
alfabetização no Brasil, mas com certeza a origem está nas cartilhas portuguesas. 
Podemos inferir que a história da alfabetização brasileira começa com a chegada dos 
jesuítas, em 1549. Foram eles que, de certa forma, apresentaram um sistema de escrita 
para os índios, sendo responsáveis pela escolarização catequização das crianças. 
Há notícias de que Portugal realizava remessas de livros escolares para as 
colônias, para que nelas se ensinassem a ler e escrever. Os jesuítas inauguraram na 
Bahia a primeira escola de leitura, escrita e religião. Acredita-se que Cartinha de 
Aprender a Ler, uma das mais antigas para ensinar o idioma português, tenha sido 
utilizada no Brasil. 
As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática em nosso idioma. 
Além da cartilha de João de Barros, há notícias de uma cartilha elaborada por Frei João 
Soares, impressa em 1539 e reeditada várias vezes. Uma outra obra, o Método Castilho 
para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito e Numeração do 
Escrever, produzida por Antônio Feliciano de Castilho (1850), em Lisboa, também foi 
utilizada no Brasil. Esta obra incluía abecedário, silabário e textos de leitura, sendo 
marcada por preocupações fonéticas (BARBOSA, 1990: 57). 
Em 1876 surgiu a Cartilha Maternal, do poeta João de Deus Ramos. No prefácio 
o autor diz que o aluno que aprende por letras ou pelas sílabas “conduzido através de 
elementos inertes do pensamento, reduz-se à posição de repetidor de uma 
cambulhada de miudezas trivialíssimas, que não o divertem, nem o instruem, lhe 
atrofiam o espírito e deixam nele impresso o hábito da leitura mecânica, senão, muitas 
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vezes, o selo do idiotismo” (BARBOSA, 1990: 57). O autor opunha-se aos métodos de 
soletração e silabação como pontos de partida para a aprendizagem da leitura. Esta 
cartilha marca a transição do abecedário do bê-á-bá para os métodos analíticos, que 
foram difundidos no Brasil durante a República. 
Em nosso dia a dia também nos perguntamos: Por que alguns alunos aprendem 
e outros não? Por que uma determinada atividade atinge os seus objetivos para alguns 
alunos e para outros não? A concepção de como o desenvolvimento e aprendizagem 
humana acontecem dependerá da visão que se tem de mundo em um determinado 
momento histórico e persistirá enquanto for capaz de explicar a realidade, pelo menos 
para algumas pessoas. 
 
2 As Diferentes Concepções de Aprendizagem 
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos 
tornamos capazes de aprender. Por isso somos os únicos em quem aprender é uma 
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a 
lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que 
não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. 
Conhecendo um pouco da história da escrita e como esse conhecimento foi 
disseminado pelo mundo, algumas questões afloram: Como ocorre o conhecimento? 
O que nos difere dos animais? Essas são reflexões que geram muita inquietude e 
muitas pesquisas. 
Buscando apoio nas contribuições da psicologia para explicar como ocorre oconhecimento, encontramos a concepção inatista que defende os fatores internos 
(biológicos) como determinantes no processo de aprendizagem. Nesta perspectiva, 
os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para 
o desenvolvimento do pensamento intelectual, visto que, nesta visão, o ser humano 
já nasce com suas qualidades e capacidades básicas prontas. 
A natureza, dizem-nos, é apenas o hábito. Que significa isso? Não há hábitos que 
só se adquirem pela força e não sufocam nunca a natureza? É o caso, por exemplo, do 
hábito das plantas, cuja direção vertical se perturba. Em se lhe devolvendo a liberdade, 
a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a seiva não muda, com 
isto, sua direção primitiva; e se a planta continuar a vegetar, seu prolongamento 
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voltará a ser vertical. O mesmo acontece com os homens. (ROUSSEAU, J-J. Emilio. In: 
DAVIS, 1994, 27). 
Nesta concepção, a função da educação é interferir o mínimo possível no 
processo de desenvolvimento espontâneo do homem, já que, como preconiza o dito 
popular, “pau que nasce torto, morre torto”. Não tem jeito! 
Os inatistas buscaram seus fundamentos na Teologia, no Evolucionismo de 
Darwin, na Embriologia e na Genética. Na Teologia, a fundamentação se dá na máxima 
de que “Deus, de um só ato, criou cada homem em sua forma definitiva”. O que um 
bebê virá a ser já está determinado pela ‘Graça Divina’. 
Da Teoria Evolucionista, de Darwin, os inatistas basearam-se numa leitura 
equivocada de que a evolução da espécie depende de mudanças graduais e 
cumulativas, que decorrem de variações hereditárias. Cabe ao ambiente selecionar os 
mais aptos. “Só os mais aptos de uma determinada espécie – aqueles capazes de se 
adaptar ao meio – sobreviveriam”. 
Já na Embriologia, buscaram subsídios em seus primeiros estudos que 
apontavam o desenvolvimento quase que invariável, sendo regulado por fatores 
endógenos (fatores internos). 
Para quem acredita nessa concepção, não vale a pena investir na educação, já 
que o professor pouco poderá contribuir para o desenvolvimento do aluno. O sucesso 
ou o fracasso escolar é visto como responsabilidade única e exclusiva do aluno, na 
medida em que a aprendizagem depende apenas de fatores internos. 
Ainda hoje encontramos muitos educadores que acreditam que os fatores 
internos são determinantes para a aprendizagem. É muito comum presenciarmos o 
diálogo a seguir: 
- Professora A: Eu não sei o que fazer para o Ricardo aprender a ler! Ele não 
acompanha a turma. 
- Professora B: Qual Ricardo? O irmão de Leandro dos Santos? 
- Professora A: É! 
- Professora C: A família toda é assim. Os irmãos já passaram pela escola e 
não conseguiram. 
- Professora B: Puxaram aos pais. Eles são analfabetos. 
- Professora C: “Filho de peixe, peixinho é!” 
 
