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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC
COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA - DEB
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO – PREG
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA - PARFOR
CURSO LETRAS PORTUGUÊS
MODALIDADE PRESENCIAL
COORDENADOR
JOÃO BENVINDO
MOURA
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO
DISCIPLINA
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO I
CARGA HORÁRIA:
60 H
CRÉDITOS: 2.2.0
EQUIPE DE ELABORAÇÃO DO
CADERNO DE TEXTOS
BEATRIZ GAMA RODRIGUES
GLAUBER LIMA MOREIRA
KATIÚSCIA MACÊDO CARDOSO
BRANDÃO
MÔNICA CARDOSO SILVA
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PLANO DE ENSINO
1. IDENTIFICAÇÃO
CURSO: Letras-Português TIPO DE FORMAÇÃO: 1ª
Licenciatura
MUNICÍPIO DE REALIZAÇÃO: Batalha,
Castelo do Piauí, Miguel Alves e Pedro II
DISCIPLINA: Leitura e produção de textos BLOCO: I
CARGA HORÁRIA: 60H CRÉDITOS:2.2.0 PERÍODO LETIVO: 2022.2
PROFESSORES(AS) FORMADORES(AS)::
BEATRIZ GAMA RODRIGUES
GLAUBER LIMA MOREIRA
KATIÚSCIA MACÊDO CARDOSO BRANDÃO
MÔNICA CARDOSO SILVA
2. EMENTA (Apresentar o resumo do conteúdo a ser abordado na disciplina conforme descrito no Projeto
Pedagógico do Curso)
Leitura, interação e produção de sentido: concepções de leitura, conhecimentos do leitor
necessários na leitura e estratégias de leitura. Leitura e escrita em ambiente virtual. Sequências
tipológicas, gêneros textuais e domínios discursivos. A escrita na universidade: leitura e produção
de gêneros acadêmicos. Créditos Práticos: Leitura, compreensão e interpretação de textos e
gêneros textuais em uma perspectiva interdisciplinar.
3. OBJETIVOS (Descrever as aprendizagens a serem alcançadas pelos cursistas no componente curricular)
• Ler e produzir textos orais e escritos, considerando os diversos gêneros, tipos e as
variedades linguísticas;
• Refletir sobre o processo de leitura e escrita, dentro e fora da sala de aula;
• Analisar procedimentos e estratégias que facilitem o processo de leitura e produção de
textos;
• Construir procedimentos pedagógicos a serem adotados em sala de aula.
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4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (Delimitar os conteúdos por unidades didáticas, com a divisão temática de cada
unidade)
UNIDADE I
LEITURA, INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO
Concepções de leitura
Estratégias de leitura
UNIDADE II
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS E GÊNEROS TEXTUAIS
Sequências tipológicas
Gêneros textuais
Domínios discursivos
Leitura e escrita em ambiente virtual
UNIDADE III
A ESCRITA NA UNIVERSIDADE: LEITURA E PRODUÇÃO DE GÊNEROS
ACADÊMICOS
O processo de apropriação de gêneros acadêmicos
O resumo
A resenha
Sumarização
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5. METODOLOGIA E RECURSOS DIDÁTICOS (Indicar os procedimentos de ensino e aprendizagem e os recursos
didáticos: Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA, Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação – TDICs,
entre outros, para o desenvolvimento das atividades síncronas e assíncronas)
Textos da área; Material audiovisual; Notebook; Quadro e marcador para quadro branco;
Retroprojetor; Revistas.
6. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM (indicar os procedimentos e instrumentos avaliativos para
mensurar qualitativa e quantitativamente o aprendizado do cursista, durante todo o processo, segundo as normas
previstas na Resolução nº 085/2020 –CEPEX)
• Aulas expositivas;
• Atividades práticas e teóricas;
• Exposição oral dos alunos;
• Análise e discussão dos conteúdos autênticos;
• Atividades individuais e em grupo.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÁSICA
COSTA, Deborah Cristina Lopes; SALCES, Claúdia Dourado. Leitura & produção de textos na
universidade. Campinas, SP: Alínea, 2013.
DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel Machado; BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.).
Gêneros textuais & ensino. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2010.
KÖCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Maria Vanda. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2006.
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COMPLEMENTAR
CINTRA, Anna Maria Marques; PASSARELLI, Lília Ghiuro. Leitura e produção de texto. São Paulo:
Blucher, 2011.
KLEIMANN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 15. ed. Campinas, SP: Pontes,
2013.
KÖCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Maria Vanda. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2.
ed. - São Paulo: Contexto, 2011.
MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela Rabuske. Produção textual na universidade. São
Paulo: Parábola, 2010.
RIBEIRO, Ana Elisa. Novas tecnologias para ler e escrever: algumas ideias sobre ambientes e
ferramentas digitais na sala de aula. Belo Horizonte: Editora RHJ, 2012.
*Plano de Ensino adaptado ao modelo do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA).
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1. IDENTIFICAÇÃO
CURSO: LTRAS PORTUGUÊS TIPO DE FORMAÇÃO: 1ª LICENCIATURA MUNICÍPIO DE REALIZAÇÃO:
DISCIPLINA: LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS 1 BLOCO: I
CARGA HORÁRIA:60H CRÉDITOS:2.2.0 PERÍODO LETIVO:2022.2
PROFESSOR(A) FORMADOR(A):
DATA
UNIDA
DE
DIDÁTI
CA
CONTEÚDO
ATIVIDADE
SÍNCRONA*
ASSÍNCRONA†
HORAS
/
AULA
PERÍODO DE
REALIZAÇÃO
17/01/2023
I Leitura, interação e produção de
sentido
4 14 ÀS 18H
18/01/2023 I Leitura, interação e produção de 8 08 ÀS 12H
sentido
14 ÀS 18H
19/01/2023 II Sequências tipológicas 8 08 ÁS 12H
Gêneros textuais
14 ÀS 18H
20/01/2023 II Domínios discursivos
Leitura e escrita em ambiente virtual
8 08 ÀS 12H
* As atividades síncronas ocorrerão em período intensivo de acordo com as datas e horários estabelecidos no Anexo II do Edital nº 046/2020 - PREG, de 11 de dezembro de
2020.
† As atividades assíncronas deverão ser concluídas até 27 de março de 2021.
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CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DE DISCIPLINA
14 ÀS 18H
21/01/ 2023 III O processo de apropriação de gêneros
acadêmicos
O resumo
8 08 ÀS 12H
14 ÀS 18H
23/01/2023 III Resenha e sumarização 8 08 ÀS 12
14 ÀS 18H
10/03/2023 I,II,E
III
REALIZAÇÃO COMPLEMENTAR 8 08 ÀS 12H
14 ÀS 18H
30/03/2023 SIMPARFOR 8 08 ÀS 12H
14 ÀS 18H
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DA DISCIPLINADATA UNIDADE CONTEÚDOS ATIVIDADES REFERÊNCIA PREVISÃO
DE
HORAS-
AULA
17/01/2023
I
Leitura,
interação e
- Discussão em grupos sobre o vídeo sobre Paulo Freire e o
texto “A leitura do mundo e a leitura da palavra em Paulo
Freire”. Produção de um mapa mental em duplas.
Vídeo: https://www.youtube.com/
watch?v=VjjV8ROzMho
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https://www.youtube.com/
produção de
sentido
- Leitura(s) do mundo ao nosso redor. Atividade prática de
leitura realizada no ambiente da escola.
FREIRE, A.M.A. A leitura do mundo e a leitura
da palavra. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n.
96, p.291-298, maio-ago., 2015.
18/01/23 I Concepções de
leitura,
conhecimentos
do leitor
necessários na
leitura e
estratégias de
leitura
- Produção textual (individual) sobre concepções de leitura
e conhecimentos do leitor necessários na leitura
Leitura do texto “Minhas férias, pula uma linha, parágrafo”.
Discussão em duplas e no grupo.
Discussão sobre o capítulo “A prática da leitura” (primeiro
capítulo do livro Leitura & Produção de Textos na
Universidade)
Em duplas, atividades do capítulo: “A prática da leitura”.
Discussão no grupo.
GRIBEL, C. Minhas férias, pula uma linha,
parágrafo. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
COSTA, D.; SALCES, C.D.. Leitura & Produção
de Textos na Universidade. Campinas: Editora
Alínea, 2013.
8
19/01/23 I Sequências
tipológicas e
gêneros
textuais
Leitura e discussão do texto “ Planos de textos, sequências
textuais e orientação argumentativa”
Atividade em dupla sobre os gêneros textuais e discussão no
grupo
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais:
definição e funcionalidade. In: Gêneros
textuais e ensino. 2. ed. Ângela Paiva Dionísio,
Ana Rachel Machado, Maria Auxiliadora
Bezerra (Orgs). São Paulo: Parábola Editorial,
2003
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20/01/2023 II Domínios
discursivos
Leitura e
escrita em
ambiente
virtual
Leitura dos textos ”o ensino em textos de incitação à ação
um olhar argumentativo e “Mídia/suporte e hipergênero.”.
proposições de questões e discussão no grupo
CAVALCANTE, M. M.; BRITO, M. A. P. O
Ensino em Textos de Incitação à Ação: Um
Olhar Argumentativo. Revista Linguagem em
Foco, Fortaleza, v. 11, n. 1, p. 121–136, 2020.
DOI: 10.46230/2674-8266-11-2942.
Disponível em:
https://revistas.uece.br/index.php/linguageme
mfoco/article/view/2942. Acesso em: 13 dez.
2022.
BONINI, Adair. Mídia / suporte e
hipergênero: os gêneros textuais e suas
relações. RBLA, Belo Horizonte, v. 11, n. 3, p.
679-704, 2011 679
8
21/01/2023 III A escrita na
universidade
Leitura e discussão sobre o processo de apropriação de
gêneros acadêmicos
Exposição sobre o resumo, suas características e
funcionalidade
SOUZA, Micheli Gomes De; BASSETTO, Lívia
Maria Turra. Os processos de apropriação de
gêneros acadêmicos (escritos) por
graduandos em letras e as possíveis
implicações para a formação de
professores/pesquisadores. Revista Brasileira
de Linguística Aplicada. Faculdade de Letras -
Universidade Federal de Minas Gerais, v. 14,
n. 1, p. 83-110, 2014.
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23/01/2023 III Resenha e
sumarização
Leitura, discussão e questões sobre os gênero resenha e
sumarização
SILVA, Gislene Martins da; ANDRADE,
Sinara Bertholdo de. Resumo. IN: SATO,
Denise Tamaê Borges; SILVA, Francisco das
Chagas Rodrigues da; BATISTA JR, José
Ribamar Lopes. Leitura e Produção de
Gêneros Acadêmicos. 1. ed. Teresina – PI:
EDUFPI, 2011.p. 79-93.
SATO, Denise Tamaê Borges. Resenha. IN:
SATO, Denise Tamaê Borges; SILVA, Francisco
das Chagas Rodrigues da; BATISTA JR, José
Ribamar Lopes. Leitura e Produção de Gêneros
Acadêmicos. 1. ed. Teresina – PI: EDUFPI,
2011.p. 95-117
MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliane;
ABREU-TARTELLI, Lília Santos. Sumarização:
processo essencial para a produção de
resumos. IN: MACHADO, Anna Rachel;
LOUSADA, Eliane; ABREU-TARTELLI, Lília
Santos. Resumo. São Paulo: Parábola
Editorial, 2004. p. 25-28.
8
10/03/2023 I,II,III Revisão dos
conteúdos
Avaliação 8
30/03/2023 SIMPARFOR Apresentação dos trabalhos pelos professores-cursistas 8
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UNIDADE I
LEITURA, INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE
SENTIDO
Resumo
Nessa unidade pretende-se analisar os diferentes processos de leitura, o
papel do leitor na construção de sentidos do texto, tendo as inferências com um
papel relevante no processo cognitivo desta atividade e ainda mostrar que
interpretação ocorre no momento da interação leitor/autor, gerando sentidos
que variam de acordo com o leitor e com a natureza dessa interação
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UNIDADE I
LEITURA, INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE
SENTIDO
Relação de textos
Texto 1
FREIRE, A.M.A. A leitura do mundo e a leitura da palavra. Cad. Cedes,
Campinas, v. 35, n. 96, p.291-298, maio-ago., 2015.
Texto 2
GRIBEL, C. Minhas férias, pula uma linha, parágrafo. Rio de Janeiro:
Salamandra, 1999.
Texto 3 COSTA, D.; SALCES, C.D.. Leitura & Produção de Textos na Universidade. Campinas: Editora Alínea, 2013. (primeiro capítulo)
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1
P
A LEITURA DO MUNDO
E A LEITURA DA PALAVRA
EM PAULO FREIRE
Ana Maria Araújo Freire *
aulo foi um pensador dialético, tanto no seu falar quanto no seu
escrever, porque foi enquanto pessoa e homem apaixonado pelas
pessoas e pela vida, autêntica e profundamente dialético. Pen-
sava porque sentia. Sentia porque deixava seu corpo consciente falar por
ele mesmo. Sentir e pensar, tentando sempre, dialeticamente, completar
assim a sua incompletude. Incompletude, aliás, como um traço humano
comum a toda e qualquer pessoa. Sua sabedoria e sua capacidade de
pensar, sua tolerância e respeito pelo diferente, sua magnanimidade na
crença no outro e na outra sua coerência existencial não nasceram com
ele. Foram estas – como tantas outras qualidades pessoais e profissionais
– construídas por ele mesmo na busca de sua formação pessoal com o
mundo e de sua formação enquanto educador ético e político.1
Enfim, estou dizendo que Paulo praticou nele mesmo a Aretê,
como os mestres da Antiguidade a praticavam com seusalunos para
tornarem-se seres da inteligência e dos afetos dentro do ideal da Paidéia
Grega.
* Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estudiosa,
colaboradora, viúva e sucessora legal de obra de Paulo Freire.
Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015 291
2
A leitura do mundo e a leitura da palavra em Paulo Freire
Paulo sabia-se um homem que precisa se tornar mais e mais
um educador exemplarmente ético, que, precisava, portanto, tratar as
suas próprias fragilidades. Tratar as suas fragilidades é já ir construindo
as suas qualidades. Em Paulo não foi diferente, fez pouco a pouco cres-
cer suas virtudes e estas foram tomando o lugar de suas “deficiências”,
fazendo, assim, dialeticamente: da sua força de luta a sua energia vital; de
sua busca de Ser Mais, um político educador “buscador” da libertação e
da autonomia dos homens e das mulheres – não somente dele e para ele.
Incessantemente, por toda a sua vida, Paulo lutou para ganhar as suas
qualidades de homem, de filho, de marido, de pai e de educador.
Procurou obter a maior coerência possível ao não contradizer
o seu escrever do seu sentir, do seu pensar, do seu dizer, e do seu fazer.
Dadivosamente, não se fixou na mesquinhez humana, ao contrário,
procurou a grandeza ontológica de homens e de mulheres, mesmo sa-
bendo das fragilidades destes e destas, e, portanto, das dele também.
Tolerantemente respeitou os diferentes dele mesmo, como também os
seus antagônicos, obviamente, sem dar a esses e a essas os créditos de
valor aos seus pensamentos e ações, como deu aos seus diferentes e a si
próprio. Assim, fez-se sabiamente um humanista.
Por isso, ele viveu intensa e profundamente todas as coisas da
vida, atento às contradições e às ambiguidades próprias da existência hu-
mana. Para isso, Paulo entendeu que o diálogo deveria começar dentro
de seu próprio corpo, dele com ele mesmo, enquanto ser que sentia e que
pensava procurando atingir o máximo possível a coerência, a tolerância
e o respeito. Assim, nunca deixou de procurar na inteireza do seu ser o
diálogo de seu corpo como sendo o das totalidades contraditórias bus-
cando o seu Ser Mais. Foi assim, estendendo à sua maneira de ser através
do diálogo consigo mesmo, que entendeu tão bem os seus semelhantes.
Paulo compreendeu o seu corpo como uma entidade capaz
de amar, de sentir, de pensar, de dizer e de fazer as coisas – à imagem
do “tudo está no meu corpo”, “tudo acontece no meu corpo” de
Merleau-Ponty –, relacionando-se humilde e amorosamente com os
outros seres, humanos ou não, voltado para um projeto de um mundo
melhor, porque mais justo, procurando unificar tudo num gesto único
de constituir-se enquanto ser gente. Esta é a natureza de sua gentidade2
292 Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015
3
Ana Maria Araújo Freire
sobre a qual nos falou muitas vezes, sobretudo nos últimos anos de sua
vida.
Ao mesmo tempo, nessa procura da unidade forjada inten-
cionalmente em si próprio pelas qualidades pessoais e intelectuais,
profissionais, éticas e morais, Paulo foi capaz de construir um diálogo
para o saber e o conhecer absolutamente genuíno: dele com o mundo,
através da análise das relações mais diversas entre os homens e as mulheres
entre si, e com ele mesmo; desses e dessas com o mundo que os cercava;
dele mesmo com a leitura da palavra escrita ou dita por ele e por outros
e outras, como também pela observação e análise dos fenômenos sociais
e da natureza. Pôde, portanto, nos oferecer uma teoria pedagógica que
ultrapassou os muros da que necessita a educação escolarizada. Disse do
mundo, ao dizer de si próprio. Disse do outro e da outra, ao dizer de si
e do mundo. Nisso reside a sua compreensão e vivência da dialeticidade
cognoscitiva e humanista.
Em suma, foi pela imbricação de sentimentos, emoções, ob-
servação, intuição e razão que ele criou a sua “leitura de mundo”, uma
epistemologia, uma teoria do conhecimento, uma compreensão crítica
da educação na qual disse a sua palavra lendo o contexto do mundo
ditado pelo “texto” que seu corpo consciente lhe dizia e ele “escutava” e
sobre ele refletia. Daí porque Paulo entendia que a palavra verdadeira é
práxis transformadora, porque ela diz da intenção de não dizer a palavra
vazia ou perversa, oca ou inconsistente, astuta ou destruidora, mas a
palavra certa, a palavra verdadeira. Dizer a palavra é, para Paulo, por-
tanto, o resultado do diálogo mais profundo de respeito entre homens e
mulheres, respeitando cada um a inteireza de dignidade do outro ou da
outra. Dizer a palavra verdadeira, para ele, é biografar-se. É possibilitar
que sejamos sujeito da história também e saiamos da condição de apenas
objeto da sociedade.
Dizer a palavra verdadeira restaura a beleza do que é profunda-
mente humano – que são o amor e o cuidado com a vida – porque nisto
reside a ética humanista/libertadora de Paulo Freire. A Ética da vida e do
respeito que ele criou, nega a ética do mercado e a ética formal, do dis-
curso, que ajuízam as pessoas sobre o mundo pelo dinheiro acumulado e
pelo consumismo sem freios, ou pelos padrões moralistas milenarmente
tradicionais e mantidos pela negação da história e da verdadeira iden-
Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015
293
4
A leitura do mundo e a leitura da palavra em Paulo Freire
tidade e natureza humana. A ética do mercado e a ética do discurso
negam o verdadeiro destino humano, enquanto a Ética da vida abriga o
verdadeiro endereço ontológico da existência humana.
A leitura da palavra para Paulo estava sempre irremediavel-
mente imbricada, vinculada ao ato de escrever, ao sujeito que lê/escreve;
ao que se passa ou se passou no mundo concreto, como o vemos e inter-
pretamos diante da ideologia que temos e praticamos.
Em outras palavras, estou dizendo que o texto e o contexto e,
portanto, o diálogo e a leitura de mundo em Paulo, não se travam em
campo neutro, alheio ao projeto de vida que cada um de nós tem, expli-
citem isso ou não. Se o sonho coletivo é progressista, humanista, voltado
para a utopia de uma sociedade mais justa, melhor, verdadeiramente
democrática, se identifica com o sonho de Paulo e de todos e todas que
lutam pela justiça social, política e econômica.
A leitura sistematizada de um texto/contexto para ser enten-
dida criticamente – aliás, nenhuma leitura da palavra e do mundo pode
ser verdadeira se for feita tendenciosa e “neutramente” ou ingenuamente
– tem, portanto, algumas condições: o sujeito curioso “desarmado” de
preconceitos, aberto a aceitar pensar sobre o novo, ou mesmo sobre o
velho dito e entendido de maneira crítica; escrever textos rigorosos e
claros tendo em vista um mundo concreto no qual o diálogo fundado
nas perguntas abre as possibilidades de avançarmos no regaço de um
mundo no qual respeitamos todos os seres da natureza, a serviço dos
homens e das mulheres.
O texto de qualquer pessoa, o nosso texto escrito ou falado
– científico ou filosófico – para ser verdadeiro, para transmitir a Verda-
de tem que carregar a possibilidade de que os nossos leitores e leitoras
entendam a que e a quem queremos estar comunicando e servindo. O
porquê nós dizemos isso e não aquilo. O porquê nós escrevemos isso e
não aquilo.
Temos que estabelecer com eles e elas o diálogo que necessa-
riamente tem que ser gerado pelas respostas às perguntas fundamentais
que Paulo se fez continuadamente por toda a sua vida, e provocou-nos a
que fizéssemos sempre. Por quê? Contra quê? Contra quem? A favor de
quê? A favor de quem?
294 Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015
5
Ana Maria Araújo Freire
A aceitação imediata do que foi ouvido ou lido, sem questio-
namentos, que não instigue o perguntarmo-nos, o inquietarmo-nos, a
deixar que a curiosidade espontânea do dia a dia passe a ser a curiosidade
epistemológica– esta que nos deixa ansioso / a na busca das possíveis
respostas –, que não permite ir ao âmago das questões e das coisas; que
não permite percebermos criticamente a razão de ser das coisas ou dos fa-
tos – não estabelece, portanto, o verdadeiro diálogo freireano. O diálogo
freireano vai à raiz mais profunda das coisas para explicar, temporária e
criticamente, a realidade concreta. O diálogo freireano prioriza a per-
gunta que faz pensar, que nos coloca em dúvida e não a resposta pronta,
espontânea, “neutra”, sem reflexão.
O diálogo freireano se faz à semelhança da maiêutica socrática,
superando-a, porque nega o idealismo da busca socrática. O diálogo frei-
reano não procura descobrir o pré-existente, o já pronto, coberto apenas
pelo véu que o “ignorante” deve des-cobrir. O diálogo em Paulo se faz
pela pergunta que requer reflexão, mas que jamais abandona a intuição
sentida, a observação acurada, os sentimentos vividos e a emoção pre-
sente e exposta eticamente na busca da realidade que nós mesmos, seres
humanos, vimos construindo há milênios.
O diálogo freireano procura desvelar a verdade que está na re-
lação subjetividade-objetividade, nunca na objetividade mecanicista ou
na subjetividade delirante do subjetivismo – ambas alheias à história do
momento das perguntas que precisam ser feitas, que trazem, portanto, os
conhecimentos e os mitos, as crenças e os valores do passado; os desejos e
os afetos e os sonhos utópicos do presente preparando-nos para o futuro
melhor e mais bonito.
O diálogo freireano não despreza a história humana, não des-
preza os sonhos que só nós, homens e mulheres, podemos realizar para
um futuro intencionalmente projetado, contraditoriamente, no limite
quase infinito que a história possibilita, e que leva dentro dele tudo que
constitui o que de ontológico temos, enquanto seres que somos, ao ir-
mos nos fazendo existência humana, forjando em nós mesmos a natureza
ontológica própria e exclusiva dos homens e mulheres.
O diálogo freireano poderia ser imaginado como se fosse uma
psicanálise do ego com o superego e com o id de cada um de nós mes-
Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015 295
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A leitura do mundo e a leitura da palavra em Paulo Freire
mos, na busca de encontrar em si mesmo a possibilidade da humanidade
que nos permite respeitar e ter cumplicidade com o Tu diferente do Eu,
ou de se identificar, na sua própria existência, a existência própria do
outro e da outra. Encontrar no outro e na outra a possibilidade de ir
construindo uma história coletiva mais humana, transformando tudo
que rouba a humanidade de cada um de nós, infelizmente possível pela
capacidade da distorção da ética em antieticidade, cada dia mais comum
em nossas sociedades. O diálogo em Paulo pretende uma arqueologia das
possibilidades mais profundamente humanas dos seres humanos, voltada
para o fazerem-se Seres Mais; do entender o mundo para transformá-lo
num mundo de todos e todas, independentemente do gênero, da classe
social, da idade, da etnia, da religião, da idade e de toda sorte de opções
e de escolhas.
O diálogo freireano permite, portanto, a arqueologia do con-
texto contido no texto. Permite fazermos a arqueologia de nós mesmo,
humanos, ao lermos o texto que se refere a um contexto. Assim, o diálo-
go em Paulo, é preciso que isto fique claro, não é uma simples conversa
descompromissada, ou uma conversa sem um fim que não seja a preser-
vação do mais ético que temos e devemos resguardar em nós mesmos.
Diálogo é, assim, compromisso com a afetividade e a amorosidade, com
a construção do saber e com a preservação da vida humana e das outras
vidas do nosso planeta. Em outras palavras, é o compromisso com a ética
a serviço da vida humana, mesmo que o diálogo esteja se dando também
em torno da presença de outros elementos da natureza.
Como para Paulo não havia dicotomia, mas relação entre o
ensinar e o aprender, a teoria e a prática, o senso comum e a ciência e a
filosofia; também, para ele não poderia haver a leitura da palavra, ou do
texto, desvinculada da leitura do mundo ou do contexto. Entre texto e
contexto há uma conexão intrínseca, mediatizada pelo diálogo entre os
seres humanos, que não permite que possa existir o diálogo fora daquela
relação, isto é, fora da relação texto/contexto.
Texto falado ou escrito – criado na construção e constituição
da existência humana – sem contexto são signos vazios dos significados
que lhes atribuímos como subjetividade de sujeitos históricos que somos.
Contexto sem texto nos remete aos primórdios de nossa animalidade,
quando ainda nos fazíamos homens e mulheres; nega a objetividade
296 Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015
7
Ana Maria Araújo Freire
concreta. Texto e contexto, quando não relacionados pelo diálogo entre
os seres humanos, são coisas subjetivistas e objetivistas que dicotomizam
o indicotomizável, a integridade dialética própria da existência humana.
O diálogo freireano é, portanto, o que se propõe a abrir as
possibilidades de entender que só lemos um texto se formos lendo o
contexto de quem o escreveu, relacionando-o com o nosso, o contex-
to de quem está lendo o texto. Fora dessa relação dialética vivencial,
texto-contexto-diálogo, não pode haver a compreensão precisa, clara,
verdadeira, nem das palavras pronunciadas ou escritas, nem do contexto
do mundo que as palavras estão a se referir. Falta a dobradiça, a ligadura,
a “alma” que produz tal compreensão; o diálogo prenhe de curiosidade,
de dúvidas, de hipóteses, sem determinismos, sem arrogância, sem a
prioris. Por isso, só o diálogo, como Paulo o concebeu, nos leva a ler o
texto com relação ao contexto, e, em última instância, ao caminho da
possibilidade da libertação.
Só o diálogo, como Paulo o entendeu, sério e rigoroso, nos
impede das certezas estreitas e limitantes das interpretações do mundo
e da Verdade, e nos introduz no complexo “mundo das possibilidades”,
dando as aberturas ao mundo da criação, da ousadia e da invenção. Só o
diálogo freireano, sério e rigoroso, permite ler o texto lendo o contexto,
repito mais uma vez.
