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POSSIBILIDADE JURÍDICA DE CONCESSÃO DE GUARDA COMPARTILHADA E/OU PENSÃO ALIMENTÍCIA PARA ANIMAIS DOMÉSTICOS LEGAL POSSIBILITY OF GRANTING SHARED GUARD AND / OR FOOD PENSION FOR DOMESTIC ANIMALS Izabela Flávia da Silva1 RESUMO É nítido observar que a conjuntura familiar se modificou em diversos aspectos durante a história, e atualmente tem-se notado o crescente vínculo afetivo entre seres humanos e animais, principalmente os animais domésticos, de estimação, que vem ocupando cada vez mais espaços dentro dos lares e das famílias brasileiras. Diante dessa perspectiva, surge uma nova modalidade familiar: a família multiespécie ou poliespécie, que embora não amparada pelo ordenamento jurídico brasileiro, têm se discutido sua relevância e urgência de tutela. O presente estudo busca verificar enlaces de direito de família, como guarda e pensão alimentícia em litígios onde os animais são partes centrais em virtude da afetividade, em situações de divórcio e dissolução de união estável, análise essa em contrapartida ao status jurídico de ‘’coisa’’ dado pela legislação brasileira aos animais, e a atual cultura antropocêntrica. Bem como analisar a omissão legislativa e a necessidade de se legislar sobre o tema. Constatou-se, por meio de doutrinas, artigos científicos, direito comparado e jurisprudências a aplicabilidade de tais institutos por meio de analogias, visto a demanda significativa que recaem sob os tribunais, e a necessidade de concessão de direitos aos animais, sob o seu bem-estar e interesse. Palavras-chave: família multiespécies; guarda; alimentos; direito das coisas; direito de família. ABSTRACT It is clear to observe that the family conjuncture has changed in several aspects during history, and nowadays the growing affective bond between human beings and animals, mainly domestic pets, has been noticed, which has been occupying more and more spaces inside homes. and Brazilian families. In view of this perspective, a new family modality emerges: the multi-species or multi-species family, which although not supported by the Brazilian legal system, its relevance and urgency of guardianship have been discussed. The present study seeks to verify links of family 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. law, such as custody and alimony in disputes where animals are central parts due to affection, in situations of divorce and dissolution of a stable union, an analysis in contrast to the legal status of '' thing '' given by Brazilian legislation to animals, and the current anthropocentric culture. As well as analyzing the legislative omission and the need to legislate on the topic. It was found, through doctrines, scientific articles, comparative law and jurisprudence, the applicability of such institutes through analogies, given the significant demand that fall under the courts, and the need to grant rights to animals, for their own good -being and interest. Keywords: Multiespecies Family; guard; foods, rights of things,family right. INTRODUÇÃO A relação existente entre ser humano e animais é historicamente comprovada.Desde os primórdios, na pré história, encontrava-se essa aproximação nas pinturas rupestres, em que o homem desenhava diversos animais nas rochas das cavernas. Mais tarde, por volta do século XVI, durante o Brasil Colonial essa relação passou a ser também econômica. A domesticação dos animais teve por finalidade a sua utilidade, seja no auxílio da produção de alimentos, no uso de arado por tração animal no plantio, transporte de pessoas, como a charrete, ou carroça, como comumente é conhecida, transporte de cargas, caracterizando o tropeirismo, ou seja, a utilização de mulas para os transporte de alimentos e mercadorias, dentre diversas designações econômicas aos quais os animais eram submetidos. Logicamente, por sua utilização ser voltada exclusivamente para o âmbito econômico, excluindo-se a afetividade, os animais sofriam maus tratos, e muitas vezes acabavam falecendo prestando serviços ao ser humano. Dessa forma, não havia uma preocupação por parte do homem sobre a dor dos animais e seus sentimentos, e sobretudo, não os reconhecia. O movimento social acerca dos direitos dos animais é um movimento que surgiu não só para reivindicar um tratamento humanitário para os animais, mas também para defender que seus interesses básicos sejam respeitados igualitariamente aos interesses do ser humano. Sendo assim, este movimento foi defendido por muitos filósofos e pensadores ao longo da história, sendo uma discussão longilínea que permanece até os dias atuais. 