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Em contraposição ao inatismo, a concepção ambientalista (comportamentalista 
ou behaviorista) considera que os fatores externos são determinantes no processo de 
aprendizagem. Defende que o homem é um ser extremamente plástico, reativo à ação 
do ambiente. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento, sendo assim a 
aprendizagem é entendida como um “processo pelo qual o comportamento é 
modificado como resultado da experiência” (IBIDEM: 33). 
Essa concepção teve em Skinner seu maior expoente. Para ele, manipulando-se 
os elementos presentes no ambiente (estímulos) é possível controlar o 
comportamento, que é adquirido ao se estabelecer associações entre um estímulo e 
uma resposta, e entre uma resposta e um reforçador. Para os ambientalistas, o ser 
humano busca maximizar o prazer e minimizar a dor. 
Assim, o reforço é um instrumento utilizado para fazer com que os 
comportamentos considerados corretos permaneçam no indivíduo. Já a punição é 
utilizada para minimizar ou eliminar os comportamentos considerados inadequados. 
Nesta perspectiva, o planejamento das condições ambientais é determinante 
para a aprendizagem de novos comportamentos. Na escola, o professor passa a ter 
papel fundamental. O sucesso da aprendizagem depende dele, visto que é ele o único 
responsável pelo planejamento, organização e execução das atividades pedagógicas. 
A educação foi sendo entendida como tecnologia, ficando de lado a reflexão 
filosófica sobre a sua prática. 
A organização das condições para que a aprendizagem ocorra exige clareza e 
respeito aos objetivos que se quer alcançar (objetivos instrucionais ou operacionais), 
a estipulação da sequência de atividades que levarão ao objetivo proposto e a 
especificação dos reforçadores que serão utilizados. Baseado nesta concepção, 
encontramos a repetição como um ‘método’ de aprendizagem. 
É comum ainda encontrarmos em algumas práticas pedagógicas, exercícios nos 
quais as crianças precisam escrever cinco vezes a mesma palavra, ‘resolver’ vinte 
‘continhas’ de adição, responder a um questionário da mesma forma que o texto lido 
etc. Afinal, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. 
Podemos observar também que o erro é visto como um comportamento 
inadequado, e como tal, precisa ser extinto através da ‘dor’ (punição). Sendo assim, 
não é muito difícil encontrarmos crianças tendo que copiar três vezes a palavra errada, 
ficando de castigo (sendo privada da merenda, recreio ou das atividades que mais 
gostam) fazendo cópias etc., pois ‘Quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga’. 
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Você já parou para pensar por que falamos português? Por que somos filhos de 
brasileiros? Ou por que vivemos em um país que se fala português? Ou por que desde 
que nascemos estamos em contato com pessoas que falam português e que nos 
mostram o nome das coisas? 
Enquanto os inatistas priorizam os fatores internos e os ambientalistas, os fatores 
externos, a concepção interacionista nos faz pensar que “nem tanto ao mar nem tanto 
à terra”. Esta corrente teórica nos mostra que a aprendizagem e o desenvolvimento 
dependem da interação de fatores internos e externos. 
Nas concepções anteriores, o homem é visto como um ser passivo, não tendo 
participação no seu processo de aprendizagem, já que, ou ele nasce com suas 
potencialidades prontas ou o ambiente é que irá moldá-lo. Para os interacionistas, o 
homem é visto como um ser ativo ou interativo, participante do seu processo de 
aprendizagem, que é resultado da sua interação com o meio, sendo o meio entendido 
não apenas como ambiente físico, mas sim como um ambiente marcado pela cultura, 
num determinado momento histórico e em todas as relações interpessoais que são 
estabelecidas. 
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que desde o 
nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, de pensar, 
de sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento). Desde que nascemos estamos 
interagindo com o mundo físico e social. É a partir dessas interações que vamos 
conhecendo as características e peculiaridades do mundo. A construção do 
conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo. 
A aquisição de conhecimento é vista como um processo individual, construído 
durante toda a vida, no meio cultural. O conhecimento pode ser comparado a uma 
espiral, onde as experiências anteriores servirão de base para novos conhecimentos, 
mediados pela relação que o indivíduo estabelece com o meio. O erro é encarado 
como parte do processo de aprendizagem, sendo importante para a prática 
pedagógica, pois a partir do “erro” o professor poderá compreender o processo de 
pensamento do aluno e planejar atividades que possibilitem avançar no seu 
conhecimento. A sabedoria popular há muito nos dizque: ‘quem tem boca vai a 
Roma’. 
Piaget e Vygotsky foram os maiores defensores da concepção interacionista. 
Apesar de enfatizarem que o conhecimento ocorre a partir da interação de fatores 
internos e externos, esses dois autores apresentam uma visão diferente de como 
ocorre a interação entre eles. 
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2.1 A Teoria Construtivista de Piaget 
Segundo Piaget, a busca do equilíbrio (ou adaptação com seu meio) é uma 
característica essencial do ser humano. Para ele, o “desenvolvimento cognitivo ocorre 
através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova 
possibilidade orgânica no individuo ou a mudança de alguma característica do meio 
ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso, da harmonia 
entre organismo e meta – causando um desequilíbrio”. 
Para voltar a uma nova situação de equilíbrio, dois mecanismos são acionados. É 
o que Piaget denominou de assimilação (o organismo não altera a sua estrutura) e 
acomodação (o organismo é obrigado a alterar a sua estrutura para se ajustar às novas 
demandas impostas pelo meio). Assimilação e acomodação são processos distintos e 
opostos, que ocorrem simultaneamente. 
Quando estamos diante de um novo conhecimento (desafio) nos sentimos 
desequilibrados intelectualmente. Buscamos a partir das nossas experiências 
anteriores, desenvolvermos ações destinadas a atribuir significações aos elementos 
do ambiente com os quais interagimos (assimilação). Quando esses conhecimentos 
não são suficientes para dar conta do desafio (estado de equilíbrio), precisamos 
ampliar ou modificar nossas ações (físicas ou mentais) para atingirmos o novo 
conhecimento (acomodação). 
Quando jogamos uma bola de soprar para uma criança (desafio), ela fará uso do 
esquema pegar (postura de braço, mão e dedos) que já é conhecido por ela, 
atribuindo ao balão o significado de ‘objeto que se pega’ – assimilação. Porém, o 
esquema ‘pegar’ precisará ser modificado para se ajustar às características do objeto: 
a abertura dos braços, dos dedos e a força utilizada para segurá-lo é diferente da que 
se utiliza para pegar uma bola de plástico, de papel ou de couro – acomodação. 
Posteriormente, ao ser desafiada a pegar uma bola de gude, mais uma vez os seus 
esquemas terão que se modificar (acomodação) ao novo objeto. 
Pense em um aluno que já consegue fazer uma adição e que na escola estamos 
apresentando para ele a multiplicação (desafio/desequilíbrio). Com certeza saber 
somar parcelas iguais (assimilação) é um esquema mental necessário para a 
multiplicação. Porém, não é suficiente. Ele precisará modificar esse esquema para 
compreender o conceito de multiplicação (acomodação) e consequentemente 
distinguir o momento de utilizá-la. 
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Para Piaget, o desenvolvimento é um processo contínuo, caracterizado por 
quatro fases diversas (etapas ou períodos). Em cada etapa, a criança constrói certas 
estruturas cognitivas, que se constituem em uma forma específica de pensar e atuar 
no mundo. Ele as denominou de sensório-motora (do nascimento aos 2 anos de idade, 
aproximadamente), pré-operatória (2 anos até aproximadamente aos 7 anos), 
operatório-concreta (7 anos até aos 12 anos, aproximadamente) e operatório formal 
(a partir dos 13 anos). 
Para Cláudia Davis (1994), o modelo Piagetiano, que pretende ser universal, é 
fortemente marcado pela maturação, pois é ela a responsável pelo fato de as crianças 
sempre apresentarem determinadas características psicológicas em uma mesma faixa 
etária. 
Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem: o primeiro é um 
processo espontâneo que se apoia no biológico. Aprendizagem, por outro lado, é 
encarada como um processo mais restrito, causado por situações específicas (como 
frequência à escola) e subordinado tanto a equilibração quanto à maturação (DAVIS, 
1994: 46). 
Um outro conceito muito importante na teoria piagetiana é o conceito de 
autonomia, que é a capacidade de agir por si mesmo, levando em consideração os 
fatos relevantes para decidir e agir da melhor forma para todos. Esse conceito se opõe 
ao de heteronomia que significa dependência da forma de agir e pensar. Sendo assim, 
a grande finalidade da escola seria contribuir para a formação de sujeitos autônomos. 
 
