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Estudio_de_las_representaciones_de_Nefer

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IV
2017
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Semna ς Estudos de Egiptologia IV 
 
Antonio Brancaglion Junior 
Gisela Chapot 
organizadores 
 
 
 
 
Seshat- Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional e Editora Klínē 
2017 
Rio de Janeiro/Brasil
 
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-
CompartilhaIgual 4.0 Internacional. 
 
 
 
 
 
Capa: Antonio Brancaglion Jr. 
 
Diagramação e revisão: Gisela Chapot 
 
 
 
 
Catalogação na Publicação (CIP) 
Ficha Catalográfica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Museu Nacional 
Programa de Pós-graduação em Arqueologia 
Seshat ς Laboratório de Egiptologia 
 
Quinta da Boa Vista, s/n, São Cristóvão 
Rio de Janeiro, RJ ς CEP 20940-040 
 
 
Editora Klínē 
 
 
B816s BRANCAGLION Jr., Antonio. 
 Semna ς Estudos de Egiptologia IV/ Antonio Brancaglion Jr., 
Gisela Chapot (orgs.). ς Rio de Janeiro: Editora Klínē, 2017. 
307f. 
 
 Bibliografia. 
 ISBN 978-85-66714-08-1 
 
 
 
 1. Egito antigo 2. Arqueologia 3. História 4. Coleção 
 I. Título. 
 
CDD 932 
CDU 94(32)
 
 
 
mailto:http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
mailto:http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
Sumário 
EQUIPE ORGANIZADORA DA IV SEMNA ................................................................................... 5 
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 6 
HERMES TRISMEGISTO E OS CAMINHOS DO PENSAMENTO ............................................. 8 
D. PEDRO II E A EGIPTOLOGIA .................................................................................................. 23 
UMA RELEITURA DAS RELAÇÕES ENTRE COMUNIDADE E PATRIMÔNIO NA 
NECRÓPOLE DOS NOBRES EM TEBAS ..................................................................................... 36 
PATRONES ESPACIALES EN LA RESOLUCIÓN DE PALIMPSESTOS EN EL OESTE 
TEBANO, EGIPTO ........................................................................................................................... 50 
ISIS, O TRONO DO EGITO: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DA DEUSA E DO PODER 
RÉGIO NO EGITO DO REINO NOVO........................................................................................... 60 
UM ESTUDO DAS CENAS RITUAIS ENVOLVENDO A RAINHA NEFERTÍTI .................... 67 
HISTÓRIA, IMAGEM E PODER SOCIAL: UMA ANÁLISE DAS IMAGENS DO EGITO 
ANTIGO NOS LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS ................................................................. 77 
RELAÇÕES PERIGOSAS: ETIQUETA, EXTORSÃO E DEBATE INTER-RELIGIOSO EM 
DOIS (DES)ENCONTROS ENTRE O PAPA JOÃO DE SAMANNÛD E O EMIR ABD AL-
AZIZ ( 8 -686 D.C.) ..................................................................................................................... 87 
LA UNIÓN DEL bA Y EL CADÁVER EN LOS TEXTOS DE LOS SARCÓFAGOS. UN 
ANTECEDENTE DE LA SEXTA HORA DEL LIBRO DEL AMDUAT .................................. 104 
L EXISTENCE OU PAS D UNE « DEMOCRATISATION » OU « DEMOTISATION » DU 
POST MORTEM : L ÉTUDE DES CHAOUABTIS DU NOUVEL EMPIRE .......................... 125 
O CONCEITO MÁGICO 'HEKA' NAS COSMOGONIAS DO EGITO FARAÔNICO ........ 141 
FÓRMULAS MÁGICAS EGÍPCIAS E AMEAÇAS AOS DEUSES: POSSIBILIDADES DE 
ANÁLISE E DISCUSSÃO .............................................................................................................. 148 
O CULTO À DEUSA ÍSIS E O EMARANHAMENTO CULTURAL ENTRE O EGITO ANTIGO 
E O IMPÉRIO ROMANO .............................................................................................................. 157 
OS MESTRES DO DESERTO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FILOSOFIA 
EGÍPCIA .......................................................................................................................................... 170 
GÊNERO SAPIENCIAL EM DIÁLOGO: UMA LEITURA BAKHTINIANA DE PROVÉRBIOS 
22:17–24:22 E ENSINAMENTOS DE AMENEMOPE ........................................................... 185 
GUIA DOS VIVOS NO ESPAÇO DOS MORTOS: O LIVRO PARA SAIR À LUZ DO DIA E 
UMA PROPOSTA DE CARTOGRAFIA DO ALÉM EGÍPCIO ................................................ 199 
ESTUDIO DE LAS REPRESENTACIONES DE NEFERHOTEP EN LAS PAREDES NORTE 
Y SUR DE LA TT49 A TRAVÉS DE LA MORFOMETRÍA GEOMÉTRICA ......................... 215 
A HETEROGIPCIA ENQUANTO O OUTRO EGÍPCIO NA FILOSOFIA .............................. 230 
LA SOLARIZACIÓN DE LA REALEZA Y SU CORRELATO MATERIAL ............................ 241 
A INFLUÊNCIA EGÍPCIA DOS PAPIROS GREGOS MÁGICOS: VOCES MAGICAE ......... 255 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO HINO CANIBAL .............................................. 261 
IMAGINÁRIOS E REPRESENTAÇÕES DO EGITO FARAÔNICO NUMA HISTÓRIA EM 
QUADRINHOS DO BATMAN ..................................................................................................... 270 
AS CONVENÇÕES DO DISCURSO IMAGÉTICO NA SALVAÇÃO DO MORTO: A PESAGEM 
DA ALMA NO CAIXÃO DE PESTJEF ........................................................................................ 289 
OS AMULETOS FUNERÁRIOS DO EGITO ANTIGO NO ACERVO DO MAE-USP .......... 298 
 
 
 
EQUIPE ORGANIZADORA DA IV SEMNA 
 
 
Antonio Brancaglion Jr. ς coordenador geral 
 
Cintia Gama-Rolland 
 
Gisela Chapot 
 
Letícia Gomes 
 
Pedro von Seehausen 
 
Raízza Santos 
 
 
 
 
 
6 
APRESENTAÇÃO 
 
 Em 2017, a Semana de Egiptologia do Museu Nacional completa 5 anos. A SEMNA 
consagrou-se na atualidade como maior evento de egiptologia da América Latina, congregando 
estudiosos do Egito antigo de todo o Brasil, e de outros países, principalmente nossos colegas 
argentinos e franceses. Nesses 5 anos, também temos contado com a colaraboração de colegas 
da Inglaterra, Itália e Espanha. A perspectiva é aumentar o escopo de colaborações, o que faz 
com que a SEMNA contribua em grande medida para a inserção de egiptólogos brasileiros no 
cenário internacional. 
 Esta publicação continua a expressar o panorama de crescimento dos estudos brasileiros 
em Egiptologia, assim como reflete a criação, cada vez mais enfática, de uma comunidade latino-
americana de Egiptologia. 
 Esperamos que estes trabalhos contribuam para a disseminação da Egiptologia entre nós, 
mas, sobretudo, estimule o surgimento de novas pesquisas no Brasil e no mundo. 
 
 
Rio de Janeiro, novembro de 2017. 
 
 Antonio Brancaglion Jr. 
Gisela Chapot 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Estudos de Egiptologia 
 
 
 
 
 
 
8 
HERMES TRISMEGISTO E OS CAMINHOS DO PENSAMENTO 
 
Miguel Attie Filho 
Universidade de São Paulo 
 Departamento de Letras Orientais 
 
 
Resumo: O presente artigo versa sobre elementos da formação do pensamento atribuído a Hermes Trismegisto, a 
partir das inúmeras combinações que foram realizadas sob seu nome. O argumento se desenvolve a partir de 
referências geográficas, históricas e gnosiológicas, discutindo o perfil dos escritos atribuídos a Hermes frente à 
filosofia. O tema predominante apresenta aspectos da formação do Cosmos, o lugar do divino e do humano e o 
papel da inteligência nos tipos de pensamento mítico e especulativo. 
 
 
Resumé : Le présent article traite des éléments de la formation de la pensée attribuée à Hermes Trismegisto, à partir 
des nombreuses combinaisons qui ont été faites sous son nom. L'argument est développé à partir de références 
géographiques, historiques et gnoséologiques, en discutant le profil des écrits attribués à Hermes par rapport à la 
philosophie. Le thème prédominant présente des aspects de la formation du Cosmos, le lieu du divin et de l'humain, 
et le rôle de l'intelligence dans les types de pensée mythique et spéculative. 
 
“Assim, é como se nossa alma tivesse duas faces: uma face voltada para o 
corpo e uma face voltada para os princípiossupremos. Do lado de cima 
nascem as ciências e do lado de baixo nasce a moral. São assim as almas. 
Distintas por meio do que lhes é próprio e que está nelas, quer haja os corpos 
quer não haja os corpos, quer conheçamos tais estados quer não os conheçamos, 
ou quer conheçamos apenas alguns deles”. 
 
Avicena, Livro da alma, século XI e.c. 
 
