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Autor: Prof. Adalberto Vitor Raiol Pinheiro Colaboradoras: Profa. Silmara Maria Machado Profa. Christiane Mazur Doi Didática e Formação Docente Professor conteudista: Adalberto Vitor Raiol Pinheiro Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo – USP (2020), mestre em Letras pela mesma instituição (2014), especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes do Rio de Janeiro – Ucam (2010), graduado em Pedagogia pela Universidade de Uberaba – Uniube (2011) e em Letras Licenciatura pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp (1999). Atua como consultor de linguagens e suas tecnologias para MEC-COGEAM e Banco Mundial, além de ser coordenador do curso de Pedagogia da UNIP de São José do Rio Preto. Desenvolve pesquisas principalmente nos seguintes temas: formação de professores, processos de aquisição de linguagem, psicologia histórico-crítica, educação infantil, pedagogia do teatro e BNCC. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P654d Pinheiro, Adalberto Vitor Raiol. Didática e Formação Docente / Adalberto Vitor Raiol Pinheiro. – São Paulo: Editora Sol, 2023. 144 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Docente. 2. Didática. 3. BNCC. I. Título. CDU 371.13 U518.05 – 23 Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Souza Vera Saad Sumário Didática e Formação Docente APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 SABERES DOCENTES E SUAS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS COM O MUNDO CONTEMPORÂNEO .............................................................................................................................................. 11 2 OS TIPOS DE SABERES DOS PROFESSORES .......................................................................................... 17 3 PEDAGOGIA E A ARTE DE ENSINAR NA CONTEMPORANEIDADE ................................................ 25 4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DILEMAS E IMPASSES DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS .................................................................................................................................................... 33 Unidade II 5 A ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA DA AULA: PRÁTICAS E PROCEDIMENTOS ..................................... 52 6 ESPAÇOS INOVADORES EM SALA DE AULA: CRIATIVIDADE E AMBIENTES DIGITAIS ......................................................................................................................................... 68 Unidade III 7 ENSINAR POR COMPETÊNCIAS E A INTEGRALIDADE DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM .............................................................................................................................................. 91 8 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E BNCC ..........................................................................................................113 7 APRESENTAÇÃO Os temas abordados neste livro-texto são de fundamental importância para você, futuro profissional da Educação Básica, uma vez que contemplam o professor não apenas como profissional, mas como indivíduo que se constitui por aspectos pessoais, formativos, particulares, culturais e sociais. Para Tardif (2014), os saberes dos professores articulam-se com suas próprias identidades, experiências de vida e percurso profissional junto aos atores escolares. Em outras palavras, o desafio é colocar-se como mediador das aprendizagens dos alunos, conduzindo necessidades específicas demandadas pelos diversos perfis discentes e as necessidades socioculturais impostas pela sociedade contemporânea. Segundo Imbernón (2011), a formação de professores transcende o ensino, isto é, vai além da capacitação científica e didática, apresentando-se como possibilidade para que os profissionais da educação estejam preparados a adaptações da convivência com o outro, além das mudanças e incertezas que permeiam a vida social e, consequentemente, a escolar. Nesta perspectiva, é importante preparar professores para atuação sob uma base sólida de conhecimento, que propicie, tanto a quem ensina quanto a quem aprende, habilidades e competências para agir frente aos diferentes movimentos produzidos pela sociedade e nas diversas demandas que emergem a todo o tempo. Compreendendo ainda que existam muitas dimensões que perpassam os sujeitos, deve a didática abranger as características e configurações dos novos tempos e as novas práticas que se instauram no contexto atual. Consequentemente, a didática e a prática docente consideradas para este livro-texto estão em consonância com as ideias de Marin, Penna e Rodrigues (2012), que compreendem a didática como área de conhecimento que transcende mero caráter de receituário e prescritivo da prática, mas como ferramenta que amplia os conhecimentos e contribui para processos de percepção à vida humana. Pretendemos, com o desenvolvimento das unidades, formar professores que saibam lidar com subjetividades, identidades e diferentes discursos que permeiam o processo de ensino e aprendizagem; em que a teoria e a prática pedagógica sejam concretizadas por situações de diálogo, troca de experiências e socialização dos diversos campos/componentes curriculares presentes nos espaços escolares e na própria vida dos indivíduos. A esse respeito, Piletti (2010, p. 29) sinaliza que: [...] não é somente um processo de aquisição de conhecimentos, conteúdos ou informações. As informações são importantes, mas precisam passar por um processamento muito complexo, a fim de se tornarem significativos para a vida das pessoas. A partir de Piletti, é possível compreender que o trabalho docente não se restringe à formação acadêmica, depende também da visibilidade social que cada profissional assume ao promover nas escolas 8 momentos de intervenção e de debate, o que, segundo Nóvoa (2011), significa um trabalho político para conscientização da relevância da educação na contemporaneidade, combatendo a premissa de que ensinar é fácil e de que o ensino é uma atividade natural e ao alcance de qualquer pessoa. Segundo Roldão (2007), o ato de ensinar é caracterizado ao longo do tempo, com constantes mudanças e evoluções; podendo ser compreendido como “professar um saber”, ou seja, exige uma postura que envolva pluralidade de saberes, marcada pela transitividade do conhecimento e pela mediação. Diantede tais reflexões sobre a formação de professores em um estágio inicial, é necessário considerar metodologias que contemplem a aprendizagem ativa e significativa, compreendida por Bacich e Moran (2018, p. 3): [...] quando avançamos em espiral, de níveis mais simples para mais complexos de conhecimento e competência em todas as dimensões da vida. Esses avanços realizam-se por diversas trilhas com movimentos, tempos e desenhos diferentes, que se integram como mosaicos dinâmicos, com diversas ênfases, cores e sínteses, frutos das interações pessoais, sociais e culturais em que estamos inseridos. [...]. As pesquisas atuais da neurociência comprovam que o processo de aprendizagem é único e diferente para cada ser humano, e que cada pessoa aprende o que é mais relevante e o que faz sentido para si, o que gera conexões cognitivas e emocionais. A partir dos apontamentos dos autores, a disciplina Didática e Formação Docente terá como objetivo contemplar estratégias e práticas que considerem o processo de aprendizagem com respeito na singularidade do ser; reafirmando que um profissional de educação deve ser um indivíduo apto em “habitar e construir seu espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que só ele pode assumir e resolver de maneira cotidiana”, e apoiado necessariamente em uma visão de mundo, do homem e da sociedade (TARDIF, 2014, p. 149). 9 INTRODUÇÃO Na disciplina Didática e Formação Docente, você terá a possibilidade de ampliar seus conhecimentos sobre os elementos que constituem a organização do processo de ensino e aprendizagem no contexto escolar contemporâneo, além de compreender e analisar o desenvolvimento integral dos estudantes durante a prática pedagógica. Serão discutidas também as políticas públicas vigentes, em especial a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que propõe, para a Educação Infantil, os campos de experiências e, para o Ensino Fundamental I, componentes curriculares com base nas competências e habilidades. Pretende-se, ainda, que você compreenda a didática e sua relação direta com a formação docente pré-serviço, pautada no sujeito/objeto; teoria/prática; plano de aula/sequência didática; transmissão/transposição didática; competências/habilidades; tradicional/tecnológico; e procedimentos, abordagens e técnicas de ensino pautados na contextualização dos objetos de conhecimento e na resolução de problemas. Para isso, você será convidado a articular os princípios teórico-metodológicos das áreas de conhecimento que se constituem objeto da prática didática do professor com as premissas para a Educação Básica propostas pela BNCC; aprimorando procedimentos didáticos com base nas competências e habilidades. E, por fim, analisar os desafios na formação docente em relação às Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDCI). Pensando nessas questões e buscando oferecer conhecimentos e subsídios para a atuação profissional, o presente material é composto da seguinte estrutura: • Unidade I: dedicada aos “saberes docentes”, terá como início a reflexão das relações entre esses saberes e o contexto sociocultural em que está inserida a escola. Para tanto, discutiremos os tipos de conhecimentos que constituem a formação de professores, assim como as fases que permeiam sua carreira. Em seguida, estudaremos as estratégias de ensino relacionadas com o contexto contemporâneo, os impasses e dilemas das políticas públicas que impactam nas instituições de formação docente e nos ambientes escolares. Ainda, apresentaremos e trataremos acerca do programa residência pedagógica, com intenção de estabelecer características e momentos importantes para a formação e prática docente; contemplando, por fim, as várias narrativas e subjetividades que constituem a identidade docente. • Unidade II: seu tema geral será “a organização didática da aula: práticas e procedimentos”, começando por reflexões e apontamentos de como se organiza uma didática da aula, assim como ocorrem as diversas configurações da aula. Em seguida, falaremos sobre a importância da ética durante as intervenções e práticas pedagógicas, contempladas por um processo colaborativo e dialógico. Buscaremos, ainda, identificar espaços inovadores para a sala de aula; nestes ambientes, refletiremos e analisaremos a importância da criatividade e do uso das tecnologias da comunicação e da informação para constituir práticas docentes no mundo digital. 