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1 Fisiologia do sistema respiratório Bruna Stephanini – 87 Estrutura e função A respiração pode ser definida como sendo os mecanismos necessários para suprir os tecidos com oxigênio e remover o gás carbônico gerado pelo metabolismo. A troca gasosa ocorre na membrana alvéolo-capilar. Essa é atingida, por um lado, pelas vias aéreas (que se dividem em zonas condutoras e respiratórias) e por outro, pelos vasos sanguíneos. As vias aéreas consistem em uma série de tubos que, conforme adentram o parênquima pulmonar, se ramificam, tornam-se estreitos, curtos e numerosos. Assim, a traqueia origina um brônquio principal, que se ramifica em brônquios esquerdo e direito, os quais, por sua vez, dividem-se em brônquios lobares, segmentares e bronquíolos terminais, os quais não possuem alvéolos e são a última porção condutora das vias aéreas, que continua como porções respiratórias. As zonas condutoras têm o papel de levar o ar inspirado até as zonas de trocas gasosas. Elas constituem, assim, o chamado espaço morto anatômico, já que não realizam trocas, e possuem volume aproximado de 150ml. Os bronquíolos terminais, por sua vez, se dividem em bronquíolos respiratórios, que contêm alvéolos, e, em seguida, se dividem em ductos alveolares, que são porções completamente recobertas por alvéolos. As áreas nas quais são encontrados alvéolos são denominadas zonas respiratórias, já que conseguem realizar trocas gasosas. Com a contração do diafragma durante a inspiração, cria-se uma pressão negativa nos pulmões, o que faz com que o ar entre e a cavidade torácica seja expandida. Essa expansão é devido à contração diafragmática e à ação dos músculos intercostais, que elevam as costelas. Desde a traqueia até os bronquíolos terminais, o ar possui grande velocidade, contudo, ao alcançar as zonas 2 respiratórias, a velocidade reduz drasticamente. Isso porque as zonas respiratórias possuem grande área de secção transversal. Nessas zonas, o movimento do ar se dá por difusão. Assim como as vias aéreas, os vasos sanguíneos também se ramificam em porções cada vez menores, até que se atinjam os capilares, que formam uma rede densa nas paredes dos alvéolos, o que permite as trocas gasosas através da membrana alvéolo-capilar. Essa é tão delgada que grandes aumentos na pressão alveolar podem ser prejudiciais. Os alvéolos são formados por uma única camada de células, chamadas pneumócitos, os quais podem ser do tipo I ou II. Além dessas células, há uma camada de água, que gera tensão superficial. Essa tensão superficial faz com que exista uma tendência de colabamento dos alvéolos. A fim de se evitar isso, os pneumócitos do tipo II produzem surfactante, que atua reduzindo essa tensão e aumentando a estabilidade alveolar. As vias aéreas atuam, ainda, removendo partículas do ar inspirado, o que evita que essas cheguem ao pulmão. As partículas maiores são filtradas no nariz, enquanto as menores ficam depositadas nas zonas de condução, que possuem muco. Esquema: Alvéolo sem surfactante Alvéolo com surfactante 3 Ventilação A ventilação diz respeito à forma em que o ar atinge os alvéolos. O volume de ar que entra nos pulmões em cada respiração é chamado de volume de ar corrente (VC) e vale cerca de 500ml. Após uma expiração, sobra certo volume de ar nos pulmões, chamado capacidade residual funcional (CRF). A CRF é um dos fatores responsáveis por manter os alvéolos sempre abertos. Em condições em que se inspira forçadamente e se expira também de forma forçada, o volume expirado é chamado de capacidade vital (CV). Após essa expiração, sobra no pulmão um volume residual (VR). Resumo: ▪ VC – Volume corrente ▪ VER – Volume expiratório residual/de reserva ▪ VR – Volume residual ▪ CRF – Capacidade residual funcional ▪ CV – Capacidade vital ▪ CI – Capacidade inspiratória ▪ CPT - Capacidade pulmonar total ▪ VIR – Volume inspiratório de reserva 4 Existem inúmeras técnicas que possibilitam medir os volumes pulmonares, como a espirometria, diluição de gás hélio e pletismografia de corpo inteiro. O primeiro permite quantificar o volume de ar corrente e a capacidade vital. Os dois últimos possibilitam a identificação da capacidade pulmonar total (CPT), CRF e volume residual (VR). Dos 500ml de ar inspirados, cerca de 150ml não chegam aos alvéolos, permanecendo no espaço morto anatômico (zonas de condução). Assim, os 350ml de ar que chegam aos alvéolos e possibilitam a troca gasosa são referentes à ventilação alveolar que, evidentemente, difere da ventilação pulmonar. A ventilação alveolar pode ser aumentada quando se aumenta o volume de ar corrente e/ou a frequência respiratória. Como ocorrem trocas gasosas apenas com o ar alveolar, é possível estimar a ventilação alveolar a partir do volume de CO2 expirado, já que esse será, inteiramente, proveniente da ventilação alveolar. Além disso, pelo mesmo motivo, a pressão parcial de CO2 arterial e alveolar é praticamente a mesma. Enquanto o espaço morto anatômico corresponde ao ar “parado” nas vias de condução, o espaço morto fisiológico diz respeito ao ar remanescente nos pulmões após a expiração. A ventilação total (pulmonar) corresponde ao volume de ar corrente multiplicado pela frequência respiratória. As diferentes regiões do pulmão – base, região média e ápice – possuem diferentes graus de ventilação e perfusão. A base dos pulmões apresenta maior ventilação por unidade de volume e maior perfusão do que as outras duas regiões. As diferenças na ventilação são decorrentes do efeito gravitacional sobre os pulmões, o que favorece a ventilação na base. O fluxo sanguíneo também é alterado em condições de exercício físico e mudanças de postura. Quando uma pessoa se deita, o fluxo sanguíneo no ápice do pulmão aumenta, embora o fluxo da base sofra pouca alteração. No exercício físico, aumenta-se o fluxo sanguíneo em todas as regiões pulmonares. As variações no fluxo sanguíneo se dão em função das diferentes pressões hidrostáticas nos vasos. As variações na ventilação, por sua vez, ocorrem em função das diferentes pressões intrapleurais ao redor dos pulmões. A pressão na região das bases pulmonares é maior (menos negativa) do que nas regiões do ápice pulmonar. Observação: ➢ VT = VC . ƒ → Ventilação total VT = 500ml . 12ciclos/min VT = 6 L/min 5 Esquema: 1. Apneia fisiológica 2. Entrada de ar 3. Apneuse 4. Expiração A respiração é cíclica, apresenta um período de apneia fisiológica, no qual não há entrada ou saída de ar; entrada de ar; apneuse; expiração. Esse ciclo pode ser mensurado a partir de um expirômetro. Vale lembrar que a expiração é um pouco mais demorada que a inspiração. Trocas gasosas Na difusão, a taxa de transferência de um gás através de um tecido depende da área e da espessura desse além da diferença de pressões parciais de cada lado do tecido. Assim, quanto maior a área tecidual e a diferença de pressão e quanto menor a espessura, mais facilmente ocorre a difusão de gases. Além disso, a taxa de difusão depende diretamente da solubilidade do gás e, inversamente, do seu peso molecular. 1 2 3 4 6 É possível que se tenha limitações da difusão. Quando se inspira, por exemplo, monóxido de carbono, CO, esse gás chega aos alvéolos, ultrapassa a membrana alvéolo-capilar e, no sangue se liga à hemoglobina. No entanto, essa ligação se dá fortemente e o gás não fica livre no sangue, o que gera pouco aumento em sua pressão parcial e, consequentemente, o fluxo difusional não se inverte. Assim, a quantia de CO que atinge o sangue depende de características difusionais. → Transferência limitada pela difusão. Ainda, pode-se ter limitações na perfusão. Isso ocorre com o oxido nitroso,N2O, que, ao atravessar a membrana