Muito boa tarde a todos. 
 Professor Antonio Brancaglion Junior, Diretor do Laboratório de Egiptologia e Curador 
da Coleção Egípcia do Museu Nacional, pesquisador do Institut īrançais dχArchéologie 
Orientale do Cairo, membro do International Committee for Egyptology e do International 
Council of Museums. Estimado Professor, cujo trabalho e intensa dedicação, dentro e fora do 
país, elevam a academia brasileira e o Brasil, porquanto é satisfação minha, pessoal, agradecer o 
convite e registrar o reconhecimento de muitos pelo que tem plantado ao longo de sua vida 
acadêmica, e espero que seus alunos o sigam, seja no rigor e na qualidade da pesquisa, seja na 
seriedade e na justa postura ética, aspectos de sua altivez interior. Prezados Professores, 
Pesquisadores, Alunos, Senhoras e Senhores, agradeço, pois, o convite que me fora feito para 
estar hoje aqui, nesta tarde, junto com vocês. 
 Minha manifestação cujo título é Hermes Trismegisto e os caminhos do pensamento está prevista 
para sessenta minutos, ordena-se sob três aspectos ς geográfico, histórico e gnosiológico ς, é de 
abordagem panorâmica e, de certo modo, introdutória. 
9 
 Ousando esticar-se em vasta geografia, espremer-se em exíguo tempo e mover-se em 
plurais câmaras gnosiológicas, não pretende ser obra de arqueólogo nem pura datação de 
historiador, tampouco fólio tradutório de linguista, nem visitação mística nem revelação 
teológica, mas, sim, pura filosofia. Melhor, pensei-a como fruto de um livre pensar que, 
tendendo a se valer de um ilustrado conjunto de estudos de áreas tão específicas, se coloca a 
serviço de aproximar esses diferentes saberes, distinguindo-os sem os recortar, costurando-os 
por meio de suas intrínsecas naturezas. 
 Em que medida, afinal, podem ser articuladas as várias áreas do saber que se debruçam 
sobre o aparentemente inesgotável universo de Hermes? Egito, Grécia, Pérsia, Roma, Bizâncio, 
ciências árabes, várias línguas, alquimia, esoterismo, filosofia, religião, ocultismo e outras ainda. 
Todas parecendo se dirigir a um mundo de outras ciências, um tipo de transmundo, inefável. 
Como ordenar, pois, suas polifacéticas visões? Não pretendo tanto, mas prefiro escolher uma 
tríade, de caráter metodológico, que, no mínimo, possa auxiliar a ordenação de tantas questões, 
ainda que, no fundo, deseje sempre penetrar no supostamente impenetrável mundo de Hermes, 
para compreender, nos limites do intelecto, o que de humano nos é, por vezes, concedido saber. 
O primeiro item da tríade é geográfico e procura circunscrever o espaço das ocorrências de 
Hermes, o segundo é histórico e recolhe alguns de seus eventos e, por fim, o terceiro é noético, 
buscando tangenciar o mínimo do pensamento que disso decorreu a partir de um certo grupo de 
registros, reais marcas do pensamento dos humanos sobre a Terra. Sigo, assim, por uma tríade 
que denomino pensamento-espaço-tempo, como se fosse esta um indício da natureza profunda 
daquilo que, costumeiramente, chamamos realidade. Meu propósito, assim, é modesto: não vai 
além de identificar aspectos fundantes do caráter geográfico, histórico e gnosiológico sobre 
Hermes, o Trismegisto. 
 Em tal curta jornada, desde pronto, pelo intrínseco caráter prolegomênico de minha 
intervenção, escuso-me de minhas omissões, da tateante inabilidade em setores específicos, 
desejando, outrossim, contar com a generosidade acadêmica de tantos aqui presentes, sabedores 
em grau maior, de cada aspecto particular, daquilo que eu próprio me arrisco a considerar. Esta 
é, pois, meramente a fala de um filósofo que, voltando seus olhos para os caminhos de Hermes 
nada ensina, mas conta o que disso tem aprendido. E assim, navegando nas areias infindas 
daquilo que ignora, segue minha alma, viajante no tecido perene do pensamento-espaço-tempo 
em companhia de tantas outras, a procurar o mínimo da luz do entendimento. E, assim, feitas 
tais preliminares considerações, passemos ao assunto que aqui nos traz: Hermes Trismegisto e os 
caminhos do pensamento. 
10 
 Qualquer abordagem que pretenda tecer relações entre filosofia e os caminhos de 
Hermes, considerando a frequente separação entre os saberes, tão comum à Modernidade, 
deveria se perguntar de início: qual é o tratamento que livros de filosofia dão a Hermes 
Trismegisto e ao seu mais conhecido resultado escrito, o Corpus hermeticum? Para obter essa 
resposta, basta uma rápida consulta em manuais, dicionários e histórias da filosofia para atestar 
que eles são, frequentemente, lacunares ou, no mínimo, econômicos a esse respeito. Entre outros 
fatores, isso pode ser explicado pelo fato de que, no desdobramento da filosofia, os escritos de 
Platão e Aristóteles são, geralmente, tomados como fontes primeiras de escolas filosóficas 
seguintes, posteriores e contemporâneas aos escritos atribuídos a Hermes. Essas escolas, por sua 
vez, como que se valendo de parte das ideias contidas nos primeiros filósofos, geraram o que se 
costumou denominar nesses manuais de platonismo ou aristotelismo cujos filósofos que lhes 
inspiraram, isto é, Platão e Aristóteles, dificilmente se integrariam completamente nessas 
correntes que levam seus nomes. Assim, leituras posteriores ς tal como o denominado, 
neoplatonismo, peripatetismo, neopitagorismo e outros ς seriam sincretismos que, também partindo de 
escritos de Platão e de Aristóteles, teriam recombinado livremente suas teses primárias. Se, para 
tais correntes filosóficas, esse sincretismo lhes é constituinte, no caso dos Corpus hermeticum e de 
outros escritos atribuídos a Hermes, tal perfil sincrético é intensificado, sendo dado, assim, em 
segundo grau, um tipo de mescla das escolas de segunda instância e, por isso, mais distante das 
fontes originais. Mas para focalizarmos primeiramente as bases que dizem respeito à formação 
do que viria a ser Hermes Trismegisto, tomemos de antemão um dado básico, tal como é 
referido em um tradicional Dicionário de īilósofos, o do τCentro de Īstudos īilosóficos de 
Gallarateυ. Īm seu verbete sobre Hermes, recolhe-se: 
 
Hermes, entre os gregos, é um deus estreitamente ligado à palavra, pai da palavra e, como tal, 
intérprete e mensageiro de Zeus; para os estoicos é a palavra personificada, também para os 
gnósticos Hermes é o logos. Quando, na época helenista, os gregos compararam seus deuses com 
os egípcios, foram surpreendidos pela analogia que se dava entre Hermes e o egípcio Thot, deus das 
letras, da medida e dos números (...) e como os egípcios chamavam seus deuses de grandes, Hermes 
identificado com Thot foi denominado , três vezes grande. Hermes foi considerado 
uma pessoa humana, mantendo seu título e sua elevada missão de revelador da verdade e, portanto, 
de mediador entre Deus e os homens. (...) A Hermes Trismegistos foram atribuídos numerosos 
tratados de indubitável procedência alexandrina, que pertencem aos séculos II-III d.C. Escritos 
quando o pensamento filosófico em decadência buscava sua revalorização em uma suposta origem 
divina, esses escritos refletem o clima sincretista dos pequenos círculos filosóficos da tardia cultura. 
(...) A doutrina filosófica exposta nos escritos herméticos (hermetismo) é uma mescla de ideias 
psicológicas órfico-platônicas-pitagóricas, de cosmologia estoica, de física aristotélica e de 
elementos astrais caldaicos. (GALLARATE, 1986: 608) 
 
Em referência à identificação e, mesmo, à assimilação de Hermes à Thot ς fenômeno 
comum nos tipos de pensamento mágico, iniciático, cifrado e mítico ς, há uma área mais ou 
11 
menos móvel de atributos ao redor de um núcleo estável cuja principal característicaé a conexão 
entre o deus ς ou o homem-deus ς e o humano e cujo intuito é ensinar as artes, as ciências, a 
escrita etc. Grande parte dos mitos de inúmeras culturas tem alguma narrativa desse tipo. Para 
ilustrar esse caráter mítico da chegada do conhecimento aos humanos, há uma passagem 
providencial, visto que reúne Hermes, Thot e os inícios da filosofia. Trata-se da conhecida 
menção de Platão a uma suposta narrativa de Sócrates a respeito de Thot. 
 
Bem, ouvi dizer que na região de Náucratis, no Egito, houve um dos velhos deuses daquele país, 
um deus a que também é consagrada a ave chamada Íbis. Quanto ao deus, porém, chamava-se 
Thot. Foi ele quem inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas e 
os dados, e também a escrita. Naquele tempo, governava todo o Egito Tamuz, que residia ao sul do 
país, na grande cidade que os egípcios chamam Tebas do Egito, e a esse deus davam o nome de 
Amon. Thot foi ter com ele e mostrou-lhe as suas artes, dizendo que elas deviam ser ensinadas aos 
egípcios. Mas o outro quis saber a utilidade de cada uma, e enquanto o inventor explicava, ele 
censurava ou elogiava, conforme essas artes lhe pareciam boas ou más. Dizem que Tamuz fez a 
Thot diversas exposições sobre cada arte, condenação ou louvores cuja menção seria por demais 
extensa. Quando chegaram à escrita, disse Thot: τĪssa arte, caro rei, tornará os egípcios mais sábios 
e lhe fortalecerá a memória; portanto, com a escrita, inventei um grande auxiliar para a memória e a 
sabedoriaυ; responde Tamuz: τGrande artista Thot! Não é a mesma coisa inventar uma arte e julgar 
da utilização ou do prejuízo que advirá aos que a exercerem. Tu, como pai da escrita, esperas dela 
com o teu entusiasmo, precisamente o contrário do que ela pode fazer. Tal coisa tornará os homens 
esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória; confiando apenas nos livros escritos, só se 
lembrando de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Logo, tu não 
inventaste um auxiliar para a memória, mas apenas para a recordação. Transmites aos teus alunos 
uma aparência de sabedoria, e não a verdade, pois eles recebem muitas informações sem instrução e 
se consideram homens de grande saber embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos. Em 
consequência, serão desagradáveis companheiros, tornar-se-ão sábios imaginários ao invés de 
verdadeiros sábios. 
Fedro: com que facilidade, Sócrates, inventas histórias egípcias assim como de outras terras, quando 
isso te apraz. (PLATÃO, s/d:178, 274C) 
 
