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REFLEXÕES SOBRE O PODER DE FOGO NA GUERRA - DEN NAMENLOSEN E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL NO FRONTE OCIDENTAL Arthur Bernardes de Oliveira - 818549 Durante a Primeira Guerra Mundial, quase 9 milhões de indivíduos foram mortos em combate (KRAMER, 2008 apud CORNISH; SAUNDERS, 2014). A Primeira Guerra Mundial testemunhou o que foi descrito como a “radicalização da guerra”. Foi a primeira guerra em que os homens foram forçados a expor os seus corpos à nova e mortal gama de armas geradas pela industrialização da guerra que nós vimos no século 19, e que vai ter consequências profundas para as guerras no século 20 e no século 21. Nela teremos novos armamentos com maior poder de fogo, uma enorme quantidade de armamentos, grande facilidade de prover armamentos para as forças em terra e, ao mesmo tempo, grande desperdício de munição pelo excesso de oferta (CORNISH; SAUNDERS, 2014; JORDAN, 2016). O quadro Den Namelosen retrata 16 soldados em movimento, caminhando na direção oposta, em uma postura que lembra “macacos” agachados. Essa postura é característica dos soldados em situações de fogo inimigo. Embora a individualidade dos soldados seja perceptível nos detalhes, como um deles segurando uma trombeta em vez de um rifle, essa individualidade é ocultada pelas trincheiras e pelos capacetes que cobrem seus rostos. Também percebemos que suas mãos estão amarradas em torno de rifles, de forma que possam ser usados também como porretes (CORNISH; SAUNDERS, 2014). Apesar da Primeira Guerra ter sido a guerra mais tecnológica até então, com armas automáticas e semiautomáticas, o combate corpo a corpo em muitas situações ocorria por causa, principalmente, das trincheiras, uma das diferentes variedades do ambiente terrestre em guerra (JOHNSON, 2018). Os novos armamentos trouxeram um aumento na capacidade de fogo, impactando diretamente na condução da guerra ao tornarem estas muito mais imóveis. Enquanto um está atirando de um lado, o outro está atirando do outro. É muito perigoso se expor ao fogo inimigo, por isso todos se escondem em trincheiras. As guerras de trincheiras consistiram de ataques de baionetas, luta de atrito, cercos e ofensivas para tentar expulsar o oponente de uma trincheira com o objetivo de ocupar um pequeno território. A conquista do território só pode ser feita a partir da permanência e capacidade das forças terrestres de assegurar um terreno. Você pode fazer um bloqueio em volta de um território, pode bombardeá-lo e destruir um determinado território, mas se você quer dominar esse território, se você quer o território pra você, se você quer tirar os recursos que tem ali, você precisa de tropas em solo, você precisa de “boots on the ground” (JORDAN, 2016). O quadro Den Namenlosen retrata uma “cena característica” de filmes sobre Primeira Guerra em que os soldados tentam avançar para conquistar outra trincheira, outro território. Uma vez que consigam sobreviver ao fogo de um inimigo escondido, atrás de uma terra “opaca” e em que os armamentos de causar efeito muito grande, mas que têm uma mobilidade muito mais limitada, como é o caso dos armamentos de artilharia, se deparam frente a frente com seu oponente, entrando em combate corpo a corpo. Isso tem mudado no presente, na medida em que os drones se tornam mais difundidos e baratos. Mas por hora, ainda podemos dizer que nem a aviação e nem a marinha seguram território (JORDAN, 2016). Para aumentar suas chances de sobreviver em uma zona de combate, é essencial possuir disciplina militar. No entanto, durante a Primeira Guerra Mundial, notou-se não apenas um aumento significativo na potência de fogo, mas também uma falta de compreensão das novas tecnologias e inadequação no treinamento para a maior parte dos conscritos, que eram convocados em recrutamentos marcados pelo ideal de defender a pátria do inimigo, mas ao chegar em campo a situação é completamente