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. Os animais foram ficando tão próximos ao ser humano, seja por meio de esportes culturais, para recreação, como vigias, para companhia e amizade, e também como reais membros familiares. Atualmente, a relação entre seres humanos e animais, apresenta nova conjuntura, construída ao longo do tempo, desprendida de preconceitos, aos quais os animais domésticos eram acometidos. Hoje, o enlace notadamente é envolvido de afetividade, em que os animais são parte do cotidiano do ser humano e ocupam papel fundamental em suas vidas. O papel imprescindível que os animais domésticos ocupam no espaço familiar é perceptível, e para que se possa mensurar os limites do conceito de animais domésticos, afastando dos demais animais, a autora Ariana os define como, aquele que: ‘’apresentando características biológicas e comportamentais, em estreita dependência do homem” (GIL, 2016, p. 14) De acordo com essa conceituação entende-se por animais domésticos aqueles animais que possuem dependência em relação ao ser humano, dependência para sobreviver, de carinho e atenção. No dicionário, quando se procura pela palavra doméstico, a definição que encontramos é a de ‘’Animais domésticos. Animais que vivem e se criam em casa, juntamente com a família, como os cães e gatos; manso.’’ (ANIMAIS DOMÉSTICOS,2021) Nesse sentido, os animais que coabitam com os seres humanos são aqueles que detém para eles um valor afetivo, pois, o ser humano carece de afeto desde o seu nascimento, e dessa forma, ganharam um espaço nas famílias,como um verdadeiro membro e muitas vezes como um filho, talvez, em detrimento da atual ascensão profissional que as mulheres têm ocupado, que decidem por planejarem suas famílias, casamento e filhos cada vez mais tardiamente, pela escassez de tempo, e esterilidade, essa relação familiar é denominada família multiespécie ou família pluri espécie. Diante disso, este trabalho tem por escopo analisar em virtude do atual advento da família multiespécie, onde surge uma insegurança jurídica frente a situações de divórcio e dissolução de união estável, em como ficará os animais de estimação dos cônjuges-tutores nesse processo, como disputa de guarda, desdobrando-se em direito de visita e pensão alimentícia, como um direito-dever do cônjuge que não detém a guarda, considerando a afetividade de ambos pelo animalzinho,que carece de cuidados, carinhos, brincar, e estar entre os donos e os 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. gastos financeiros com sua subsistência como alimentos, vacinas, veterinário, entre outros. Este é um tema bastante debatido ultimamente, em que vale uma discussão jurídica ampla, pois é uma questão que segue sem legislação que ampare e tem surgido recorrentemente no judiciário, tendo ele que decidir criando uma colisão, em aplicar primariamente a legislação vigente dos animais que os considera como meros objetos, afastando-os de todos os direitos inerentes ao direito de família, ou ainda aplicar analogamente a legislação civil de família dos filhos menores, partindo do princípio da senciência animal que é unânime que reluz a idéia da capacidade de sentir do animal, seja dor, ou emoções. Dessa forma, a solução desses litígios deverão ser acometidos para o bem-estar do animal, seus interesses, quebrando paradigmas antropocêntricos.Passa-se a analisar a possibilidade jurídica anteriormente abordada. 