O resultado da fusão de Hermes com Thot, em terras do Egito, gerou um conjunto de 
textos reunidos posteriormente. O Corpus Hermeticum, em sua totalidade, não entrou diretamente 
naquele fluxo de textos traduzidos para o árabe a partir do século VIII e.c., e principalmente no 
século IX na Casa da Sabedoria (Bait al-hikma), embora por outros caminhos e por outros textos, 
Hermes tenha chegado aos persas e, depois, aos árabes. Na Europa, o Corpus exerceu 
considerável influência durante todo o Renascimento. O que se costumou denominar 
Neoplatonismo Renascentista fundiu-se, muitas vezes, aos ensinamentos do Corpus Hermeticum, 
nos quais Marcílio Ficcino (1433 ς 1499) cumpriu papel central, já que foi decisivo para a 
elaboração da tradução ao latim e para seus desdobramentos a partir do século XV. Impressa a 
tradução pela primeira vez em 1471, apresentou-se com o título Mercurii trimegisti liber de potestate et 
sapientia Dei. Seu conteúdo esteve associado, geralmente, aos Oráculos caldaicos e aos Orphica, sendo 
considerados todos como um corpo único de doutrinas esotéricas conhecidas como Prisca 
Theologia. Se, pelo lado da ciência nascente na Europa, muitas ideias sobre a harmonia do 
12 
Universo desenvolvidas por Bruno, Campanella e Copérnico puderam ser reconduzidas a tais 
fontes de Hermes, por outro lado, muitas sociedades iniciáticas surgidas no século XVII na 
Europa das Luzes atribuíam a si a herança de uma suposta verdadeira sabedoria dos antigos 
(herméticos, órficos, caldeus, egípcios), intensificando um sem número de especulações ligadas 
aos campos do esoterismo, ocultismo, alquimia e magia. Do ponto de vista do pensamento, são 
vários, portanto, os caminhos de Hermes. 
 Inúmeros são, também, os espaços geográficos da incidência das ideias a ele atribuídas. 
Nesses espaços inclui-se, primeiramente, o Egito, sobretudo Alexandria, mas também Pérsia, 
Grécia, Síria, Harran, Mesopotâmia, em especial Bagdá, e Europa, inicialmente Itália, 
espalhando-se posteriormente por todo o continente. A cronologia que podemos estabelecer é 
oscilante, iniciando-se no Egito ptolomaico retrocedendo às origens egípcias de Thot, passando 
aos persas, aos sírios, aos árabes, tornando-se um, dois e até três Hermes, um antediluviano, 
outro babilônico e outro egípcio. A rota de transmissão nem sempre é visível, ora deixando, ora 
apagando seus vestígios, levando a inferências a partir de textos e fontes do Thot egípcio, de sua 
assimilação ao Hermes grego, da reunião dos textos transformada em um Corpus Hermeticum, 
acrescido de textos árabes e persas independentes, dos manuscritos de Nag Hammadi e de 
muitas outras vias. As línguas de Hermes também são plurais, pois, além dos textos egípcios 
sobre Thot, se considerarmos o Corpus, passamos também ao grego, e depois disso há fontes em 
persa, siríaco, árabe e latim até chegar às línguas modernas. 
 Nesse vasto universo de Hermes, a tríade geografia-história-pensamento, por sua ampla 
variedade, faz de sua historiografia um imenso arsenal documental. Há muitos estudos e 
estudiosos que já fizeram um levantamento dessa extensa documentação a respeito de muitos 
dos tópicos mencionados, cabendo a mim, ao menos, relembrar alguns deles. No que tange às 
conexões primevas entre Thot e Hermes, a partir das fontes do Egito antigo, destaco a obra de 
Garth Fowden The egyptian Hermes do ano de 1986. Quanto ao início do sincretismo Thot-
Hermes, a partir do período helênico, a obra de André-Jean Festugière dominou o cenário na 
década de 1940 em diante, fixando o texto grego e apresentando uma tradução para o francês do 
Corpus hermeticum, somando-se a isso uma longa reflexão crítica apresentada em seu La révélation 
d’Hermès Trismégiste. Houve, também, uma tradução inglesa de Brian Copenhaver em 1992. No 
que se refere ao Hermes Árabe, têm destaque o Apêndice III Inventaire de la littérature hermétique 
arabe feito por Louis Massignon, o qual se encontra como um anexo à obra de Festugière; o 
recenseamento de Georges Anawati em L’histoire des sciences arabes; os textos árabes sobre o Egito 
antigo de Okasha El Daly em Egyptology the missing millenium; os estudos de Plessner sobre a 
relação entre Hermes e as ciências árabes; e o estudo de Kevin Van Bladel, The arabic Hermes, 
13 
sobre o perfil documental de Hermes entre os árabes. Assim, encontramos, hoje em dia, um 
igualmente vasto e valioso conjunto de estudos a refletir a grandiosidade das fontes de Hermes 
Trismegisto, seja em sua extensão espacial-geográfica, temporal-histórica ou gnosio-
epistemológica. 
 Do ponto de vista epistemológico, procuro passagens que relacionam pontos de contato 
entre a filosofia e o Corpus, mais precisamente, e dirijo-me aos seguintes: a constituição do 
Cosmos e o lugar da inteligência, do divino e do humano nesse cenário. As relações entre 
Hermes e a filosofia passam, certamente, pelo lugar que ocupa o universal do intelecto frente à 
imaginação e suas particulares manifestações. O axioma do pensamento especulativo, isto é, o 
que torna a filosofia possível, é o conhecimento pelo intelecto, e a constituição e natureza do 
Cosmos foi, de certo modo, a ocupação dos primeiros filósofos. Há inúmeras passagens no 
Corpus que se referem a essa condição inalienável da aquisição do conhecimento pela mediação 
do intelecto e sua relação com a formação e natureza do Cosmos. Por exemplo, no Tratado X ςA Chave ς, lemos a seguinte passagem: 
 
E tal é o governo do todo, governo dependente da natureza do um e que penetra tudo pelo meio 
único do intelecto ( - nous). Não há nada mais divino e mais ativo que o intelecto, nada mais 
apto a unir os homens aos deuses e os deuses aos homens. O intelecto é o Βom Daimon. ( ὓ Ò 
ἐ ὁ ¢ α Õ α ω /οutos estin o agatos daimon) Feliz a alma que está plena desse intelecto, 
infortunada aquele que dele está vazia. (FESTUGIÈRE, 1960: 124s.) 
 
Mas, o que seria propriamente esse intelecto ou essa inteligência tal como aparece nos escritos 
do Corpus? Seria humana, divina ou o próprio Deus? Na abertura do mesmo Corpus há uma 
menção mais direta ao modo pelo qual Hermes adquiriu o conhecimento das ciências e das artes 
para transmiti-los aos humanos e, por meio dessa passagem, podemos obter algumas respostas 
das relações do Corpus com a filosofia. O Tratado I denomina-se Poimandres ς Π £ , cuja 
etimologia mais conservadora segue por /poimen/pastor/पाति/pâti (indo-europeu) e 
α » /aner/homem; e outra especula uma via por peime-nte-re, o conhecimento de Rê. De todo 
modo, Poimandres é um tipo de existente intermediário que fala com Hermes ς embora o nome 
Hermes não apareça no texto, mas é suposto por Copenhaver ς, fazendo a conexão entre o 
mundo humano e o mundo divino. Vejamos como se dá, na tradução de Festugière, o encontro 
de Hermes com Poimandres, o papel da inteligência, do divino e a constituição do Cosmos: 
 
Um dia, quando eu [Hermes] comecei a refletir (réflechir/ἐ α ) sobre os seres e meu 
pensamento (pensée/ α α ) começou a planar nas alturas ς enquanto meus sentidos corporais 
haviam se acalmado, tal como acontece com aqueles que entram em um sono profundo por 
excesso de comida ou por causa de uma grande fadiga no corpo ς, então, apresentou-se a mim 
um ser de um tamanho imenso, além de toda medida possível, que, chamando-me pelo nome, 
14 
disse: τo que tu queres ver e ouvir e, pelo pensamento (pensée/ » α ), aprender e conhecer?υ 
Īntão, eu disse: τMas tu, quem és tu?υ; τĪu?υ, disse ele, τĪu sou Poimandres, o Nous ( )da 
Soberaneidade absoluta (αÙ α ), eu sei o que tu queres e eu estou contigo em tudoυ. Ī eu 
disse: τĪu quero ser instruído sobre os seres, compreender a natureza deles, conhecer Deusυ. 
τOh!υ, eu disse, τcomo eu desejo escutar.υ Ī ele, por sua vez, me respondeu: τGuarda bem em 
teu intelecto tudo isso que tu queres aprender e eu te instruireiυ. (FESTUGIÈRE, 1960:7) 
 