2.2 A Concepção Histórico-Cultural 
Já para Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem são processos que estão 
interrelacionados. Na medida em que o sujeito aprende, ele se desenvolve, e esse 
desenvolvimento leva a novas aprendizagens. 
Os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de 
aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais 
lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as 
zonas de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1991:102). 
Na teoria histórico-cultural, a educação escolar assume papel relevante, pois 
apesar de afirmar que o aprendizado do sujeito começa muito antes de se frequentar 
a escola, diz que o “aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado 
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adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em 
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam 
impossíveis de acontecer”; logo, “o aprendizado escolar produz algo 
fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança”. 
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é uma das grandes 
contribuições de Vygotsky para a prática educativa. Para ele há, pelo menos, dois 
níveis de desenvolvimento: o real e o potencial (ou proximal). 
No primeiro nível, as funções mentais da criança já se estabeleceram como 
resultado de certos ciclos completados, ou seja, são conhecimentos que já estão 
consolidados. Ela não precisa de ajuda para resolver uma determinada situação. O 
nível potencial refere-se àquilo que a criança consegue fazer, porém, ainda com a 
ajuda de pessoas mais experientes (adultos ou crianças). 
Assim sendo, para Vygotsky (1991), zona de desenvolvimento proximal é “a 
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através 
da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, 
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em 
colaboração com companheiros mais capazes” . 
Aquilo que hoje é desenvolvimento potencial será amanhã desenvolvimento real. 
O desenvolvimento é um processo dinâmico e contínuo. 
A partir desses conceitos, podemos inferir que o papel do professor não é apenas 
constatar aquilo que o aluno já sabe (nível real), mas sim atuar na zona de 
desenvolvimento proximal, possibilitando a ele vivenciar situações que lhe desafiem, 
fazendo-o avançar nos seus conhecimentos (nível potencial). 
Vygotsky ressalta a importância do outro no processo de aprendizagem. Somos 
capazes de aprender porque estamos o tempo todo sendo mediados pelo outro 
(através da pessoa física, do livro, do filme, da TV etc.) que nos ‘apresenta o mundo’, 
ou seja, somos inseridos na cultura, levados à apropriação dos conhecimentos que 
estão disponíveis na sociedade. 
A linguagem tem papel fundamental nesse processo, pois é através dela que 
vamos interagir com as outras pessoas, internalizando os novos conceitos. 
Você deve estar se perguntando o que essas teorias têm a ver com alfabetização 
e letramento? Podemos responder: tudo, pois é através da concepção que temos de 
como se dá a aprendizagem que iremos construir a nossa prática pedagógica. 
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Alfabetização x Letramento? 
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Como já falamos anteriormente, não pretendemos aqui aprofundar nenhuma das 
teoriasapresentadas, pois além de não ser o objetivo deste material, seria impossível 
visto a complexidade delas. Quisemos apenas ressaltar alguns aspectos que podem 
nos ajudar a refletir sobre a prática escolar e o processo de alfabetização das crianças. 
 
3 Alfabetização x Letramento? 
 
3.1 O Conceito de Alfabetização ao Longo da História 
Todos os problemas da alfabetização começaram quando se decidiu que 
escrever não era uma profissão, mas uma obrigação, e que ler não era marca de 
sabedoria, mas de cidadania. 
Ao conhecermos um pouco da história da alfabetização no Brasil, podemos 
perceber que este conceito vem sendo modificado ao longo dos anos e que, 
consequentemente, isso tem repercussões diretas na prática pedagógica. 
Mas por que esse conceito vem sendo modificado? Ser alfabetizado não é saber 
“decifrar os códigos” da escrita? Provavelmente, durante algum tempo, saber decifrar 
o código escrito era garantia de alfabetização e era sufi ciente para se apropriar dos 
conhecimentos de uma determinada sociedade, em um determinado momento 
histórico. Mas, certamente, nos últimos séculos e, principalmente, nas últimas décadas, 
isso não é mais satisfatório. 
As transformações ocorridas na história da Humanidade impõem, cada vez mais, 
novas necessidades e aprimoramento das ações de ler e escrever. Ler hoje não exige 
as mesmas habilidades que há 50 anos. A velocidade com que os conhecimentos são 
produzidos e as informações são divulgadas, atualmente, exige um leitor com muito 
mais estratégias de leitura, sendo capaz de organizar e articular as informações para 
dar sentido ao texto. 
Como nos lembra Emília Ferreiro (2002: 13), “os verbos “ler” e “escrever” deixaram 
de ter uma definição imutável: não designavam mais (e tampouco designam hoje) 
atividades homogêneas. Ler e escrever são construções sociais. Cada época e cada 
circunstância histórica dão novos sentidos a esses verbos”. 
Em 1958, a UNESCO definiu como alfabetizado o sujeito capaz de ler 
compreensivamente ou escrever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida 
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Alfabetização x Letramento? 
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diária. Aqui já fica claro que não basta mais decifrar o código. É necessário saber 
utilizar a escrita, mesmo que de forma simples, no dia a dia. Porém, muitos que 
passavam pela escola, concluíam o período de alfabetização e aprendiam a “decifrar 
o código”, não eram capazes de compreender o que liam e de se comunicarem através 
da escrita. Será que já superamos isso? Dentro desta perspectiva, analfabeto é aquele 
que não consegue ler e nem escrever textos simples, como um bilhete, por exemplo. 
Em 1978, a própria UNESCO propôs a adoção do conceito de alfabetização 
funcional, considerando a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente 
às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para continuar 
aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida, como alfabetizada funcional. 
No Brasil, durante muitas décadas, foi considerado alfabetizado aquele que era 
capaz de assinar o seu nome. Essa era, inclusive, a forma de garantia de cidadania. 
Antes da constituição de 1988, só os “alfabetizados” possuíam direito ao voto e para 
tirar o título de eleitor, bastava saber “desenhar o nome” (assinar). 
O IBGE, responsável por recensear a população brasileira e divulgar o 
quantitativo de analfabetos no país, utilizava como metodologia para contar os 
analfabetos apenas as respostas dadas, pelos entrevistados, se sabiam ou não assinar 
o nome. 
Atualmente, o IBGE considera alfabetizada a pessoa de 5 anos ou mais de idade, 
capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhecesse e 
analfabeta a que aprendeu a ler, mas esqueceu, e aquela que apenas assina o próprio 
nome (IBGE, 2005). Porém, a forma de coletar essa informação é a resposta dada à 
pergunta: “Você sabe ler e escrever?”, pelos entrevistados. Não podemos ter certeza 
se aqueles que respondem sim são capazes, realmente, de ler e escrever um bilhete 
simples. 
Nos anos 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo 
funcional, seguindo as recomendações da Unesco, tomando como base não a 
autoavaliação dos respondentes, mas o número de séries escolares concluídas. Por 
este critério, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro séries 
escolares concluídas. 
Estes índices têm sido objeto de muitas pesquisas no meio acadêmico. 
Em 2001, foi criado o INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), uma 
parceria do Instituto Paulo Montenegro (IBOPE) e Ação Comunitária, medindo 
diretamente as habilidades da população por meio de testes. O objetivo desse 
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indicador, é gerar informações que ajudem a dimensionar e compreender o fenômeno 
do alfabetismo funcional e fomentam o debate público sobre ele e orientam a 
formulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas. 
Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvimento 
tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas cada vez 
maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão não é mais apenas 
saber se as pessoas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas são 
capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação 
com o analfabetismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e no Brasil, 
emerge a preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e usos efetivos 
da leitura e escrita nas diferentes esferas da vida social (RIBEIRO, 2006: 1). 
O INAF procura responder, dentre outras, as seguintes questões: quais são as 
habilidades de leitura e escrita dos brasileiros? Quantos anos de escolaridade e que 
tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios de alfabetismo? Que outras 
condições favorecem o desenvolvimento de tais habilidades ao longo da vida? 
Além do conceito de analfabetismo, o INAF distingue três níveis de habilidades 
na população alfabetizada: o nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda que os três 
níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja, correspondam a habilidades que 
as pessoas podem aplicar em determinados contextos, somente o nível pleno pode 
ser considerado como satisfatório, aquele que permite que a pessoa possa utilizar com 
autonomia a leitura e a matemática como meios de informação e aprendizagem. 
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Alfabetização x Letramento? 
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Veja a seguir a descrição de cada nível. Que nível de Alfabetismo você possui? 
 