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA O conceito de família para fins de direito desde a antiguidade até os dias atuais se modificou drasticamente, principalmente pela chegada da Constituição Federal de 1998. As modificações ao longo do tempo se deram sobretudo no reconhecimento de mais espécies de família, na pluralidade reconhecida, pelo princípio da afetividade, ou seja, pelo afeto, carinho e felicidade na relação familiar que se passa a considerar vários tipos de família, afastando-se o antigo conceito de família amarrado exclusivamente ao laço sanguíneo, e ao casamento de duas pessoas de sexo distinto. A família tradicional do século passado era tão somente a família matrimonial, ou seja, aquela constituída estritamente por meio de casamento para fins de direito, influenciado pelo antigo Código Civil de 1916 patriarcal e machista, onde as famílias patriarcais (pátrio-poder) eram submetidas ao poder e obediência ao homem, sendo o único provedor, e detentor de direitos sobre filhos e esposa, e os laços eram exclusivamente consanguíneos, ou seja, os filhos advindos de uma relação extraconjugal, isto é fora do casamento, não eram reconhecidos como filhos ‘’legítimos’’, não sendo dessa forma registrados pelo pai, e considerados ilegítimos, adulterinos ou incestuosos. O conceito de família sob a luz do patriarcado advém da origem da palavra ‘’família’’, advinda do termo latino famulos que denomina ‘’escravo doméstico’’. A 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. família romana tinha como protagonista o homem, independente da figura de pai, ele era hierarquicamente superior, sendo seus subordinados tanto sua família, mulher e filhos quanto escravos, decididindo até sobre suas vidas. No Brasil, na colonização, a constituição familiar não era diferente. O vínculo do casamento não podia se romper em nenhuma hipótese, por influência dos princípios religiosos. Mudanças históricas no âmbito familiar aconteceram na revolução industrial no ano de 1760, onde a mulher foi inserida no mercado de trabalho, com o surgimento da pílula anticoncepcional em 1960, com o surgimento do divórcio em 1977, entre outros acontecimentos onde o conceito de família foi gradativamente mudando, na medida em que as mulheres passaram a ter menos tempo para se dedicar aos filhos, puderam assim planejar suas famílias através da prevenção, até na decisão de ter ou não filhos, puderam desfazer seus casamentos e dessas mudanças, novos enlaces familiares foram surgindo, e assim, novos conceitos de família, afastando cada vez mais o conceito puramente patriarcal. Diante desses pressupostos o jurista e ministro da suprema corte Edson Fachin, correlaciona essa mudança estrutural das famílias e de seu conceito sob a historicidade: É inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais” (FACHIN, 1999, p. 11). Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que em seu texto, só reafirmou todas essas evoluções históricas na estrutura familiar, pautadas principalmente nos princípios da dignidade da pessoa humana, na igualdade, e na afetividade, reconhecendo outras espécies de família, como a família formada através da união estável, principalmente em seus artigos 226 e 227. Nesse sentido, nos dias atuais, observa-se o protagonismo da família eudemonista, tanto na carta magna, quanto legislação civil, doutrina e decisões judiciais, que cada vez mais, tem reconhecido diferentes espécies de famílias, tais como a família homoafetiva, reconhecida através da resolução de número 175, de 14 de maio de 2013, reconhecendo o casamento e a união estável de duas pessoas do mesmo sexo, que foi um marco no avanço dos direitos. Através desse viés, a doutrinadora Maria Berenice conceitua: 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade enseja o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. São as relações afetivas o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira de as pessoas se converterem em seres socialmente úteis. Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome: família EUDEMONISTA, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros. (DIAS, 2015, p. 143) Desse modo, o princípio da afetividade hoje engloba o conceito de família, de forma que não o gessa, nem o define mas o expande a conceitos cada vez mais plurais e assistemáticos, em detrimento disso, o novo conceito de família multiespécie, que é a família formada por seres humanos e animais, deve-se ter uma atenção especial, visto que é uma realidade, e por observância principalmente ao princípio da afetividade, legislações precisam ser consolidadas, a fim de assegurar direitos e deveres provenientes desse laço, e o judiciário se ater ao deparar com demandas desta matéria, para solucionar com empatia e justiça. 