Os termos presentes na tradução de Festugière incluem réflechir/ἐ α /ennoías, 
pensée/ α α /dianoías ou » α /noésas e intellect/ /nous, variando sobre o texto grego que 
privilegia o campo semântico ao redor de um termo único que os origina: nous / . Na 
resposta dada por Poimandres a Hermes, por alguma razão, Festugière não traduziu o termo 
nous, mas o transliterou, como se vê no seguinte trecho: τ φMas tu, quem és tu?χ; φEu?χ, disse ele, 
φEu sou Poimandres, o Nous da Soberaneidade absolutaχ.υ No texto grego, onde se lê ἰ ἰ ὁ 
Π £ , ὁ Á αÙ α à , o sentido de αÙ α /autentias pode ser bem compreendido 
como τaquele que é por si, que age por si mesmoυ, derivando, portanto, em poder absoluto ou 
autossuficiência. Assim, se optarmos por não transliterar o termo /nous, a resposta de 
Poimandres a Hermes, poderia ser assim compreendida: τEu sou Poimandres, a inteligência 
daquilo que éυ. Tal passagem, na tradução latina Mercurii Trimegisti Liber de potestate et sapientia Dei 
de Ficcino ς Greco in latinum traductus a Marcilio Ficcino Florentino ad comum medicem 
patrie patrem ς, encontra-se no Tratado I denominado τPimanderυ e assim pode ser lida: τ φTum 
ego quinam es inquam?χ φSum inquit ille Pimander, mens divine potentieχυ (τ φĪ tu, quem és tu?χ; 
φSou Poimandres, a mente do poder divinoχ υ). 
 Variadas compreensões dessas passagens, portanto, a respeito do que seria efetivamente 
a inteligência/ /nous na citada passagem levam a concepções diversas sobre sua natureza e 
seu lugar epistemológico no que se refere ao mundo divino e ao mundo humano. Ou seja, qual 
seria a relação estabelecida entre o divino, a inteligência, o Cosmos e o humano? No Tratado II ς 
Discurso Universal de Hermes a Tat ς, Hermes faz, ainda, outra afirmação: τDeus não é a 
inteligência, mas é ele a causa para que ela exista/ὁ à Õ Ù Ù ἐ , à < à > α υ. 
(FESTUGIÈRE, 1960: 37.) A partir disso, duas certezas, ao menos, emergem: a primeira é a de que 
a inteligência não seria o próprio divino, mas este estaria além da inteligência e dela seria a causa; 
a segunda é que a inteligência aparece para Hermes particularizada, imagética, personificada na 
figura de Poimandres. 
 Após essa abertura, o Tratado I segue, e Poimandres, depois de se apresentar 
subitamente a Hermes como um gênio gigantesco, muda completamente de aspecto e Hermes é 
colocado como que diante da gênese da criação do universo, como um espectador do começo 
dos tempos. Os espaços se abrem, de alto a baixo ao mesmo tempo em que a luz se expande, a 
escuridão dirige-se para baixo, enrolando-se tal como uma serpente sombria. Surgem vapores, 
15 
umidade, água, terra, fogo e ar, formam-se as esferas celestes, na Terra formam-se vegetais, 
animais irracionais e, por fim, o ser humano. Poimandres está próximo a Hermes todo o tempo 
e, reafirmando-se como a inteligência que se manterá próxima aos que são bons, passa a ensinar 
os humanos por meio de Hermes, o caminho de retorno ao divino, por meio de si, isto é, por 
meio da inteligência. 
 Nesse sentido, o Tratado I figura e pretende ser uma cosmogonia, uma cosmologia, uma 
angeologia, tem princípios da física, da filosofia, de epistemologia, de ética e apresenta uma 
escatologia, mostrando-se, assim, como um tipo de programa de vida aos humanos, um plano de 
ação revelado. Por sua natureza imagética, fundadora e cosmogônica, o Corpus possui, em suas 
variadas passagens que reforçam seu mito fundador contido no início, aspectos e traços de perfil 
típico do pensamento mítico. No relato inaugural, no qual a figura de Poimandres domina, tudo 
a Hermes é apresentado por imagens. Sua posição é passiva, não há esforço intelectual 
deliberado para o conhecimento, pois, o que move Hermes é seu puro desejo de conhecer a 
natureza dos seres e do divino. Ao seu desejo surge Poimandres, personificando a 
inteligência/nous figurada em uma imagem de perfil mítico, a desenrolar aos olhos de Hermes os 
segredos da Natureza. Nesse sentido, nos escritos herméticos, isto é, no Corpus, o /nous, que 
na filosofia grega depois Platão já era puro conceito, parece retroceder a um estado anterior, 
transformando-se em uma personagem mítica. Talvez tenha sido essa a razão pela qual 
īestugière tratou os eventos ali narrados como τRevelaçãoυ. Afinal, a transmissão do 
conhecimento é feita da inteligência divina para a imaginação humana. 
 Na maior parte das Histórias da Filosofia, o período de composição do Corpus hermeticum é 
considerado decadente do ponto de vista da razão filosófica. Festugière descreveu-o como um 
tipo de retrocesso da razão, do /logos. Mantendo o ponto de vista dado somente pelo tipo 
de pensamento especulativo, pela filosofia e pelo logos, Festugière chega a propor o título 
τRetrocesso da razãoυ ao estabelecer o momento da composição do Corpus. Por essa única 
perspectiva, ter-se-ia mesmo a sensação de que a abstrata altitude das colinas gregas teria sido 
como que freada pelas areias egípcias do heká. E, se a razão e a filosofia retrocediam, o 
pensamento mágico, cifrado e mítico parecia avançar, engolfando o nous de suas alturas para o 
mundo das imagens. Agora, se observarmos o evento do Corpus do ponto de vista do 
pensamento mágico, teria havido avanço e não retrocesso, pois o mito teria prevalecido ao 
engolfar em suas imagens particulares o conceitual e universal do logos. E a inteligência, o nous, 
que na filosofia já havia adquirido, desde Platão, o estatuto de ser o sem-corpo se teriatornado, 
ela própria, o contrário de si mesma: pura imagem, corpórea. Entretanto, para uma 
contemporânea compreensão dos movimentos do pensamento, talvez, a dual disputa entre o 
16 
mito e a razão possa ser substituída por uma abordagem que considere várias potências e vários 
tipos de pensamento, propondo que o pensamento nem retroceda nem avance, mas, antes, só se 
transforme. Além disso, se considerarmos que o pensamento não é absoluto, mas segue 
invariavelmente atrelado ao seu espaço geográfico e ao seu tempo histórico, então, é por meio de 
suas marcas que a ele podemos ter acesso, melhor, como se por meio dessa tríade indelével, 
constituída por marcas, tivéssemos um fino tecido autorreferente chamado pensamento-espaço-
tempo a manifestar a realidade ou, talvez, ele próprio a ser a única realidade. 
 Assim, se seguimos a via dos tipos de pensamento, podemos considerar que, no período 
helenístico do Egito ς notadamente nos séculos II e III e.c. ς, o pensamento já havia sofrido 
muitas transformações em seus axiomas de funcionamento, seguindo-se um tipo após o outro 
em mais de uma civilização, indo do mágico ao iniciático, deste ao cifrado, deste ao mítico e 
deste ao especulativo. Por milênios, o tipo de pensamento mítico guiou inúmeras culturas e 
civilizações. O passo seguinte, em algumas delas, foi a passagem para o pensamento especulativo, 
sempre saído do mítico, até consolidar-se como exercício conceitual puro, sem imagens. Não foi 
só na tradição de língua grega que isso se deu com os fisiologoi ς como bem atestou Jean Pierre 
Vernant ς, mas também, ao menos, na Índia, se seguirmos do Canto da criação no Rig Veda aos 
conceitos de Atman e Brahman tal como aparecem nos Upanishads; na China, se passarmos, por 
exemplo, do mito de Pan-Gu às reflexões metafísicas sobre o Tao por Lao-Dzi ou sobre a ética 
por Kun-fu-tsé; no Egito, se adentrarmos as reflexões contidas nos Textos dos Sarcófagos, na 
Pedra de Shabaka ou no Papiro Brehmner-Rhind, ao menos. 
 Tais passagens do mito à razão situam-se em uma longa cronologia na qual se 
encontram, também, os gregos, cuja passagem é a mais documentada e à qual se deu o nome de 
filosofia. No caso de Hermes, esta última, por ora, é a que mais focalizamos, visto ser, a filosofia, 
a fonte mais próxima na composição do Corpus, interessando, sobremaneira, a evolução de seus 
conceitos que envolveram relações entre cosmogonia, o divino, a inteligência e o humano. 
Nessas relações, a noção da inteligência/nous teve papel determinante. De certo modo, talvez 
tenha sido mesmo por conta do nous que o pensamento grego passou definitivamente do mito à 
razão. Diz Platão no diálogo Fédon (97-c /99-d) que Sócrates havia se maravilhado com os 
estudos sobre a natureza, e sua curiosidade ς tal como Hermes ς o levou a perguntar sobre a 
causa da existência dos seres. Contudo, diferentemente de Hermes, Sócrates não foi visitado, 
mas estudava incessantemente as teses dos phisiologoi que entendiam que a causa (aitia) e o 
princípio (arché) da Natureza eram um elemento material ou uma combinação desses elementos: 
ora água ora fogo ora terra ora ar. Descartando as teses de Tales, Empédocles, Heráclito e 
outros, Sócrates dirigiu-se a um livro de Anaxágoras, no qual se afirmava que o princípio do 
17 
Cosmos era o nous, a inteligência, o que lhe pareceu promissor. O fragmento 12, passagem 
emblemática dos primórdios do pensamento especulativo em língua grega, indica o que talvez 
Sócrates tivesse tomado conhecimento. 
 
Todas as outras coisas têm uma porção de tudo, mas a inteligência (nous) é infinita, e autônoma, e 
não se mistura com o que quer que seja, mas existe sozinha, em si. Pois, se não existisse em si, 
mas se estivesse misturada com alguma outra coisa, então, teria uma parte de todas as coisas, se 
com alguma delas se misturasse. (...) É que a inteligência (nous) é a mais sutil e a mais pura de todas 
as coisas, e possui um conhecimento total de tudo, e o maior poder. É a inteligência (nous) que 
domina tudo o que tem vida, quer seja maior ou menor. Foi a inteligência (nous) que também teve 
poder sobre toda rotação, de tal modo que foi ela que no início lhe deu impulso. Primeiramente, 
começou a mover-se a partir de uma pequena área, mas agora se move sobre uma mais vasta e 
sobre uma ainda mais vasta há de se mover. E é a inteligência (nous) que tem conhecimento de todas 
as coisas que se misturam e se separam e se dividem. E tudo o que estava para ser ς o que era, o 
que agora é e o que está para ser ς a tudo a inteligência (nous) colocou em ordem, bem como essa 
rotação que agora executam os astros, o Sol e a Lua, o ar e o éter, que estão separados. E foi essa 
rotação a causa de haverem se separado, e o espesso separou-se do fino, o quente do frio, o 
brilhante do escuro e o seco do úmido. Mas muitas são as partes de muitas coisas, e nenhuma 
coisa se separa ou se distingue de outra por completo, a não ser a inteligência. (KIRK, 1994: 383-
385). 
 