Por tudo isso, é que o “Método de Alfabetização Paulo Freire”,
contido em sua compreensão crítica de educação, propõe ensinar a lei-
tura do texto lendo o contexto histórico, a leitura da palavra ao lado da
leitura do mundo. Esta dialeticidade implica, pois, na conscientização
da realidade.
Precisei falar de Paulo pessoa, para falar de Paulo pensador,
não para matar saudades ou para impingir a minha crença nele como
pensador. Não havia outra maneira de falar sobre leitura, texto, contexto
e diálogo a não ser falando também dele: porque nele se identificam
pessoa/pensador/educador. Libertação, politicidade, eticidade e educa-
bilidade.
Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015
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8
A leitura do mundo e a leitura da palavra em Paulo Freire
NOTAS
1. Conferência proferida na abertura do III Encontro de Comunidades de Aprendiza-
gem, organizado pelo Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (Niase), da Uni-
versidade Federal de São Carlos (UFSCar), em setembro de 2010, com o financiamento
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Esta é a primeira
versão escrita publicada do texto.
2. Leiam o capítulo 22, Parte VI, do livro de minha autoria: Paulo Freire: uma história de
vida. Indaiatuba: Villa das Letras, 2006; contemplado com o Prêmio Jabuti, 2007, 2º.
Lugar na categoria “O Melhor Livro de Biografia”.
Recebido em 20 de fevereiro de 2015.
Aprovado em 29 de maio de 2015.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/CC0101-32622015723767
298 Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 291-298, maio-ago., 2015
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Resumo
Discutiremos nessa unidade a noção de tipologia, analisando as
diferentes terminologias e conceitualizações utilizadas, examinaremos como as
noções de tipo textual e sequências textual são apresentadas nas tipologias
selecionadas e a noção de classificação de gêneros textuais, passando pelos
textos digitais, multimodais de acordo com a linguagem, conteúdo e situação de
comunicação.
UNIDADE II
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS E GÊNEROS TEXTUAIS
31
Relação de textos
Texto 1
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
Gêneros textuais e ensino. 2. ed. Ângela Paiva Dionísio, Ana Rachel Machado,
Maria Auxiliadora Bezerra (Orgs). São Paulo: Parábola Editorial, 2003
Texto 2
CAVALCANTE, M. M.; BRITO, M. A. P. O Ensino em Textos de Incitação à Ação:
Um Olhar Argumentativo. Revista Linguagem em Foco, Fortaleza, v. 11, n. 1,
p. 121–136, 2020. DOI: 10.46230/2674-8266-11-2942. Disponível em:
https://revistas.uece.br/index.php/linguagememfoco/article/view/2942.
Acesso em: 13 dez. 2022.
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS E GÊNEROS TEXTUAIS
UNIDADE II
32
Gêneros textuais1: definição e funcionalidade
Luiz Antônio Marcuschi
1. Gêneros textuais como práticas sócio-históricas
Já se tornou trivial a idéia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os
gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia.
São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer
situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e
interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são
instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos
textuais altamente maleáveisl. dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a
necessidades e atividades sócioculturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros
textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita.
Quanto a esse último aspecto, uma simples observação histórica do surgimento dos
gêneros revela que, numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral
desenvolveram um conjunto limitado de gêneros. Após a invenção da escrita alfabética
por volta do século VII A. c., multiplicam-se os gêneros, surgindo os típicos da escrita.
Numa terceira fase, a partir do século XV, os gêneros expandem-se com o flores
cimento da cultura impressa para, na fase intermediária de industrialização iniciada no
século XVlII, dar início a uma grande ampliação. Hoje, em plena fase da denominada
cultura eletrônica, com o telefone, o gravador, o rádio, a TV e, particularmente o
computador pessoal e sua aplicação mais notável, a intemet, presenciamos uma explosão
de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita.
Isto é revelador do fato de que os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se
funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por
suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades
lingüísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em
seus usos e condicionamentos sóciopragmáticos caracterizados como práticas sócio-
discursivas. Quase inúmeros em diversidade de formas, obtêm denominações nem
sempre unívocas e, assim como surgem, podem desaparecer.
Esta coletânea traz estudos sobre uma variedade de gêneros textuais relacionados a
algum meio de comunicação e analisa-os em suas peculiaridades organizacionais e
funcionais, apontando ainda aspectos de interesse para o trabalho em sala de aula. Neste
contexto, o presente ensaio caracteriza-se como uma introdução geral à investigação
dos gêneros textuais e desenvolve uma bateria de noções que podem servir para a
compreensão do problema geral envolvido. Certamente, haveria muitas outras
perspectivas de análise e muitos outros caminhos teóricos para a definição e abordagem
da questão, mas tanto o exíguo espaço como a finalidade didática desta breve
introdução impedem que se façam longas incursões pela bibliografia técnica hoje
1 Este trabalho, elaborado especialmente para o presente livro, incorpora uma série de observações
desenvolvidas com grande detalhe em um livro de minha autoria (Marcuschi, no prelo), que está sendo
finalizado sob o título: "Gêneros Textuais: Constituição e Práticas Sociodiscursivas" a ser lançado pela Editora
Cortez em breve.
33
disponível.
2. Novos gêneros e velhas bases
Como afirmado, não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas
tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o
surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias
per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas
interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes
tecnológicos da comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a
internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades
comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e
abrigando gêneros novos bastante característicos. Daí surgem formas discursivas novas,
tais como editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens,
teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails),
bate-papos virtuais, aulas virtuais e assim por diante.
Seguramente, esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo,
sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin
[1997] que falava na 'transmutação' dos gêneros e na assimilação de um gênero por
outro gerando novos. A tecnologia favoreceo surgimento de formas inovadoras, mas
não absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta similaridade
com a conversação que lhe pré-existe, mas que, pelo canal telefônico, realiza-se com
características próprias. Daí a diferença entre uma conversação face a face e um
telefonema, com as estratégias que lhe são peculiares. O e-mail (correio eletrônico) gera
mensagens eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comerciais etc.) e nos bilhetes os seus
antecessores. Contudo, as cartas eletrônicas são gêneros novos com identidades
próprias, como se verá no estudo sobre gêneros emergentes na rnídia virtual.
Aspecto central no caso desses e outros gêneros emergentes é a nova relação que
instauram com os usos da linguagem como tal. Em certo sentido, possibilitam a
redefinição de alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso, como por
exemplo a relação entre a oralidade e a escrita, desfazendo ainda mais as suas
fronteiras. Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas
mídias criam formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as
relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão
dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino de língua. Esses gêneros
também permitem observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos
verbais, sons, imagens e formas em movimento. A linguagem dos novos gêneros torna-
se cada vez mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia e, no caso das
publicidades, por exemplo, nota-se uma tendência a servirem-se de maneira sistemática
dos formatos de gêneros prévios para objetivos novos. Como certos gêneros já têm um
determinado uso e funcionalidade, seu investimento em outro quadro comunicativo e
funcional permite enfatizar com mais vigor os novos objetivos.
Quanto a este último aspecto, é bom salientar que embora os gêneros textuais não se
caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou
lingüísticos, e sim por aspectos sócio-comunicativos e funcionais, isso não quer dizer
que estejamos desprezando a forma. Pois é evidente, como se verá, que em muitos casos
são as formas que determinam o gênero e, em outros tantos serão as funções. Contudo,
haverá casos em que será o próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem
que determinam o gênero presente. Suponhamos o caso de um determinado texto que
aparece numa revista científica e constitui um gênero denominado "artigo científico";
34
imaginemos agora o mesmo texto publicado num jornal diário e então ele seria um
"artigo de divulgação científica". É claro que há distinções bastante claras quanto aos dois
gêneros, mas para a comunidade científica, sob o ponto de vista de suas classificações,
um trabalho publicado numa revista científica ou num jornal diário não tem a mesma
classificação na hierarquia de valores da produção científica, embora seja o mesmo texto.
Assim, num primeiro momento podemos dizer que as expressões "mesmo texto" e "mesmo
gênero" não são automaticamente equivalentes, desde que não estejam no mesmo suporte.
Estes aspectos sugerem cautela quanto a considerar o predomínio de formas ou funções
para a determinação e identificação de um gênero.
3. Definição de tipo e gênero textual
Aspecto teórico e terminológico relevante é a distinção entre duas noções nem sempre
analisadas de modo claro na bibliografia pertinente. Trata-se de distinguir entre o que
se convencionou chamar de tipo textual, de um lado, e gênero textual, de outro lado. Não
vamos aqui nos dedicar à observação da diversidade terminológica existente nesse
terreno, pois isso nos desviaria muito dos objetivos da abordagem.
Partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbalmente a não
ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por
algum texto. Em outros termos, partimos da idéia de que a comunicação verbal só é
possível por algum gênero textual. Essa posição, defendida por Bakhtin [1997] e
também por Bronckart (1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua
em seus aspectos discursivos e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais.
Esta visão segue uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva.
Privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da
língua. Afirma o caráter de indeterminação e ao mesmo tempo de atividade
constitutiva da língua, o que equivale a dizer que a língua não é vista como um espelho
da realidade, nem como um instrumento de representação dos fatos.
Nesse contexto teórico, a língua é tida como uma forma de ação social e histórica que,
ao dizer, também constitui a realidade, sem contudo cair num subjetivismo ou
idealismo ingênuo. Fugimos também de um realismo externalista, mas não nos
situamos numa visão subjetivista. Assim, toda a postura teórica aqui desenvolvida insere-
se nos quadros da hipótese sácio-interativa da língua. É neste contexto que os gêneros
textuais se constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o
mundo, constituindo-o' de algum modo.
Para uma maior compreensão do problema da distinção entre gêneros e tipos textuais
sem grande complicação técnica, trazemos a seguir uma definição que permite
entender as diferenças com certa facilidade. Essa distinção é fundamental em todo o
trabalho com a produção e a compreensão textual. Entre os autores que defendem uma
posição similar à aqui exposta estão Douglas Biber (1988), John Swales (1990.), Jean-
Michel Adam (1990), JeanPaul Bronckart (1999). Vejamos aqui uma breve definição
das duas noções:
(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica
definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia
dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção.
35
(b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para
referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os
gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão,
carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva,
reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista
de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha,
edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por
computador, aulas virtuais e assim por diante.
Para uma maior visibilidade, poderíamos elaborar aqui o seguinte quadro sinóptico:
TIPOS TEXTUAIS
1. constructos teóricos definidos
por propriedades lingüísticas
intrínsecas;
2. constituem seqüências
lingüísticas ou seqüências de
enunciados e não são textos empíricos
GÊNEROS TEXTUAIS
1. realizações lingüísticas
concretas definidas por propriedades
sócio-comunicativas;
2. constituem textos
empiricamente realizados cumprindo
funções em situações comunicativas;
3. sua nomeação abrange um
conjunto limitado de categorias teóricas
determinadas por aspectos lexicais,
sintáticos, relações lógicas, tempo
verbal;
4. designações teóricas dos tipos:
narração, argumentação, descrição,
injunção e exposição
3. sua nomeação abrange um
conjunto aberto e praticamente
ilimitado de designações concretas
determinadas pelo canal, estilo, conteú-
do, composição e função;
4. exemplos de gêneros:
telefonema, sermão, carta comercial,
carta pessoal, romance, bilhete, aula
expositiva, reunião de condomínio, ho-
róscopo, receita culinária, bula de
remédio, listade compras, cardápio,
instruções de uso, outdoor, inquérito
policial, resenha, edital de concurso,
piada, conversação espontânea, con-
ferência, carta.eletrônica, bate-papo
virtual, aulas virtuais etc.
Antes de analisarmos alguns gêneros textuais e algumas questões relativas aos tipos,
seria interessante definir mais uma noção que vem sendo usada de maneira um tanto
vaga. Trata-se da expressão domínio discursivo.
(c) Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância
de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem
discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto
de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso
religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não abrangem um
gênero em particular, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas
dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes}
lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas
36
Senhora Aparecida, milagrosa padroeira, sede nossa guia nesta mortal carreira!
á Virgem Aparecida, sacrário do redentor, dai à alma desfalecida vosso poder e valor. á
Virgem Aparecida, fiel e seguro norte, alcançai-nos graças na vida, favorecei-nos na
morte!
institucionalizadas.
Veja-se o caso das jaculatórias, novenas e ladainhas, que são gêneros exclusivos do
domínio religioso e não aparecem em outros domínios. Tome-se este exemplo de
uma jaculatória que parecia extinta} mas é altamente praticada por pessoas religiosas.
Exemplo (1) jaculatória (In: Rezemos o Terço. Aparecida} Editora Santuário, 1977, p.54)
A jaculatória é um gênero textual que se caracteriza por um conteúdo de grande fervor
religioso} estilo laudatório e invocatório (duas seqüências injuntivas ligadas na sua
formulação imperativa)} composição curta com poucos enunciados, voltada para a
obtenção de graças ou perdão} a depender da circunstância.
Em relação às observações teóricas acima, deve-se ter o cuidado de não confundir texto
e discurso como se fossem a mesma coisa. Embora haja muita discussão a esse respeito}
pode-se dizer que texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada
em algum gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em
alguma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos}
os textos realizam discursos em situações institucionais} históricas, sociais e
ideológicas. Os textos são acontecimentos discursivos para os quais convergem ações
lingüísticas} sociais e cognitivas} segundo Robert de Beaugrande (1997).
Observe-se que a definição dada aos termos. aqui utilizados é muito mais operacional
do que formal. Assim} para a noção de tipo textual predomina a identificação de
seqüências lingüísticas típicas como norte adoras; já para a noção de gênero textual}
predominam os critérios de ação prática} circulação sócio-histórica} funcionalidade, conteúdo
temático, estilo e composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as grandes
esferas da atividade humana em que os textos circulam. Importante é perceber que os
gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são
formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em
comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.