2. FAMÍLIAS AMPARADAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE Com a promulgação da Constituição Federal em 1998, é sabido que o legislador abrangeu o conceito de família através do princípio da afetividade, como elemento basilar na constituição de uma família, reconhecendo mais modalidades familiares fundada na pluralidade e felicidade nos enlaces familiares. Além da tradicional família matrimonial, que se forma a partir do casamento de duas pessoas, instituída no art. 226, parágrafo segundo da Carta Magna, o texto constitucional trouxe ainda reconhecimento legal para a União estável, que é aquele vínculo não matrimonial, formado entre duas pessoas, que possuem uma relação amorosa pública, contínua, duradoura e com objetivo de formar família no mesmo artigo, em seu parágrafo terceiro, reconhecendo também a família monoparental, que é aquela família formada, por ascendentes e um descendente, por quaisquer que sejam os motivos, pai e filhos, ou ainda mãe e filhos. Portanto, essas são as três modalidades familiares amparadas pela Constituição Federal, a qual trouxe vertentes muito forte em relação a liberdade de escolha, a busca pela felicidade, pela não discriminação, e pela igualdade. 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. Como mencionado no capítulo anterior, um dos maiores avanços do conceito de família, foi o reconhecimento da família homoafetiva, ou seja, o reconhecimento de família de duas pessoas do mesmo sexo, que podem se casar, e construir uma união estável, tal marco foi instituído através da resolução de número cento e setenta e cinco, de quatorze de maio de dois mil e treze. Outras modalidades familiares ainda reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência, a família Mosaico/Pluriparental, a doutrinadora Maria Helena Diniz a conceitua como ‘’dos seus, dos meus, dos nossos’’ (DINIZ, 2016) que é aquela em que encontrasse mais de uma família, por exemplo, após o divórcio, o pai forma nova família, trazendo dois núcleos familiares para os filhos, temos também a espécie de família Anaparental denominada pela ausência dos pais, onde juntos, os filhos formam uma família, há também a família Unipessoal, sim, família de uma só pessoa, seja ela solteira, separada, divorciada ou viúva, encontrada na súmula 364 do STJ. Também há a família Eudemonista que aquela formada pela primazia da afetividade e pela felicidade, não tendo estreita ligação sanguínea, um clássico exemplo dessa família, é a formada por amigos, família ‘’extensa’’ incluída pela lei de número 12.010 de 2009 conhecida como a lei da adoção, e família paralela ou simultâneaque é bastante discutida, uns doutrinadores a reconhecem e a defendem, outros não, mas sua característica é a de uma pessoa que simultaneamente possui duas relações, um casamento e uma união estável, por exemplo. Diante das diversas modalidades de família aqui abordadas, pode-se perceber que a afetividade predomina como parte central dessas relações. Diante disso: ‘’Entende-se que a afetividade é um valor conquistado pelas famílias ao longo de toda sua historicidade e, como tal, deve ser conservada e preservada na sua espontaneidade própria mediante normas que visem resguardar-lá, seja qual a forma de se relacionar ou amar [...]’’ (XAVIER, 2016, p. 51) Por último, mas não menos importante, temos a família multiespécie ou pluri espécie, que diz respeito ao presente trabalho, que é aquela família formada por mais de uma espécie, assim como preconiza o nome, a espécie humana e a espécie animal (animais domésticos) juntos em uma só relação familiar. 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. Nesse sentido, existem dados que comprovam a presença cada vez mais crescente da família multiespécie: [...]106,2 milhões de animais de estimação no Brasil, país que ocupa o segundo lugar 24 Revista Científica UNIFAGOC | Caderno Jurídico | ISSN: 2525-4995 | Volume I | 2020 25 mundial em faturamento e em população de cães e gatos (37,1 milhões e 21,3 milhões, respectivamente). São ainda 26,5 milhões de peixes, 19,1 milhões de aves e 2,17 milhões de outros animais (répteis e pequenos mamíferos). Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). Enquanto a economia brasileira tem dificuldades para decolar, a entidade estima que em 2014 o faturamento do setor deverá crescer 8,2% sobre o ano passado, chegando a R$ 16,47 bilhões. Entre 2012 e 2013, o avanço havia sido de 7,3%. O montante diz respeito aos segmentos de Pet Food (alimentação), Pet Serv (serviços), Pet Care (equipamentos, acessórios e produtos para higiene) e Pet Vet (medicamentos veterinários) (FURBINO, 2014) Esses dados mostram que as famílias brasileiras estão cada vez mais adotando animais domésticos, como cãezinhos e gatinhos, e que cada vez mais, eles estão deixando de ser meros animais, passando a ser considerados como membros da família, como filhos, envolvidos pela afetividade e pelo amor. Como foi abordado no início do trabalho, a vida contemporânea, a modernidade, os direitos e suas influências foram decisivos para a ascensão da família multiespécie, pois, as mulheres passaram a decidir se querem ter filhos, quando e quantos, e o planejamento familiar é presente no cotidiano das famílias modernas, seja por sua carreira profissional, muitas mulheres têm adiado o sonho de serem mães, e outras, vivem esse sonho como mães de pets. Em virtude disso, a família moderna tem escolhido adotar animais de estimação para suprir a falta da prole, e em virtude disso, eles são tratados como se assim o fossem, sendo amados, mimados, e cuidados da mesma maneira. “Os números mostram que, hoje, é possível dizer que o Brasil tem mais cachorros do que crianças, já que, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2013, o país tinha 44,9 milhões de crianças de 0 a 14 anos” (KNOPLOCH, 2015). Como prevê a expressão jurídica em latim ubi societas, ibi jus, que significa ‘’onde há sociedade, há direito’’ reluz a necessidade de legislação que ampare a família multiespécie e os direitos inerentes a essa, pois, é fato que a família multiespécie é uma realidade, e o direito precisa evoluir junto a sociedade, para trazer segurança jurídica, e garantia da aplicabilidade dos direitos de família 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. instituídos no Código Civil Brasileiro de 2002, normatizando a convivência dos tutores e seus pets. A família multiespécie é um exemplo claro de afetividade, princípio primordial da conceituação, por isso a omissão legislativa desta matéria não deve continuar, dessa forma: “funda-se a família pós-moderna em sua feição jurídica e sociológica, no afeto, na ética, na solidariedade recíproca entre os seus membros e na preservação da dignidade deles” (FARIAS, ROSENVALD, BRAGA. P, 1680. 2018) 3. DIVÓRCIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO O divórcio é o meio jurídico pelo qual se dissolve uma sociedade conjugal, ou seja, um casamento. Diante disso, os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto o conceituam como: O divórcio é a medida jurídica, obtida pela iniciativa das partes, em conjunto ou isoladamente, que dissolve integralmente o casamento, atacando, a um só tempo, a sociedade conjugal (isto é, os deveres recíprocos e o regime de bens) e o vínculo nupcial formado (ou seja, extinguindo a relação jurídica estabelecida). Pode ser obtido judicialmente ou administrativamente, através de escritura pública, quando não houver interesse de incapaz. Implica em modificação do estado civil dos cônjuges, passando a um novo estado civil, o de divorciados. (CHAVES et al., 2018, p. 1791). Nessa perspectiva, o divórcio sendo um meio de cessar a relação matrimonial, sem que haja motivo, tempo previamente estabelecido, é findado todos os deveres e direitos conjugais, demais situações de dissolução do vínculo conjugal estão estabelecidos no art. 1571 do Código Civil Brasileiro. Ele ainda poderá ser consensual ou ainda litigioso, o divórcio consensual é aquele que acontece com a anuência das partes, ou seja, com seu consentimento, não havendo nenhum problema, atrito e divergência na guarda dos filhos, pensão alimentícia, divisão de bens, entre outras questões,ele é feito pela motivação de ambos, homologado judicialmente, conforme artigo 731 do Código de Processo Civil de 2015. Já o divórcio litigioso, como o próprio nome já diz, há uma lide, um conflito preexistente, há interesses conflitantes e dessa forma, há uma necessidade de intervenção do judiciário, seja para declarar o divórcio e intervir nas questões anteriormente abordadas. 