Eis uma resposta que poderia ter satisfeito o desejo de Sócrates; mas não foi assim, pois, 
para ele, o nous tal como descrito por Anaxágoras ainda seria corpóreo. E, assim, Sócrates diz 
que, como ninguém havia dado o passo que levava do material ao imaterial, então ele mesmo, 
por si só, o faria. E o fez, tal como se fosse, do pensamento, uma segunda navegação 
ῦ /deuteron ploun (PLATÃO, Fédon, 99c-99d). Assim, cindindo definitivamente o material do 
imaterial, o corpóreo do incorpóreo, o particular do universal e, enfim, separando a imagem do 
conceito, o pensamento especulativo em língua grega fez sua passagem do filo-mitos ao filo-sofos. A 
partir disso, a saga da filosofia passou a ser a saga dos conceitos, a narrativa dos nomes, as lendas 
das ideias, nas quais o nous foi um dos atores principais. Depois de Platão, Aristóteles, em sua 
Metafísica (Livro Λ/Lambda), chegou a identificar a inteligência/nous ao próprio divino, a 
inteligência suprema, consciente de si, eternamente em seu universo próprio do pensar, 
conforme se observa na seguinte passagem: τPortanto, se a inteligência (nous) é o que há de mais 
excelente, ela pensa a si mesma, e seu pensamento é pensamento de pensamento / α α 
ῖ , ἴ ἐ ά , α ἔ ἡ ή ω υ. (ARISTÓTELES, 2000:706, Λ 
9.1074b). E, desse modo, no pensamento de Aristóteles, a inteligência “pensando a si mesma por 
toda a eternidade/ ὕ ω ᾽ ἔχ α α ῆ ἡ α α αἰῶ α” (Λ 9.1075a) acabou por 
se elevar ao mais alto patamar, tornando-se, ela própria, a excelência da existência, identificada 
com o divino, pensando perpetuamente a si mesma. A partir das relações entre o humano e o 
divino, a inteligência dependeu do lugar, da geografia conceitual, da geometria epistemológica. 
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=deu%2Fteron&la=greek&can=deu%2Fteron0&prior=to%5Cn
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=plou%3Dn&la=greek&can=plou%3Dn0&prior=%5d
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=au%28to%5Cn&la=greek&can=au%28to%5Cn1&prior=no/hsis
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29%2Fra&la=greek&can=a%29%2Fra0&prior=au%28to%5Cn
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=noei%3D&la=greek&can=noei%3D4&prior=a%29/ra
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ei%29%2Fper&la=greek&can=ei%29%2Fper0&prior=noei=
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29sti%5C&la=greek&can=e%29sti%5C0&prior=ei%29/per
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5C&la=greek&can=to%5C20&prior=e%29sti%5C
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kra%2Ftiston&la=greek&can=kra%2Ftiston0&prior=to%5C
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kai%5C&la=greek&can=kai%5C22&prior=kra/tiston
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29%2Fstin&la=greek&can=e%29%2Fstin0&prior=kai%5C
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=h%28&la=greek&can=h%288&prior=e%29/stin
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=no%2Fhsis&la=greek&can=no%2Fhsis3&prior=h%28
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=noh%2Fsews&la=greek&can=noh%2Fsews1&prior=no/hsishttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=no%2Fhsis&la=greek&can=no%2Fhsis4&prior=noh/sews
18 
 Plotino, talvez um dos mais próximos na filosofia das ideias do Corpus hermeticum, alçou o 
uno a um lugar inacessível, além da inteligência, Alexandre de Afrodísia teria identificado a 
inteligência agente com o próprio Deus, Temístio a manteve como uma faculdade da alma; Al-
ī r b , no século X, alçou-a à décima esfera, a da Lua, fazendo dela a fonte da inteligência 
humana e identificando-a com o primordialmente existente (al-mawjud al-awl). Em sua A cidade 
excelente, Al-ī r b apresenta esta emblemática passagem da inteligência identificada com o 
próprio divino: 
Da mesma maneira, para ser inteligência (عقل/φaql) em ato e inteligente em ato, ele [o primordialmente 
existente]] não necessita de [outra] essência exterior que fosse por ele inteligida e adquirida, antes, 
ele [mesmo] é inteligência (φaql) e inteligente em ato ao inteligir sua [própria] essência. Ora, se a 
essência que intelige é aquela [mesma] que é inteligida, então, ele é inteligência (φaql), na medida em 
que é inteligível. Logo, ele é inteligência (عقل/φaql), é inteligido (معقول/ma‘aqūl) e é inteligente (عاقل/āqila). 
Isso tudo é uma única essência, uma única substância, indivisível. (AL-F R B , 2010: 60, Cap.V) 
 
Al-ī r b , em sua filosofia, ao estabelecer o fundamento do real, nomeia-o pela 
expressão o primordialmente existente (al-mawjūd al-awal), depois de Al-Kind nomeá-lo como sendo o 
verdadeiramente um (al-wa¬id al-¬aq) e antes de Ibn S n (Avicena) nomeá-lo como o existencialmente 
necessário (al-wājib al-wujūd). Ao menos em Al-ī r b e Ibn S n , o Cosmos inteiro convergiria para 
uma unidade que, de algum modo, seria a causa da multiplicidade. E, por essência, tal unidade 
seria inteligência. O Cosmos, nesse caso, seria constituído e passaria da unidade à multiplicidade 
por meio do noético movimento da substância inteligente que se torna consciência de si. Isso 
seria, no limite, o que primordialmente existe. Nesse caso, a inteligência não é atributo do divino, 
e o divino não gera a inteligência. Mas ele, o divino, é propriamente inteligência. E esse não 
parece ser, pois, o caso e o lugar de Poimandres. Aqui, embora haja coincidência de fontes, o 
pensamento segue um caminho muito diferente dos caminhos de Hermes. Na filosofia de Al-
ī r b , a inteligência é a substância divina, dobra-se sobre si como consciência, gera matéria e, 
consequentemente, todo o Cosmos até chegar ao humano cujo retorno ao princípio inteligente 
se faz pelo esforço dado pelo seu próprio intelecto. Diferentemente do que ocorre no caso de 
Hermes, aqui deve haver esforço intelectual para compreender. Não há revelação imagética para 
o filósofo. Considere-se, ainda, que, para Al-ī r b , a fonte do conhecimento verdadeiro deve 
ser uma só, havendo humanos que, pela excelência do intelecto e da ação, são reconhecidos 
filósofos e outros, pela excelência da imaginação e da ação, são reconhecidos profetas. 
 Agora, o pensamento árabe clássico não foi só filosofia, mas foi também mística, teologia 
e ciências. Em sua translation studiorum ς como bem caracterizou Alain de Libera ς, depois de 
Alexandria, o pensamento seguiu na esteira da cronologia por muitas vias, para Harran, para 
Edessa, para Bagdá, para Córdoba. O próprio Al-ī r b retraçou sua cadeia de mestres desde 
19 
Alexandria, mas, ainda que houvesse fontes comuns entre sua formação e do Corpus hermeticum, o 
resultado noético foi assaz diferente. No vasto conjunto de textos que penetraram no mundo 
árabe no período de traduções da cultura da Antiguidade, Hermes teve também seu lugar entre 
os árabes. Contudo, o Hermes árabe não foi propriamente o do Corpus hermeticum. Foram, na 
verdade, três Hermes ς ou Hermeses /Haraamis). Anawati, em seu L’alchimie arabe cita Hirmis na 
literatura hermética árabe a partir de Ibn al-Nad m, livreiro do século IX e.c., que escreveu em 
seu Fihrist/Catálogo uma lista de treze livros atribuídos a Hermes, além de outras passagens 
atribuídas aos Irmãos da Pureza. Vale lembrar que o movimento de tradução dos textos da 
Antiguidade para a língua árabe foi, muitas vezes, mediado por traduções para o siríaco ou 
mesmo persa. No caso de Hermes, há uma tradição em persa antes da chegada aos árabes. 
Massignon, em seu inventário anexado aos estudos de īestugière, grafa que τpara os 
muçulmanos, Hermes era um profeta autêntico, antediluviano, identificado à Idris, citado no 
Corão, e à Enoque no Gênesis (FESTUGIÈRE, 2014: 400)υ. Nesse sentido, entre os muçulmanos, 
a figura de Hermes ganhou legitimidade também por ser identificado com Idris, visto que este é 
citado nominalmente no Alcorão ao menos nestas duas passagens: τĪ menciona, no Livro, a 
Idris, porque foi um profeta veraz. A quem elevamos em dignidadeυ (ALCORÃO, (1977; 220, 
XIX, 56-57); τĪ recorda-te de Ismael, de Idris e de Ezequiel, porque todos se contavam entre os 
perseverantes. Amparamo-los em Nossa misericórdia, porque se contavam entre os virtuososυ 
(ALCORÃO, 1977; 236, XXI, 85-86). Massignon indica, também, o extremo sincretismo ao qual o 
τHermes árabeυ esteve ligado ς talvez mais do que todos os outros casos, reunindo elementos 
gregos, egípcios, persas, sabeus, maniqueus, gnósticos etc. ς acrescentando que τem sentido 
estrito são herméticos os textos, em árabe, que se referem nominalmente a Hermes ou aos três 
Hermesυ (FESTUGIÈRE, 2014: 401). Plessner nos fornece um quadro sintético a respeito da 
variação da identificação de Hermes nas fontes árabes, como podemos acompanhar nesta 
passagem: 
No islã, é bem verdade, o deus [Hermes-Thot] foi transformado em um dos heróis dos tempos 
antigos, aparecendo, de acordo com seu nome Trismegistus (Al-muthalat bil-hikma), divido em 
três indivíduos. O primeiro Hermes é identificado com Akhnukh (Enoch) e Idris, viveu no Egito 
antes do Dilúvio e construiu as pirâmides (...). O segundo (Al-babili / o babilônio) viveu depois 
do Dilúvio na Babilônia e recuperou o estudo das ciências, mas migrou (segundo uma versão em 
Fihrist p. 352) para o Egito. O terceiro viveu depois do Dilúvio no Egito e escreveu sobre várias 
ciências e artes. (PLESSNER, 1971:463) 
 
O livreiro Ibn al-Nad m cita Hermes em várias passagens do Fihrist, seja em capítulos 
dedicados aos livros de astronomia, de medicina e de artes, seja em capítulos voltados aos livros 
de talismãs, l amuletos e encantamentos: τAlguns dizem que quando Hermes trouxe à luz as 
outras artes e a filosofia, a medicina foi uma das coisas que ele também desenvolveuυ. (Fihrist, p. 
20 
674). Ibn al-Nad m indica também que Al-Kind teria dito que viu um livro chamado Discursos de 
Hermes sobre a Unidade, indicando-o a todos pela sua excelência. Referências árabes a livros e 
fontes ligadas a Hermes envolvem, assim, várias áreas que vão desde a confecção material de 
amuletos até imateriais teses metafísicas. Nesse sentido, uma via teórica e outra via prática, nas 
referências a Hermes, podem encontrar eco na divisão proposta por Festugière, que fixa dois 
níveis de escritos herméticos: um teórico, filosófico, e outro prático ligado à tecnhé. Outra fonte 
de menções diretas a Hermes é Sa'id Alandalusi (século XI e.c.), que, em seu livro Hierarquia dos 
povos/Tabqat al’umam, ao mencionar a ciência entre os egípcios, diz o seguinte: 
 
 Um grupo de sábios alegava que todas as ciências conhecidas antes do Dilúvio teriam se 
originado de Hermes, o primeiro que teria habitado o alto Egito. Ele seria quem os hebreus 
chamavam de Yard, filho de Mihlaχil, filho de Anus, filho de Sit, filho de Adão, que é o profeta 
Idris, que a paz esteja com ele. Contam que foi ele quem primeiro falou sobre as essências 
celestiais e os movimentos estelares, quem primeiro construiu templos onde se glorificava a Deus, 
quem primeiro investigou a medicina e compôs para a gente de seu tempo poemas rimados sobre 
as coisas terrestres e celestes. Contamque foi ele quem previu o Dilúvio, alertando que uma 
catástrofe vinda do céu causada por água e fogo cairia sobre a terra. Por isso, temendo pelo 
desaparecimento do conhecimento e do ensinamento das artes, ele construiu as pirâmides que 
estão no Alto Egito. Nelas, desenhou todas as formas dos ofícios, seus instrumentos e as 
descrições das ciências, cuidando assim em conservá-las para as gerações seguintes, por temer que 
desaparecessem do mundo. (ALANDALUSI, 2011:118-119) 
 
Mais à frente, Alandalusi, cita um segundo Hermes: 
 