4. Algumas observações sobre os tipos textuais
Em geral, a expressão "tipo de texto", muito usada nos livros didáticos e no nosso dia-
a-dia, é equivocadamente empregada e não designa um tipo, mas sim um gênero de texto.
Quando alguém diz, por exemplo, "a carta pessoal é um tipo de texto informa!", ele não está
empregando o termo "tipo de texto" de maneira correta e deveria evitar essa forma de
falar. Uma carta pessoal que você escreve para sua mãe é um gênero textual, assim como
um editorial, horóscopo/ receita médica, bula de remédio, poema, piada, conversação casual,
entrevista jomalística, artigo científlco, resumo de um artigo, prefácio de um livro. É evidente que
em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o
mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente
variado (heterogêneo). Veja-se o caso da carta pessoal, que pode conter uma seqüência
narrativa (conta uma historinha), uma argumentação (argumenta em função de algo),
uma descrição (descreve uma situação) e assim por diante.
37
Já que mencionamos o caso da carta pessoal, tomemos este breve exemplo de uma
carta entre amigos. Aqui foram suprimidos alguns trechos e mudados os nomes e as
siglas para não identificação dos atores sociais envolvidos:
Exemplo (2): NELFE-003 - Carta pessoal
Seqüências tipológicas
Descritiva
Gênero textual: carta pessoal
Rio, 11/08/1991
Injuntiva AmigaA.P.
Oi!
Descritiva Para ser mais preciso estou no meu
quarto, escreveno na escrivaninha, com
um Micro System ligado na minha
frente (bem alto, por sinal).
Expositiva Está ligado na Manchete FM - ou
rádio dos funks - eu adoro funk,
principalmente com passos marcados.
Aqui no Rio é o ritmo do momento
... e você, gosta? Gosto também de
house e dance music, sou fascinado por
discotecas!
Sempre vou à K.I,
Narrativa ontem mesmo (sexta-feira) eu fui e
cheguei quase quatro horas da
madrugada.
Expositiva Dançar é muito bom, principalmente
em uma discoteca legal. Aqui no
condomínio onde moro têm muitos
jovens, somos todos muito amigos e
sempre vamos todos juntos. É muito
maneiro!
Narrativa C. foi três vezes à K. 1.,
Injuntiva pergunte só a ele como é!
Expositiva Está tocando agora o "Melô da Mina
Sensual", super demais!
Aqui ouço também a Transamérica e
RPC}M.
Injuntiva E você, quais rádios curte?
38
Expositiva Demorei um tem pão pra responder,
espero sinceramente que você não
esteja chateada comigo. Eu me
amarrei de verdade em vocês aí, do
Recife, principalmente a galera da ET,
vocês são muito maneiros! Meu maior
sonho é viajar, ficar um tempo por aí,
conhecer legal vocês todos, sairmos
juntos ... Só que não sei ao certo se
vou realmente no início de 1992. Mas
pode ser que dê, quem sabe! / /
Não sei ao certo se vou ou não, mas
fique certa que farei de tudo para
conhecer vocês o mais rápido
possível. Posso te dizer uma coisa?
Adoro muito vocês!
Expositiva Agora, a minha rotina: às segundas,
quartas e sextas-feiras trabalho de
8:00 às 17:00h, em Botafogo . De lá
vou para o T., minha aula vai de 18;30
às 10:40h. Chego aqui em casa quinze
para meianoite. E às terças e quintas
fico 050 em F. só de 8:00 às 12:30h.
Vou para o T.; às 13:30 começa o meu
curso de Francês (vou me formar ano
que vem) e vai até IS:30h. 16:ooh vou
dar aula e fico até 17:30h. 17:40h às
18:30h faço natação (no T. também) e
até 22:40h tenho aula. 1 ./ Ontem eu e
Simone fizemos três meses de
namoro;
Narrativa você sabia que eu estava
namorando?
Injuntiva Ela mora aqui mesmo no «ilegível))
(nome do condomínio). A gente se
gosta muito, às vezes eu acho que
nunca vamos terminar, depois eu acho
que o namoro não vai durar muito,
entende?
Injuntiva O problema é que ela é muito
ciumenta, principalmente porque eu já
fui afim da B., que mora aqui também.
Nem posso falar com a garota que S.
já fica com raiva.
39
Expositiva
Argumentativa
Injuntiva
Narrativa
É acho que vou terminando ...
escreva!
Faz um favor? Diga pra M., A. P. e C.
que esperem, não demoro a escrever
Adoro vocês!
Um beijão!
Do amigo
P. P.
15:16h
É notável a variedade de seqüências tipológicas nessa carta pessoal, em que
predominam descrições e exposições, o que é muito comum para esse gênero. Não
há espaço aqui para maiores detalhes, mas esse modo de análisepode ser
desenvolvido com todos os gêneros e, de uma maneira geral, vai-se notar que há uma
grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais.
Portanto, entre as características básicas dos tipos textuais está o fato de eles
serem definidos por seus traços lingüísticos predominantes. Por isso, um tipo textual
é dado por um conjunto de traços que formam uma seqüência e não um texto. A
rigor, pode-se dizer que o segredo da coesão textual está precisamente na habilidade
demonstrada em fazer essa "costura" ou tessitura das seqüências tipológicas como
uma armação de base, ou seja, uma malha infraestrutural do texto. Como tais, os
gêneros são uma espécie de armadura comunicativa geral preenchida por seqüências
tipológicas de base que podem ser bastante heterogêneas mas relacionadas entre si.2
Quando se nomeia um certo texto como "narrativo", "descritivo" ou
"argumentativo", não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de
seqüência de base.
Para concluir essas observações sobre os tipos textuais, vejamos a sugestão de
Werlich (1973), que propõe uma matriz de critérios, partindo de estruturas lingüísticas
típicas dos enunciados que formam a base do texto. Werlich toma a base temática do
texto representada ou pelo título ou pelo início do texto como adequada à formulação
da tipologia. Assim, são desenvolvidas as cinco bases temáticas textuais típicas que
darão origem aos tipos textuais (o que foi utilizado acima para a segmentação das
seqüências observadas na carta acima analisada). Vejamos isto na figura abaixo:
2 Esta é uma posição defendida recentemente também por Jean-Michel Adam (1999) que julga
ser a unidade "texto" muito heterogênea para ser tomada como uma entidade lingüística. Trata- se,
pois de uma entidade comunicativa que é construída com unidades composicionais
constituídas pelas seqüências tipológicas
40
Tipos textuais segundo Werlich (1973)
Bases temáticas
1. Descritiva
2. Narrativa
3. Expositiva
4. Argumentativo
Exemplos
“Sobre a mesa havia
milhares de vidros.”
“”Os passageiros
aterrissaram em Nova
York no meio da
noite.””
(a) “” Uma parte
do cérebro é o
_órtex.””
(b) “” O cérebro
tem 10
milhões de
neurônios””
“” A obsessão com a
durabilidade de nas
Artes não é
permanente.””
Traços lingüísticos
Este tipo de enunciado
textual tem uma
estrutura simples com
um verbo estático no
presente ou imperfeito,
um complemento e uma
indicação circunstancial
de lugar
Este tipo de enunciado
textual tem um verbo de
mudança no passado,
um circunstancial de
tempo e lugar. Por sua
referência temporal e
local, este enunciado é
designado como
enunciado indicativo de
ação.
Em (a) temos uma base
textual denominada de
exposição sintética pelo
processo da composição.
Aparece um sujeito, um
predicado (no presente) e
um complemento com um
grupo nominal. Trata-se de
um enunciado de
identificação de
fenômenos.
Em (b) temos uma base
textual denominada de
exposição análítica pelo
processo de decomposição.
Também é uma estrutura
com um sujeito, um verbo
da família do verbo ter (ou
verbos como: ""contém'''',
“”consiste””,
“”compreende””) e um
complemento que
estabelece com o sujeito
uma relação parte-todo.
Trata-se de um enunciado
de ligação de fenômenos.
Tem-se aqui uma forma
verbal com o verbo ser no
presente e um
complemento (que no caso
é um adjetivo). Trata-se de
um enunciado de atribuição
de qualidade.
41
5. Injuntiva “” pare!””, “” seja
razoável!””
Vem representada por um
verbo no imperativo. Estes
são os enunciados
incitadores à ação. Estes
textos podem sofrer certas
modificações significativas
na forma e assumir por
exemplo a configuração
mais longa onde o
imperativo é substituído
por um ""deve"". Por
exemplo; ""Todos os
brasileiros na idade de 18
anos do sexo masculino de-
vem comparecer ao
exército para alistarem-se."
"
Um elemento central na organização de textos narrativos é a seqüência temporal.
Já no caso de textos descritivos predominam as seqüências de localização. Os textos
expositivos apresentam o predomínio de seqüências analíticas ou então
explicitamente explicativas. Os textos argumentativos se dão pelo predomínio de
seqüências contrastivas explícitas. Por fim, os textos injuntivos apresentam o
predomínio de seqüências imperativas.
Se voltarmos agora ao exemplo (2) da carta pessoal apresentada acima, veremos
que cada uma daquelas seqüências lá identificadas realiza os traços lingüísticos aqui
apresentados. Não é difícil tomar os gêneros textuais e analisálos com esses critérios,
identificando-lhes as seqüências. Para o caso do ensino, pode-se chamar a atenção da
dificuldade que existe na organização das seqüências tipológicas de base, já que elas
não podem ser simplesmente justapostas. Os alunos apresentam dificuldades
precisamente nesses pontos e não conseguem realizar as relações entre as seqüências.
E os diversos gêneros seqüenciam bases tipológicas diversas.
5. Observações sobre os gêneros textuais
Como já lembrado, os gêneros textuais não se caracterizam como formas estru-
turais estáticas e definidas de uma vez por todas. Bakhtin [1997] dizia que os gêneros
eram tipos "relativamente estáveis" de enunciados elaborados pelas mais diversas
esferas da atividade humana. São muito mais famílias de textos com uma série de
semelhanças. Eles são eventos lingüísticos, mas não se definem por características
lingüísticas: caracterizam-se, como já dissemos, enquanto atividades sócio-
discursivas. Sendo os gêneros fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis,
não há como fazer uma lista fechada de todos os gêneros. Existem estudos
, feitos por lingüistas alemães que chegaram a nomear mais de 4000 gêneros, o que à
primeira vista parece um exagero (Veja-se Adamzik, 1997). Daí a desistência
progressiva de teorias com pretensão a uma classificação geral dos gêneros.
Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma lingüística e
sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos espeáficos em situações sociais
particulares. Pois, como afirmou Bronckart (1999:103), "a apropriação dos gêneros é
um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades
comunicativas humanas", o que permite dizer que os gêneros textuais operam, em:
certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam numa
relação sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito além
da justificativa individual.
42
A expressão "gênero" sempre esteve, na tradição ocidental, especialmente ligada aos
gêneros literários, mas já não é mais assim, como lembra Swales (1990:33), ao dizer
que "hoje, gênero é facilmente usado para referir uma categoria distintiva de discurso
de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspirações literárias". É assim que se
usa a noção de gênero em Etnografia, Sociologia, Antropologia, Folclore, Retórica e,
evidentemente, na Lingüística.
Os gêneros não são entidades naturais como as borboletas, as pedras, os rios e as
estrelas, mas são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano. Não
podemos defini-Ios mediante certas propriedades que lhe devam ser necessárias e
suficientes. Assim, um gênero pode não ter uma determinada propriedade e ainda
continuar sendo aquele gênero. Por exemplo, uma carta pessoal ainda é uma carta,
mesmo que a autora tenha esquecido de assinar o nome no final e só tenha dito no
início: "querida mamãe". Uma publicidade pode ter o formato de um poema ou de uma
lista de produtos em oferta; o que conta é que divulgue os produtos e estimule a compra
por parte dos clientes ou usuários daquele produto. A título de exemplo, observe-se este
artigo de opinião da Folha de São Paulo, que, embora escrito na forma de um poema,continua sendo um artigo de opinião:
Exemplo (3) NELFE - 350 - artigo de opinião
Um novo José
Josias de Souza
-São Paulo- Diga: ora, Drummond, Agora
Calma José. Se você gritasse,
A festa não começou, se você gemesse,
a luz não acendeu, se você dormisse,
a noite não esquentou, se você cansasse,
o Malan não amoleceu, se você morresse ...
mas se voltar a pergunta: O Malan nada faria,
e agora José? mas já há quem faça.
Diga: ora Drummond,
agora Camdessus. Ainda só, no escuro,
Continua sem mulher, qual bicho-do-mato,
continua sem discurso, ainda sem teogonia,
continua sem carinho, ainda sem parede nua,
ainda não pode beber, para se encostar,
ainda não pode fumar, ainda sem cavalo preto,
cuspir ainda não pode, Que fuja a galope,
a noite ainda é fria, você ainda marcha, José!
o dia ainda não veio, Se voltar a pergunta:
o riso ainda não veio, José, para onde?
43
/
t
não veio ainda a utopia, Diga: ora Drummond,
o Malan tem miopia, por que tanta dúvida?
mas nem tudo acabou, Elementar, elementar,
nem tudo fugiu, sigo pra Washington
nem tudo mofou. e, por favor, poeta,
Se voltar a pergunta: não me chame de José.
E agora José? Me chame Joseph.