 Leitura Habilidades Matemáticas 
Analfabetismo 
Não domina as 
habilidades medidas. 
Não domina as habilidades 
medidas. 
Alfabetismo 
Nível 
Rudimentar 
Localiza uma 
informação simples em 
enunciados de uma só 
frase, um anúncio ou 
chamada de capa de 
revista, por exemplo. 
Lê e escreve números de uso 
frequente: preços, horários, números 
de telefone. Mede um comprimento 
com fita métrica, consulta um 
calendário. 
Alfabetismo 
Nível Básico 
Localiza uma 
informação em textos 
curtos ou médios (uma 
carta ou notícia, por 
exemplo), mesmo que seja 
necessário realizar 
inferências simples. 
Lê números maiores, compara 
preços, conta dinheiro e faz troco. 
Resolve problemas envolvendo uma 
operação. 
Alfabetismo 
Nível Pleno 
Localiza mais de um 
item de informação em 
textos mais longos, 
compara informação 
contida em diferentes 
textos, estabelece relações 
entre as informações 
(causa/efeito, regra 
geral/caso, opinião/ fato). 
Reconhece a informação 
textual mesmo que 
contradiga o senso 
comum. 
Consegue resolver problemas 
que envolvem sequências de 
operações, por exemplo, cálculo de 
proporção ou percentual de 
desconto. Interpreta informação 
oferecida em gráficos, tabelas e 
mapas. 
 
Práticasde Alfabetização e Letramento | 
Alfabetização x Letramento? 
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Nestes cinco anos de pesquisas, alguns resultados do INAF nos fazem refletir 
sobre o conceito de alfabetização: 
A grande maioria da população brasileira (68%) na faixa etária de 15 a 64 anos, 
que estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental, atinge, no máximo, o nível 
rudimentar. Mais grave ainda: 13% deste grupo podem ser considerados analfabetos 
em termos de habilidades de leitura e escrita e 4% sequer conseguem identificar 
números em situações cotidianas. 
Dentre os que cursaram da 5ª a 8ª série, apenas ¼ pode ser considerado 
plenamente alfabetizado, enquanto a maioria se enquadra no nível básico de 
alfabetismo, tanto na leitura quanto nas habilidades matemáticas. Permanecem no 
nível rudimentar, tanto na leitura quanto na matemática, 24% deste grupo. 
Dos que completaram o Ensino Médio, 56% dos brasileiros apresentam pleno 
domínio das habilidades de leitura e escrita e 49% atingem um nível pleno de 
alfabetismo em termos de habilidades matemáticas. 
Hoje a concepção de alfabetização da Unesco inclui o desenvolvimento de 
conhecimentos e competências necessários para o indivíduo inserir-se e movimentar-
se com desenvoltura no meio social, entre os quais o domínio de novas linguagens e 
tecnologias. 
Você já deve ter percebido o quão complexo é o conceito de alfabetização e que 
ele é muito mais do que decodificar a escrita. Porém, desde os primórdios, a palavra 
alfabetização sempre esteve associada ao ensino da leitura e da escrita como 
aquisição de uma técnica. 
 
(...)técnica dos traçados das letras, por um lado, e técnica da 
correta oralização do texto, por outro. Só depois que dominada a 
técnica é que surgiam, como num passe de mágica, a leitura 
expressiva (resultado da compreensão) e a escrita eficaz 
(resultado de uma técnica posta a serviço das intenções do 
produtor). Acontece que essa passagem mágica da técnica para a 
arte só foi transposta, naqueles lugares onde a escola mais faz 
falta, por pouquíssimos escolarizados precisamente pela ausência 
de uma tradição histórica de ‘cultura letrada’ (FERREIRO, 2002: 13). 
 
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Alfabetização x Letramento? 
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Para explicitar que se espera da alfabetização mais do que “decifrar letras”, foram 
sendo utilizadas as expressões “alfabetização plena”, “alfabetização integral”, 
“alfabetização total” que apontam para uma prática de alfabetização que perpassa 
pela aquisição e uso da leitura e escrita nos contextos sociais. Dentro dessa nova 
concepção, surge o termo letramento para designar “um estado, uma condição: o 
estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de 
escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes 
funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o 
estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de 
leitura e de escrita” (SOARES, 2001: 44). 
O termo letramento aparece em oposição ao termo alfabetização. Letrado é 
compreendido como aquele que aprende a ler e escrever, usa a leitura e a escrita, 
envolve-se em suas práticas, tornando-se, uma pessoa diferente. Já o alfabetizado é 
aquele que adquire a tecnologia da escrita, aprende a codificar em língua escrita e a 
decodificar a língua escrita, podendo tornar-se letrado ou não. 
Alguns autores, como Emília Ferreiro, dizem ser desnecessário a criação do termo 
letramento, pois compreendem que “a alfabetização não é mais entendida como mera 
transmissão de uma técnica instrumental, realizada numa instituição específica (a 
escola)” (FERREIRO, 2002: 40). Outros autores, porém, defendem a utilização do termo 
letramento, como Soares (01) argumentando que: 
 
Entretanto, contraditoriamente, este novo conceito de 
aprendizagem da leitura, estreitamente relacionado com práticas 
de leitura, com a formação de um verdadeiro leitor, vem 
convivendo com a persistência do conceito restrito e tradicional 
de aprendizagem da leitura como a mera aquisição da tecnologia 
da escrita, como apenas formação de um decodificador da escrita 
(...) (Soares, 2005: 1). 
 