 Entre os sábios do Egito, cita-se Hermes, o segundo. Este foi um filósofo que viajava por todo o 
país, indo de uma cidade a outra; conhecia seus monumentos e a natureza de seus habitantes. 
Compôs um magnífico livro de Alquimia e outro sobre animais peçonhentos. Depois de Hermes, 
apareceu o aritmético Proclo, o alexandrino, autor de quatro tratados sobre a natureza e as 
propriedades dos números. (ALANDALUSI, 2011:120) 
 
Dentre toda essa extensa documentação a respeito de Hermes, notadamente a partir de 
fontes árabes, gostaria de encerrar essa apresentação citando passagens da Tábua de esmeralda – 
em latim, Tabula smaradigna –, um dos documentos mais conhecidos da alquimia e da tradição 
hermética, cujo manuscrito mais antigo está em língua árabe. Até Julius Ruskas, no início do 
século XX, publicar as primeiras versões árabes do período medieval, eram conhecidas somente 
as versões latinas datadas, aproximadamente, do século XII e.c. Há mais de uma fonte árabe 
sobre esse material, com diferentes versões. A mais antiga, contudo, encontra-se como um 
apêndice em O livro do segredo da criação / Kitāb sirr al-halīka, obra elaborada por volta do século IX 
e.c. e assinada por Balinus. Referindo-se a um suposto texto grego (perdido) de Apollonius de 
Tyane, a obra entrou no pensamento árabe como fonte de magia, alquimia, astrologia e outras 
correntes do pensamento cifrado. O cenário da física segue a base dos quatro elementos (água, 
terra, fogo e ar) e suas intrínsecas relações na composição dos seres. No livro, Balinus apresenta-
21 
se como o mestre dos talismã e da magia e diz que um dia, ao entrar em uma cripta sob uma 
estátua de Hermes, encontrou a referida tábua de esmeralda e um livro sobre alquimia. Em suas 
próprias palavras, O livro do segredo da criação traz a seguinte passagem: 
 
Vi um velho sentado sobre um trono de ouro e tinha em uma das mãos uma tábua de esmeralda 
sobre a qual estava escrito: Eis aqui a formação da Natureza. E, diante dele estava um livro onde 
se lia: Eis aqui o segredo da criação dos seres e a ciência da causa de todas as coisas. (TRIMEGISTE, 
2012: 7) 
 
O livro do segredo da criação (Liber de secretis naturae) ς assim como o Pseudo Aristóteles 
Segredo dos segredos/Secretum secretorum/Sirr al-asrar ς foi traduzido ao latim por volta do século XII 
e.c. Leu-o Alberto Magno, comentou-o Roger Bacon, estudou-o Isaac Newton. O início da 
tábua soou como um enigma, e quem já não o escutou? τO que está em cima é como o que está 
embaixo e o que está embaixo é como o que está em cimaυ. A tradução latina, amplamente 
divulgada, inicia-se do seguinte modo: τVerum, sine mendacio, certum et verissimum: quod est 
inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad 
perpetranda miracula rei uniusυ. A partir de uma das versões em árabe, podemos ler a tábua do 
seguinte modo: 
Verdadeiramente certo, sem dúvida alguma, é (حقا يقينا ا شك فيه) que o mais abaixo provém do mais 
alto, e o mais alto do mais abaixo. Espantosa obra, vinda de algo uno, por um único meio, tal 
como as coisas, provém de uma matéria única. Seu pai, o Sol (Al-shams). Sua mãe, a Lua (Al-
qamar). O vento embalou-a em seu ventre e a terra nutriu-a com seu leite. É ele o pai dos talismãs, 
o guardião do espantoso, o perfeito em força (ابو الطِلسمات خازن العجائب كامل القوى). O fogo torna-se terra, 
separa-se a terra do fogo, o sutil é mais nobre do que o grosseiro, com prudência e sabedoria sobe 
da terra ao céu e desce sobre a terra. Recolhe a força do superior e do inferior. Luz das luzes ( نور
 Nur al-anwar). Estando contigo, diante de ti fugirão as trevas. Força das forças, que/ اانوار
ultrapassa toda coisa sutil. E que penetra toda coisa. Tudo isso se faz tal como o grande universo 
[macrocosmo] ( ااكبار العام / Al-alam al-akbar). É este o meu esplendor! E por isso fui chamado 
Hermes, o Triplo em Sabedoria! ( باحكمة امثلت هرمس ميت وهذا /wa lihada samit hermis al-muthalat bilhikma) 
(TRIMEGISTE, 2012: 14) 
 
Muito obrigado! 
 
Bibliografia 
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23 
D. PEDRO II E A EGIPTOLOGIA 
 
Regina Dantas 
PPG História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia-HCTE e MN/UFRJ 
 
Mariah Martins 
Doutoranda do HCTE e pesquisadora do MN/UFRJ 
 
 
Resumo - Com o intuito de contextualizar a relação de D. Pedro II com a Egiptologia, iniciaremos o presente 
trabalho por uma breve passagem por sua residência, o Paço de São Cristóvão (atual sede do Museu Nacional). 
Dessa forma, o colecionista Pedro II será identificado por meio de alguns de seus objetos no τMuseu do 
Imperadorυ, com destaque à peça que representa o Īgito em sua coleção. A análise do cidadão viajante pelas regiões 
do Oriente consolidará seu interesse pela Egiptologia. 
 
Abstract - In order to contextualize D. Pedro II's relationship with Egyptology, we will begin the present work by a 
brief passage through his residence, the Paço de São Cristóvão (current headquarters of the National Museum). In 
this way, the collector Pedro II will be identified through some of his objects in the "Emperor's Museum", 
highlighting the piece that represents Egypt in his collection. The analysis of the traveling citizen by the regions of 
the East will consolidate his interest in Egyptology.Introdução 
O presente trabalho inicia iluminando a questão de que o prédio que hoje abriga o Museu 
Nacional foi, durante 64 anos, a casa do imperador d. Pedro II e seu palácio de governo - o Paço 
de São Cristóvão. Trata-se de um recorte da pesquisa de mestrado realizada por uma das autoras 
(DANTAS, 2007) atualizada com a preciosa participação da doutoranda do Programa de Pós-
graduação História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia/HCTE na inserção documental 
e contextualização sobre diários e demais narrativas (MARTINS, 2010; 2016). 
 O Paço de São Cristóvão foi residência de d. João VI, d. Pedro I e d. Pedro II. Após o 
banimento da família imperial, o Museu Nacional (criado por d. João em 1818, no Campo de 
Santana) foi transferido para o Paço em 1892. 
Diante do nascimento do segundo imperador do Brasil, D. Pedro II, nascido em 2 de 
dezembro de 1825 no Paço de São Cristóvão, registramos que o monarca esteve na residência 
desde seu nascimento e neste mesmo espaço governou o país durante os anos de 1841 a 1889. 
Identificamos sua ida ao Egito em 1871 como a primeira visita ao país realizada por uma 
autoridade brasileira. Esta constatação e sua predileção pelos estudos sobre o Egito justifica a 
realização da Semana da Egiptologia no Museu Nacional durante o seu mês de nascimento e 
morte (5 de dezembro de 1891). 
 
 
 
24 
A casa-museu 
Atualmente, não se duvida mais de que a transferência da Corte portuguesa foi 
amadurecida cuidadosamente (SCHWARCZ, 2002: 194-197). Tratava-se, na verdade, de um 
plano estratégico concebido desde o século XVII, como solução de emergência que salvaria a 
Coroa em situações de crise. No entanto, a decisão da transferência só foi concretizada quando 
se tornou presente a ameaça napoleônica à integridade da monarquia. d. João, convencido de que 
a Coroa só estaria assegurada se conseguisse preservar as possessões do Novo Mundo, cujos 
recursos naturais suplantavam os de Portugal. (NEVES, 1995: 27-28, 75-102). O Rio de Janeiro 
representava o principal porto da colônia. A transferência para o Brasil da estrutura estatal 
lusitana representou o fim do regime colonial (NEVES, 1999: 28-29). 
Elie Antun Lubbus (nome aportuguesado: Elias Antonio Lopes), comerciante luso-
libanês, e pela ambição de ser generosamente recompensado, realizou uma grande reforma em 
sua residência construída em τestilo orientalυ e presenteou, em 1o de janeiro de 1809, sua casa-
grande à d. João que, imediatamente, aceitou-a para ser sua moradia. O τturcoυ Īlias, como era 
conhecido, recebeu de d. João τa quantia de 21:929$000 ς vinte e um contos, novecentos e vinte 
e nove mil réis ς referentes ao pagamento das obras já realizadas e uma mensalidade para a 
conservação do edifícioυ (KHATLAB, 2002: 19). 
A residência real começou a sofrer alterações após 1810 por ocasião do casamento de 
dona Maria Tereza de Bragança (1793-1812), filha mais velha de d. João. Destacamos a outra 
nova fase de expansão da residência do regente aconteceu, nos fundos do palácio, por ocasião 
dos preparativos para o casamento de d. Pedro I (1798-1834) com d. Carolina Josepha 
Leopoldina (1797-1826), austríaca apaixonada pelas ciências naturais. A imperatriz teve papel de 
destaque na criação do Museu Real em 1818 ς atual Museu Nacional. 
No período de d. Pedro II, sua residência serviu como espaço modelo para a 
sociabilidade da Corte do Rio de Janeiro, ditando as regras de etiqueta, a organização nos 
eventos sociais e nas Audiências Públicas, garantindo inclusive o funcionamento da hierarquia no 
acesso das pessoas ao palácio, o que nos faz remeter à análise da τsociedade de corteυ por 
Norbert Elias (ELIAS, 2001). 
O principal palácio da Corte estava na Província do Rio de Janeiro, portanto tornava-se 
necessária, na organização do teatro do poder, a delimitação do acesso ao Paço de São Cristóvão, 
pois, no caso brasileiro, τa sociedade de Corteυ, ditava as normas de etiqueta e a moda, 
destacando o poder soberano do imperador através dos laços de interação com sua nobreza 
(ELIAS, 2001: 120). Esse processo acontecia por meio dos rituais que acompanhavam os 
25 
encontros diplomáticos e as demais visitações realizadas nos salões do Paço, utilizando a marca 
do imperador em pratarias, esculturas e vasos. 
 Em 1889, após o banimento da família imperial, o Paço de São Cristóvão foi alterado e 
os pertences de d. Pedro II foram inventariados. Sobre o assunto, ver O leilão do Paço, composto 
das sessões do leilão narradas detalhadamente e contendo o inventário dos pertences dos Paços 
do imperador (SANTOS, 1940). O leilão foi agilizado pelos representantes do Governo 
Provisório, preocupados em se desfazer dos objetos que pertenceram ao antigo Paço de São 
Cristóvão, promovendo, assim, um processo de apagamento da memória. τApagar tem a ver com 
ocultar, esconder, despistar, confundir os traços, afastar-se da verdade, destruir a verdadeυ 
(ROSSI, 1991: 14-15). 
 Īm 1890, diante da polêmica divulgada na imprensa sobre a τapropriação indevida dos 
bens do ex-imperadorυ, o procurador da īazenda Nacional solicitou ao procurador do monarca 
que enviasse à d. Pedro II sua autorização para doar a Biblioteca, o seu museu e documentos 
para o Governo. 
A resposta de d. Pedro II só viria quase um ano depois, sete meses após o término do 
leilão do Paço de São Cristóvão e seis meses antes de falecer: 
Sñr. Costa Silva, 
Queira pedir em meu nome ao Visconde de Taunay, Visconde de Beaurepaire, 
Olegário Herculano de Aquino e Castro e Dr. João Severino de Fonseca que separem 
os meus livros podendo por sua especialidade interessar ao Instituto e hχos entreguem, 
a fim de serem parte de sua bibliotheca. Esses livros serão collocados em lugar especial 
com a denominação de dona Thereza Christina Maria. Os que não deverem 
permanecer ao Instituto offereço à Bibliotheca Nacional, que deverá collocal-os 
também em lugar especial com a mesma denominação. O meu Museu dou-o também 
ao Instituto Histórico, no que tenha relação com a Etnographia e a História do Brasil. 
A parte relativa às sciencias naturaes, e à mineralogia sob o nome de Imperatriz 
Leopoldina, como os herbários, que possão, ficar no Museu do Rio. A coroa imperial, 
a espada e todas as jóias deverão ser entregues, e pertencer à minha filha. Espero que 
me dê notícias suas e dos seus sempre que possa, e creia na estima affectuosa de Pedro 
d`Alcântara. 
Versailles, 8 de junho de 1891. (MI.CI.SC, I-DAS, 8.6.1891-PII.B.c.) 
 