4. INSTITUTO DA GUARDA E DO DEVER DE ALIMENTAR 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. O dever de alimentar bem como o instituto de guarda é instituído pela legislação civil brasileira, são direitos essenciais para a criação dos filhos menores, pois, eles carecem de conviver com seus pais, e também necessitam de sobreviver, ter saúde, educação, lazer, dentre diversas necessidades, e esses direitos são ressaltados que permanecem, mesmo após o fim do casamento ou união estável de seus genitores. “Obrigação alimentícia é a que a lei impõe a certas pessoas, a fim de que forneçam a outras os recursos necessários à sua manutenção, quando não tenham meios de a prover” (PLÁCIDO, SILVA, p.971) A Carta Magna de 1988, garantiu às crianças e aos adolescentes, a sua proteção, cabendo ao Estado e ao instituto família, executá-la, tendo em vista o desenvolvimento saudável fisicamente, socialmente e psicologicamente. Há duas modalidades de guarda existentes no ordenamento jurídico, a guarda unilateral e a guarda compartilhada, ao qual são conceituadas por doutrinadores como: A guarda compartilhada diz respeito à forma (inovadora) de custódia de filhos (de pais que não convivem juntos) pela qual a criança ou adolescente terá uma residência principal (onde desenvolverá a sua referência espacial, com o relacionamento com vizinhos, amigos, escola...), mantendo, porém, uma convivência simultânea e concomitante com o lar de ambos os genitores, partilhando do cotidiano de ambos os lares (aniversários, alegrias, conquistas...). Enfim, é o exercício do mesmo dever de guarda por ambos os pais (CHAVES et al., 2018, p. 1882) A guarda unilateral é definida na primeira parte art. 1.583, §1° do CC/02, podendo ser compreendida como aquela atribuída a apenas um dos ex-cônjuges ou a alguém que o substitua.155 Assim, nessa modalidade, a guarda dos filhos fica a cargo de um deles, o qual fica encarregado doscuidados com os filhos. Ao outro, que não detém a guarda, cabe o direito de visita, da guarda jurídica à distância e do pagamento da pensão alimentícia. (PÉRICARD, 2018, p.49) Dessa forma, a guarda unilateral é aquela em que apenas um genitor se responsabiliza , atribuída somente a ele, já a compartilhada, ambos genitores se responsabilizam mutuamente, de maneira igual e análoga pelo poder familiar dos filhos. 5. OMISSÃO LEGISLATIVA E A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE GUARDA E/OU ALIMENTOS PARA ANIMAIS DOMÉSTICOS Sabe-se que o ordenamento jurídico braileiro traz aos animais o status jurídico de ‘’coisa’’, sendo considerados meros objetos, ou seja, seres semoventes, incluídos ainda, na seção de bens móveis por natureza: ‘’Art. 82. São móveis os bens 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.’’ (BRASIL, 2021) No entanto, sabemos que o status jurídico dos animais domésticos não condiz com a complexibilidade da estrutura fática da sociedade contemporânea. Pois os animais domésticos estão presentes no seio familiar, sendo membros reais da família multiespécie, tendo estrita dependência emocional e material a seus tutores. De acordo com a visão biocêntrica do mundo e da senciência animal, os animais, seres não humanos também são seres que sentem emoções, dor, e é um conceito bastante aceito pela doutrina, sobre a ética e os direitos inerentes aos animais, e por isso, surge a necessidade de se dar o mesmo valor jurídico a todas espécies do mundo. Como anteriormente abordado, a legislação brasileira prevê o status jurídico de ‘’coisa’’ ‘’objeto móvel’’ aos animais, no entanto, as legislações estrangeiras reconhecem-os de maneira distinta, em breves considerações, passa-se a analisar, no Código Civil Alemão e Suiço, em seus artigos 90 e 641, respectivamente, os animais não são caracterizados como coisa, meros objetos, a legislação civil portugues, prevê normas que o tutor deve ter com seus animaizinhos,preocupando com sua vida sadia e digna, em seu art 1305, ainda a legislação portuguesa, determina a característica de sensibilidade aos animais domésticos. O atual ordenamento jurídico brasileiro limita o acesso como pode-se observar a certos direitos, no art. 75 do Código de Processo Civil, é instituído que os seres que não possuem personalidade jurídica, incluindo os animais, podem figurar de forma