alvéolo-capilar não se liga à hemoglobina, fica “solto” no sangue, o que gera aumento rápido na sua pressão parcial, que logo se eleva ao nível do gás alveolar e faz com que sua captação cesse. Dessa forma, sua transferência é limitada pela quantidade de sangue que percorre a membrana. → Transferência limitada pela perfusão. O oxigênio, por outro lado, representa um “meio termo”. Ao atravessar a membrana alvéolo- capilar, o O2 se liga à hemoglobina, porém com menor intensidade do que o CO. Com isso, há aumento na pressão parcial de oxigênio no sangue. Em condições nas quais há prejuízos às propriedades difusionais, como aumentos na espessura da membrana, a pressão parcial do oxigênio demora a alcançar a pressão do gás alveolar e passa a depender parcialmente da perfusão. CO 7 Assim que o oxigênio entra nos capilares, sua pressão parcial (pO2) nas hemácias é de 40mmHg. Já no final do capilar, sua pressão parcial é de 100mmHg. Dessa forma, o oxigênio flui para o sangue, elevando a pO2 nas hemácias, até que a diferença entre a pressão parcial desse gás no sangue e nos alvéolos seja mínima. Fluxo sanguíneo e metabolismo A circulação pulmonar tem início na artéria pulmonar, que recebe sangue pouco oxigenado proveniente do ventrículo direito. Essa artéria se ramifica sucessivamente, até o nível dos bronquíolos terminais, onde ela contribui com a formação do leito capilar. Nesse leito capilar, sangue oxigenado é capturado e levado, pelas veias pulmonares, até o átrio esquerdo. As pressões existentes na circulação pulmonar são relativamente baixas. Na artéria pulmonar, tem-se uma pressão de 15mmHg, enquanto na aorta tem-se uma pressão de 100mmHg. Isso faz com que a artéria pulmonar não precise de grande quantidade de músculo liso em sua parede, já que sua função é de receber todo o débito cardíaco em um curto período de tempo, enquanto que, a artéria aorta tem o papel de distribuir o sangue por todo o corpo, o que gera maior necessidade de músculo em sua parede. Em condições fisiológicas, existem capilares nos quais não há fluxo sanguíneo. Esses podem estar abertos ou fechados. Em casos de necessidade, com o aumento da pressão sanguínea, eles podem ser recrutados e começar a circular sangue, o que reduz a resistência vascular pulmonar. 8 Outro mecanismo responsável pela resistência vascular pulmonar é a distensão dos vasos “extra- capilares”. Esses vasos, quando há aumento no volume pulmonar, são distendidos em função de apresentarem musculatura lisa e fibras elásticas. Quando o volume pulmonar é reduzido, esses vasos tendem a colabar e gerar, portanto, alta resistência vascular. A resistência vascular pulmonar, que geralmente é bastante pequena, reduz em condições de exercícios físicos em função do recrutamento e da distensão de capilares. Além disso, volumes pulmonares muito pequenos ou muito grandes (comprime vasos) também aumentam a resistência. A hipóxia alveolar causa vasoconstricção de ramos da artéria pulmonar. Esse mecanismo é importante no nascimento de bebês, que sofrerão a transição da respiração placentária para a pulmonar. Na vida intrauterina, a resistência vascular pulmonar é bastante elevada e, em função desse mecanismo de hipóxia alveolar, a circulação é redirecionada a tecidos não hipóxicos, o que é essencial para o desenvolvimento desses. Na primeira respiração, reduz-se a resistência em função do relaxamento da musculatura vascular lisa e, então, ocorre aumento no fluxo sanguíneo pulmonar. Em adultos, a vasoconstricção pulmonar hipóxica é importante para redirecionar o fluxo de sangue oxigenado para partes não hipóxicas do tecido pulmonar, o que evita maiores danos. Manter os alvéolos sem líquidos é essencial para a manutenção das trocas gasosas. A troca de líquidos segue o equilíbrio de Starling, que depende da pressão coloidosmótica, e da pressão hidrostática. A primeira tende a acumular líquidos nos alvéolos, enquanto a segunda atua no sentido de tirar líquidos do alvéolo e direcioná-los para o interstício. Correlação clínica: ➢ Drogas vasoconstrictoras (histamina, serotonina, norepinefrina) aumentam a resistência vascular pulmonar. Já substâncias vasodilatadoras, como acetilcolina, reduzem a essa resistência. Observação: ➢ Quedas no pH promovem vasoconstricção. 