diferente. Como seria possível evitar uma matança generalizada sem oferecer um treinamento eficaz e quando se carece de equipamentos adequados e resistentes para proteger o corpo? Um simples capacete ou uniforme não era o suficiente. Também é dado que muitas vezes houve problemas de oferta de equipamentos de proteção corporal, enquanto munições eram muitas vezes desperdiçadas (CORNISH; SAUNDERS, 2014). Em diferentes momentos os soldados eram surpreendidos no meio do campo de batalha. Uma cena do filme Im Westen nichts Neues (2022) de Edward Berger, retrata bem esta situação quando veículos blindados são utilizados pela primeira vez, assim como lança chamas para queimar possíveis sobreviventes, não poupando aqueles que já não tinham a mínima condição de representar qualquer ameaça. Vemos que quando algo desconhecido aparece, como quando novos aparatos de poder de fogo são utilizados em campo, além de serem projetados para causar mais dano no inimigo, também têm um grande poder desnorteador. Sejam os elefantes de guerra de Aníbal de 2000 anos atrás durante as Guerras Púnicas, ou o uso dos primeiros tanques de guerra na Primeira Guerra Mundial, que além de causarem mais dano, causaram mais medo e confusão. Nesse sentido, o aumento significativo no poder de fogo, ao mesmo tempo em que possibilita a eliminação mais rápida e eficaz do inimigo, está intrinsecamente relacionado à diversidade de armamentos. Essa variedade de armas está direcionada para a finalidade eficiente de neutralizar seres humanos, muitas vezes através da perfuração de pontos vitais no corpo. No entanto, dependendo do alvo a ser neutralizado ou do objetivo de destruição, pode ser necessário não apenas perfurar, mas também esmagar, explodir, queimar ou asfixiar. Várias armas nessa guerra foram testadas, contra humanos, contra “aqueles sem nome” (JORDAN, 2016). Além das trágicas perdas de soldados em combate, é importante destacar que cerca de 6 milhões de civis perderam suas vidas como resultado direto dos conflitos, e aproximadamente 20 milhões de homens sofreram ferimentos graves. As cicatrizes das guerras deixam rastros não apenas no ambiente terrestre, mas também nos corpos, nas mentes, nas famílias, nas pessoas direta ou indiretamente envolvidas. Mesmo anos após o conflito, essas marcas persistem. Muitos dos conhecimentos que possuímos sobre as condições dos campos de batalha na Primeira Guerra Mundial derivam de fontes como livros, artigos, filmes e obras artísticas. E dessa forma é crucial sempre lembrar que na guerra, os corpos humanos são colocados em perigo, eles desempenham um papel central e além de “apenas corpos indo em direção à batalha” há indivíduos com histórias e experiências únicas, que são utilizados por aqueles que não estão com armas com poder de fogo altamente destrutivo apontadas para a cabeça e serão os que mais vão desfrutar de uma possível vitória em terra. Por fim, acredito que uma compreensão abrangente dos conflitos armados e das obras produzidas a partir dela, é fundamental não apenas analisar os aspectos físicos, mas também investigar os aspectos psicológicos. Qual mensagem aquele sujeito quer passar? O que ele vivenciou? Sua impressão sobre aquele momento mudou? Uma abordagem que busque compreender o antes, o durante e o depois da guerra. Além de insights para a prevenção de conflitos futuros, pode nos ajudar no apoio às vítimas de traumas físicos e psicológicos dos conflitos armados. REFERÊNCIAS CORNISH, Paul; SAUNDERS, Nicholas. Bodies in Conflict. Corporeality, Materiality and Transformation. Londres/Nova Iorque: Routledge, 2014. JORDAN, David et al. Understanding modern warfare. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. JOHNSON, David. An overview of land warfare. Washington, DC: The Heritage Foundation, 2018. https://www.heritage.org/sites/default/files/2017-09/2018_IndexOfUSMilitaryStrength_JOHNSON.pdf
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