Observando a prática pedagógica que ocorre em nossas escolas, podemos 
distinguir nitidamente aquelas que ainda concebem a alfabetização como apenas uma 
tecnologia daquelas que a compreendem como apropriação (tornar “própria”) da 
língua escrita. 
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Assim, teríamos de alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não 
inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e 
escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o 
indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. 
Letramento pressupõe uma mudança de lugar social, do modo de viver na 
sociedade, de inserção na cultura. Implica também em tornar-se cognitivamente 
diferente. “A pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar 
de um analfabeto ou iletrado”. Traz também consequências linguísticas, pois o 
convívio com a língua escrita acarreta mudança no “uso da língua oral, nas estruturas 
linguísticas e no vocabulário”. 
Será que ser analfabeto, em uma sociedade “grafocêntrica”, condena o sujeito a 
não ser letrado? Um analfabeto pode ser letrado? A Mafalda é ou não letrada? 
Querendo ou não, vivemos em uma sociedade onde a escrita se faz presente. Se 
letrado é aquele que vivencia as práticas de leitura e escrita que estão presentes em 
uma sociedade, podemos dizer que aquele que não domina a tecnologia 
(alfabetizado) pode ser letrado. A Mafalda não sabe ler nem escrever, não domina a 
tecnologia da escrita, mas conhece muito bem a função da escrita. 
Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e 
economicamente, mas vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença 
forte, se interessa-se em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe 
cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e 
é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua 
escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, 
esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em 
práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança que ainda não se 
alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que 
lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e sua função, essa 
criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas já penetrou 
no 
Existem vários níveis de letramento, que vai desde identificar um rótulo de uma 
embalagem até à leitura de um texto científico, como uma tese de doutorado. 
Acredita-se que o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se 
fundamentalmente com as suas condições sociais, culturais e econômicas. 
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Os Métodos de Alfabetização 
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Soares (2001) destaca a necessidade de condições para o letramento. Mas que 
condições seriam essas? 
• Escolarização real e efetiva da população – A necessidade de 
letramento surge quando se amplia o acesso à escolarização. Com mais 
pessoas sabendo ler e escrever, “passando a aspirar a um pouco mais do 
que simplesmente saber ler e escrever”. 
• Disponibilidade de Material de Leitura – Criar condições para 
aqueles que aprenderam a ler e escrever fiquem imersos em um ambiente 
de letramento, com acesso aos livros, revistas e jornais, às livrarias e 
bibliotecas. 
 
4 Os Métodos de Alfabetização 
No Brasil, agregado à discussão sobre o que é ser alfabetizado, sempre tivemos 
o olhar do professor centrado na eficácia de processose métodos de alfabetização. 
Como alfabetizar? Qual o melhor método? Que cartilha usar? Essas são perguntas que 
acompanham a prática docente e que refletem a concepção de aprendizagem que o 
educador possui. 
Até meados dos anos 80 do século passado, havia uma polarização entre 
processos sintéticos e analíticos, direcionados ao ensino do sistema alfabético e 
ortográfico da escrita. 
Os processos sintéticos são os mais antigos, tendo mais de 2000 anos. 
Consideram a língua escrita objeto de conhecimento externo ao aprendiz tem como 
ponto de partida o estudo dos elementos da língua (letra, fonema, sílaba). Pressupõem 
o estabelecimento da correspondência entre o som e a grafia. 
Nesta concepção, encontramos os métodos de soletração, o fônico e o silábico, 
tendências ainda fortemente presentes nas atuais propostas didáticas. Tais métodos 
privilegiam os processos de decodificação, as relações entre fonemas (sons ou 
unidades sonoras) e grafemas (letras ou grupos de letras) e uma progressão de 
unidades menores (letra, fonema, sílaba) a unidades mais complexas (palavra, frase, 
texto). 
O ensino parte do simples para o complexo, na visão do professor. Só se avança 
no processo se todas as Dificuldades da fase anterior estiverem consolidadas. 
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Os Métodos de Alfabetização 
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A leitura é considerada como um esquema somatório: pela soma dos elementos 
mínimos (fonema ou sílaba) o aluno aprende a palavra. Pela soma das palavras, a frase. 
Pela soma das frases, o texto. 
Quando se analisa o sistema alfabético, enquanto sons convertidos em códigos 
gráficos, fica claro que existem certas semelhanças perceptivas gráficas (a letra “d” e a 
letra ”b”, por exemplo) e certas semelhanças sonoras (a letra “v” e a letra “b”, por 
exemplo). Logo um dos critérios de simplicidade – sempre vista pela lógica do adulto 
– recomendava, na apresentação sequencial dos elementos da língua, evitar 
proximidade entre sons e grafias semelhantes. 
Por outro lado, como a questão era evidenciar através do ensino certo 
paralelismo entre sons e grafias do alfabeto, parece claro que aqueles elementos que 
apresentam uma relação biunívoca entre som e grafia (o som fonema f com a letra f, 
por exemplo) seriam considerados mais simples do que aqueles que apresentam 
correspondências múltiplas entre letras e sons (os sons da letra s, por exemplo). Daí 
outro critério estabelecido: na apresentação sequencial dos elementos da língua 
escrita, o processo começa pelas correspondências mais simples, ou seja, aquelas que 
sejam biunívocas, pois algumas relações são mais simples e outras, mais complexas 
(BARBOSA, 1990:48). 
Os processos sintéticos enfatizam a consciência fonológica e a aprendizagem do 
sistema convencional da escrita (importantes ao processo de alfabetização), mas 
deixam de explorar as complexas relações entre fala e escrita, suas semelhanças e 
diferenças. A linguagem oral e a linguagem escrita são dois conhecimentos distintos. 
Com certeza, tudo que pensamos e sentimos pode ser representado pela oralidade e 
pela escrita, porém com recursos diferentes. 
Dão tanta ênfase à decodificação que, muitas vezes, resulta em propostas que 
descontextualizam a escrita, seus usos e funções sociais, enfatizando situações 
artificiais de treinamento de letras, fonemas ou sílabas. É muito comum encontrarmos 
nas cartilhas desses métodos frases completamente desconexas como: “O boi baba 
na babá”, “A foca afia a faca” etc. Com certeza essas frases não são encontradas nos 
textos que circulam na sociedade e “retratam” situações um tanto quanto inusitadas. 
Você já viu alguma foca usando faca? E afiando a faca? 
Em contraposição aos processos sintéticos, temos os processos analíticos, que 
valorizam a análise e a compreensão de sentidos, propondo uma progressão 
diferenciada: de unidades mais amplas (palavra, frase, texto) a unidades menores 
(sílabas ou sua decomposição em grafemas e fonemas). São exemplos dessa 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
Os Métodos de Alfabetização 
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abordagem os métodos de palavração (palavra decomposta em sílabas), de 
sentenciação (sentenças decompostas em palavras) e o global de contos (textos 
considerados como pontos de partida, até o trabalho em torno de unidades menores). 
Foi Nicolas Adam, que, em 1787, propôs que a aprendizagem da língua escrita 
deveria partir de palavras com significado para as crianças. Ele compara o aprendizado 
da escrita com o aprendizado da fala, alegando que não falamos primeiro os sons das 
letras, para depois aprendermos as sílabas, as palavras, as frases, para finalmente 
mantermos um diálogo. 
Segundo esta abordagem, o prévio é o reconhecimento global de palavras ou 
orações; a análise dos componentes é uma tarefa posterior. Não importa a dificuldade 
auditiva daquilo que se aprende, já que a leitura é uma tarefa predominantemente 
visual. 
 
(...) Já encontramos aí os fundamentos da formulação visual: ler é 
mais importante que decifrar; o sentido do texto tem mais 
importância que o som do texto; a aprendizagem parte de 
palavras com significado afetivo e efetivo para as crianças. 
Segundo Adam, a análise da palavra deveria ocorrer numa etapa 
bem posterior ao domínio do capital de palavras aprendidas 
globalmente. Pouco tempo depois, Jacotot, outro precursor do 
método global, recomenda que esta análise das palavras se inicie 
precocemente, o mais rápido possível (BARBOSA, op. cit.: 50). 
 
Essa concepção ainda persiste nas práticas docentes atuais. Os métodos 
analíticos contemplam algumas das capacidades essenciais ao processo de 
alfabetização – sobretudo o estímulo à leitura de unidades com sentido, pelo 
reconhecimento global delas. Entretanto, quando incorporados de forma parcial e 
absoluta, acabam enfatizando construções artificiais e repetitivas de palavras, frases e 
textos, muitas vezes apenas a serviço da repetição e da memorização, com objetivo 
de manter controle mais rígido da sequência do processo e das formas de interação 
gradual da criança com a escrita. Neste aspecto, podemos afirmar que os métodos 
sintéticos e os analíticos se aproximam por entenderem que o processo de 
aprendizagem está baseado na memorização. 
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Os Métodos de Alfabetização 
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Nas últimas décadas a discussão sobre a eficácia de processos e métodos de 
alfabetização, que passaram a ser identificados como propostas “tradicionais”, ficou 
secundária. O foco central passou a ser a discussão sobre a psicogênese da aquisição 
da escrita, uma abordagem de grande mudança conceitual no campo da 
alfabetização, que foi sistematizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) e por 
vários outros teóricos e pesquisadores. A ênfase deixa de ser o método de ensino e 
passa a ser a o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e suas 
concepções progressivas sobre a escrita, que é entendida como um sistema de 
representação e não como um código. 
Essa nova abordagem entende também que a aprendizagem é de natureza 
conceitual e não mecânica, e que a escrita é um objeto sociocultural do conhecimento. 
Barbosa (1990) apresenta um quadro-resumo fazendo um contraponto das 
principais características dos dois grandes eixos de abordagem da leitura e da 
alfabetização: 
 ABORDAGEM 
TRADICIONAL 
• NOVA ABORDAGEM 
ORIGEM • - Ensino coletivo 
e simultâneo 
(década de 
1880, na 
Europa). 
• Nos anos 70, a partir das 
pesquisas desenvolvidas pela 
Psicolinguística sobre o 
comportamento do leitor no 
ato da leitura. 
MÉTODOS • Sintéticos: 
alfabético 
• Silábico fônico 
• Analíticos: 
palavração 
• sentenciação 
conto 
• Analítico-
sintético. 
• Pedagogia de Projeto 
(situações funcionais de 
leitura). 
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CONCEPÇÃODE 
ESCRITA 
• A língua como: 
• 1º) objeto de 
análise 
• 2º) objeto de 
uso 
• Sistema 
simbólico de 
segunda ordem, 
subordinado à 
fala. 
• Sem autonomia 
quanto ao 
significado. 
• Saber escolar. 
• A língua como: 1º) objeto 
de uso 
• 2º) objeto de análise 
• Sistema de linguagem, 
paralelo e equivalente à 
linguagem oral 
• Portadora direta do 
sentido (autonomia em relação 
à fala). 
• Saber social. 
CONCEPÇÃO DE 
APRENDIZAGEM 
• Objetivo: 
alfabetizar (dizer 
o sistema 
alfabético). 
• Baseada no 
processo de 
ensino (o 
método). 
• Uso escolar da 
escrita. 
• Desprezo pelas 
aquisições 
extraescolares. 
• Uniforme, 
cumulativa, 
pontual 
(progressão 
hierarquizada 
• Objetivo: inscrição da 
criança no circuito da 
comunicação escrita. 
• Baseada no processo de 
aprendizagem (a construção de 
um saber ou prática). 
• Promove situações reais 
de leitura/escrita. 
• Intervenção numa etapa 
de um processo já iniciado fora 
da escola. 
• Intervenções diversificadas 
e heterogêneas. 
• Utiliza o processo de 
aprendizagem da fala como 
referencial. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
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passo a passo, 
do simples para 
o complexo). 
• Utiliza a fala 
como referencial 
(estigmatizando 
as variantes de 
registro). 
• Privilégio 
absoluto do 
mecanismo de 
transcodificação. 
• O professor 
ensina: o aluno 
aprende 
(repete): E/R. 
• Para ler é preciso 
analisar a escrita. 
• Aprender para 
fazer. 
• Sentido 
privilegiado: a 
audição (leitura 
auditiva). 
• Pressupõe a 
homogeneidade 
do saber das 
crianças. 
• Crença na 
possibilidade de 
ensino de 
• Informação geral / 
informação específica. 
• Mudança na escola: o 
lugar privilegiado para a 
criação de situações de 
leitura/escrita. 
• Mergulho na escrita social: 
é lendo que se aprende a ler. 
• Fazer para aprender. 
• Sentido privilegiado: a 
visão (leitura visual). 
• Confronto de estratégias e 
Dificuldades do grupo 
• Baseada em estratégias 
desenvolvidas pelo leitor, 
sustentada por intervenções 
precisas. 
• Troca de informações no 
grupo; socialização do saber. 
• Familiaridade com a 
multiplicidade de situações 
sociais de leitura. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
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estratégias ao 
leitor. 
• Conquista 
individual e 
competitiva do 
saber. 
• Simulação de 
situações de 
leitura. 
CONCEPÇÃO DE 
ESCOLA 
• Detentora do 
monopólio da 
escrita. 
• Único lugar 
onde ocorre a 
aprendizagem 
da leitura 
(baseada numa 
concepção 
escolar dessa 
aprendizagem). 
• Promotora da 
“escrita escolar”. 
• Não detentora do 
monopólio da escrita. 
• Espaço privilegiado (entre 
outros) onde a criança, através 
de um conjunto de 
intervenções, desenvolve sua 
condição de leitor. 
• Promotora do uso social 
da escrita. 
PRÉ-REQUISITOS • - Maturidade 
para 
leitura/escrita. 
• - Experiências prévias do 
leitor no mundo social da 
escrita. 
ETAPAS DE ENSINO • Pré-
alfabetização 
(pré-escola). 
• Alfabetização. 
• - Construção individual 
(equilíbrio, contradição, novo 
equilíbrio) da compreensão 
escrita como comunicação 
social, interpessoal, no coletivo 
e no social. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
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• Pós 
Alfabetização. 
MATERIAL DE 
LEITURA 
• Cartilha. 
• Quadro de giz. 
• Silabário/jogos 
carimbos. 
• Literatura 
infantil. 
• Utilização da diversidade e 
abundância da escrita no 
mundo. 
• Biblioteca/Centro de 
documentação. 
PAPEL DO 
PROFESSOR 
• É aquele que 
ensina e 
transmite seu 
saber. 
• Ensina uma 
técnica pré-
programada. 
• Informa, 
demonstra, 
corrige. 
• É aquele que intervém 
numa determinada etapa do 
processo. 
• Cria situações favoráveis 
ao desenvolvimento de 
estratégias pelo leitor aprendiz. 
• Propõe, organiza, 
promove, informa, seleciona, 
questiona, participa, 
sistematiza técnicas de acesso 
e apreciação da escrita. 
ESTRATÉGIAS DE 
LEITURA 
• Correspondência 
som/grafia: 
transformação 
de uma cadeia 
de sinais 
sonoros que 
permite (ou 
não!) extrair um 
significado do 
texto. 
• Familiaridade visual com 
palavras e frases. 
• Exploração direta da 
escrita, portadora de sentido 
sem mediação oral. 
• Mobilização do saber e 
experiência do leitor, anterior e 
exterior à escrita. 
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• Intencionalidade do leitor: 
o questionamento do texto. 
• Estratégias adaptadas a 
escritos específicos: 
flexibilidade. 
• Hipótese, antecipação, 
verificação, identificação. 
• Dicionário. 
• Contexto. 
• Perguntar a terceiros. 
• Saltar palavras. 
FUNÇÃO DA 
DECIFRAÇÃO 
• - Causa da 
aprendizagem 
da leitura (da 
decifração à 
leitura). 
• Consequência da 
aprendizagem da leitura. 
• Aquisição subjacente à 
leitura. 
• É o “plus” da leitura (cf. 
Smith). 
CARACTERÍSTICAS 
DA LEITURA • Baseada na 
decifração. 
• Leitura silabada, 
lenta, hesitante. 
• Estacionada no 
tempo. 
• Sentido extraído 
do texto 
oralizado. 
• Baseada no sentido. 
• Leitura fluente, flexível, 
segura. 
• Adaptada às necessidades 
das sociedades modernas. 
• Sentido atribuído ao texto 
escrito. 
• Fonte de informação, 
orientação, prazer. 
• Leitura silenciosa. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
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• Dificuldade 
quanto ao 
significado. 
• Tendência à 
vocalização e 
subvocalizarão. 
• Tendência à 
regressão no 
texto. 
• Monovalente e 
integral. 
• Uso de múltiplas 
estratégias. 
• Polivalente/seletiva. 
CARACTERÍSTICA DO 
LEITOR 
• - Aquele que 
adquire o hábito 
de sonorizar a 
escrita: um leitor 
de letras. 
• - Aquele que, diante das 
questões que o mundo lhe 
propõe, sabe que pode 
encontrar respostas relevantes 
na escrita e domina estratégias 
diversificadas de exploração do 
texto. 
ATIVIDADE DE 
ESCRITA 
• Escrita de um 
modelo: cópia, 
ditado, redação, 
leitura oral. 
• Escrita de sons 
(problemas 
ortográficos: a 
palavra é escrita 
como se 
pronuncia). 
• Simulação de 
situações de 
• Escrita do sentido, no 
contexto. 
• Ortografia: reprodução de 
formas visuais (escrita, língua 
para os olhos). 
• Apoiada nas necessidades 
de expressão pessoal. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita 
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escrita (redação 
escolar). 
AVALIAÇÃO • Do produto: 
mede a 
capacidade do 
aprendiz de 
reproduzir o que 
foi ensinado 
• Leitura oral: 
controle da 
combinatória 
• Do processo: ponto de 
referência para reorganizar a 
intervenção do ensino (a leitura 
em voz alta corresponde a uma 
situação particular de leitura) 
 
5 As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua 
Escrita 
Tudo o que foi colocado muda radicalmente se tomarmos como objetivo escolar 
a aquisição da língua escrita, se reconhecermos que não há proeminência da leitura 
sobre a escrita – enquanto atividades que permitem conhecer esse modo particular 
de representação da linguagem – e reconhecermos também (como mostram 
abundantemente os dados de investigações recentes em diversos países da América 
Latina) que as crianças não chegam ignorantes à escola, que têm conhecimentos 
específicos sobre a língua escrita, ainda que não compreendam a natureza do código 
alfabético e que são esses conhecimentos (e não as decisões escolares) que 
determinam o ponto de partida da aprendizagem escolar. 
Não poderíamos falar de alfabetização sem abordar as contribuições de Emília 
Ferreiro. Nas últimas três décadas, as suas pesquisas têm norteado a discussão sobre 
o tema. Não pretendemos aqui discorrer sobre todo o seu trabalho,mas destacar 
alguns aspectos dos seus estudos e pesquisas, que contribuem para se pensar a 
alfabetização. 
Emília Ferreiro não criou um método de alfabetização. Ela buscou explicar como 
se dá a psicogênese da língua escrita, ou seja, procurou observar como a criança 
constrói, se apodera, da linguagem escrita. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita 
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O seu trabalho demonstra, de forma categórica, que a escrita não é um código, 
mas sim um sistema de representação que é apropriado pelo sujeito por meio do 
contato que ele tem com a língua escrita, mediado por outros sujeitos. Daí a sua 
afirmação de que só se aprende escrever escrevendo. 
“Ler não é decifrar, escrever não é copiar”. 
Ela tentou conhecer a maneira como as crianças concebem o processo de escrita, 
o que pensam e quais hipóteses organizam sobre a leitura e a escrita. Percebeu que 
as crianças pequenas, por exemplo, acreditam que tanto se pode ler um desenho 
como uma palavra, porque ainda não conseguem distinguir os tipos de representação 
(desenho e palavra) do objeto. 
Identificou também que em outra fase as crianças já “distinguem” o que pode 
ser palavra, logo pode ser lido, daquilo que não é palavra. Ao pedir que tentassem ler 
“palavras” como as abaixo, as crianças afirmavam que não podiam ler a primeira e a 
segunda, pois só tinham letras iguais. Já a terceira podia ser lida pois tinha letras 
diferentes, mesmo sem ter algum significado na língua materna. Isso demonstra que 
elas possuíam a hipótese de que para ser lido (palavra) há necessidade de se ter letras 
diferentes. 
Emília afirmou que existe “um processo de aquisição da linguagem escrita que 
precede e excede os limites escolares”. A escola é apenas um dos espaços de 
aprendizagem da linguagem escrita e não o único. Todos os contatos/experiências 
vividos pela criança fazem parte da elaboração da sua construção. Daí a importância 
das experiências vivenciadas pelas crianças dentro e fora da escola. 
Esses conhecimentos, apresentados por Emília Ferreiro, possibilitaram deixar de 
pensar, apenas, em como se ensina (professor), para focar o processo de 
aprendizagem (aluno). 
Jean Piaget obrigou-nos a abandonar a ideia de que nosso modo de pensar é o 
único legítimo e obrigou-nos a adotar o ponto de vista do sujeito em 
desenvolvimento. Isto é fácil de dizer, mas muito difícil de aplicar coerente e 
sistematicamente (FERREIRO, 1987: 68). 
Ao olhar o processo de aprendizagem, do ponto de vista do sujeito que aprende 
(aluno), o que era considerado erro passa a ser visto como sinalizador de como o 
sujeito está pensando, construindo o seu conhecimento. 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita 
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O erro passa a ser construtivo, pois ele reflete a construção de conhecimento do 
aprendiz e aponta para o professor a necessidade de intervenções pedagógicas 
adequadas. 
Segundo Ferreiro (1987), é necessário estabelecer a diferença entre a construção 
de um objeto de conhecimento (linguagem escrita) e a maneira pela qual fragmentos 
de informação fornecidos ao sujeito são incorporados ou não como conhecimento, 
pois apesar de estarem relacionados, são processos distintos e essa compreensão 
implicará em uma prática pedagógica diferenciada. 
Para ela, as crianças que vivem em ambientes urbanos, desde o seu nascimento, 
estão expostas a materiais escritos e a ações sociais de escrita, obtendo diversas 
informações acerca de alguns tipos de relações entre ações e objetos. Pode saber, por 
exemplo, que usamos letras para escrever, o que é e para que serve uma carta, sem 
saber “escrever” e, muito menos, que tipo de texto é uma carta. 
Com certeza, os conhecimentos prévios adquiridos no ambiente social ajudarão 
muito no processo de construção da linguagem escrita, mas não serão suficientes para 
a construção do objeto (linguagem escrita). 
A construção do objeto de conhecimento implica muito mais que mera coleção 
de informações. Implica a construção de um esquema conceitual que permita 
interpretar dados prévios e novos dados (isto é, que possa receber informações e 
transformá-la em conhecimento); um esquema conceitual que permita processos de 
inferência acerca de propriedades não-observadas de um determinado objeto e a 
construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado. 
Como já dissemos anteriormente, a pesquisa de Emília Ferreiro foi influenciada 
por Piaget, seu orientador, que afirmava que as respostas do sujeito são apenas a 
manifestação externa de mecanismos internos de organização e que as respostas só 
podem ser classificadas de “corretas” ou “incorretas”, quando tomamos o ponto de 
vista do observador (na maioria das vezes, o professor) como sendo o único legítimo. 
Até há poucos anos as primeiras tentativas de escrever feitas pelas crianças eram 
consideradas meras garatujas, como se a escrita devesse começar diretamente com 
letras convencionais bem traçadas. Tudo o que ocorria antes era simplesmente 
considerado como tentativas de escrever e não como escrita (...). Não se supunha que 
a execução de tais garatujas ocorresse simultaneamente com algum tipo de atividade 
cognitiva (...). Mais ainda: quando as crianças começavam a traçar letras convencionais, 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita 
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porém numa ordem não-convencional, o resultado era considerado uma “má” 
reprodução de alguma escrita que por certo, teriam observado nalgum outro lugar. 
Veja o texto abaixo, escrito por uma menina de 6 (seis) anos, em junho. O que 
você acha deste texto? O que essa menina já sabe sobre a língua escrita? 
Podemos afirmar que aqui no Brasil, antes do trabalho de Emília Ferreiro, a escola 
“não autorizava” a escrita espontânea. As crianças só escreviam aquilo que havia sido 
“ensinado” pelo professor. Só era aceita a escrita que estava próxima à convencional 
(ortográfica). Aqueles que “escreviam diferente” eram considerados problemáticos e 
encaminhados aos especialistas (fonoaudiólogos, psicólogos ou psicopedagogos). 
 
Com certeza esse texto é bem diferente dos que encontramos nas cartilhas. Ele está 
bem próximo dos textos que estão presentes na sociedade (texto narrativo), nos livros 
de literatura. 
Vejamos o que esta menina já sabe e pensa sobre a língua escrita: 
• Sabe que para escrever usamos letras e não rabiscos, números etc. 
• Sabe que a palavra é um conjunto de letras que representa uma 
ideia e que por isso, não basta colocar qualquer letra. 
• Sabe que há uma relação sonora na escrita. 
• Sabe que há padrões na escrita, ou seja, palavras iguais serão 
sempre grafadas iguais. 
• Pensa que a escrita é uma transcrição da fala. Por isso, escreve 
algumas palavras do mesmo jeito que oraliza, inclusive juntando-as e/ou 
segmentando-as. 
• Sabe contar uma história (início, meio e fim). 
Práticas de Alfabetização e Letramento | 
As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita 
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• Sabe as características específicas de um texto narrativo, como 
conto de fadas (final feliz) e as utiliza de forma adequada (“viveram felizes 
para sempre”). 
Você percebeu que um olhar cuidadoso, investigativo pode revelar o que o aluno 
já sabe e como pensa? Percebeu que como “saber olhar” muda a qualificação do 
“erro”? Esta menina ainda precisa construir alguns conceitos ortográficos, mas com 
certeza já compreendeu que a escrita é um sistema de representações. 
O texto acima demonstra que as crianças pensam sobre a escrita e que esta não 
é aprendida por meio de cópias ou exercícios mecânicos. É um trabalho de reflexão, 
o aprendiz precisa compreender seu processo de construção e suas normas de 
produção.

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