9 A circulação pulmonar atua, também, em funções metabólicas, visto que, além do coração, os pulmões são órgãos responsáveis por receber todo o fluxo sanguíneo. A principal ação metabólica da circulação pulmonar consiste na conversão de angiotensina I em angiotensina II, um potente vasoconstrictor. Relações de ventilação – perfusão A eficiência nas trocas gasosas depende de um equilíbrio entre ventilação e fluxo sanguíneo nos pulmões. A hipoxemia (baixa p02 no sangue arterial) é gerada quando esse equilíbrio não é mantido e, geralmente, isso se dá em decorrência de shunts e de hipoventilação. Considerando-se que o ar atmosférico inspirado possui cerca de 20% de oxigênio, a pO2 do ar inspirado é de, aproximadamente, 149mmHg. A pO2 alveolar é determinada pelo equilíbrio entre a remoção de oxigênio pelo sangue e a renovação desse gás pela ventilação alveolar. Quando a ventilação alveolar reduz muito, tem-se hipoventilação e, consequentemente, redução da pO2 (alveolar e arterial) e aumento da pCO2. Correlação clínica: ➢ Edema pulmonar: problemas nesse mecanismo geram acúmulos de liquido nos pulmões, que pode ser encontrado no espaço perivascular ou no espaço alveolar, o que constitui um caso mais grave. 10 Outra causa de possíveis desequilíbrios na relação entre perfusão e ventilação são shunts, que se referem ao sangue que entra no sistema arterial sem passar pelas áreas de oxigenação dos pulmões. Isso ocorre, por exemplo, com pequenas veias cardíacas, que drenam o sangue coronariano diretamente para o ventrículo esquerdo, ocasionando mistura de sangue arterial com venosos, ainda que em pouca quantidade. Essa mistura faz que a pO2 do sangue arterial seja menor do que a pO2 alveolar. A relação ventilação-perfusão pode, ainda, ser alterada por bloqueios nas vias aéreas e/ou nos vasos sanguíneos. Quando essa relação é alterada, o pulmão não consegue transferir O2 e CO2 de forma eficiente, o que significa que não se mantem a pO2 arterial alta e a pCO2 baixa. Dessa forma, tem-se hipoxemia e hipercapnia (acúmulo de CO2). Aumentos na ventilação pulmonar, como em casos de hiperventilação voluntária, são eficazes para reduzir a pCO2 arterial, mas não para aumentar a pO2. Isso se deve em função das diferentes curvas de dissociação desses gases. Transporte dos gases O oxigênio pode ser transportado no sangue de duas formas: dissolvido ou combinado com a hemoglobina. A quantidade de oxigênio que é transportada na forma dissolvida é bastante pequena, visto que não é uma forma muito eficiente de se distribuir O2 pelo organismo. 11 Existem diversos tipos de hemoglobina. Nos adultos tem-se a hemoglobina do tipo A, enquanto em recém-nascidos tem-se a hemoglobina do tipo F, que é gradualmente substituída pela A. A hemoglobina e o oxigênio ligam-se facilmente e de forma reversível, dando origem à oxiemoglobina. A quantidade máxima de O2 que pode se ligar à hemoglobina é chamada capacidade de O2 e depende da quantidade de ligações realizadas entre o oxigênio e a hemoglobina, ocorre quando todos os sítios de ligação com o gás estão ocupados. A saturação de oxigênio, por sua vez, consiste na porcentagem dessas ligações que estão ocupadas pelo O2. No sangue arterial, esse valor é de cerca de 97,5% enquanto que no sangue venoso é de cerca de 75%. A mudança da Hb do estado oxigenado (relaxada) para o desoxigenado (tenso/reduzido) se dá a partir de alterações conformacionais na molécula de