O Jornal do Commercio de 7 de julho de 1891 divulgou os termos da resposta de d. Pedro 
de Alcântara ao seu procurador em relação à distribuição do acervo bibliográfico e dos objetos 
de seu museu, e apresentou o descontentamento com o assunto no final do artigo: 
O procedimento do Sr. d. Pedro de Alcântara contrasta muito fortemente com o 
inqualificável açodamento com que forão desrespeitados os seus papéis com a sem 
cerimônia com que são retiradas as jóias da finada Imperatriz, das quaes se assignou 
termo de depósito (JORNAL DO COMMERCIO). 
 
Em relação à solicitação de d. Pedro II, os livros foram distribuídos, em sua maioria, para 
a Biblioteca Nacional, e o restante foi encaminhado para o Instituto Histórico e Geográfico 
26 
Brasileiro, tendo uma pequena quantidade sido enviada para o Museu Nacional. Nas três 
instituições os livros não levaram o nome da imperatriz Leopoldina, conforme o solicitado. 
O τMuseu do Imperadorυ, teve seus artefatos de ciências naturais, mineralogia e herbário 
deixados no Paço, posteriormente passaram a pertencer ao acervo do Museu Nacional. Cabe 
ressaltar que os materiais foram distribuídos entre os departamentos de pesquisa da instituição. 
Os departamentos de botânica e de geologia deram aos objetos o tratamento de uma 
coleção, mantendo-os reunidos. O departamento de antropologia preservou a identificação de 
parte dos objetos, enquanto que na área de zoologia não foram encontrados os objetos que 
pertenceramao referido museu. 
Dois anos após o primeiro documento solicitando o palácio ao ministro dos Negócios, 
Comércio e Obras Públicas, dentre outros, identificamos um ofício de Ladislau Netto (1838-
1894), diretor do Museu Nacional, aparentemente conformado com a perda do prédio, e outro 
solicitando providências para o transporte do Museu da Quinta da Boa Vista para o Museu 
Nacional. Talvez a estratégia de Ladislau tenha sido continuar presente nas discussões sobre o 
palácio, dessa vez solicitando o acervo existente no prédio, para conseguir por insistência o 
próprio edifício. 
Museu Nacional do Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1892. 
Ao Snr. Dr. José Hygino Duarte Pereira, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios 
da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. 
Snr. Ministro sendo-me urgentemente necessário transportar para o Museu Nacional 
todo o Museu da Quinta da Boa Vista com enorme material composto de numerosas 
coleções de objetos delicadíssimos, de aparelhos de física, de livros e de móveis, 
constando a maior parte dessas coleções de minerais guardados em frascos muito 
frágeis, e não sendo possível efetuar semelhante transporte senão em vagões da 
Companhia de São Cristóvão, peço-vos providências a fim de que seja aquela 
companhia encarregada desse serviço, empregando vagões descobertos que tragam até 
os portões do Museu as referidas coleções, ainda que seja preciso prolongar com 
alguns metros os trilhos da mesma companhia. 
O Diretor Geral Ladislau Netto. (BR MN MN.DR.CO, RA.10/f. 42-42v.) 
 
Em maio do mesmo ano, é possível constatar que a insistência de Ladislau fez com que 
conseguisse o palácio, e, por meio do ofício enviado ao ministro da Instrução Pública é possível 
identificar o processo de mudança por via férrea ao contrário, do Museu Nacional (Campo de 
Santana) para a Quinta da Boa Vista. Destacamos então, o τMuseu do Imperadorυ sendo a 
justificativa principal para Ladislau conseguir a mudança para o Palácio na Quinta da Boa Vista. 
φO Paíz, na coluna τSalada de īrutasυ, de 11 de agosto de 1890 apresenta um desabafo 
sobre a maneira de como a memória de d. Pedro II estava sendo tratada pelo Governo 
Provisório. 
 
Não sei se o governo mandou arrematar algum dos coches de gala de D. Pedro. Se não 
mandou, não fez bem, no meu entender, porque seria de bom aviso, dar ao Museu 
Nacional todos os elementos possíveis para o futuro estudo histórico do segundo 
27 
reinado, como são incontestavelmente os livros, os objetos de arte, peças de mobílias, 
autógraphos, o museu particular, carruagens e até mesmo objetos de uso doméstico 
que possam interessar a crítica histórica e concorrer para juízo seguro sobre a vida 
política e privada dos nossos ex-imperadores. 
Sei que o governo pretende fazer acquisição da biblioteca e do museu; mas acho que é 
pouco. Que valor não teria, daqui há cem anos a mesa de estudos de D. Pedro ou um 
dos seus lápis fatídicos? Assim como Cuvier com uma só peça da ossada de um animal 
conseguia recompor todo o esqueleto, o historiador, muitas vezes, com um só objeto 
pertencente a personagem culminante em determinado período histórico, consegue 
reconstituir o todo e fazer a crítica, se não exacta, muito aproximada da physionomia 
moral dessa época e determinação do valor histórico do referido personagem. 
Eis o meu parecer, salvo melhor juízo. 
Marasquino. 
 
O Museu do Imperador 
Com a constatação de que o imperador se preocupava em criar documentos que 
registrassem sua memória (seus diários) e após o levantamento dos objetos de d. Pedro II 
existentes no Museu Nacional (durante os anos de 2003-2005), foi identificado que o monarca 
desenvolveu a atividade de acumulação de objetos, o que deve ser analisado articulado ao seu 
ambiente social. Com isso, devemos integrar essas ações no viés da memória social, pois a 
memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social (HALBWACHS, 1990: 25-47). 
Ao analisarmos os objetos sugeridos como pertencentes ao Museu do Imperador 
(DANTAS, 2007: 190-242), interessa-nos fortalecer o seu perfil colecionista e identificarmos sua 
estratégia na seleção dos objetos. Neste momento, elevaremos o objeto que mais representa o 
Egito em seu acervo - a múmia egípcia Sha-Amun-Em-Su. 
Os corpos mumificados de origem egípcia despertam o interesse científico há pelo 
menos três séculos. Coletados, classificados como raridades da Antiguidade, pulverizados por 
diversas partes do mundo, são encontrados em coleções particulares e museus públicos 
(SOUZA, 2005: 134). 
Dentre os poucos objetos que pertenceram ao imperador e que se encontram na atual 
exposição do Museu Nacional, destacamos a múmia egípcia Sha-Amun-Em-Su (Figura 1), uma 
cantora do Templo de Amon, ainda fechada em seu ataúde original, que data da XXII dinastia ς 
cerca de 750 a.C. (BRANCAGLION, 2005: 75-79). Essa múmia foi enviada ao Brasil para d. 
Pedro II pelo quediva (vice-rei) Ismail Paxá (1830-1895), por ocasião de sua segunda visita ao 
Oriente, em 1876. 
 