Fonte: Folha de São Paulo, Caderno 1, pág. 2 - Opinião, 04/10/1999
Aspecto interessante no texto acima é que ele apresenta uma configuração híbrida,
endo o formato de um poema para o gênero artigo de opinião. Isso configura uma
estrutura inter-gêneros de natureza altamente híbrida e uma relação intertextual com alusão ao poema e ao poJeJta autor do poema no qual se inspira e do qual extrai elementos: "E agora]osé , de Carlos Drummond de Andrade. Essa característica pode
ser analisada de acordo com a suJJgestão de Ursula Fix (1997:97), que usa a expressão "intertextualidade inter-gêneros para designar o aspecto da hibridização ou mescla de
gêneros em que um gênero assume a função de outro. Esta violação de cânones
subvertendo o modelo global de um gênero poderia ser visualizada num diagrama tal
como este:
INTERTEXTUALIDADE TIPOLÓGICA
/
artigo de opinião
Formado
gênero A
Função do gênero A
/
Função do gênero B
/
poema
Forma do
gênero B
A questão da intertextualidade inter-gêneros evidencia-se como uma mescla de funções e
formas de gêneros diversos num dado gênero e deve ser distinguida da questão da
heterogeneidade tipológica do gênero, que diz respeito ao fato de um gênero realizar várias
seqüências de tipos textuais (por exemplo, o caso da carta pessoal citada). No exemplo acima,
temos um gênero funcional (artigo de opinião) com o formato de outro (poema). Em princípio,
isto não deve trazer dificuldade interpretativa, já que o predomínio da função supera a forma na
determinação do gênero, o que evidencia a plasticidade e dinamicidade dos gêneros.
Resumidamente, em relação aos gêneros, temos:
(1) intertextualidade inter-gêneros == um gênero com a função de outro
(2) heterogeneidade tipológica == um gênero com a presença de vários tipos
44
o exemplo do artigo de opinião analisado é um caso para a situação (1) da
hibridização textual com inter-gêneros; já a carta pessoal analisada anteriormente é um
exemplo para (2), com uma heterogeneidade tipolÇ>gica muito grande. No geral, este
segundo caso é mais comum que o primeiro. Contudo, se tomarmos alguns gêneros,
veremos que eles são mais propensos a uma intertextualidade inter-gêneros. Veja, por
exemplo, a publicidade que se caracteriza por operar de maneira particularmente
produtiva na subversão da ordem genérica instituída, chamando atenção para a venda
de um produto. Desenquadrar o produto de seu enquadre normal é uma forma de
enquadrá10 em novo enfoque, para que o vejamos de forma mais nítida no mar de
ofertas de produtos.
É esta possibilidade de operação e maleabilidade que dá aos gêneros enorme.
capacidade de adaptação e ausência de rigidez e se acha perfeitamente de acordo com
Miller (1984:151), que considera o gênero como "ação social", lembrando que uma
definição retoricamente correta de gênero "não deve centrar-se na substância nem na
forma do discurso, mas na ação em que ele aparece para realizarse". Este aspecto vai ser
central na designação de muitos gêneros que são definidos basicamente por seus
propósitos (funções, intenções, interesses) e não por suas formas. Contudo, voltamos a
frisar que isto não significa eliminar o alto poder organizador das formas
composicionais dos gêneros. O próprio Bakhtin [1997] indicava a "construção
composicional", ao lado do "conteúdo temático" e do "estilo" como as três
características dos gêneros.
De igual modo, para Eija Ventola (1995:7), os "gêneros são sistemas semióticos que
geram estruturas particulares que em última instância são captadas por comportamentos
lingüísticos mediante os registros". Enquanto resultado convencional numa dada
cultura, os gêneros se definiriam como "ações retóricas tipificadas baseadas em
situações recorrentes" (Miller, 1984:159). As formas tornam-se convencionais e com
isto genéricas precisamente em virtude da recorrência das situações em que são
investidas como ações retóricas típicas. Os gêneros são, em última análise, o reflexo de
estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura. Por isso, em princípio, a variação
cultural deve trazer conseqüências significativas para a variação de gêneros, mas este é
um aspecto que somente o estudo intercultural dos gêneros poderá decidir.
6. Gêneros textuais e ensino
Tendo em vista que todos os textos se manifestam sempre num ou noutro gênero
textual, um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante
tanto para a produção com para a compreensão. Em certo sentido, é esta idéia básica
que se acha no centro dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), quando sugerem que o
trabalho com o texto deve ser feito na base dos gêneros, sejam eles orais ou escritos. E esta é
também a proposta central dos ensaios desta coletânea de textos que pretende mostrar como analisar
e tratar alguns dos gêneros mais praticados nos diversos meios de comunicação.
As observações teóricas expostas não só visam a esclarecer conceitos como também a
apontar a diversidade de possibilidades de observação dos gêneros textuais. Por certo,
não estamos aqui em condições de nos dedicarmos a todos os problemas envolvidos,
mas é possível indicar alguns. Em especial seria bom ter em mente a questão da relação
oralidade e escrita no contexto dos gêneros textuais, pois, como sabemos, os gêneros
distribuem-se pelas duas modalidades num contínuo, desde os mais informais aos mais
formais e em todos os contextos e situações da vida cotidiana. Mas há alguns gêneros
45
que só são recebidos na forma oral apesar de terem sido produzidos originalmente na
forma escrita, como o caso das notícias de televisão ou rádio. Nós ouvimos aquelas
notícias, mas elas foram escritas e são lidas (oratizadas) pelo apresentador ou locutor.
Assim, é bom ter cautela com a idéia de gêneros orais e escritos, pois essa distinção é
complexa e deve ser feita com clareza. Veja-se o caso acima citado das jaculatórias,
novenas e ladainhas. Embora todas tenham sido escritas, seu uso nas atividades
religiosas é sempre oral. Ninguém reza por escrito e sim oralmente. Por isso dizemos
que oramos e não que escrevemos a Deus.
Tudo o que estamos apontando neste momento deve-se ao fato de os eventos a que
chamamos propriamente gêneros textuais serem artefatos lingüísticos concretos. Esta
circunstância ou característica dos gêneros tornaos, como já vimos, fenômenos bastante
heterogêneos e por vezes híbridos em relação à forma e aos usos. Daí dizer-se que os
gêneros são modelos comunicativos. Servem, muitas vezes, para criar uma expectativa
no interlocutor e prepará-Io para uma determinada reação. Operam prospectivamente,
abrindo o caminho da compreensão, como muito bem frisou Bakhtin (1997).
Muitas vezes, em situações orais,os interlocutores discutem a respeito do gênero de
texto que estão produzindo ou que devem produzir. Trata-se de uma negociação
tipológica. Segundo observou o lingüista alemão Hugo Steger (1974), as designações
sugeridas pelos falantes não são suficientemente unitárias ou claras, nem fundadas em
algum critério geral para serem consistentes. Em relação a isso, lembra a lingüista alemã
Elizabeth Gülich (1986) que os interlocutores seguem em geral três critérios para
designarem seus textos:
a) canal! meio de comunicação: (telefonema, carta, telegrama)
b) critérios formais: (conto, discussão, debate, contrato, ata, poema)
c) natureza do conteúdo: (piada, prefácio de livro, receita culinária, bula de
remédio)
Contudo, isso não chega a oferecer critérios para formar uma classificação nem
constituir todos os nomes. Para Douglas Biber (1988), por exemplo, os gêneros são
geralmente determinados com base nos objetivos dos falantes e na natureza do tópico
tratado, sendo assim uma questão de uso e não de forma. Em suma, pode-se dizer que
os gêneros textuais fundam-se em critérios externos (sócio-comunicativos e
discursivos), enquanto os tipos textuais fundam-se em critérios internos (lingüísticas e
formais).
Elizabeth Gülich (1986) observa que as situações e os contextos em que os falantes
ou escritores designam os gêneros textuais são em geral aqueles em que parece
relevante designá-Ias para chamar a atenção sobre determinadas regras vigentes no
caso. É assim que ouvimos pessoas dizendo: "nessa reunião não cabe uma piada, mas
deixem que eu conte uma para descontrair um pouco". Ou então ouvimos alguém dizer:
"fulano não desconfia e discursa até na hora de tomar uma cerveja". Por outro lado,
notamos que há casos institucionalmente marcados que exigem, no início, a designação
do gênero de texto e a informação sobre suas regras de desenvolvimento. Este é o caso
de uma tomada de depoimento na Justiça, em que o Juiz lê as regras e expõe direitos e
deveres de cada indivíduo.
Assim, contar piadas fora de lugar é um caso de inadequação ou violação de normas
sociais relativas aos gêneros textuais. Isso quer dizer que não há só a questão da
produção adequada do gênero, mas também um uso adequado. Esta não é uma questão
de etiqueta social apenas, mas é um caso de adequação tipo lógica, que diz respeito à
46
relação que deveria haver, na produção de cada gênero textual, entre os seguintes
aspectos:
• natureza da informação ou do conteúdo veiculado;
• nível de linguagem (formal, informal, dialetal, culta etc.)
• tipo de situação em que o gênero se situa (pública, privada, corriqueira, solene
etc.)
• relação entre os participantes (conhecidos, desconhecidos, nível social, formação
etc)
• natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas
É provável que esta relação obedeça a parâmetros de relativa rigidez em virtude das
rotinas sociais presentes em cada contexto cultural e social, de maneira que sua
inobservância pode acarretar problemas. Assim, numa reunião de negócios, por
exemplo, um empresário que se pusesse a cantar o Hino Nacional seria considerado
um tanto esquisito e talvez pouco confiável para uma parceria de negócios. Ou
alguém que, durante um culto e no meio de uma oração, começasse a esbravejar
contra o sacerdote ou o pastor não ia ser bem-visto. Neste sentido, os indicadores
aqui levantados serviriam para identificar as condições de adequação genérica na
produção dos gêneros, espedalmente os orais.
Considerando que os gêneros independem de decisões individuais e não são
facilmente manipuláveis, eles operam como geradores de expectativas de
compreensão mútua. Gêneros textuais não são fruto de invenções individuais, mas
formas socialmente maturadas em práticas comunicativas. Esta era também a
posição central de Bakhtin [1997] que, como vimos, tratava os gêneros como
atividades enunciativas "relativamente estáveis".
No ensino de uma maneira geral, e em sala de aula de modo particular, pode-se
tratar dos gêneros na perspectiva aqui analisada e levar os alunos a produzirem ou
analisarem eventos lingüísticos os mais diversos, tanto escritos como orais, e
identificarem as características de gênero em cada um. É um exercício que, além de
instrutivo, também permite praticar a produção textual. Veja-se como seria
produtivo pôr na mão do aluno um jornal diário ou uma revista semanal com a
seguinte tarefa: "identifique os gêneros textuais aqui presentes e diga quais são as
suas características centrais em termos de conteúdo, composição, estilo, nível
lingüístico e propósitos". É evidente que essa tarefa pode ser reformulada de muitas
maneiras, de acordo com os interesses de cada situação de ensino. Mas é de se
esperar que por mais modesta que seja a análise, ela será sempre muito promissora.
7. Observações finais
Em conclusão a estas observações sobre o tema em pauta, pode-se dizer que o
trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a
língua em seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia. Pois nada do que
fizermos lingüisticamente estará fora de ser feito em algum gênero. Assim, tudo o
que fizermos lingüisticamente pode ser tratado em um ou outro gênero. E há muitos
gêneros produzidos de maneira sistemática e com grande incidência na vida diária,
merecedores de nossa atenção. Inclusive e talvez de maneira fundamental, os que
aparecem nas diversas mídias hoje existentes, sem excluir a mídia virtual, tão bem
conhecida dos internautas ou navegadores da Internet.
47
A relevância maior de tratar os gêneros textuais acha-se particularmente situada no
campo da Lingüística Aplicada. De modo todo especial no ensino de língua, já que se
ensina a produzir textos e não a produzir enunciados soltos. Assim, a investigação aqui
trazida é de interesse aos que trabalham e militam nessas áreas. Uma análise dos
manuais de ensino de língua portuguesa mostra que há uma relativa variedade de
gêneros textuais presentes nessas obras. Contudo, uma observação mais atenta e
qualificada revela que a essa variedade não corresponde uma realidade analítica. Pois
os gêneros que aparecem nas seções centrais e básicas, analisados de maneira
aprofundada são sempre os mesmos. Os demais gêneros figuram apenas para 11
enfeite" e até para distração dos alunos. São poucos os casos de tratamento dos gêneros
de maneira sistemática. Lentamente, surgem novas perspectivas e novas abordagens
que incluem até mesmo aspectos da oralidade. Mas ainda não se tratam de modo
sistemático os gêneros orais em geral. Apenas alguns, de modo particular os mais
formais, são lembrados em suas características básicas.
No entanto, não é de se supor que os alunos aprendam naturalmente a produzir os
diversos gêneros escritos de uso diário. Nem é comum que se aprendam naturalmente
os gêneros orais mais formais, como bem observam Joaquim Dolz e Bemard
Schneuwly (1998). Por outro lado, é de se indagar se há gêneros textuais ideais para o
ensino de língua. Tudo indica que a resposta seja não. Mas é provável que se possam
identificar gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais
formal, do mais privado ao mais público e assim por diante.
Enfim, vale repisar a idéia de que o trabalho com gêneros será uma forma de dar
conta do ensino dentro de um dos vetares da proposta oficial dos Parâmetros
Curriculares Nacionais que insistem nesta perspectiva. Tem-se a oportunidade de
observar tanto a oralidade como a escrita em seus usos culturais mais autênticos sem
forçar a criação de gêneros que circulam apenas no universo escolar. Os trabalhos
incluídos neste livro buscam oferecer sugestões bastante claras e concretas de
observação dos gêneros textuais na perspectiva aqui sugerida e com algumas
variações teóricas que cada autor dos textos adota em função de seus interesses e de
suas sugestões de trabalho. No conjunto, a diversidade de observações deverá ser um
benefício a mais para quem vier a usufruir dessasanálises.