hemoglobina. Quando a curva de dissociação do oxigênio é desviadapara a direita, significa que há menor afinidade entre o gás e a hemoglobina. Isso pode ser causado por aumentos na concentração de H+, na pCO2, temperatura e concentração de 2,3-difosfoglicerato (DPG). Alterações opostas desviam a curva para a esquerda, o que significa aumento da afinidade entre O2 e Hb. Observação: ➢ O2 + Hb ↔ HbO2 → Oxiemoglobina ➢ CO + Hb ↔ COHb → Carboxiemoglobina Correlação clínica: ➢ A hemoglobina reduzida (sem ligações com o oxigênio) possui coloração roxa. Dessa forma, a baixa saturação de oxigênio arterial gera cianose. No entanto, a cianose, em si, não é um fator determinante para a determinação de baixa saturação de oxigênio, já que para ser avaliada, depende de inúmeros fatores, como iluminação, pigmentação da pele, etc. 12 O monóxido de carbono (CO) consegue se ligar à hemoglobina com uma afinidade de cerca de 240 vezes maior do que a do oxigênio. Assim, a liberação de O2 fica comprometida. É possível que, mesmo com concentrações normais de Hb e pO2, a quantidade de oxigênio disponível esteja reduzida em função da formação de carboxiemoglobina – COHb. O CO2, por sua vez, pode ser transportado no sangue de três formas: dissolvido, na forma de bicarbonato (HCO3-) ou associado a proteínas, na forma de carbamino. O dióxido de carbono é mais solúvel que o oxigênio, assim, esse transporte é mais evidente no CO2, em que cerca de 10% é transportado dessa forma. A formação de bicarbonato se dá pela reação representada abaixo. A primeira reação é mais rápida nos eritrócitos do que no plasma sanguíneo em função da presença da enzima anidrase carbônica (AC), que catalisa a reação. Já a segunda reação não necessita da presença de enzimas, visto que é uma dissociação iônica. Quando se tem acúmulo desses íons nos eritrócitos, o 13 bicarbonato se difunde para o meio externo, mas o H+ não faz, já que a membrana é relativamente impermeável a cátions. Assim, para garantir o equilíbrio, há entrada de íons cloreto (Cl-) nos eritrócitos, o que caracteriza o chamado desvio de cloreto. Além disso, alguns íons H+ se ligam à hemoglobina reduzida, já que ela é menos acida do que Hb oxigenada e, consequentemente, representa um melhor aceptor de prótons. Assim, a presença de Hb desoxigenada no sangue ajuda na captação de CO2, o que é conhecido como efeito Haldane. O transporte de CO2 associado a proteínas (30%) se dá quando o gás se liga à porção aminoterminal de proteínas sanguíneas, originando compostos carbamino. Isso ocorre, principalmente, com as globinas das hemoglobinas. Das formas de transporte do dióxido de carbono, a mais expressiva é a formação de bicarbonato (60%), seguida pelos compostos carbamino (30%) e a forma de CO2 dissolvido (10%). Quanto menor a quantidade de HbO2, maior a concentração de CO2 a uma dada pCO2. Observação: ➢ CO2 + H2O ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3- AC 14 Em função do transporte de CO2 na forma de bicarbonato, os pulmões exercem importante função na manutenção do estado ácido-base do organismo. Alterando-se a ventilação alveolar, altera-se a eliminação de CO2 e, consequentemente, influencia-se a equilíbrio ácido-base do sangue. A elevação da pCO2 gera acidose respiratória, a qual causa redução no pH sanguíneo. Essa acidose é gerada pela retenção de CO2, a qual pode ser gerada por hipoventilação ou desequilíbrios na relação difusão-perfusão. Assim, com o aumento da concentração de CO2, os rins atuam no sentido de compensar essa acidose e retém HCO3-, o que desloca a reação para a esquerda. Já a queda de pCO2 causa alcalose respiratória, que aumenta o pH sanguíneo. Essa condição pode ser desencadeada por hiperventilação. Nesse contexto, os rins tentam compensar a situação aumentando a excreção de bicarbonato. É possível, ainda, que se tenha alcalose e acidose metabólicas. Nesses casos, tem-se compensações respiratórias. Na acidose, ocorre aumento na ventilação e, consequentemente, redução na pCO2. Já na alcalose, a compensação respiratória é pequena. O oxigênio e o gás carbônico se movimentam tanto entre os alvéolos e o sangue capilar quanto entre o sangue capilar e as células teciduais por meio da difusão. Quando se tem baixa pO2 nos tecidos, observa-se hipóxia tecidual. Essa pode ser causada por baixa pO2 arterial, o que caracteriza a chamada hipóxia hipóxica; redução no transporte de oxigênio (hipóxia anêmica); redução no fluxo sanguíneo (hipóxia circulatória) ou ainda em função do comprometimento do transporte de oxigênio causado por substancias tóxicas, como cianeto (hipóxia histotóxica). Vale lembrar que hipóxia não é o mesmo que hipoxemia. O primeiro diz respeito aos tecidos, o segundo, ao sangue. 15 Mecânica respiratória A ventilação é responsável pela entrada e saída de gases dos alvéolos. A ventilação é realizada por grupos musculares (músculos inspiratórios e expiratórios). O músculo inspiratório mais importante é o diafragma, cuja inervação é proveniente do nervo frênico. A expiração é uma ação passiva e ocorre em função do aumento da pressão intra-abdominal. Um fator importante na mecânica ventilatória é a complacência pulmonar. Outro aspecto indispensável à mecânica ventilatória é a tensão superficial existente nos alvéolos, a qual é reduzida pela secreção de surfactante pelos pneumócitos tipo II. Em experimentos, encheu-se um pulmão com solução salina e, ao inflá-lo percebeu-se que sua complacência era maior, o que significa que distendê-lo era mais fácil. Isso porque, com os pulmões preenchidos com solução salina, abole-se a tensão superficial. Correlação clínica: ➢ Aumentos no tecido fibroso pulmonar reduzem a complacência, a exemplo do que ocorre na fibrose cística. ➢ Asma reduz a complacência pulmonar. 16 As propriedades elásticas da parede torácica também são importantes na mecânica ventilatória. Isso pode ser evidenciado em casos de pneumotórax, onde, com a entrada de ar na cavidade torácica, essa se expande e os pulmões são comprimidos. Em condições normais, quando se inspira, os pulmões geram uma força “para fora” e, a cavidade torácica, uma força “para dentro”. Essas forças se equilibram. O fluxo de ar nas vias aéreas pode ser laminar ou turbilhonado. Assim como no sistema circulatório, a determinação desse fluxo depende da equação de Poiseuille e do número de Reynolds. Correlação clínica: ➢ Crianças que nascem sem quantidades suficientes de surfactante desenvolvem a chamada síndrome da angustia respiratória (SARA), que pode levar a óbito. 17 A resistência nas vias aéreas se dá, principalmente, nos brônquios de tamanho intermediário, já que a área de secção dos bronquíolos de pequeno tamanho é relativamente grande e, consequentemente, não contribui tanto com o estabelecimento da resistência. Baixos volumes pulmonares geram aumentos na resistência enquanto que grandes volumes pulmonares reduzem a resistência, já que as vias aéreas se encontram abertas. A musculatura brônquica possui inervação proveniente do sistema autônomo. Assim, estímulos simpáticos (noradrenalina) promovem broncodilatação, já estímulos parassimpáticos (acetilcolina) geram broncoconstrição. A densidade e a viscosidade do gás afetam a resistência oferecida ao fluxo. Por exemplo, durante um mergulho em grandes profundidades, a pressão gera aumentos na densidade do gás, o qual, consequentemente, oferece maior resistência ao fluxo. O trabalho respiratório, necessário para movimentar pulmões e caixa torácica durante a respiração, consiste no produto entre pressão e volume. Controle da ventilação Os elementos básicos do controle da ventilação são: sensores; centros de controle central no cérebro e efetores. Os sensores reúnem informações