ativa ou passiva em juízo, desde que representados legalmente. Os animais por certo não poderiam ser classificados como pessoas humanas, nem ser considerados como sujeito de personalidade jurídica. Portanto, enquadrando-os como entes despersonalizados, eles estariam sujeitos de direito na ordem civil (PÉRICARD, 2018) Em contrapartida,é perceptível a dificuldade do judiciário diante do atual status jurídico dos animais em resolver demandas principalmente em matéria de família, em situações de dissolução da sociedade conjugal, como com quem ficará o animal e como ficará as custas de zelo deste, dado a família multiespécie consolidada nos dias atuais. A Constituição Federal de 1988, garantiu aos animais, direitos de terceira geração, sua proteção. Com a omissão legislativa sobre a matéria de família e animais, há alguns projetos de lei, que visam solucionar esse impasse, são elas: 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. PLC nº 27/2018, de autoria do Deputado Federal Ricardo Izar – PSD/SP, que “Determina que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa”, a qual fora aprovada pelo plenário em 07/08/2019 (BRASIL, 2018, p.1/4). O PL nº 542/2018, de autoria da Senadora Rose de Freitas – PODE/ES, que “Dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais de estimação nos casos de dissolução do casamento ou da união estável”, atualmente se encontra na CCJ- Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e prevê: [..] o compartilhamento da custódia de animal de estimação de propriedade em comum, quando não houver acordo na dissolução do casamento ou da união estável. Altera o Código de Processo Civil, para determinar a aplicação das normas das ações de família aos processos contencioso de custódia de animais de estimação. (BRASIL, 2018, p. 1/6). Se os projetos acima forem aprovados, haverá significativa mudança de paradigma na sociedade, sobre segurança jurídica, preenchendo uma lacuna legislativa importantíssima, e uma atuação célere e simplificada do Poder Judiciário, englobando a guarda e a pensão alimentícias aos animais, levando essas demandas para varas de família. No entanto, enquanto ainda segue-se sem legislação, diante dessa omissão o judiciário tem por dever, responder a essas novas demandas, é o que determina a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro em seu artigo quarto: ‘’quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.’’ (BRASIL, 2021) Dessa forma, pela impossibilidade de inércia do judiciário, eventuais demandas de animais sobre questões de família, poderá valer-se por analogia as matérias sobre guarda e pensão alimentícia dos filhos menores, para os animais domésticos, valendo-se também dos costumes, e também dos princípios, decisões estas deverão ser pautadas sempre no princípio da dignidade da pessoa humana, para valer a dignidade animal, o princípio da isonomia, tratando de forma desigual os desiguais, englobando partes e os animais, a afetividade, o melhor interesse do menor, o qual seja animal seu bem estar e subsistência. 5. DECISÕES JUDICIAIS De acordo com o que abordamos demais capítulos deste trabalho, a omissão legislativa em matéria de família multiespécie é clara, dessa forma, ao chegar demandas nesse sentido pela impossibilidade de inércia: ‘’“O juiz não se exime de 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O judiciário tem decidido, alguma julgados sobre este tema: A 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP já se manifestou acerca da competência para ajuizamento da ação, nos termos do voto do relator José Rubens Queiroz Gomes: ‘’aplicar a analogia acima referida, estando a ação de reconhecimento e dissolução de união estável em trâmite na 3ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central, é deste juízo a competência para o julgamento da ação em que se discute a “posse compartilhada e visitação” do animal doméstico.’’ (BRASIL, 2018, p. 4). Nesse sentido, foi defendido a competência da Vara de Família em situação de questões envolvendo animais domésticos: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO [...] na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido (BRASIL, 2018). A quarta turma do STJ reconheceu ainda a aplicabilidade da analogia sobre guarda e pensão alimentícia da criança, aos animais: partilha de bens de semovente - sentença de procedência parcial que determina a posse do cão de estimação para a ex- conviventemulher. Semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convívio até então mantido com um dos integrantes da família. [..] vínculos emocionais e afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos. Solução que não tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, expressando-se, por outro lado, como mais uma das variadas e multifárias manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente. [...] a despeito da ausência de previsão normativa regente sobre o thema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princípio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão dully, exercendo a sua posse provisória, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, das 10:00 hs de sábado às 17:00hs do domingo. (BRASIL, 2015, p. 201/207). 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. Recentemente, um julgado que corre em segredo de Justiça em Patos de Minas, muito interessante quanto a isso, um homem foi condenado a pagar 200 reais de custas alimentícias de seus seis cachorrinhos que tinha no relacionamento anterior, a decisão foi pautada na responsabilidade que o ex-cônjuge assumiu a responsabilidade e obrigação de cuidar dos animais, não afastando essa pela separação. Sendo os animais adquiridos no decorrer do casamento e ao fim da união, ficarão sob a guarda da mulher, que girava em torno de 400 reais, pagando ambos, metade das custas dos animais domésticos. E embora os animais não sejam sujeitos de direitos, "não se pode ignorar que os animais são seres dotados de sensibilidade e não podem ser equiparados de forma absoluta a coisas não vivas" CONCLUSÃO Ao adquirir um animal, o sujeito contrai a obrigação de sua subsistência, integridade física e bem-estar, sendo assim, tais obrigações não podem ser afastadas apenas pelo fato da dissolução da sociedade conjugal, sendo assim, há a possibilidade jurídica, em detrimento do cenário atual de pleitear ações de ‘’guarda’’ e pensão alimentícia de forma análoga, em casos de dissolução do casamento ou união estável tendo em vista os deveres dos cônjuges tutores e direitos dos animais domésticos. REFERÊNCIAS GIL, Ariana Anari. Noções jurídicas do direito animal. 1. ed. São Paulo: Saraiva digital, 2016. XAVIER, Lucas Bittencourt. A família brasileira em face da história e do direito. Minas Gerais, município de Ubá. Revista Científica FAGOC – Jurídica. v.1, n.1. p.51. 2016. Disponível em: <https://revista.fagoc.br/ndex.php/juridico/article/view/55> Acesso em: 01/05/202. ANIMAIS DOMÉSTICOS, In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em:<https://www.dicio.com.br/domestico>. Acesso em: 01/05/2021. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, (versão digital). FURBINO, Zulmira. Cada vez mais os animais de estimação são tratados como gente e recebem cuidados especiais; isto é um problema? Saúde Plena, 2014. 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. https://revista.fagoc.br/ndex.php/juridico/article/view/55 https://www.dicio.com.br/domestico Disponível em: <https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2014/10/07/noticias-saude,191429/cada-v ez-mais-animais-de-estimacao-sao-tratados-como-gente-e-recebem-c.shtml> Acesso em: 10/05/2021. FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos de direito de família. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 PÉRICARD, Catherine Marie Louise Tuboly. Guarda de animais de estimação no Brasil: por uma regulamentação que respeite os direitos dos animais. Projeto de Monografia Final de Curso apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito pelo CCJ/UFPE, Recife, 2018. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. 1Graduanda em Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM. https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2014/10/07/noticias-saude,191429/cada-vez-mais-animais-de-estimacao-sao-tratados-como-gente-e-recebem-c.shtml https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2014/10/07/noticias-saude,191429/cada-vez-mais-animais-de-estimacao-sao-tratados-como-gente-e-recebem-c.shtml
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