28 
 
 
Figura 1: Múmia egípcia Sha-Amun-Em-Su 
Fonte: Banco Safra ς acervo da Direção do Museu Nacional 
 
Em trechos do diário do monarca referente à segunda viagem ao Egito, d. Pedro II 
demonstra os motivos da admiração por Ismail: 
Na Ilha Elefantina (...) Após mais de mil anos de abandono e esquecimento a fortaleza 
foi completamente desentulhada. As antigas divisões foram respeitadas. Foi adaptada 
uma nova tubulação na altura do 46o e 47o degraus no sentido descendente e colocada 
à disposição do povo em 1870, sob o governo do Quediva Ismail, o bom soberano que 
soergueu o Egito, pelo astrônomo Mahmoud-Bey um dos seus mais fiéis servidores. 
(MI.CI. Diário de D. Pedro II /1840 - 1891) 
 
D. Pedro II tinha a atenção voltada para obras que estivessem relacionadas ao progresso 
do país, por isso não poupou detalhes sobre os benefícios de Ismail ao Egito, apontando a 
importância da astronomia e colocando sua opinião inclusive sobre a antiga apresentação da 
fortaleza ς como entulhada. No governo do quediva Ismail (1863-1879), uma de suas grandes 
realizações foi a inauguração do Canal de Suez, sendo um período caracterizado pelo 
desenvolvimento de políticas que procuravam τocidentalizarυ o Īgito. 
Em sua primeira viagem ao país, em 1871, o soberano já havia recebido o diploma de 
Membro Honorário do Instituto de Arqueologia do Egito, localizado em Alexandria, conforme 
29 
documentação existente no arquivo Grão-Pará do Museu Imperial de Petrópolis (MI. Arquivo 
Grão-Pará, Correspondências Recebidas ς 7954). 
Ao retornar a Alexandria pela segunda vez, em 1877, proferiu o comunicado τO 
vandalismo dos viajantesυ, alertando para a situação dos constantes saques acontecidos nos 
templos do Egito, o que poderia comprometer a cultura egípcia para a população futura. A 
comunicação do monarca foi lembrada na conferência de Nicolas Debanné, adido à Agência 
Diplomática do Brasil no Egito, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: 
 
Recordae-vos da sessão de 13 de janeiro de 1877, em que sua alma de artista e de 
amigo das sciencias, indignada deante do abandono em que se achavam os 
monumentos do antigo Egypto, denunciou-no esse crime de lesa-belleza e de lesa-
sciencia, e chamou nossa attenção para o τvandalismo dos viajantesυ. A sua 
comunicaçao está arquivada em vosso Livro de Ouro; o appêlo do soberano brasileiro 
e o apoio que déstes ás suas observações contribuiram não pouco para que fossem 
tomadas diversas medidas, a fim de se conservarem os thesouros artísticos e científicos 
do Egypto dos Pharaós. (DEBANNÉ, 1912: 132) 
 
Conforme registros nas correspondências do arquivo Grão-Pará do Museu Imperial de 
Petrópolis (MI. Arquivo Grão-Pará, Correspondências Recebidas ς 8090), o monarca selou a 
amizade com o quediva enviando-lhe um livro sobre o Brasil, e Ismail, sensível ao interesse do 
imperador sobre a cultura egípcia, remeteu-lhe um presente como agradecimento a sua 
preocupação:a múmia Sha-amun-em-su. 
O que originou o interesse de d. Pedro II pelo Egito a ponto de empreender duas longas 
viagens ao país? Esse questionamento foi abordado na conferência de Debanné, e o palestrante 
apontou que, a partir da análise das anotações nos diários do monarca, é notório que ele havia 
dedicado considerável tempo aos estudos da egiptologia, e que nas viagens tenha percebido uma 
semelhança entre o Brasil e o Egito em relação ao clima e à cultura do plantio da cana-de-açúcar, 
do café, do algodão e do fumo. Debanné apontou que, independente da troca intelectual (a 
predileção pela egiptologia), o interesse do monarca estava em estabelecer uma troca comercial 
mais ativa entre os dois países (DEBANNÉ, 1912: 154). 
Além da opinião de Debanné, nas anotações de viagens o imperador fez observações 
sobre as técnicas de irrigação e sobre a indústria açucareira, além de outros métodos egípcios de 
agricultura, o que indica uma preocupação em alavancar a produção brasileira. 
A múmia Sha-amun-em-su tem uma peculiaridade comparada às demais múmias do Museu 
Nacional (contém em seu acervo cinco múmias egípcias doadas por D. Pedro I, em 1826: seu 
ataúde continua lacrado. O seu interior só foi conhecido graças aos exames realizados por 
tomografia, que τrevelou a presença de amuletos, entre eles um escaravelho coraçãoυ 
30 
(BRANCAGLION, 2005: 78). Além disso, as imagens tomográficas permitiram confirmar o 
sexo ς feminino ς e a sua idade ς superior a 25 anos (SOUZA, 2005: 136). 
Cabe ressaltar que a múmia é um dos poucos objetos do monarca conhecido pelos 
servidores docentes e não docentes da instituição como tendo pertencido ao imperador e que 
ficava em seu gabinete. O gabinete aqui referido NÃO é um de curiosidades. Trata-se do Museu 
do Imperador, conforme comprova a citação da peça na primeira página do inventário dos 
pertences da família imperial relativo ao muzeu do imperador A múmia está registrada como a 
décima peça do acervo do monarca (Figura 2). 
 O documento está guardado no Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis e 
durante a escrita da dissertação, apenas duas páginas tinham sido encontradas, revelando parte 
do acervo do monarca que figurava em seu museu no Paço de São Cristóvão na Quinta da Boa 
Vista. 
 
 
 
Figura 2: Primeira página do inventário dos pertences do τMuzeuυ. 
Fonte: Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis - MI II ς DMI 02.07.1980 
TC.B. rç.). 
31 
Rumo ao exterior 
 D. Pedro II realizou três viagens ao exterior que ele mesmo as classificou como viagem 
de turismo, mas suas observações (em seus diários) nos auxiliam a interpretar que suas 
intenções visavam trazer, em sua bagagem, diversificadas experiências em diferentes saberes 
para adaptá-las ao nosso país, além disso, seria a oportunidade para divulgar o Brasil em outros 
lugares do mundo (MI.CI. Diário de D. Pedro II (1840 - 1891). 
 O pesquisador, arqueólogo do Oriente e escritor brasileiro, residente no Líbano, Roberto 
Khatlab, diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina/CECAL ς Université de Saint 
Esprit de Kaslik desenvolve pesquisas sobre a relação Brasil ς Líbano. Sendo também membro da 
Associação Amigos do Museu Nacional/SAMN, iniciou pesquisa sobre o trajeto de d. Pedro II 
no Oriente e, a partir de 2004, desenvolveu investigações com uma das autoras do presente 
trabalho ς Regina Dantas, historiadora do Museu Nacional/UFRJ. 
 A direção do Museu Nacional apoiou a realização do Projeto τRota de d. Pedro II no 
Orienteυ, que consistiu em realizar visitas aos mesmos locais que o monarca esteve, com a 
orientação de suas narrativas registradas em seus diários compostos por 45 cadernetas de 
anotações (MI.CI. Diário de D. Pedro II /1840 - 1891). Cabe ressaltar que o projeto foi 
iniciado em 2004, mas a visita da historiadora guiada pelo arqueólogo do Oriente foi realizada 
durante o mês de julho do ano de 2008. 
No presente trabalho, destacaremos parte do que o monarca viu em sua viagem ao Egito 
por meio das imagens registradas pelo arqueólogo. Caberia realizar futuramente um trabalho 
específico sobre a passagem dos pesquisadores pelo Egito no século XXI, seguindo as 
informações dos diários do monarca nas duas viagens realizadas por ele no séc. XIX. 
As pesquisas realizadas por Khatlab geraram o livro τAs viagens de D. Pedro II: Oriente 
Médio e África do Norte, 1871 e 1876υ, lançado no Museu Nacional em 21 de agosto de 2015. 
A primeira viagem, em 1871, foi pela Europa, pelo Oriente Médio e pela África do 
Norte, tendo visitado o Egito. Na segunda viagem, em 1876, percorreu a América do 
Norte, a Europa, a Ásia e novamente o Oriente Médio e a África do Norte; nas duas 
últimas regiões, passou por Beirute, Líbano, Síria, Palestina, Egito e Núbia sudanesa 
(Sudão). Em 1888, terceira viagem, voltou à Europa e pretendia passar novamente pelo 
Oriente, mas sua saúde o impediu. Nessas três viagens, d. Pedro II passou três anos e 
sete meses no exterior. (KHATLAB, 2015: 16). 
 
 Visando apresentar resumidamente parte da longa passagem pelo Egito, destacamos na 
primeira viagem de d. Pedro II (1871), em nossa opinião, os pontos emblemáticos que 
fortalecem seu interesse pela cultura egípcia: a passagem por Alexandria (em que destacamos a 
Igreja São Pedro) e a visita à Esfinge de Gizé. 
A visita de D. Pedro II ao Egito foi iniciada por Alexandria em 28 de Outubro de 1871. 
īoi cidade τreconhecida pelo florescimento da ciência, filosofia e medicina, ganharia o título de 
32 
Cidade da Beleza por seu desenvolvimento nas artes, com suas belas pinturas, mosaicos, 
arquitetura e música.υ (KHATLAB, 2015: 57). 
Ao desembarcar na Alexandria o monarca estava entusiasmado, pois cabe registrar que d. 
Pedro II havia recebido dois telegramas τanunciando-lhe que a lei acerca do elemento servil 
havia passado no Senadoυ. Referimo-nos à lei abolicionista promulgada em 28 de setembro de 
1871 - a Lei do Ventre Livre, assinada pela Princesa Isabel. (KHATLAB, 2015: 58). 
Continuando seu passeio por Alexandria, d. Pedro II foi visitar uma igreja. Uma visita 
diferente, pois tratava-se de um dos motivos que o levaram a interessar-se pelo Oriente 
e a empreender a viagem. Levaram-no ao Oriente as suas ligações espirituais para com 
a Terra Santa, seu interesse pelas religiões e o fato de ter tomado conhecimento da 
construção de uma igreja consagrada a São Pedro dχAlcântara, seu patrono e patrono 
também do Brasil. (KHATLAB, 2015: 62). 
 
A referida igreja construída em 1868 pelo Conde Miguel Debbane, um libanês que foi 
cônsul Honorário do Brasil em Alexandria. Nesta igreja encontra-se enterrado o Conde Miguel 
Debbane e todas as missas celebradas na igreja é mencionado em memória do Imperador do Brasil, 
Pedro II e do Conde Miguel Debbane. 
Em 2008, em nossa visita à instituição religiosa, identificamos a igreja em pleno 
funcionamento e está sob a coordenação da Fundação Debbane de Alexandria e espiritualmente 
ligada ao Patriarcado Greco Melquita Católico de Alexandria. (Figura 3). 
 
 
 
Figura 3: Egreja de São Pedro 
Fonte: Acervo pessoal de Regina Dantas 
 
33 
Partindo de Alexandria rumo ao Cairo, o monarca optou por conhecer o canal de Suez, a 
via marítima que liga o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho, e passou pelas cidades de Suez, 
Ismaília, Port Said e finalmente o Cairo. 
Em 4 de Novembro, d. Pedro II e comitiva foram visitar, às margens do rio Nilo, o sítio 
arqueológico composto pela Esfinge Gizé e as três pirâmides dos faraós Quéops, Quéfren e 
Miquerinos (construídas no período referente às dinastias IV e V). 
 A visita de Pedro II e sua comitiva às pirâmides e à Esfinge de Gizé é registrada (por 
meio de fotografia sob a guarda da Biblioteca Nacional) em livros didáticos de História, mas algo 
interessante é captado pelo nosso olhar: o monarca conhece a estátua de pedra calcária 
conhecida como Esfinge de Gizé ainda com o corpo parcialmente

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