ARTIGO
O Ensino em Textos de Incitação à
Ação – Um Olhar Argumentativo
Teaching in Texts that Incite Action – An Argumentative View
Mônica Magalhães Cavalcante*, Mariza Angélica Paiva Brito**
RESUMO: Um dos objetivos do ensino de línguas na escola atual é
tornar o aluno participante dos processos de interlocução e protagonista
na recepção e na produção de textos adequados a cada situação social
(CAVALCANTE; PAULIKONOS, 2017). Este é provavelmente
o mais complexo trabalho dos professores, pois o ensino de texto
representa, para o professor, em qualquer grau do ensino, um desafio.
Propiciar ao aluno condições de se apropriar do conhecimento, usá-lo
de forma crítica e se integrar ao mundo como leitor autônomo e como
produtor de texto é uma tarefa árdua. Apresentaremos aqui reflexões
sobre noções de texto, argumentação e ensino com base nos textos de
incitação à ação (ADAM, 2018). Mostraremos que o trabalho com a
argumentação sempre foi desenvolvido em sala de aula, embora apareça
com evidência apenas nas situações de modalidade demonstrativa ou de
modalidade polêmica. No ensino da oralidade, comumente se estimula
o debate de questões polêmicas, para motivar a temática a ser explorada
na unidade do livro. No ensino da escrita, em geral, explica-se como
formular uma tese e fundamentá-la com argumentos explícitos, para
defendê-la. Tais orientações atendem, via de regra, às grades de correção
da redação do Enem e de concursos, como os vestibulares. Tomaremos
como exemplo para esta discussão os textos de incitação à ação, que,
segundo Adam, oscilam entre um domínio procedural e um domínio
de conselho. A mistura dos conselhos-recomendações e das instruções
procedimentais, no entanto, é a forma mais frequente dos planos de
textos desta natureza (ADAM, 2018; LÜGER, 1995). Entendemos
que os textos de incitação à ação podem se enquadrar nos tipos de
modalidade argumentativa a que Amossy (2017) chama de patêmica e
de pedagógica.
PALAVRAS-CHAVE: : Texto de incitação à ação; Ensino; Modalidade
Argumentativa.
ABSTRACT: One of the aims of language teaching in current schools
is to make the student a participant in dialogue processes and a
protagonist in tasks of producing and interpreting texts appropriate to
each social situation (CAVALCANTE; PAULIKONOS, 2017). Text
teaching represents a challenge for the teacher, at any level. In this
study we present reflections on notions of text, argumentation and
teaching based on texts that incite action (ADAM, 2018). We show
that the work with argumentation has always been developed in the
Revista Linguagem em Foco Fortaleza, CE v. 11 n. 2 ISSN 2674-8266
Linguagem
em Foco
Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE
* Universidade Federal do Ceará
(UFC), Centro de Humanidades,
Programa de Pós-Graduação em Lin-
guística da UFC, Líder do Protexto
(UFC), Pesquisadora CNPq; moni-
camc02@gmail.com
** Universidade da Integração Inter-
nacional da Lusofonia Afro-Brasileira
(UNILAB), Instituto de Linguagens
e Literatura, Mestrado em Estudos
da Linguagem e Mestrado Interdisci-
plinar em Humanidades (UNILAB),
Líder do GELT (UNILAB), Vice-lí-
der do Protexto (UFC), bolsista BPI/
FUNCAP; marizabrito02@gmail.
com
Distribuído sobre
121
48
mailto:camc02@gmail.com
49
O Ensino em Textos de Incitação à Ação – Um Olhar Argumentativo 122
classroom, although it appears with evidence only in situations of demonstrative or polemic modality.
In orality teaching, the debate of controversial issues is commonly stimulated, to motivate the theme
to be explored in the textbook unit. In writing teaching, in general, it is explained how to formulate
a thesis and base it with explicit arguments, to defend it. Such guidelines are usually based on the
correction guides of Enem composition and public service selections, such as university entrance exams.
We used as an example for this discussion the texts that incite action, which, according to Adam, oscillate
between a domain of advice / recommendation and a procedural / injunctive domain. The mix of advice-
recommendations and procedural instructions, however, is the most frequent form of text plans of this
nature (ADAM, 2018; LÜGER, 1995). We understand that the texts that incite action can fit into the
argumentative modalities that Amossy (2017) calls patemic and pedagogical.
KEYWORDS: Texts that incite action; Teaching; Argumentative modality.
INTRODUÇÃO – TEXTO: UMA UNIDADE DE SENTIDO EM CONTEXTO
Segundo Adam, o texto não é uma unidade gramatical, mas uma unidade de sentidos em contexto.
Para nós, compete à Linguística Textual interpretar, individualmente, os sentidos dos textos em contexto,
mas também analisar as regularidades que os aproximam, observando, simultaneamente, o que as “classes
de textos” apresentam em termos de semelhanças e diferenças. É por essa integração do texto com o próprio
cenário social que não se deve estudar as sequências textuais apenas por seu aspecto composicional. Os
textos podem compor-se dominantemente por uma destas sequências, ou modos de organização do texto:
narração, descrição, argumentação, explicação e diálogo (ADAM, 2019). Mas as sequências são sempre
mescladas e se acomodam ao gênero a que atendem e, consequentemente, aos contextos enunciativos e
socioculturais a que se integram,Vejamos o exemplo:
(1) ELA SUBIU sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas
espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por
um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na
quietude da tarde. Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-
marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinha um jeito jovial de estudante.
– Minha querida Raquel. [. ]
– Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que ideia, Ricardo, que ideia...
(Fonte: <http://www.beatrix.pro.br/index.php/venha-ver-o-por-do-sol-lygia-fagundes- telles/>. Acesso em: 22 maio 2015.)
As sequências textuais não são gêneros, mas formas primárias, elementares, segundo Adam,
de narração, de descrição, de argumentação, de explicação e de diálogo. Elas atravessam todos os
gêneros, como formas de organizar os textos, e são definidas pelo autor do seguinte modo:
As sequências são estruturas pré-formatadas de reagrupamentos tipificados e ordenados em blocos
de proposições. O papel da linguística textual é explorar e teorizar sobre este nível intermediário
(mesotextual) de estruturação, sem negligenciar o jogo complexo de restrições intrafrásticas,
interfrásticas e transfrásticas, discursivas e genéricas. (ADAM, 2019, p. 9)
O exemplo abaixo ilustra como o gênero romance (de onde foi retirado o excerto) é atravessado
Revista Linguagem em Foco Fortaleza, CE v. 11 n. 2 ISSN 2674-8266
http://www.beatrix.pro.br/index.php/venha-ver-o-por-do-sol-lygia-fagundes-
http://www.beatrix.pro.br/index.php/venha-ver-o-por-do-sol-lygia-fagundes-
50
Mônica Magalhães Cavalcante, Mariza Angélica Paiva Brito 123
pela sequência narrativa dominante, ainda que comporte outras sequências inseridas, como a descritiva:
(2) A Floripa era uma mulher gorda e baixa, que aparentava ter uns cinquenta anos. O rosto redondo tinha
qualquer coisa de bebê. Os olhos empapuçados brilhavam miúdos, com um brilho em que havia mais
sentimento maternal que malícia. Nos dedos curtos e grossos chispavam anéis com grandes pedras.
(Fonte: VERÍSSIMO, Érico. O resto é silêncio. Disponível em: <http://artigosefemeros.blogspot.com. br/2009/07/o-resto-e-
silencio-de-erico-verissimo.html>. Acesso em: 22 abr. 2014)
Adam (2019, p.35) propõe níveis ou patamares da análise textual que foram sintetizados pelo
autor no seguinte esquema:
Como classesde textos heterogêneas, os gêneros do discurso são padrões textuais que organizam
os atos de comunicação nas práticas discursivas e são fundamentais para que saibamos como participar
de uma dada ação social em determinada comunidade (MILLER, 2009). Por isso, como argumenta
Bazerman (2005), quanto mais conhecimento temos dessas atividades de comunicação recorrentes, mais
compreendemos como usar os gêneros e mais conseguimos interagir eficazmente nas diversas situações
sociais em que transitamos.
Embora cada texto apresente uma heterogeneidade de sequências, alguns se organizam por uma
sequência dominante, que abriga sequências encaixadas. No entanto, como adverte Adam (2019), a
sequência dominante é apenas uma ilusão de homogeneidade, gerada por um efeito de tipificação global.
Um modo de reconhecer a sequência dominante é identificar aquela que permitiria resumir o texto e que
o relacionaria a um macroato de fala: narrar, descrever, explicar, argumentar. Nem todo texto, porém, se
orienta por uma sequência dominante única.
É a noção de plano de texto que parece unificar as estruturas composicionais. Certos gêneros
determinam certos planos de texto. Há planos de texto pré-formatados por um gênero, e há planos de
texto não pré-formatados, porque são peculiares a um único texto.
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O Ensino em Textos de Incitação à Ação – Um Olhar Argumentativo 124
1 É PRECISO TRATAR DE SEQUÊNCIA PELA LÓGICA DE MAIS OU MENOS, E NÃO MAIS
DE TUDO OU NADA
Os textos são individuais e únicos, mas as sequências, pelas quais se organizam, não. Em outras
palavras, os novos textos, sempre singulares, são classificados e associados a formas preexistentes,
construídas a partir de regularidades observadas, reconstruídas e memorizadas.
A principal função de uma noção para uma definição prototípica não é a de estabelecer um
critério que permita excluir os casos duvidosos, mas colocar à nossa disposição um feixe de traços
convergentes que nos possibilitem agrupar fatos com ligação de parentesco: essa noção é antes
integracionista do que segregacionista. (ADAM, 2019, p.64)
As sequências têm um protótipo. Elas ficam ativas como padrões de reconhecimento tanto
na produção quanto na interpretação. Pode-se concluir que as sequências são bastante flexíveis, mas
suficientemente estáveis. Nenhuma exemplifica melhor essa maleabilidade do que a sequência descritiva.
1.1 A DESCRIÇÃO TEM UMA CARACTERIZAÇÃO SEQUENCIAL MENOS RÍGIDA
A descrição envolve um conjunto de operações linguísticas que dificilmente pode ser resumido por
um esquema prototípico – constata Adam (2019), ao rever sua proposta de sequências textuais. O autor
tende, hoje, a reconhecer que o repertório de operações da descrição se agrupa em períodos de extensão
variável e segue a ordenação dos planos de textos. Vejamos o exemplo:
(3)
(Exemplo retirado de PAULIUKONIS; CAVALCANTE, 2019, p. 68)
A postagem mostra a face de um gênio e os pontos em que se deve trabalhar na reprodução de
uma caricatura. O texto se orienta por uma modalidade argumentativa pedagógica (AMOSSY, 2008), pois
ensina como focalizar, por meio da descrição das características faciais de uma imagem bem conhecida
e reproduzida de Albert Einstein, os traços que fazem a diferença em uma caricatura. A descrição é “um
recurso a mais para jogar luz sobre seus verdadeiros pontos, é evidente que ela deve se desenvolver em
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Mônica Magalhães Cavalcante, Mariza Angélica Paiva Brito 125
vista do objetivo a atingir, sem ultrapassá-lo” (ADAM, 2019, p. 71-2).
No exemplo seguinte, temos a dominância de uma descrição do tipo de pessoa que merece uma
amizade, ainda que o texto se oriente argumentativamente por uma incitação à ação. A postagem com
o título Aproxime-se de pessoas conduz o interlocutor em direção a uma estratégia argumentativa na qual
se enfocam as qualidades de uma pessoa idealizada, que sempre torce pelo outro, que ri de si mesma,
que escuta com interesse, que raramente reclama, que compartilha conhecimento, que inspira o outro
e que tem o hábito de doar. Então, se seus amigos não possuem estas qualidades, você deve se afastar,
porque você merece se aproximar de pessoas que correspondem a esta descrição. Existe no exemplo uma
orientação argumentativa realizada por uma série de sequências descritivas, com um forte apelo ao pathos.
(4)
Entendemos que, na verdade, existe uma orientação argumentativa em todo texto. Toda produção
textual é dialogicamente dirigida ao outro e, simetricamente, toda compreensão de texto requer uma
projeção das intenções da imagem que se tem do locutor, dentre elas a de seu macroato de narrar, descrever,
explicar, argumentar. Os textos comportam pelo menos uma dimensão argumentativa, embora alguns se
construam composicionalmente uma visada argumentativa (AMOSSY, 2017), quando defendem uma
opinião central fundada em conjuntos de argumentos. Esse pressuposto de Amossy nos permite assumir
que todo texto tem como objetivo (explícito ou não) agir sobre os valores e as crenças dos interlocutores.
A questão que motiva este trabalho é a seguinte: se conforme Adam (2019), não se pode abstrair uma
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O Ensino em Textos de Incitação à Ação – Um Olhar Argumentativo 126
sequência textual prototípica para os para os textos de incitação à ação, que sequências se entrecruzam
na heterogeneidade desses textos? Que gêneros podem se expressar por textos de incitação à ação e que
planos de texto eles seguem? E ainda: como se caracterizam os modos de argumentar em textos dessa
natureza?
2 TEXTOS DE INCITAÇÃO À AÇÃO
Nos primeiros trabalhos de Adam sobre sequências textuais, o autor (2019), tomando por base
Werlich, considerou a possibilidade de uma sequência “injuntiva” subjacente a gêneros como a receita
culinária, a instrução de montagem, as ordens, os regulamentos, as regras de jogo, os guias de viagem, o
horóscopo, e até o boletim meteorológico.
A justificativa de Werlich (1975) para manter a classificação de sequência injuntiva era distingui-
la da sequência narrativa, alegando que o arranjo temporal das ações e dos eventos reais ou imaginários
próprios da narrativa eram diferentes do arranjo das instruções-prescrições relacionadas ao que se espera
do interlocutor e do locutor. Na sequência narrativa, há um relato de ações ancoradas numa dada
temporalidade que muda conforme a transformação de predicados e as relações de causa-consequência;
as instruções-prescrições incitam diretamente o interlocutor à ação e envolvem uma habilidade cognitiva
comum – a capacidade de fazer planos.