10 • Unidade III: sua centralidade estará nas “práticas pedagógicas e BNCC”, iniciando-se por discussões acerca das competências e a integralidade do processo de ensino e aprendizagem, passando para sistematização e definições das competências e suas diversas dimensões. Na sequência, compreenderemos as principais diferenças entre disciplinas – habilidades – objetos de conhecimento; passando para discussão e análise de como avaliar os alunos por meio das competências. Apresentaremos, ainda, características essenciais que permeiam a formação do professor e suas práticas, com foco na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Por fim, refletiremos sobre a importância da formação continuada dos professores para uma atuação cada vez mais engajada com o mundo contemporâneo. 11 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Unidade I Nossa discussão terá início sobre as formas que permeiam a formação e atuação dos professores. Para isso, verificaremos os tipos de saberes que constituem a profissão, assim como as fases da carreira constantes durante todo o percurso de formação inicial e em serviço. Após refletirmos sobre esses elementos, os quais constituem as várias identidades e práticas do professor, abordaremos quais os caminhos mais recorrentes na inserção dos profissionais de educação nas escolas e, consequentemente, os dilemas e impasses das políticas públicas frente à atuação docente. Diante disso, convidamos você a aprofundar seus conhecimentos sobre essa temática e conduzir sua formação de maneira consciente, crítica, reflexiva e engajada sobre o trabalho docente e seus desdobramentos. 1 SABERES DOCENTES E SUAS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS COM O MUNDO CONTEMPORÂNEO Segundo Nóvoa, Ser professor obriga a opções constantes, que cruzam à nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar à nossa maneira de ser (1992, p. 9). A mensagem inicial sinaliza que, para ser um professor, é necessário considerar, além dos saberes acadêmicos e metodologias de ensino, que o saber docente deve ser compreendido como formado pela associação das subjetividades dos indivíduos e a objetividade de textos acadêmicos e vivências nos cursos de formação de professores. Por isso, é preciso quebrarmos estereótipos e paradigmas que cercam o ofício, isto é, acredita-se que, para ser professor, basta o conhecimento do conteúdo, ter talento, bom senso, ser culto, ter paciência e experiência (GAUTHIER, 1998). Você deve estar se perguntando: quais os saberes necessários para ser um profissional da educação? 12 Unidade I Figura 1 Disponível em: https://bit.ly/2Eu6KRZ. Acesso em: 27 fev. 2023. Calma, esses elementos, os quais apresentamos há pouco, são necessários; no entanto, precisamos ampliar nossa compreensão acerca dos saberes inerentes à formação docente. Para Calixto (2003, p. 7), o saber do professor emerge da relação tempo e atuação: [...] o saber dos professores possui como fundamentos condicionantes o tempo e o próprio trabalho. O tempo que se alonga desde a experiência pessoal e escolar anterior à formação inicial (familiares ligados ao ensino, relação afetiva com crianças, experiências docentes bem-sucedidas, relações afetivas com certos professores, como alguns exemplos) até o percurso da carreira entendida como o resultado do diálogo entre o trabalho e o trabalhador, num processo de interação e transformação mútuas (reconhecimento de seu papel, de seus limites, aumento da confiança, domínio dos diversos aspectos do trabalho como liderança, gerenciamento).Conseguimos perceber que o saber dos professores é uma conexão entre o tempo e as experiências pessoais, de estudo e de trabalho. Dito de outra forma, a formação do novo docente se dá pelos referenciais afetivos e modelos de professores anteriores, que são transformados pelas novas vivências e percepções ao longo do percurso acadêmico e pela própria interação com o ofício. Lembrete Conforme Tardif (2014, p. 33), “o saber docente se compõe, na verdade, de vários saberes provenientes de diferentes fontes”. 13 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE No Brasil, a discussão sobre os saberes docentes é instaurada na década de 1990, a partir da publicação datada de 1991, na Revista Teoria & Educação, n. 4, do artigo de Tardif, Lessard e Lahaye intitulado “Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente”. Trabalhos como os de Gauthier (1998); Tardif e Raymond (2000); Borges (2001); Tardif e Gauthier (2001), entre outros, passaram a contribuir com essa discussão. Comecemos a discutir as várias fontes dos saberes docentes, sendo o primeiro deles a temporalidade, isto é, os saberes profissionais dos professores são temporais e ao mesmo tempo atemporais (TARDIF, 2014): • Temporais: os alunos passam pelos cursos de formação de professores sem ressignificar suas crenças a respeito do processo de ensino e aprendizagem e, somente quando docentes, reativam as experiências anteriores para solucionar problemas de sala de aula. Raymond, Butt e Yamagishi (1993 apud TARDIF, 2014, p. 260) observaram que, “quando ocorriam problemas de disciplina em sala de aula, a tendência dos professores era reativar modelos de solução de conflitos que vinham de sua história familiar e escolar”. • Atemporais: os anos iniciais da prática docente são importantes a fim de que o indivíduo se aproprie das habilidades e competências para estabelecer rotinas de trabalho, é a chamada “fase de exploração” (HUBERMAN; GROUNAUER; MARTI, 1989), caracterizada pelo momento em que o professor iniciante atua de forma intensa, a fim de provar suas capacidades profissionais, realizar a gestão de sala de aula e dos objetos de conhecimento para seus aprendizes. Além disso, os saberes profissionais são variados e heterogêneos, uma vez que não são unificados e padronizados, isto é, constituem um único caminho ou estratégia, eles são variados e integrais. Por exemplo, um professor possui em seu repertório de práticas pedagógicas várias teorias, concepções e técnicas, as quais se alternam para atender às múltiplas demandas de sala de aula. Sua relação com os saberes está mais voltada à integração do trabalho e pragmatismo do que à coerência teórica. Dito de outra forma, os professores não buscam uma unidade teórica ou conceitual, mas, como um artesão, carregam uma caixa de ferramentas para exercitar suas atividades, ou seja, assim como os docentes, o artesão possui diversos instrumentos (teorias, técnicas, procedimentos, dinâmicas) para servir ao seu processo de trabalho e atender a contextos específicos para cada tarefa executada (TARDIF, 2014). Como podemos perceber, a formação de um profissional da educação requer a integração de vários saberes que não se limitam ao cognitivo e acadêmico, uma vez que este sujeito se constitui por vivências sociais, históricas, culturais e, principalmente, escolares. A fim de dar conta dos diversos conhecimentos que constituem a formação docente, considerando assim o pluralismo do saber profissional, Tardif (2014) propõe um quadro com modelo tipológico, com o propósito de identificar e classificar tais saberes. 14 Unidade I Quadro 1 – Os saberes dos professores Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no trabalho docente Saberes pessoais dos professores A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato etc. Pela história de vida e pela socialização primária Saberes provenientes da formação escolar anterior A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados etc. Pela formação e pela socialização pré-profissionais Saberes provenientes da formação profissional para o magistério Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem etc. Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas etc. Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares etc. Pela prática do trabalho e pela socialização profissional Fonte: Tardif (2014, p. 64) Observe que o quadro possui três colunas, sendo a terceira a integração dos vários saberes (coluna 1) e das experiências sociais (coluna 2). Exemplo de aplicação A partir do quadro de saberes apresentado, elabore o seu (com suas vivências formativas e sociais). Procure listar exemplos concretos de suas experiências. Segundo Tardif e Lessard (2000), as profissões que envolvem a interação dialógica dos sujeitos têm, como principal característica, uma formação consolidada durante o processo de trabalho, contando com suas vivências, recursos socioculturais e estratégias que atendam ao contexto dinâmico das relações humanas. Desse modo, é possível afirmar que os saberes profissionais do professor são fortemente personalizados, isto é, não atendem à formalidade de conteúdos revelados por pesquisas ou temas arrolados pela academia. Pelo contrário, são “saberes apropriados, incorporados, subjetivados, saberes que são difíceis dissociar das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho. Essa característica é um resultado do trabalho docente” (CARTER apud TARDIF, 2014, p. 265). Em consonância com a ideia de professores como detentores de saberes sociais, Perrenoud et al. (2002) sinalizam que os saberes docentes transcendem o conhecimento das pesquisas, o qual é codificado 15 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE em soluções prontas e padronizadas, sendo construídos a partir de problemas que emergem das salas de aulas, das incertezas geradas pelo processo ensino-aprendizagem e negociações de significados que surgem das relações aluno-professor e aluno-aluno. Consequentemente, a formação de professores exige definição de “estilos de negociação frente às múltiplas e contraditórias formas identitárias aceitáveis para si e para os outros” (DUBAR apud TARDIF 2014, p. 68). Figura 2 Disponível em: https://bit.ly/3ID7Jzf. Acesso em: 27 fev. 2023. Durante a formação de professores, há de se considerar os seres humanos com suas particularidades e experiências intrapessoais; mesmo pertencentes à sociedade, estes indivíduos possuem individualidades, certezas, que são validadas ou reconstruídas no cerne do trabalho, isto é, ao entrarem em contato com grupos de alunos que, por sua vez, trazem crenças, expectativas e ritmos de aprendizagem diversos. Estar sensível à condição humana é uma das características principais do trabalho docente e exige respeito, ética, percepção, altruísmo e disposição de estar constantemente revisando o repertório de saberes adquiridos durante as práticas pedagógicas. Segundo Fenstermacher (1994), o trabalho diário em sala de aula desperta no professor seu autoconhecimento, de suas próprias emoções, valores, ações, reflexões e posicionamentos de como vai ensinar a seus estudantes. Desse modo, os docentes consideram as especificidades dos alunos como seres integrais, que devem, sempre que possível, aprender em um contexto de multiculturalidade, respeito, tolerância, histórias de vida, cooperação e momentos de interpessoalidade. 16 Unidade I Portanto, a socialização é um processo que forma indivíduos e, consequentemente, professores, umavez que se estende por toda a história de vida e carrega rupturas, continuidades, significações e encaminhamentos. Em outras palavras, os saberes, representados por esquemas, regras, hábitos, procedimentos, categorizações, posicionamentos e escolhas, não são inatos, mas produzidos pela socialização, ou seja, na imersão dos “indivíduos nos diversos mundos socializados (famílias, grupos escolas etc.), nos quais eles constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e social” (TARDIF, 2014, p. 71). Como vimos, a formação de professores e o fundamento de ensino possuem um viés social, pois os saberes profissionais são plurais, isto é, provenientes de fontes sociais diversas e que são incorporadas pelos indivíduos em tempos sociais diferentes (infância, escola, adolescência, universidade, carreira etc.). “São sociais também porque, em muitos casos, são explicitamente produzidos e legitimados por grupos sociais, como os pesquisadores universitários, por exemplo, as autoridades curriculares etc.” (TARDIF, 2014, p. 105). Saiba mais Leia mais sobre formação de professores e humana no artigo a seguir: NICOLODI, S. C. F.; SILVA, V. Formação de professores e formação humana: não é só necessária, mas possível. Educar em Revista, Curitiba, n. 61, p. 107-125, jul./set. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3Is1GNS. Acesso em: 27 fev. 2023. Tais reflexões nos levam à percepção de que ser professor demanda uma formação que contemple o ato de ensinar como um processo de interação social, mediada por vários canais: discursos, comportamentos, projetos de vida, formas de expressão e negociações de significados; exigindo dos futuros docentes a capacidade de ir além dos objetos de conhecimento, destinando sua prática à valorização das individualidades dos estudantes, do contexto sociocultural, com possibilidades reais de adaptação e integração ao universo do conhecimento. Assim, podemos afirmar que a atribuição de saber ensinar não é algo natural e inata, mas construída e modelada ao longo da própria história de vida dos professores e do processo de socialização. Dito de outra forma, os saberes relacionados à prática dos docentes podem ser compreendidos como replicabilidade de sua formação e adaptação à profissão, em que são eliminados elementos que lhes parecem abstratos ou sem relação com a realidade e conservados os que podem servir para fluidez do processo ensino-aprendizagem. Segundo Tardif (2014, p. 53), tal experiência “provoca um efeito de retomada crítica (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional”. 17 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE 2 OS TIPOS DE SABERES DOS PROFESSORES Anteriormente, refletimos, de maneira breve, como são articulados os aspectos cognitivos, sociais, históricos, sociais e vivenciais na formação de professores. Neste tópico, sistematizaremos os tipos de saberes docentes segundo Tardif (2014). É importante termos em mente que a presente disciplina relaciona-se diretamente com os saberes dos professores, uma vez que o ato de ensinar movimenta práticas sociais e educativas a fim de garantir o acesso sistemático e contínuo ao conhecimento. O esquema a seguir apresenta os saberes inerentes à formação de professores, de acordo com os pressupostos de Tardif (2014): Produzidos por teóricos1 SABERES PROFISSIONAIS Representados por concepção da prática pedagógica3 SABERES PEDAGÓGICOS Categorizados por campos ou áreas de conhecimento4 SABERES DISCIPLINARES 5SABERES CURRICULARES Sistematizados em objetivos, conteúdos e métodos 2SABERES EXPERENCIAIS Relacionados à formação em pares ou coletividade Figura 3 – Cinco saberes docentes segundo Tardif Os saberes profissionais são compreendidos pelo “conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou faculdades de ciência da educação)” (TARDIF, 2014, p. 36). O professor e o ensino constituem objetos de saber para as ciências humanas e as ciências da educação. Em outras palavras, os docentes e suas formas de ensinar são pesquisados e retratados via artigos e livros científicos, os quais irão balizar o processo de formação de professores. Os saberes experenciais são entendidos como adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente, funcionam como uma espécie de atualização de saberes que não são provenientes de textos acadêmicos e nem de currículos. São itens que se integram à prática pedagógica, com o objetivo de desenvolver o ensino em um contexto de múltiplas interações. Segundo Tardif (2014, p. 52, grifo nosso): 18 Unidade I É através das relações com os pares e, portanto, através do confronto entre os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, que os saberes experienciais adquirem uma certa objetividade: as certezas subjetivas devem ser, então, sistematizadas a fim de se transformarem num discurso de experiência capaz de informar ou de informar outros docentes e de fornecer uma resposta aos seus problemas. O relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto dos projetos pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de professores iniciantes, todas essas são situações que permitem objetivar os saberes da experiência. As situações destacadas na citação contribuem para que os professores conscientizem-se de seus saberes experienciais, que se incorporam às experiências individuais e coletivas sob a forma de “habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber ser” (TARDIF, 2014, p. 39). Os saberes pedagógicos são aqueles que mobilizam a atividade pedagógica, não se restringindo somente a serem objetos de saber das ciências da educação. São representados por doutrinas ou concepções provenientes de “reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação da atividade educativa” (TARDIF, 2014, p. 37). Os saberes disciplinares correspondem aos diversos campos do conhecimento, “aos saberes que se dispõem à nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no interior da faculdade e de cursos distintos” (TARDIF, 2014, p. 38). Eles, representados pelas disciplinas curriculares (português, matemática, ciências etc.), são trabalhados por meio de cursos e universidades, independentemente se de faculdades de educação ou de cursos de formação de professores; emergem, portanto, da tradição cultural dos currículos e são praticados pelos grupos sociais que produzem o saber. Os saberes curriculares são compreendidos pelos objetivos de aprendizagem, objetos de conhecimento (conteúdos) e metodologia, pelos quais as instituições escolares apresentam os saberes sociais. É importante ressaltar que esta configuração de elementos está pautada, predominantemente, na cultura erudita e de formação para a cultura erudita. Observação Para nossa disciplina, cultura erudita refere-se à construção de uma identidade nacional e recursos pedagógicos intelectualmente sofisticados, os quais conduzam à formação integral dos cidadãos e ao progresso da sociedade. 19 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Saiba mais A fim de melhor entender os saberes docentes, acesse: SABERES docentes e formação profissional – Maurice Tardif. 2019. 1 vídeo (30 min). Publicado pelo canal Felipe Aragão. Disponível em: https://bit.ly/3mdUoGo. Acesso em: 27 fev. 2023. Além dos saberes sistematizados anteriormente citados por Tardif (2014), o autor complementa a questão, classificando-os em três categorias: Primeira categoria – o sujeito e a representação De acordo com a filosofia cartesiana de René Descartes, é o saber que expressa as certezas subjetivas racionalizadas pelo pensamento racional. Esta categoria está ligada à subjetividade; pertence à corrente de pesquisa da América do Norte cujo representanteé Chomsky, e, na Europa, está associada ao neokantismo de Piaget. Assim, Tardif (2014, p. 193) sinaliza que: Em ambos os casos, o saber é abordado em termos de representações mentais que se referem seja à gênese (Piaget), seja à estrutura inata (Chomsky) do pensamento, com seu equipamento próprio, seus mecanismos e seus procedimentos, suas regras e seus esquemas. A partir da citação, percebemos que as ciências cognitivas, representadas por Chomsky e Piaget, se interessam pelo estudo de processos cognitivos, entre eles: memória, aprendizagem, compreensão, linguagem e percepção. Esses processos possuem função referencial ou intencional, sendo saberes subjetivos construídos a partir da atividade do indivíduo e processados pela informação, segundo modelo biológico de equilibração. Dito de outra forma, o saber representativo é construído a partir da interação entre símbolos e referenciais que, em contato com situações de aprendizagem, passam por um processo de acomodação e, posteriormente, equilibração. Observação São processos criados por Piaget: acomodação, correspondente à etapa em que o organismo se ajusta a um novo objeto; equilibração, etapa de maturação, após certo tempo, o novo objeto é assimilado e acomodado. 20 Unidade I Segunda categoria – o juízo, o discurso assertórico Para esta categoria, o saber é muito mais que o resultado de atividade intelectual, isto é, está além do julgamento pela representação da subjetividade ou pela intuição. Segundo Popper (1972), as formas de juízo nem sempre estão associadas aos saberes, ou seja, ao que denomina conhecimento objetivo; uma vez que os juízos de referência – por exemplo, a vida pessoal e os valores inerentes à vida – não integram uma ordem positiva do saber. Observe que esta categoria exclui as influências subjetivas e valoriza o positivismo associado ao saber, a partir de uma perspectiva empírica, ou seja, dos saberes práticos, populares e baseados nos hábitos cotidianos. Terceira categoria – o argumento, a discussão Esta categoria tem como premissa a argumentação como sinônimo de saber, uma vez que conhecer alguma coisa é ir além do simples juízo de valor de determinado fato ou ação, é ser capaz de argumentar sobre as razões e pontos de vista que tornam tal juízo válido e verdadeiro. A abordagem argumentativa de comunicação discursiva do saber foi amplamente definida por autores como Gadamer, Ricoeur, Habermas, entre outros. Cabe ressaltar que, para nosso contexto educacional contemporâneo, o enfoque na argumentação comunicacional é bastante relevante para integrar o rol de saberes na formação de professores. Saiba mais Para conhecer sobre a abordagem argumentativa e as estratégias hermenêuticas de Gadamer e Ricoeur, leia o seguinte artigo: ALCÂNTARA, V. C.; PAIVA, A. L.; BRITO, M. J. Desvelando “caixas-pretas” dos textos de estratégia: uma abordagem baseada na hermenêutica crítica. O&S, Salvador, v. 25, n. 84, p. 30-49, jan./mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3Is5lv6. Acesso em: 27 fev. 2023. Quando propomos a discussão das várias categorias do saber, estamos sinalizando para a importância de associar os diversos saberes docentes ao contexto global do mundo contemporâneo, porém com exigências de racionalidade e sistematização dos conhecimentos que se encadeiam durante as vivências e processos intelectuais dos indivíduos. Deste modo, podemos dizer que a relevância dos discursos, declarações, procedimentos, argumentos e questionamentos do outro e do mundo são constantemente revisáveis e criticáveis, pois possuímos a competência de analisar nossos próprios atos e pensamentos. 21 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Diante das reflexões sobre as categorias de saberes que circundam o ofício de professor, é possível afirmar que a prática docente não é somente um lugar de aplicação de saberes produzidos, mas de criações, transformações e mobilização de habilidades, competências e conhecimentos. Ao conceber a formação e o trabalho docente como espaço privilegiado para articulação dos múltiplos saberes, será possível romper com o estigma de conteúdos ligados à segmentação do trabalho (especialização, objetivos predeterminados e programas de controle da prática pedagógica) e dizer que o trabalho dos professores está integrado em um ambiente sociocultural, de escolhas negociadas, de saberes compartilhados e de autonomia. As fases da carreira docente estão ligadas à formação e atuação docente, isto é, ao trabalho pré-serviço (em que os futuros professores preparam-se em instituições de ensino para exercer o ofício de docente) e ao trabalho em serviço (período mais longo da carreira, em que eles atuam nas áreas de ensino para as quais se prepararam durante o curso de formação). Figura 4 Disponível em: https://bit.ly/3EFc5Fa. Acesso em: 27 fev. 2023. O conceito de carreira apresenta várias definições – e não é nosso objetivo discuti-las nesta disciplina –, mas pode ser compreendido, de forma geral, como processo em que os professores aperfeiçoam seus conhecimentos e competências, por meio de vivências de práticas pedagógicas ou como pesquisadores da própria prática, e que buscam, por meio de questionamentos, soluções para seus problemas. No entanto, é necessário destacar que a dinâmica da carreira de professores, ao longo de sua atuação docente, apresenta um caminho duplo: o primeiro refere-se ao sucesso atingido por este profissional, caracterizado pela busca constante de desenvolvimento de seus conhecimentos; enquanto o segundo refere-se à frustração em relação à profissão ou mesmo sua situação de inércia frente aos compromissos com a educação (ARRUDA, 2001). 22 Unidade I Com o propósito de visualizar as fases da carreira docente, recorremos a Huberman (2000), que apresenta cinco momentos do processo de evolução da profissão docente, sendo eles: a entrada na carreira (de 1 a 3 anos de profissão), a estabilização (de 4 a 6 anos), a experimentação ou diversificação (de 7 a 25 anos), a serenidade e o afastamento afetivo (de 25 a 35 anos), e a preparação para a aposentadoria (35 a 40 anos de profissão). A seguir, apresentamos um quadro com uma síntese das fases da carreira dos professores e suas principais características: Quadro 2 – Ciclo da vida profissional docente Classificação Tempo Principais características Entrada na carreira 1 a 3 anos - Entusiasmo - Confronto com disciplina do aluno - Descobertas - Choque de realidades Estabilização 4 a 6 anos - Estabilização profissional - Emancipação docente - Interesse pela aprendizagem dos estudantes Experimentação ou diversificação 7 a 25 anos - Competência pedagógica - Autonomia e prestígio - Motivação - Valorização da formação continuada Serenidade e afastamento afetivo 25 a 35 anos - Calmaria em relação ao trabalho - Menos importância aos julgamentos alheios - Estabilidade no fazer pedagógico Preparação para a aposentadoria 35 a 40 anos - Libertação progressiva dos atributos docentes - Desmotivação - Reflexões sobre pressões sociais durante a carreira Adaptado de: Huberman (2000). O quadro exibido, na perspectiva de Huberman (2000), consiste em uma apresentação geral e cronológica do ciclo de desenvolvimento da carreira do professor, no entanto, é preciso ter claro que isso não deve limitar nossa compreensão a respeito das fases da evolução dos professores; uma vez que o contexto social e histórico muda constantemente e, por isso, é necessário parcimônia em relação às configurações que a carreira docente pode sofrer. Em outras palavras, a apresentação dos pressupostos teóricos do referido autor tem a função de estabelecer um ponto de partida para reflexões e encaminhamentos sobre a atuação docente nos vários contextos educacionais. Diante disso, passamos a discutir, um pouco mais, sobre cada fase elencada no quadro apresentado: • Entrada na carreira (1 a 3 anos): os professores são convidados a experimentar e explorar metodologias e posturas provisórias, com questionamento de seu desempenhofrente ao processo ensino-aprendizagem. 23 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Nesta fase, o docente encontra-se motivado e entusiasmado para movimentar os saberes adquiridos durante sua formação, no entanto, tal período é marcado por dois momentos, a sobrevivência e a descoberta, em que há o confronto entre a formação inicial e a complexidade da situação profissional, além da oposição entre ideal e real, isto é, a proposta de metodologias padronizadas e sua efetiva implementação durante a prática pedagógica. • Estabilização (4 a 6 anos): caracterizada como momento de busca de identidade do ser professor, isto é, constitui uma etapa decisiva no desenvolvimento da carreira, em que há adaptações profissionais, busca de autonomia frente à equipe educacional, comparações com colegas mais experientes e comprometimento consigo próprio. Ela pode ser compreendida como emancipação do docente, ou seja, fase em que suas concepções e práticas estão mais consistentes, sendo o objetivo maior a busca constante por metodologias que atendam ao interesse e aprendizagem dos estudantes. • Experimentação ou diversificação (7 a 25 anos): após a fase da estabilização e aprimoramento de seus percursos individuais e profissionais, os professores apresentam maior motivação e dinamicidade em suas atribuições nas equipes pedagógicas e, em alguns casos, o acesso a pontos de gestão, como consequência de buscarem aprimoramento e novos desafios. Considerada a fase mais longa, pode ser subdividida em três perfis de profissionais da educação: — perfil 1 – potencial docente: com investimento na carreira e potencial docente o profissional busca a diversificação de métodos e práticas para aplicação, cada vez mais coerente, no contexto educacional; — perfil 2 – administrativo: envolvimento com sistemas de gestão e/ou administrativos, com vistas à promoção profissional; — perfil 3 – desinteresse pela docência: os compromissos com o ofício docente são reduzidos, podendo o profissional abandonar a carreira ou exercê-la de forma secundária. • Serenidade e afastamento afetivo (25 a 35 anos): nesta fase, os professores estão mais tranquilos em relação à sua prática e ao juízo de valores dos outros, uma vez que já alcançaram, de certa forma, os objetivos da prática pedagógica e, também, a consolidação de suas concepções sobre a profissão. • Preparação para aposentadoria (35 a 40 anos): momento em que o professor possui um momento de introspecção, isto é, recuo intrapessoal e tempo maior dedicado a si próprio. Essa espécie de desapego pode ser caracterizada como forma de manifestar libertação da carreira e das pressões sociais e históricas impostas durante toda a atuação docente. 24 Unidade I Tardif (2014), ao adotar o ponto de vista de seus estudos com a escola de Chicago, define o termo carreira como trajetória dos sujeitos através da realidade social e organizacional. Em consonância com Huberman (2000), cujas etapas foram descritas anteriormente, aponta outras três etapas para o percurso dos profissionais de educação, as quais são integradas por meio de contextos de socialização e de várias formas de cultura inerentes às relações humanas. Na primeira etapa, referente ao início da carreira, caracterizada pela socialização e formação, podemos considerar autores como Lortie (1975); Gold (1996), além de Zeichner e Gore (1990), os quais apresentam uma subdivisão em duas fases: • 1ª fase – exploração (de 1 a 3 anos): momento em que os professores escolhem, de maneira provisória, sua profissão; cuja trajetória é permeada por tentativas, erros e acertos. Neste período, existe uma busca pela aceitação no meio profissional e o reconhecimento de figuras, como alunos, colegas, coordenadores, comunidade escolar etc. • 2ª fase – estabilização e consolidação (de 3 a 7 anos): período em que o professor investe no desenvolvimento de sua carreira, além de esboçar maior confiança em si mesmo, uma vez que apresenta maior domínio de diversos aspectos do trabalho, principalmente os pedagógicos (gestão de sala de aula, metodologias de ensino, análise de materiais etc.). Na segunda etapa, referente à iniciação no sistema normativo e à hierarquia escolar, um grupo informal de professores acompanha e integra os docentes iniciantes na cultura escolar. Neste período, os novatos inteiram-se de suas atribuições frente às práticas e demandas do ambiente escolar, compreendendo um certo desnível hierárquico, ou seja, estão na parte mais baixa da hierarquia escolar e, portanto, devem adaptar-se às novas situações profissionais, assim como apropriações de conversas, vestimentas e comportamentos. Já a terceira etapa refere-se à descoberta das necessidades reais dos alunos e professores que atuam nas várias configurações de escola. Segundo Eddy (1971, p. 186), “Os alunos não correspondem à imagem esperada ou desejada: estudiosos, dependentes, sensíveis às recompensas e punições, desejosos de aprender”. Lembrete A carreira de professor apresenta as seguintes fases: Entrada na carreira (exploração) → Iniciação (estabilização) → Experimentação (integração à escola) → Descobertas (experimentação e diversificação) → Necessidades reais (afastamento afetivo). 25 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE 3 PEDAGOGIA E A ARTE DE ENSINAR NA CONTEMPORANEIDADE O professor deve refletir permanentemente sobre as suas práticas e transformar-se num constante experimentador [...]. Por outro lado, existem problemas recorrentes e urgentes, que apresentam regularidades, e os professores não precisam, a todo momento, de “reinventar a roda”. John Elliot A epígrafe traz uma reflexão bastante coerente para iniciarmos nossas discussões sobre a arte de ensinar, isto é, a necessidade de sempre nos mantermos atualizados frente às novas demandas socioculturais; assim como termos coerência com o desenvolvimento profissional, ou seja, não reinventar bases já consolidadas no contexto de formação de professores. A formação de professores exige sujeitos que relacionam o conhecimento profissional com constantes pesquisas e percepções sobre a atuação docente, assim, os professores não apenas possuem a missão de formar pessoas competentes em atuação integral frente à sociedade, como têm a preocupação com a autogestão de sua progressão de carreira e o uso de metodologias e práticas engajadas com contextos educacionais, culturais e cognitivos que constituem os profissionais da educação. Nesta perspectiva, o trabalho docente exige conhecimentos específicos de sua profissão, representados por conteúdos, articulações curriculares e aspectos interpessoais no trato com o ofício de ensinar. Em outras palavras, ser professor é trabalhar constantemente com teorias sociológicas, psicológicas, didáticas, filosóficas, artísticas, históricas e pedagógicas; todas inter-relacionadas e que devem, sempre que possível, estar associadas às realidades cotidianas do ofício de docente. Figura 5 Disponível em: https://bit.ly/3IBUNK3. Acesso em: 27 fev. 2023. Além disso, a arte de ensinar está associada às práticas e vivências nos vários ambientes escolares, que sinalizam para aprimoramento das ações e conhecimentos epistemológicos. Desse modo, nossa disciplina tem como objetivo organizar, de maneira mais lógica possível, como funcionam a integração 26 Unidade I de conhecimentos específicos da educação, as técnicas inerentes à prática pedagógica e as várias vivências que emergem das relações entre professor-aluno, professor-professor, professor-gestores, professor-comunidade, professor-conteúdos etc. É preciso relacionar programas de formação de professores com as necessidades e expectativas dos alunos, reconhecendo estes últimos como sujeitos do conhecimento, em transformação, e que, ao aprender, consideram aspectos cognitivos, sociais e afetivos. Observação Em conformidade com Tardif (2014, p. 117), pedagogia é o conjunto de meios empregados pelo professor para atingir seus objetivos no âmbito das interações educativas com os alunos.O curso de Pedagogia fornece diversos elementos para estreitar cada vez mais a formação docente e seu maior objetivo, o êxito de práticas pedagógicas que preparem alunos competentes para realizarem seus projetos de vida, com respeito às histórias de cada um deles e às necessidades locais das unidades escolares. Assim, os modelos de práticas educativas são representações “elaboradas e veiculadas pelos professores a respeito da natureza de sua prática, representações essas que servem para defini-la, estruturá-la e orientá-la em situações de ação” (TARDIF, 2014, p. 150). Em outras palavras, o curso de Pedagogia, especificamente em nossa disciplina, deve estar apto a proporcionar momentos de formação e práticas pedagógicas que confiram inteligibilidade e sentido ao fazer do professor, oferecendo a ele pontos de referência, redes de significações e orientações para aprimorar as diversas ações da profissão. Diante disso, podemos dizer que o curso que você está realizando é formado por um repertório de conhecimentos pedagógicos, próprios da profissão, que proporciona não somente técnicas de base para o trabalho, mas um conjunto de elementos teórico-práticos para exercer a profissão como uma arte, que ora fornece momentos de sensibilização e propostas de improvisação humana, ora fundamenta e organiza as várias estratégias didático-pedagógicas. Saiba mais Conheça mais sobre a arte de ensinar e aprender no artigo a seguir: RODRIGUES, T. S.; RODRIGUES, E. R. Docência e discência: a arte de ensinar e de aprender. Revista Científica Semana Acadêmica, Fortaleza, ano MMXIII, n. 37, 2013. Disponível em: https://bit.ly/41walI8. Acesso em: 27 fev. 2023. 