e as direcionam para os centros de controle 18 no cérebro, o quais enviam impulsos para os efetores, que promovema ventilação por meio da ação de músculos. O controle nervoso da respiração é proveniente do tronco encefálico, embora, em casos de respiração voluntaria, o córtex cerebral possa prevalecer. Os centros respiratórios são localizados na ponte e no bulbo e são, na realidade, grupos de neurônios. Existem três grupos principais de neurônios: centro respiratório bulbar, centro apnêustico e centro pneumotáxico. Esses centros respiratórios são responsáveis pelo padrão rítmico da inspiração e expiração. O centro respiratório bulbar possui dois grupos de células, sendo um grupo dorsal, associado à inspiração, e um grupo ventral, relacionado à expiração. O centro apnêustico tem a capacidade de atuar sobre a área inspiratória do bulbo, excitando-a. o centro pneumotáxico, por sua vez, atua no centro inspiratório, inibindo-o. Até certo nível a respiração é voluntaria e pode ser controlada pelo córtex cerebral. Além disso, o sistema límbico e o hipotálamo podem alterar a respiração em situações como raiva e medo. Os efetores da respiração são os músculos diafragma, intercostais, abdominais e acessórios, os quais precisam atuar de forma coordenada. Os sensores correspondem aos quimiorreceptores, os quais podem ser centrais ou periféricos. Os quimiorreceptores centrais são aqueles situados ao redor da porção ventral do bulbo. Eles são circundados por liquido extracelular cerebral, cuja composição é dependente do liquido cefalorraquidiano (LCR), do fluxo de sangue local e o metabolismo. Eles respondem a alterações de pH geradas por mudanças na concentração de H+. Aumentos nessa concentração estimulam a ventilação, enquanto reduções inibem. O liquido cefalorraquidiano encontra-se separado do sangue pela barreira hematoencefálica, a qual é bastante impermeável aos íons H+ e HCO3-, embora seja bastante permeável ao CO2. Assim, quando há aumentos na pCO2 sanguínea, o CO2 se difunde pela barreira hematoencefálica e alcança o LCR. Nele, ocorre liberação de íons H+, os quais estimulam quimiorreceptores. Esses geram uma resposta de hiperventilação, que reduz a pCO2 no sangue e, consequentemente, no LCR. Vale lembrar que no liquido cefalorraquidiano há menor quantidade de proteínas do que no sangue, o que gera uma menor capacidade tamponante. Assim, aumentos na pCO2 geram efeitos mais visíveis no pH do LCR do que no pH sanguíneo. 19 Os quimiorreceptores periféricos são encontrados na bifurcação da carótida, nos glomos carotídeos. Esses quimiorreceptores respondem a alterações no pH sanguíneo, pCO2 e pO2 arteriais. Os quimiorreceptores periféricos possuem grande fluxo sanguíneo e são responsáveis pela resposta ventilatória à hipoxemia arterial. Tem-se, ainda, receptores de distensão pulmonar. Esses são localizados na musculatura lisa das vias aéreas e são responsáveis pelo reflexo de Hering-Breuer, que consiste na redução da frequência respiratória em decorrência da ampliação do tempo expiratório. Além disso, existem receptores que respondem a substâncias irritantes no nariz, na laringe e na traqueia gerando espirros e tosse, por exemplo. A respiração pode sofrer influência, ainda, de barorreceptores nas artérias, os quais, ao detectar aumento na pressão, estimulam hipoventilação. Analisando-se como um todo, o fator mais importante na regulação da ventilação é a pCO2 arterial. Reduções na pCO2 do sangue arterial geram redução do estimulo à ventilação. Vale lembrar que, quando em grandes altitudes, tem-se aumento na ventilação em resposta à hipóxia. Reduções no pH sanguíneo estimulam a ventilação. Durante a prática de exercícios aumenta-se a ventilação, já que há maior captação de oxigênio e maior eliminação de gás carbônico. Contudo, a maior ventilação não gera aumentos na pCO2 e nem 20 