Outros autores também já admitiram a existência de um discurso procedural, como Greimas
(1983), que salienta, nesse discurso, um sujeito “programador competente”, que transfere um saber-fazer
para um sujeito “realizador” que pode ou deve seguir os procedimentos indicados em etapas sucessivas,
como nas receitas, nas partituras e nas plantas arquitetônicas.
Também Garavelli (1988) menciona uma classe de “textos reguladores”, isto é, que objetivam
regular um dado comportamento do interlocutor, como os manuais de instrução, as leis, os decretos, os
regulamentos e os convites. E ainda Lüger (1995) propõe uma separação entre os textos de instruções de
uso e os conselhos.
Em obra posterior (1992), porém, Adam toma um outro direcionamento – o qual adota até hoje
- pondo em questão a legitimidade de uma sequência comum a todos os textos de discurso procedural,
uma vez que eles poderiam diferir enormemente em relação aos planos de texto pelos quais se orientam.
Adam (2019) sustenta que os textos de incitação à ação não apresentam um mesmo protótipo
de sequência textual porque “as regularidades microlinguísticas são numerosas demaispara constituir
um tipo de texto”, e não há macroproposições composicionais que sejam comuns a todos os gêneros de
incitação à ação. Para o autor, as regularidades observadas dizem respeito aos planos de gênero, à formação
social e às ações linguageiras realizadas. Por isso, haveria mais diferenças do que semelhanças entre os
gêneros com discurso procedural, como as receitas, os manuais de instrução, os gêneros com injunção,
como os conselhos de beleza, o horóscopo, os regulamentos, as regras de jogo, os manuais de etiqueta).
Por isso Adam sugere que toda essa complexidade dos gêneros, das práticas discursivas realizadas e das
microunidades linguísticas seja considerada em um quadro epistemológico mais complexo.
Adam (2019) opta, assim, pela designação de “discurso de incitação à ação”, em vez de “discurso
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procedural”, porque a categoria desses textos factuais que visam a uma finalidade prática (guiam a
realização de uma tarefa) é por demais extensa, e o termo procedural não abarcaria todas as possibilidades1,
já que está mais ligado a injunções, aconselhamentos para agir seguindo certos procedimentos) Como
afirma o autor (2019, p.255):
A grande característica desses textos é a presença massiva de predicados de ação: da proibição
da ação (“Proibido fumar”) à injunção para agir de maneira procedural (toque a campainha e
entre), passando pela representação de ações sucessivas e de protocolos de ação. Essas ações estão
no infinitivo, no imperativo, no futuro ou no presente. Devido à densidade dos predicados de
ação, esses textos incluem muitos organizadores e advérbios temporais (especificando a sucessão
e/ou a duração das operações ou suboperações) bem como organizadores e advérbios locativos
(principalmente os guias de viagem, de passeio, de excursão, mas também manuais para indicar
a parte precisa de um objeto sobre o qual uma operação deve ser realizada). Encontramos, por
outro lado, poucos conectores argumentativos e muito menos ainda concessivos. O caráter
obrigatório e o grau de restrição de atos de discursos imperativos variam de um gênero a outro: a
liberdade de não seguir a injunção-recomendação é muito baixa para todos os gêneros reguladores
(instruções e regulamentos), muito alta para os conselhos e outros horóscopos, média para o
gêneros procedurais (receitas, guias, instruções de montagem). (ADAM, 2019, p. 255)
É essa regularidade pragmático-semântica dos atos de discurso e, por vezes, verbo-imagética, que
conduz ao equívoco de tomar esses textos como um mesmo “tipo”. As regularidades parecem concernir
mais aos gêneros do discurso, por isso Adam considera que as formas linguísticas recorrentes são
condicionadas pelos gêneros discursivos de uma formação social e seus planos de texto e pelas ações
linguageiras realizadas.
Alguns textos de incitação se inclinam mais para a injunção (para o aconselhamento ou para a
tentativa de guiar, de regrar uma ação do outro). Outros são mais claramente procedimentais, como os
1 Adam (2019, p.256-7) elenca as seguintes possibilidades: “Enunciados injuntivos, textos de lei, instruções e
regulamentos (laicos ou religiosos) [T1 a T4, T8].
• Instruções de montagem.
• Regra de jogo.
• Títulos das mídias (revistas, jornais, rádio e televisão [T9,T11,T12, T14] e obras de ensinamento moral, de
educação, de saúde etc. [T10].
• Receitas de cozinha (desde o livro de um grande chef até a simples indicação sobre a embalagem de um produto)
[t25], passando pelas receitas culinárias das revistas) [T20, T21, T23, T24].
• Guias de itinerários (de trilha, de alpinismo, de visita turística a um lugar cultural ou natural) sob a forma de
formulário [T22, T26] ou de livro [T27].
• Receitas médicas e farmacêuticas [T18].
• Didascálias teatrais dando instruções de montagem e de encenação dos atores.
• Manuais ou fichas de bricolagem, jardinagem, adestramento etc [T5, T6, T7, T15].
• Modos de funcionamento e manuais de utilização (instruções explicativas) de produtos, máquinas, aparelhos,
softwares etc. [T16, T17].
• Manuais de manutenção ?? e de manutenção.
• Manuais de regra de conduta e de etiqueta.
• Manuais de procedimento (farmácia e química).
• Promessas eleitorais (promessas de fazer) e publicitárias [T13].
• Horóscopos [T19]”.
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manuais de instrução, por isso Adam (2019, p. 262) considera como subjacente a todos eles um “discurso
de incitação à ação”, recheado de atos ilocutórios diretivos e de termos do campo lexical do “conselho”:
“Aconselhar é indicar a alguém o que deve ou não fazer, e essa orientação vai de sugerir, recomendar e
propor até pressionar, incitar, levar (a), passando por advertir, avisar, guiar, persuadir, convencer, dirigir”.
Adam observa que, nos gêneros mais puramente procedimentais, como o manual de instruções e os
guias de trilha, as recomendações ou aconselhamentos sob a forma de imperativos são muito frequentes,
além de se repetirem algumas vezes e serem postas em grifo pela tipografia (negrito, sublinhado,
maiúsculas menores em itálico). Mas, pelo propósito de levar o interlocutor a executar passos precisos, os
instrucionais e os guias não podem oscilar entre a recomendação e influência coercitiva, por isso, quando
esses textos trazem conselhos, eles são mera consequência das “ordens” expressas.
Já os aconselhamentos dos gêneros horóscopo, embora também apresentem imperativos, a força
ilocutória dessas formas verbais no texto se aproxima mais da recomendação do que da injunção (da
imposição de ações). É por causa de gêneros como o horóscopo que Adam constata que os textos de
incitação à ação oscilam entre um domínio procedural e um domínio de conselho, mas que é bastante
comum (talvez esta seja a situação mais recorrente) a mistura dos conselhos-recomendações e das
instruções procedimentais.
O autor pormenoriza demais as características linguísticas familiares aos diferentes gêneros de
incitação à ação, porém salienta que elas não constituem mera coincidência formal e que sofrem o
condicionamento das propriedades dos gêneros do discurso bem assinaladas por Bakhtin: construção
composicional, conteúdo temático e estilo. Desse modo, não é suficiente constatar, por exemplo, que
os textos de incitação à ação comportam, no que tange ao estilo, encadeamentos de proposições de ação
e de proposições descritivas de estado. É preciso atentar para a relação fundamental entre tais aspectos
estruturais2 e o modo (do ponto de vista ilocutório) como são utilizados nos textos em diferentes atos
de linguagem: “Cada uma das proposições dos textos de incitação à ação deve ser examinada em suas
dimensões de ato de referência e ato de discurso, mas também de ato de enunciação ligado a um enunciador
que assume a verdade do conteúdo proposicional e visa a um destinatário”. (ADAM, 2019, p. 275).
Como observa o autor, essas relações consideram as condições enunciativas da interação. Nos textos
de incitação à ação, subjaz à voz do locutor a voz de um enunciador expert cuja presença enunciativa é
apagada, a fim de dar às informações fornecidas mais credibilidade. A instância do interlocutor se expressa
por um pronome (você) de caráter indefinido, porque pode se aplicar a cada um que se põe nesse papel.
Nesse contexto situacional, firma-se um tipo de contrato de verdade com uma promessa de sucesso,
pois se espera que as informações fornecidas sejam verdadeiras, dando, assim, uma espécie de garantia ao
interlocutor de que, se ele seguir todos os passos, o objetivo será alcançado. Podemos acrescentar a essa
descrição que a generalidade com que a dêixis pessoal se explicita, nesses textos, depende diretamente do
contrato comunicativo que se estabelece.
Além disso, dependendo do volumede conhecimento que se supõe compartilhado pelos
interlocutores quanto ao domínio da especialidade abordada, o léxico especializado vai se impondo e se
2 Adam demonstra que os trechos composicionalmente descritivos, nesses textos, têm um valor inseparavelmente
duplo, pois são ao mesmo tempo informativos e instrucionais.
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adaptando ao tipo de projeção que se faz do destinatário.
Cabe ressaltar que, ainda que esses aspectos microlinguísticos sejam comuns aos textos de incitação
à ação, eles variam conforme o gênero do discurso e o contrato estabelecido em cada interação. As
estruturas com “para. se (em caso de)”, seguidas de imperativo ou infinitivo, por exemplo, podem ser
menos frequentes nas receitas e nos guias de trilhas, que se valem de mais conectores argumentativos e de
inúmeros organizadores temporais, importantíssimos na sequenciação de passos a serem seguidos. Já os
organizadores locativos pontuam regularmente os guias de viagem, mas também podem indicar a parte
precisa de um objeto nos manuais de instalação e nas instruções de montagem. Note-se, assim, a estreita
ligação entre léxico, conectores, construções sintáticas e conteúdo temático, portanto entre tema e estilo,
para usar os termos bakhtinianos.
No que tange aos aspectos composicionais dos gêneros, Adam chama a atenção para o modo como
visualmente os textos de incitação à ação apresentam indicações alfanuméricas, sobremarcações icônicas
por meio de fotos, desenhos, mapas, esquemas, com a finalidade não só de informar, mas de explicar
como fazer. Tais características de segmentação e marcação tipográfica refletem diretamente na forma
composicional dos planos de texto de cada gênero.
2.1 GRUPOS DE GÊNEROS DE RECOMENDAÇÃO-CONSELHO E GRUPOS DE GÊNEROS
PROCEDIMENTAIS
Como acabamos de ver, os textos que atualizam a incitação à ação oscilam entre um domínio de
conselho e um domínio procedimental (que pode chegar à injunção). Mas é a mistura dos dois casos que
parece ser mais recorrente. O esquema seguinte mostra gêneros bem distintos que apresentam, em graus
diferentes, esses tipos de regularidades:
Abaixo exemplificamos diferentes textos de incitação à ação.
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(5) O horóscopo
(6) Simpatia
Talvez até seja mais sensato considerar sempre a possibilidade de mescla dos conselhos-recomendações
e das instruções procedimentais, o que não nos impede de separar os textos de incitação à ação em dois
grupos: aqueles que variam da recomendação ao conselho, ou à regra; e aqueles em que domina o caráter
instrucional, pelas finalidades a que se prestam, como encontramos nos exemplos (5) e (6), que atualizam,
respectivamente, um domínio mais próximo do conselho e um domínio do procedural.
Os exemplos confirmam que uma das mais importantes características dos textos de incitação à
ação é a abundância de predicados representando ações temporais sucessivas e atualizadas verbalmente no
infinitivo, no imperativo, no futuro ou no presente.
Textos assim visam a uma finalidade prática, por isso têm muitos predicados de ação: da proibição
da ação à injunção para agir de maneira procedimental. O caráter obrigatório e o grau de restrição dos
atos variam de um gênero para o outro. O exemplo (8) mostra isso claramente:
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(7) Bolo de chocolate com calda de ganache da Rita Lobo
Receita é simples e tem calda que vira mousse de chocolate. Veja mais em: http://gnt.globo.com/receitas/receitas/bolo-de-
chocolate-com-calda-de-ganache-da-rita-lobo.htm Assado, Bolo, Bolo de chocolate, Chocolate 30min 4 porções fácil
Ingredientes
4 ovos
1 xícara (chá) de açúcar
1 xícara (chá) de chocolate em pó
1 xícara (chá) de óleo
1 xícara (chá) de água
2 xícaras (chá) de farinha de trigo
1 colher (sopa) de fermento
Manteiga, farinha e chocolate para untar e polvilhar
Calda de ganache
200g de chocolate meio amargo
3/4 de xícara (chá) de creme de leite fresco
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 180ºC (temperatura média).
Unte uma forma redonda ou de pudim com manteiga, formando uma camada fina e uniforme.
Faça uma misturinha meio a meio de chocolate em pó e farinha, e polvilhe a forma toda.
Desta maneira, o bolo não fica com aquela casquinha branca de farinha. Reserve. Numa tigela, coloque
a farinha, passando pela peneira.
Na batedeira, ou numa tigela, coloque o açúcar e o chocolate em pó, passando por uma peneira. Junte
os ovos e o óleo.
Na velocidade baixa (para o chocolate não subir), bata os ingredientes, até que estejam bem misturados.
Aumente a velocidade e bata por mais alguns minutos.
Nas receitas, temos instruções bem pontuais que precisam ser seguidas para a fórmula funcionar,
diferentemente do aconselhamento no horóscopo (exemplo 6) e das indicações procedimentais nas
simpatias (exemplo 7). Com efeito, o grau de incitação à ação nesses gêneros é baixo, se os compararmos
a uma receita ou a uma instrução de montagem.