27 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE A partir desta discussão inicial sobre as várias formas de ensinar que estão relacionadas com a formação docente, nota-se que os professores podem valer-se dos mais variados modelos e práticas no decurso de sua atividade. Para isso, Tardif (2014) aponta para a necessidade de categorizar três concepções prevalentes durante a prática educativa. São elas: • A educação como arte. • A educação como arte guiada por valores. • A educação como interação. Vamos conhecê-las: A educação como arte Esta concepção associa a atividade do educador à arte, ou seja, o termo grego téchne é traduzido pelas palavras técnica ou arte. Ela é fundamentada na cultura filosófica, em especial nas obras de Platão e Aristóteles, que distinguem a arte (téchne) da ciência (epistéme), isto é, as técnicas de ensino são vistas como estratégias que utilizamos para acessar o conhecimento, enquanto a epistemologia refere-se às reflexões sobre a natureza, as etapas e os limites do conhecimento, o que requer estruturas mais rígidas de análise (TARDIF, 2014). Neste contexto, de distinções entre as ações que corroboram o conhecimento, Tardif (2014) apresenta um quadro que sintetiza as principais caraterísticas e objetivos das ações práticas (práxis), técnicas (téchne) e epistêmicas (epistéme), como podemos visualizar a seguir: Quadro 3 – A educação enquanto arte Ação (Práxis) Ação (Téchne) Ciência (Epistéme) Atividade típica Atividade imanente ao agente, ação moral Fabricação de uma obra e produção de algo (efeito, resultado etc.) Contemplação e conhecimento rigoroso Ator típico O homem prudente, o homem político, o guerreiro, o gozador O artesão, o sofista, o médico, o educador O sábio, o filósofo, o cientista Natureza das atividades Orientada por fins imanentes ou naturais ao agente Orientada por resultados exteriores ao agente Orientada por um interesse relativo ao puro conhecimento Objeto típico das atividades O homem e a existência humana As coisas, os homens e os acontecimentos As realidades puramente intelectuais Saber típico Antropologia, ética, política As técnicas e as artes; o saber-fazer As ciências puras, a filosofia Natureza do saber Erudito, mas não rigoroso e necessário Saber que trata do contingente e do particular Rigoroso e necessário Objeto do saber Os fins e as normas Os seres contingentes e individuais Os seres necessários (os números, o divino) Fonte: Tardif (2014, p. 154, grifos nossos). 28 Unidade I O quadro anterior nos faz refletir que, embora as três ações sejam associadas durante a formação e atuação docente, algumas delas se sobressaem, como a questão de os profissionais da educação darem mais ênfase na práxis e téchne do que na epistéme. Para isso, convidamos você a analisar as palavras em destaque no quadro, que formam o grande quebra-cabeças da arte de ensinar, ou seja, como já anunciamos, ser professor é transcender o caráter prático e prescritivo de técnicas, e conceber a prática docente como ação que necessita de pesquisas, intelectualidade, adequações, projeções, planejamentos e, sobretudo, considerar a condição humana com suas buscas, imperfeições, especificidades e instabilidades. Portanto, é preciso considerar a formação de professores e sua atuação no decurso do ofício como articulação entre os três eixos mencionados: a prática, a técnica e a ciência. Lembrete Formação e atuação docente são construções realizadas a partir das ações: práxis, téchne e epistéme. Elas devem ser complementares na trajetória do professor. Cabe ressaltar que, segundo o filósofo Platão, a arte de ensinar, tradução de téchne, está associada à ideia de representar, de maneira geral, as competências e habilidades que se pretende atingir para que a aquisição do conhecimento seja concretizada por meio de experiências, fontes seguras de informação, ética nas variadas formas de estudo e nas relações interpessoais que ocorrem durante o processo ensino-aprendizagem. Assim, ela, para este ponto de vista, possui três fundamentos essenciais: a educação em si mesma, a educação aprimorada no convívio com os pares e as finalidades intrínsecas a cada educando, isto é, seus valores e expectativas frente às demandas educacionais. Observação O termo sofista, principalmente na cidade de Atenas, passou a denotar uma classe de intelectuais, em especial itinerantes, que ministravam cursos em várias disciplinas, além de estudos sobre língua e cultura. A educação como arte guiada por valores Concepção que surge a partir dos tempos modernos, embora muitos de seus fundamentos estejam alicerçados em alguns sofistas e na teoria das paixões de Aristóteles. 29 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Assim, em seu texto O estatuto das paixões, Aristóteles define paixão (páthos) como o sentimento que move, impulsiona determinada ação (práxis). Em nosso contexto, podemos inferir que a atuação docente e suas técnicas são geridas pela vontade de transformar o mundo por meio do agir humano, suas virtudes, medos, audácia, desejos e compaixão. A partir daí, Tardif (2014) exibe o quadro a seguir, que representa de forma didática as relações que os elementos epistêmicos possuem com a práxis e sentimentos humanos. Quadro 4 – A educação enquanto técnica: subjetividade e objetividade Esfera de subjetividade Esfera de objetividade Atividades típicas As atividades morais-legais, pessoais, passionais, as condutas baseadas nos interesses dos atores As técnicas, as atividades instrumentais e estratégicas, a pesquisa científica Atores típicos Todo ator que age baseando-se em seu interesse ou em regras subjetivas O tecnólogo, o científico, o calculador, o estrategista Natureza da atividade Guiada por fins, por normas Guiada por objetivos axiologicamente neutros Objeto típico da atividade A conformidade às normas, regras e interesses O domínio e o controle dos fenômenos Saber típico O ético, o jurídico, o estético, o senso comum etc. As ciências e as técnicas Natureza do saber Subjetivo ou subjetivo-coletivo (social) Rigoroso e necessário Objeto do saber As regras, as normas, o interesse subjetivo Todos os fenômenos naturais e o ser humano como fenômeno natural Fonte: Tardif (2014, p. 161, grifos nossos). Novamente, destacamosos termos das colunas da subjetividade e da objetividade que, embora estejam separadas, sinalizam para a necessidade de serem consideradas durante a formação e atuação docente, visto que somos seres que carregam valores e posicionamentos histórico-culturais distintos, mas que, quando assumimos o papel de professor em determinada instituição, precisamos atentar para regras mais objetivas, ações pautadas no cientificismo e estratégias que possam validar os conhecimentos empíricos e epistemológicos dos sujeitos. Deste modo, o docente é um ser constituído de subjetividades, as quais se mobilizam em um processo de conhecimentos que articulam aspectos objetivos, tais como raciocínio lógico e, ao mesmo tempo, pensamento abstrato, essencial para o desenvolvimento das subjetividades. O que queremos dizer é que a intersecção objetividade e subjetividade é essencial para formar e/ou revigorar o percurso docente, suas práticas, tomadas de decisão e explicitação de valores. Segundo Facci (2004), para se humanizar, é preciso superar o reino biológico, de forma analógica à objetividade, pela apropriação da cultura, compreendida como valores éticos, estéticos e políticos, que emergem das relações sociais instauradas nas várias instituições educacionais. 30 Unidade I Consequentemente, a formação do indivíduo acontece, sempre, em um processo educativo, por isso os sujeitos apropriam-se dos conhecimentos científicos, formam conceitos, ampliam seus conhecimentos de mundo e promovem novas objetividades e subjetividades no movimento dialógico que é viver. Em última instância, a formação e a atuação de professores mobilizam essas duas formas inerentes aos seres humanos: a objetividade e a subjetividade. A primeira auxilia na execução e instrumentalização do conhecimento objetivo, enquanto a segunda guia ações normatizadas por interesses e motivações pessoais, que impulsionam o trabalho dos profissionais da educação. Saiba mais Com o objetivo de conhecer o “Novo propósito da educação”, assista à entrevista a seguir com Leandro Karnal. LEANDRO Karnal – Novo propósito da educação. 2018. 1 vídeo (6 min). Publicado pelo canal Leandro Karnal – Admiradores. Disponível em: https://bit.ly/3me6EXq. Acesso em: 27 fev. 2023. A educação como interação Figura 6 Disponível em: https://bit.ly/3Z5UjTG. Acesso em: 27 fev. 2023. 31 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE A partir da imagem anterior, esta concepção refere-se à interação, concebida por muitas teorias como interacionismo, etnometodologia, teoria da comunicação etc. No entanto, cabe destacar que, independentemente de arcabouços teóricos, todas elas admitem a prática educativa como lugar de interações culturais, discursivas, em que a dialogicidade está presente e contribui para a formação profissional e humana. De acordo com Tardif (2014, p. 167): Quando aplicada à educação, essa ideia de interação nos leva a captar a natureza profundamente social ao agir educativo. Na educação, não lidamos com coisas ou objetos, nem mesmo com animais como os famosos pombos de Skinner: lidamos com os nossos semelhantes, com os quais interagimos. Para o autor, estando em um ambiente escolar, cuja representação máxima é a sala de aula, o professor relaciona-se com o grupo de estudantes, em um esforço para estabelecer relações e desencadear, por meio de um processo dialógico, ideias e conhecimentos mediados pela linguagem e pelas múltiplas formas de interação que emergem das relações humanas. Nesta perspectiva, tanto o ato de ensinar quanto as interações advindas dos espaços escolares possuem finalidades, consideradas, segundo Tardif (2014), em três momentos: • Primeiro momento: os objetivos dos professores estão associados à tarefa coletiva e atemporal das incertezas geradas pelo processo dialógico, isto é, eles agem em um contexto de divergências e convergências socioculturais, para atingir objetivos preestabelecidos. • Segundo momento: o caráter complexo e não operatório dos objetivos de ensino exige dos professores adaptação constante frente às diversas circunstâncias inerentes às situações de trabalho, especialmente nas interações com os estudantes, preparação de aulas e elaboração de avaliações. • Terceiro momento: a heterogeneidade dos objetos e objetivos escolares provoca a necessidade da atualização constante do professor quanto à sua atuação, aos esquemas curriculares e à própria demanda da disciplina curricular; sem falar a respeito da multiplicidade de objetivos dos próprios docentes e seus aspectos subjetivos. Diante dessas reflexões, deve-se compreender a relação pedagogia e formação/atuação docente como um processo complexo que exige contemplar a multidimensionalidade humana, a intersubjetividade, a vida social e cultural dos sujeitos e, sobretudo, a articulação do conhecimento à heterogeneidade humana. A fim de visualizar as principais distinções entre o trabalho docente centrado em objetos e matérias e aquele focado na diversidade humana, apresentamos o seguinte quadro: 32 Unidade I Quadro 5 – O trabalho industrial versus o trabalho docente Trabalho na indústria com objetos materiais Trabalho na escola com seres humanos Objetivos do trabalho - Precisos - Operatórios e delimitados - Coerentes - Em curto prazo - Ambíguos - Gerais e ambiciosos - Heterogêneos - Em longo prazo Natureza do objeto do trabalho - Material - Seriado - Homogêneo - Passivo - Determinado - Simples (pode ser analisado e reduzido aos seus componentes funcionais) - Humano - Individual e social - Heterogêneo - Ativo e capaz de oferecer resistência - Comporta uma parcela de indeterminação e de autodeterminação (liberdade) - Complexo (não pode ser analisado nem reduzido aos seus componentes funcionais) Natureza e componentes típicos da relação do trabalhador com o objeto - Relação técnica com o objeto: manipulação, controle de produção - O trabalhador controla diretamente o objeto - O trabalhador controla totalmente o objeto - Relação multidimensional com o objeto: profissional, pessoal, intersubjetiva, jurídica, emocional normativa etc. - O trabalhador precisa da colaboração do objeto - O trabalhador nunca pode controlar totalmente o objeto Produto do trabalho - O produto do trabalho é material e pode, assim, ser observado, medido, avaliado - O consumo do produto do trabalho é totalmente separável da atividade do trabalhador - Independente do trabalhador - O produto do trabalho é atingível e imaterial; dificilmente pode ser observado, medido - O consumo do produto do trabalho dificilmente pode ser separado da atividade do trabalhador e do espaço de trabalho - Dependente do trabalhador Adaptado de: Tardif (2014, p. 125). A partir das categorias criadas por Tardif (2014), é possível elencar algumas palavras-chave que estão associadas ao trabalho docente humanizado e alicerçado na valorização da educação integral dos principais atores do processo ensino-aprendizagem. São elas: • trabalho colaborativo; • relações intersubjetivas e emocionais; • autonomia de posicionamento; • trabalho em longo prazo; • confronto de ideias; • protagonismo no fazer e conviver. 33 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Então, muita atenção, pois o ato de ensinar é constituído por uma pluralidade de saberes, que funcionam como “reservatório onde o professor vai buscar suas certezas, modelos simplificados de realidade, razões, argumentos, motivos, para validar seus próprios julgamentos em função de sua ação” (TARDIF, 2014, p. 210). O que estamos querendo dizer é que, em sua formação e/ou atuação, o professor utiliza intuição intelectual, bases teóricas, vivências pessoais e coletivas, raciocínio lógico, para, enfim, contextualizar e significar suas práticas e estratégias de ensino. Ainda, conforme o autor (2014, p. 2029), a ação educativa é definida por oito elementos: • Possuir um saber específico, assim como vivencial. • Manter regularmente a interação e diálogo. • Atuar individualmente e coletivamente.• Ter como foco os estudantes e seus interesses. • Estar disposto a participar do processo ensino-aprendizagem. • Saber ensinar. • Determinar conteúdo associado às demandas históricas, sociais e culturais. • Propiciar tomada de decisões e vivências diversas. Diante do exposto, que sintetiza elementos necessários para a prática educativa, podemos parafrasear Shavelson e Stern (1981), que compreendem a prática docente como aquela que busca, conscientemente, objetivos intencionais para organizar meios e situações para efetivar, de forma contextualizada e dialógica, o conhecimento. 4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DILEMAS E IMPASSES DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS Antes o papel do professor era repartir informações segundo o critério lógico do conhecimento, independente de sua contextualização, hoje se requer uma construção ativa, com conexões complexas e situadas temporalmente. Maria Isabel da Cunha Para começar, faremos uma proposição provocativa, isto é, será que realmente a formação de professores tem saído, gradativamente, da condição descontextualizada de ensino rumo ao estabelecimento de construções ativas e complexas? 34 Unidade I A resposta certamente é incerta, pois muito ainda temos que avançar em relação às novas demandas da formação inicial de docentes. Sabemos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n. 9.394/1996, e as Diretrizes Curriculares para Cursos de Licenciaturas e Pedagogia sinalizam para maior ênfase aos espaços que contemplem a prática nos currículos. No entanto, é preciso superar a cultura tradicional, compreendida como aquela que privilegia conhecimentos teóricos em detrimento da prática pedagógica. Desse modo, é necessário alinhar e integrar tais elementos em processos formativos mais integrados e integradores, uma vez que a formação inicial, além de alicerçar a trajetória do futuro docente, deve favorecer momentos em que se possa reconstruir e ampliar horizontes a partir de uma aprendizagem de base; em outras palavras, mais do que conteúdos acadêmicos, a formação inicial precisa propiciar vivências de aprendizagens que consolidem o conhecimento atrelado com a responsabilidade social. Figura 7 Disponível em: https://bit.ly/3IEsZF2. Acesso em: 27 fev. 2023. De acordo a Resolução CNE/CP n. 2/2019 – que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) –, em seu artigo 5º, são apresentados os fundamentos para a formação inicial dos docentes: I – a sólida formação básica, com conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; II – a associação entre as teorias e as práticas pedagógicas; e III – o aproveitamento da formação e das experiências anteriores, desenvolvidas em instituições de ensino, em outras atividades docentes ou na área da Educação (BRASIL, 2019b, p. 3). 35 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Os fundamentos explicitados pela referida Resolução confirmam nossas reflexões iniciais, isto é, para a atuação docente, é necessário articular conhecimentos científicos teóricos e práticos e privilegiar as experiências educacionais de forma ampla. O documento sinaliza que tem como premissa e referência a implantação da Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), instituída pelas Resoluções CNE/CP n. 2/2017 e n. 4/2018. Neste contexto, apresenta, para a formação inicial de profissionais da educação, competências gerais e específicas ao exercício da função, as quais podem ser visualizadas a seguir: Quadro 6 BNC-Formação: competências gerais docentes 1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para poder ensinar a realidade com engajamento na aprendizagem do estudante e na sua própria aprendizagem, colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva 2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a criatividade e buscar soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas 3. Valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais quanto mundiais, e a participação em práticas diversificadas da produção artístico-cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal, corporal, visual, sonora e digital – para se expressar e fazer com que o estudante amplie seu modelo de expressão ao partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos, produzindo sentidos que levem ao entendimento mútuo 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética, nas diversas práticas docentes, como recurso pedagógico e como ferramenta de formação, para comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e potencializar as aprendizagens 6. Valorizar a formação permanente para o exercício profissional, buscar atualização na sua área e afins, apropriar-se de novos conhecimentos e experiências que lhe possibilitem aperfeiçoamento profissional e eficácia e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania, ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade 7. Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental, o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem 10. Agir e incentivar, pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência, a abertura a diferentes opiniões e concepções pedagógicas, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários, para que o ambiente de aprendizagem possa refletir esses valores Adaptado de: Brasil (2019b, p. 13). 36 Unidade I Quadro 7 – Competências específicas da formação docente 1 Conhecimento profissional 2 Prática profissional 3 Engajamento profissional 1.1 Dominar os objetos de conhecimento e saber como ensiná-los 2.1 Planejar as ações de ensino que resultem em efetivas aprendizagens 3.1 Comprometer-se com o próprio desenvolvimento profissional 1.2 Demonstrar conhecimento sobre os estudantes e como eles aprendem 2.2 Criar e saber gerir ambientes de aprendizagem 3.2 Comprometer-se com a aprendizagem dos estudantes e colocar em prática o princípio de que todos são capazes de aprender 1.3 Reconhecer os contextos 2.3 Avaliar o desenvolvimento do educando, a aprendizagem e o ensino 3.3 Participar do Projeto Pedagógico da escola e da construção dos valores democráticos 1.4 Conhecer a estrutura e a governança dos sistemas educacionais 2.4 Conduzir as práticas pedagógicas dos objetos conhecimento, competências e habilidades 3.4 Engajar-se, profissionalmente, com as famílias e com a comunidade Fonte: Brasil (2019b, p. 14). Lembrete A CNE/CP n. 2/2019 sinaliza para a formação inicial: competências gerais, conhecimento profissional,prática profissional e engajamento profissional. Assim, para as licenciaturas, é necessário conhecer as competências esperadas dos estudantes da Educação Básica, ter o domínio de conhecimentos que constituem a formação profissional, utilizar práticas pedagógicas que contemplem os vários espaços e ritmos de aprendizagem e, por fim, possuir uma relação com a comunidade escolar e as famílias, a fim de autenticar as aprendizagens praticadas nas escolas. Toda essa movimentação pode ser acompanhada na figura a seguir: Prática profissional Conhecimento profissional Engajamento profissional Competências gerais docentes Figura 8 – Movimentos da formação inicial docente 37 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE A partir dos elementos considerados específicos para a formação de professores, identificamos uma tripla dimensão de saberes: o saber do conhecimento, o saber do ativar as capacidades de fazer e o saber de concretizar as atitudes. Nesta perspectiva, “a formação faz-se na produção e não no consumo do saber” (NÓVOA, 2004, p. 129). Segundo Charlot (2008), a formação é um processo permanente e inacabado em que os futuros docentes aprendem se construir como indivíduos e profissionais, reafirmam a participação como membros de uma comunidade, socializando e partilhando valores, e, por fim, instruem-se para a vida contemporânea. Em consonância com a relação “formação e caráter inacabado humano”, Ferry (2004) sinaliza que se formar nada mais é do que um trabalho sobre si mesmo, livremente imaginado, desejado e procurado, realizado através de meios oferecidos ou procurados. Exemplo de aplicação Pense nos quatro movimentos da formação inicial do professor e, em seguida, procure responder quais deles você já realizou no curso. Neste percurso, e com experiências, cenários, alternativas, transitoriedades e descontinuidades, fica cada vez mais clara a ideia de Freire (1996, p. 25) ao dizer que “desde o começo do processo, vai ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Consequentemente, podemos dizer que a formação de professores traz consigo um ambiente de constantes tensões que contrapõem movimentos distintos, em que ora se sentem heróis, ora vítimas, ora tradicionais, ora construtivistas; enfim, vivenciam dilemas para os quais nem sempre há respostas (CHARLOT, 2008). Dessa forma, caro estudante, é preciso observar com muita atenção as dicotomias, sabendo que elas existem, mas que uma não sobrepõe a outra, isto é, a prática não se restringe à mera aplicação da teoria, pelo contrário, ambas caminham juntas para propiciarem experiências que nascem da relação conhecimento e vida humana (BONDÍA, 2002). Como último ponto de nossa discussão acerca dos dilemas na formação de professores, gostaríamos de destacar três principais fatores que corroboram transformações e repercussões, conforme Tedesco e Fanfani (2004): A extração social dos professores Questões como origem social e posição na estrutura de renda dos professores atuam, fortemente, na formação e aperfeiçoamento profissional, bem como nos aspectos culturais e na autopercepção desses profissionais. 38 Unidade I A exclusão social e as condições de educabilidade na escola que se universaliza Observar que o contexto contemporâneo da cultura digital traz consigo redução de postos de trabalhos, o que não gera somente desemprego de grande parcela da população, mas conduz à ampliação de exclusão social na população. Mudanças na clientela escolar e novos padrões nas relações professor versus aluno Entre os vários novos perfis e configurações na relação ensino-aprendizagem, podemos observar: • Diversidade: entendida, neste contexto, pelas diferenças étnicas, sociais e culturais que permeiam a população brasileira que cursa a Educação Básica. Esta situação sinaliza para a necessidade de superação de condutas e práticas homogeneizantes, a fim de receber a clientela diversificada que passou a ser atendida pela escola. • Legitimação da autoridade pedagógica: compreendida por Tedesco e Fanfani (2004) por considerar os estudantes como sujeitos protagonistas de suas trajetórias, que devem, cada vez mais, ser atendidos em suas expectativas, por meio de tempos e espaços que possibilitem convívio, engajamento social e movimento dialógico na construção do conhecimento. • Diferentes formas de apropriação da cultura no ambiente escolar: interpretada como a coexistência de modos diferentes de percepção e prática da cultura; nesta perspectiva, a formação deve contemplar a capacidade de refletir sobre aspectos culturais e argumentar, de forma analítica e contextualizada, como estão associados ao processo de ensinar e aprender dos indivíduos. Como pudemos observar, a formação inicial deve estar associada à escola, pois é nela que são levantadas e concretizadas as mudanças inerentes às temáticas educacionais; dito de outra forma, é preciso nos preparar para não apenas pensar na educação e falar sobre ela, mas, sobretudo, fazer educação. Outro elemento importante para formação inicial é a residência pedagógica, compreendida como um meio que visa: Possibilitar a aprendizagem prática “em situação”, ou seja, a partir da realidade, tomando os eventos e aspectos dificultados para a prática pedagógica do professor e da escola como fontes de aprendizado, uma vez que esses aspectos e eventos são tomados como objeto de estudo e reflexão pelos residentes (UNIFESP, 2006, p. 31). O trecho pertencente ao projeto pedagógico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) traz uma síntese da importância da Residência Pedagógica, cujo principal objetivo é estreitar o conhecimento produzido nos bancos universitários à realidade prática nas demandas da Educação Básica. 39 DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Dito de outra forma, a Residência Pedagógica é uma das ações que integra a Política Nacional de Formação de Professores, com vistas à qualificação prática nos cursos de Pedagogia, em que a proposta central é promover a inserção do licenciado na escola de Educação Básica. Figura 9 Disponível em: https://bit.ly/3ELEcT8. Acesso em: 27 fev. 2023. Como é possível perceber, por meio da imagem, a Residência Pedagógica tem o objetivo de propiciar ao licenciando oportunidade de regência e intervenções pedagógicas em sala de aula. Porém, é oportuno ressaltar que essas ações são orientadas pelo professor da escola; assim, este movimento entre graduando, conhecimento científico e realidade das escolas contribui para que o licenciando construa seus próprios planos de aula e articule os conhecimentos adquiridos durante o Ensino Superior. Convidamos você a compreender a origem e trajetória da Residência Pedagógica, implementada em 2006, com iniciativa da Unifesp, a qual articulou a residência ao curso de Pedagogia e cujo maior propósito é interligar universidade, escolas e sistemas de ensino na formação de novos profissionais da educação. Antes da implementação, o Programa de Residência Pedagógica teve ampla divulgação e consulta de gestores e docentes das redes públicas do município de Guarulhos, cidade sede do curso de Pedagogia da referida universidade. Tal consulta pública foi elaborada por meio de uma construção coletiva, realizada em 2008, no âmbito do programa Pró-docência do Ministério da Educação, cuja centralidade estava pautada no estudo de condições de implementação do programa e levantamento de apontamentos dos educadores a respeito da proposta. 40 Unidade I Entre os principais objetivos desta consulta pública, é possível apontar: • Identificação, por meio de gestores dos sistemas e de escolas públicas (secretários, supervisores, diretores e coordenadores), das demandas relativas à formação inicial. • Compreensão, entre os docentes, dos temas mais recorrentes em relação à formação continuada. • Levantamento das opiniões e sugestões sobre a operacionalização do programa. Como podemos observar, o programa
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