redução na pO2 arterial, embora os mecanismos desse fator não sejam plenamente conhecidos. Dessa forma, o pH arterial diminui durante o exercício não em função do aumento da pCO2, mas sim por conta da liberação de ácido lático pelos músculos. Sistema respiratório em condições de estresse Durante a prática de exercícios, a demanda existente por trocas gasosa é aumentada de forma muito acentuada. Nesse contexto, tem-se a produção de ácido lático pelos músculos, o que acarreta em maiores concentrações de H+, o que estimula quimiorreceptores periféricos, os quais atuam estimulando a ventilação. Além disso, em função do recrutamento e da distensão de capilares, tem- se aumentos na difusão pulmonar de gases. Além do mais, aumenta-se o débito cardíaco, que gera maiores pressões pulmonares arterial e venosa, o que, por sua vez, se associa ao recrutamento e distensão de capilares. Durante a realização de exercícios físicos, aumenta-se a ventilação e perfusão nos pulmões, o que reduz o desequilíbrio entre esses dois fatores. Outro fator relevante a ser analisado é o deslocamento da curva de dissociação do oxigênio para a direita em função do aumento na pCO2, H+ e temperatura. Com isso, a liberação de O2 nos tecidos é facilitada. Em grandes altitudes (acima de 5800 metros) a pressão atmosférica é reduzida e, consequentemente, a pO2 do ar inspirado também diminui, o que pode gerar hipóxia. Contudo, seres humanos são capazes de realizar aclimação, que consiste na adaptação fisiológica às alterações no ambiente. A característica mais importante no processo de aclimação é a hiperventilação, que surge em resposta aos estímulos hipóxicos que afetam quimiorreceptores periféricos. A hiperventilação gera alcalose e redução na pCO2 arterial. Outro aspecto importante na aclimação é a policitemia, que consiste no aumento da quantidade de glóbulos vermelhos no sangue. A policitemia, também chamada poliglobulia, se dá a partir da liberação de eritropoetina pelos rins como resposta à hipoxemia. Com isso, aumenta-se a concentração de hemoglobina e, consequentemente, a capacidade de transporte de oxigênio. Dessa forma, é possível favorecer a concentração de O2 arterial. O excesso de oxigênio pode constituir um fator de estresse ao sistema respiratório. Quando se inspira altas concentrações de O2 por muito tempo, tem-se danos aos pulmões, desde lesões no endotélio capilar, até edema pulmonar e atelectasia por absorção. Correlação clínica: ➢ Doença aguda das montanhas: recém-chegados a grandes altitudes apresentam cefaleia, fadiga, tontura, insônia e náuseas em função da alcalose respiratória e da hipoxemia. 21 Na vida intrauterina as trocas gasosas ocorrerem por meio da placenta. Com o nascimento, altera- se esse mecanismo e tem-se hipoxemia e hipercapnia. A primeira respiração ocorre em resposta a esses fatores. O pulmão dos bebês encontra-se cheio de liquido. Parte desse é expelido durante o nascimento em função da pressão exercida pelo canal de parto no tórax da criança. No entanto, após nascer, o pulmão ainda possui cerca de 40% de seu volume preenchido por liquido, o que auxilia na insuflação pulmonar inicial, já que, se o pulmão estivesse colabado, seria extremamente difícil inspirar. O liquido remanescente será drenado por linfáticos ao longo dos primeiros dias de vida do bebê. Testes de função pulmonar A função pulmonar pode ser medida a partir do teste da expiração forçada, no qual o indivíduo inspira o máximo que conseguir e expira da mesma forma. O volume expirado durante o primeiro segundo é chamado volume expiratório forçado (VEF1), já o volume total expirado constitui a capacidade vital forçada (CVF). Doenças restritivas e obstrutivas afetam essas medidas. A determinação de volumes pulmonares pode ser feita a partir da espirometria e da determinação da capacidade residual funcional (CRF).