Também o grau de obrigatoriedade para o cumprimento das ações procedurais é variável, podendo,
segundo Adam (2019), ser alta, média e baixa. Deste modo, o caráter obrigatório e o grau de restrição
de atos de discursos imperativos variam de um gênero a outro: a liberdade de não seguir a injunção-
recomendação é muito baixa para todos os gêneros reguladores (instruções e regulamentos), mas muito
alta para os conselhos e outros horóscopos dos exemplos (5) e (6),e média para os gêneros procedurais
(receitas, guias, instruções de montagem), como no exemplo (7).
Lembramos que a grande característica desses textos é a presença massiva de predicados de ação: da
proibição da ação (“Proibido fumar”) à injunção para agir de maneira procedimental (toque a campainha
e entre), passando pela representação de ações sucessivas e de protocolos de ação. Os exemplos a seguir
ilustram tal característica:
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http://gnt.globo.com/receitas/receitas/bolo-de-
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(8)
(9) Receita de cuscuz
INGREDIENTES:
- 200G OU 350ML DE FLOCOS DE MILHO MANO VELHO
- 1 COLHER DE CHÁ DE SAL OU A GOSTO
- 150ML DE ÁGUA
- SE PREFERIR ACRESCENTE UMA COLHER DE SOPA DE MANTEIGA DA SUA
PREFERÊNCIA
MODO DE PREPARO
- Coloque os flocos em uma vasilha e acrescente a água e o sal e a manteiga. Mexa bem.
- Depois, ponha os flocos na cuscuzeira e leve ao fogo em temperatura baixa.
- O tempo de cozimento será de 20 minutos em fervura.
- Rende uma porção de 400g.
- Para mais dicas de receitas, siga as nossas redes sociais: Facebook e Instagram.
Observe-se que, como dissemos, o sujeito da enunciação é apagado e, em contrapartida, o lugar do
destinatário é solicitado, mas fica vazio, sob a forma de um simples pronome pessoal de segunda pessoa
na maior parte das vezes, como no exemplo (8) de uma campanha publicitária da Anvisa “Quando abrir
a boca, não feche os olhos.” O sujeito que enuncia fica apenas suposto como uma voz de autoridade,
no entanto, o destinatário pode ser qualquer um ou nenhum, mas não deixa de ser convocado a agir.
Do mesmo modo, acontece no exemplo (9), uma receita de cuscuz: “coloque os flocos em uma vasilha;
ponha os flocos na cuscuzeira” etc. As receitas, as instruções de montagem, por exemplo, mostram a
transferência de um conhecimento a um outro, que supostamente não o tem. A receita de cuscuz ensina
como preparar um cuscuz de qualidade, fácil e rápido, para isso são indicados os Ingredientes e o Modo
de preparo.
Uma reflexão procedente que deixamos neste trabalho é que nostextos de incitação à ação, é
possível reconhecer, por vezes, modos diferentes de argumentar. Supomos que sejam muito frequentes a
modalidade pedagógica e também a modalidade patêmica (AMOSSY, 2008).
4 AS MODALIDADES ARGUMENTATIVAS
Conforme Amossy (2018), modalidade argumentativa é um tipo de interação que, por meio dos
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gêneros, modela a forma como a argumentação funciona no texto e na relação entre eles. Tomando por
base os pressupostos da autora, buscamos aqui fazer aproximações teóricas entre traços dos gêneros do
discurso, das sequências textuais e dos modos de argumentar. Diríamos que argumentar pode ser:
a) para tentar firmar uma opinião central, como nos textos monogeridos de sequência argumentativa
dominante;
b) para deixar apenas transparecer pontos de vista, por meio de outras sequências;
c) para tentar envolver o outro, manipulando-o, principalmente por apelo às emoções, dentro de sequências
variadas;
d) para coconstruir uma ideia ou negociar algum acordo, numa sequência dialogal de textos poligeridos;
e) para defender uma opinião central, numa sequência dialogal polêmica ou nas relações intertextuais
polêmicas;
f) para expor didaticamente dados descritivos e explicativos;
g) para incitar o outro a uma ação, por meio de um roteiro de instruções; dentre outras finalidades.
Temos comprovado que todo texto tem uma orientação argumentativa, mas não necessariamente
uma sequência composicional argumentativa. Propomos que se pense nas possíveis relações entre
sequências textuais, gêneros do discurso, modos de interação e modalidades argumentativas.
Sabemos que, segundo Adam (2019), os textos podem ou não compor-se dominantemente por
uma destas sequências textuais: narração, descrição, argumentação e explicação. Tais sequências,
segundo o autor, correspondem a macroatos de linguagem. As sequências devem ser observadas em
relação aos gêneros, nos contextos enunciativos e socioculturais a que se integram.
Conquanto Adam ponha ao lado dessas quatro sequências a dialogal, sugerimos que se
investigue a possibilidade de não equipará-la às outras quatro, que cumprem um propósito numa
macroação de fala: para narrar, para descrever, para argumentar e para explicar. Não nos parece
adequado tratar o modo de organização dialogal como um macroato de linguagem.
Os textos, sempre singulares, são classificados e associados a formas preexistentes, construídas
a partir de regularidades observadas, reconstruídas e memorizadas, que são as sequências textuais.
As sequências perpassam os gêneros do discurso, que, por sua vez, determinam aspectos de tema,
composição e estilo dos planos de texto utilizados individualmente.
Todas as sequências textuais são descritas por Adam (2019) a partir de um plano composicional
prototipificado, mas não enrijecido. É por isso que, para Adam, as injunções (instruções) e os conselhos-
recomendações não podem ser tratados como sequências, porque não têm um protótipo composicional
comum a todos eles. Para nós, a incitação à ação poderia ser pensada num plano configuracional, em
que estaria associada a um modo de argumentar, e não como um plano composicional. Exatamente
porque os textos de incitação à ação são por demais variados composicionalmente, e porque eles atendem
a um modo diferente de argumentar: o de levar o interlocutor a um fazer. Sugerimos, com isso, que se
proponha pense numa modalidade argumentativa que contemple a incitação à ação, porque o modo de
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argumentar em textos dessa natureza é peculiar, diferente das demais modalidades.
Para tratar de modalidades argumentativas, Amossy (2008) discrimina três parâmetros pelos quais
cada tipo de interação deve se pautar:
• A distribuição de papéis sociais na interação;
• O tom dos interlocutores (racional, agressivo, carinhoso etc.);
• A relação de proximidade ou de distância social.
Quer-nos parecer que os textos de incitação à ação guardam traços da modalidade pedagógica,
quando o locutor autorizado tenta passar um saber ao interlocutor, que se encontra na condição de
aprendiz , ao mesmo tempo que guardam traços da modalidade patêmica, quando uma tese central ou
mesmo só um ponto de vista são apresentados de modo a “tocar” o auditório para obter sua adesão, por
exemplo o apelo à ajuda humanitária, a defesa perante os jurados, o discurso lírico.
Os exemplos (10) e (11) refletem nosso pensamento de que os textos de incitação à ação carregam
em si uma nuance tanto pedagógica quanto emotiva.
(10)
Aconselhar é indicar a alguém o que deve ou não fazer. Um leque muito amplo de atos de linguagem
– do conselho-recomendação à ordem injuntiva – podem ser agrupados nessa categoria. Alguns textos
de aconselhamento podem ser tão heterogêneos que hibridizam os dois modos de argumentar, como no
exemplo a seguir:
(11)
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“Antes de começar uma formação que vai durar no mínimo uma década e custar uma nota preta,
será que há como saber se tenho o que é preciso para dar certo? É uma ótima pergunta. Para ser
um bom psicoterapeuta, é útil que a gente possua alguns traços de caráter ou de personalidade
que, dito aqui entre nós, dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação: melhor
mesmo que eles estejam com você desde o começo. Você pode querer ser médico ou coisa que
o valha porque considera essencial ser olhado com gratidão e respeito por seus pacientes e pelos
outros em geral. Claro, todo mundo gosta disso, não é? Mas há sujeitos que precisam de muito
mais, para quem é crucial ser constantemente objeto de veneração amorosa. Pois bem, se para
você, é importante se alimentar no reconhecimento e no agradecimento infinitos dos outros,
então não escolha a profissão de psicoterapeuta.” (CALLIGARIS, p.13-14)
O exemplo (11) mostra a aproximação entre as modalidades patêmica e pedagógica e as
estratégias persuasivas dos textos de incitação à ação. O texto convoca o interlocutor a refletir
junto com a voz enunciativa (que neste caso não se apaga) do próprio locutor: “Para ser um bom
psicoterapeuta, é útil que a gente possua alguns traços de caráter ou de personalidade que, dito
aqui entre nós, dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação: melhor mesmo que eles
estejam com você desde o começo”. O tom de aconselhamento atravessa toda a obra e sugere um
saber-fazer, como nas modalidades pedagógicas. Mas, ao mesmo tempo, o texto apresenta apelos
emocionais, como em: “Você pode querer ser médico ou coisa que o valha porque considera essencial
ser olhado com gratidão e respeito por seus pacientes e pelos outros em geral”.
Exemplos como esses nos levam à reafirmação de que pode ser produtiva a relação a ser
estabelecida entre diferentes textos de incitação à ação, gêneros, sequências textuais e modalidades
argumentativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se busca na interpretação de um texto? Alguma unidade de coerência, interpretada
individualmente pelo interlocutor, mas a partir de uma negociação com seus saberes e com os valores
socialmente compartilhados em dado momento sócio-histórico. O texto deve ser visto sempre, sobretudo
na sala de aula, como unidade de sentidos em contexto. As sequências textuais constituem um modo de
tipologizar os textos em grupos um pouco menos heterogêneos. A sequência é um “esquema de texto”
situado entre o período e uma composição mais ou menos convencionada do gênero, que são os planos
de texto. Já os planos de texto, como o próprio nome diz, são modos de planejar o texto que se pretende
elaborar: o plano envolve tanto as características convencionaisde como o gênero se constitui, quanto o
modo individual como o locutor deseja arranjar os conteúdos em seu texto. Acreditamos que é por causa
desses aspectos particulares de estilo do locutor e dos gêneros que os planos de texto não formam classes
homogêneas.
Lidar com esses aspectos composicionais das sequências e dos aspectos configuracionais dos gêneros
e planos de texto, relacionando-os a modalidades argumentativas pode ser um estudo muito relevante
para as pesquisas em linguística textual e em linguística aplicada ao ensino.
Revista Linguagem em Foco Fortaleza, CE v. 11 n. 2 ISSN 2674-8266
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O Ensino em Textos de Incitação à Ação – Um Olhar Argumentativo 136
REFERÊNCIAS
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. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008.
. Textos: tipos e protótipos. Tradução de Mônica Magalhães Cavalcante...[et al]. São Paulo:
Contexto, 2019.
AMOSSY, R. As modalidades argumentativas do discurso. In: LARA, G.; MACHADO, I.; EMEDIATO,
W. (Orgs.). Análises do discurso hoje, vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 231-254.
. Apologia da polêmica. Trad. Mônica Magalhães Cavalcante et al. São Paulo: Contexto,
2017[2014].
. A argumentação no discurso. Trad. Eduardo Lopes Piris et al. São Paulo: Contexto, 2018a
[2000].
BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. Cortez, 2005.
CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. São
Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. São Paulo: Editora Cultrix, 1973.
MILLER, C. Gênero como ação social. In: MILLER, C. Estudos sobre gênero textual, agência e tecnologia.
Recife: EDUFPE, 2009.
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Linguistik. Tubingen: Niemeyer, 1988, v. 4, p. 157-168.
PAULIUKONIS, M. A. L.; CAVALCANTE, M. M. Texto e ensino. e-book, Natal: SEDIS, 2019.
WERLICH, E. Typologie de texte. Heidelberg: Quelle et Meyer, 1975.
Revista Linguagem em Foco Fortaleza, CE v. 11 n. 2 ISSN 2674-8266
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Resumo
Nesta unidade pretendemos contribuir como professor-cursista na leitura e
produção adequada de textos acadêmicos. Dentre eles, o resumo e a resenha,
indispensáveis para a elaboração de outros gêneros no âmbito acadêmico. A
partir de atividades analíticas, prática de leitura e produção escrita, possibilitar
estratégias para a formação de um professor-pesquisador.
UNIDADE III
Escrita na universidade: leitura e produção de gêneros
acadêmicos
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Relação de textos
Texto 1
SILVA, Gislene Martins da; ANDRADE, Sinara Bertholdo de. Resumo.
IN: SATO, Denise Tamaê Borges; SILVA, Francisco das Chagas Rodrigues
da; BATISTA JR, José Ribamar Lopes. Leitura e Produção de Gêneros
Acadêmicos. 1. ed. Teresina – PI: EDUFPI, 2011.p. 79-93.
Texto 2
SATO, Denise Tamaê Borges. Resenha. IN: SATO, Denise Tamaê Borges;
SILVA, Francisco das Chagas Rodrigues da; BATISTA JR, José Ribamar
Lopes. Leitura e Produção de Gêneros Acadêmicos. 1. ed. Teresina – PI:
EDUFPI, 2011.p. 95-117.
Texto 3
MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliane; ABREU-TARTELLI, Lília
Santos. Sumarização: processo essencial para a produção de
resumos. IN: MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliane; ABREU-
TARTELLI, Lília Santos. Resumo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p.
25-28.
A escrita na Universidade: leitura e produção de
gêneros acadêmicos
UNIDADE III
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5. Observações sobre os gêneros textuais
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6. Gêneros textuais e ensino
7. Observações finais
1.1 A DESCRIÇÃO TEM UMA CARACTERIZAÇÃO SEQUENCIAL MENOS RÍGIDA
2 TEXTOS DE INCITAÇÃO À AÇÃO
2.1 GRUPOS DE GÊNEROS DE RECOMENDAÇÃO-CONSELHO E GRUPOS DE GÊNEROS PROCEDIMENTAIS
(7) Bolo de chocolate com calda de ganache da Rita Lobo
(9) Receita de cuscuz
MODO DE PREPARO
4 AS MODALIDADES ARGUMENTATIVAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS