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Resenha do livro - OS BESTIALIZADOS, o Rio de Janeiro e a República que não foi - José Murilo de Carvalho - Trabalhos Feitos

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RESENHA
Autor - Wanderley Pereira dos Santos*
Referencia bibliográfica
CARVALHO, José Murilo de. “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República
que não foi”. São Paulo: Companhia da Letras, 1987.
Descrição DA OBRA
A importância acadêmica das pesquisas do historiador José Murilo de Carvalho
fazem um contraste imenso com seu texto apresentado no livro “Os
bestializados: o Rio de janeiro e a República que não foi”. A primeira impressão
que tive foi que abriria mais um livro chato e monótono sobre algo a respeito da
história de nosso país, bem típico de alguns historiadores que ficam tanto tempo
isolados pesquisando em arquivos que parecem esquecer a arte da boa escrita,
no entanto, a surpresa maior é a maneira como José Murilo de Carvalho
consegue escrever um clássico da historiografia brasileira de forma simples e
dinâmica, ao mesmo tempo em que expõe sua tese principal de maneira
fantástica. Não se trata de um livro para os estudiosos das ciências humanas
somente, mas sim algo essencial a quem se considere cidadão brasileiro.
O autor apresenta uma visão da cidade do Rio de janeiro bastante ampla ao
leitor, dando ênfase a alguns problemas de cunho político, econômico e social,
fruto estes da instável transição do Império para a República. A possível
inexistência de um povo, no sentido político da palavra, é o que dá impulso ao
trabalho do pesquisador. O autor, no entanto, reforça a idéia de que a
diversidade da população do Rio de Janeiro, que crescera drasticamente em
pouco tempo devido ao fato do Estado ter se tornado capital, garantiria a
existência de diversos povos, e não de um único. Assim, diferentes opiniões e
visões fazem parte da política no início da república, e, além do mais, pode-se
também dividir a política entre os que participam dela ou não, o que José Murilo
de Carvalho chama de ativos e inativos politicamente. No cenário político que
acabara de se formar as eleições não serviam como instrumento de
representação popular, pois eram negadas à esmagadora maioria da população.
Desta forma, o autor tenta apresentar um ambiente político que não era propício
à participação popular, e que por isso resultou na utilização de outros canais de
atuação por parte do povo. Portanto, de indiferente à política a população do
Estado fluminense não tinha nada, o que ocorria é que faziam à sua maneira a
forma de agir politicamente, de expressar a cidadania, às vezes através de
modos que contradiziam o que se esperaria moralmente de uma atuação política
de verdade.
Essa informalidade gerou uma multiplicidade de ideologias, trazidas estas da
Europa, que eram divulgadas na sociedade fluminense através da imprensa
jornalística, de manifestações, de festas populares, entre outras maneiras. Tais
meios representaram o modo como a população se conscientizou politicamente,
segundo seus próprios costumes, seu dia-a-dia. É preciso ver que uma
participação política ativa segundo os moldes europeus não vai estar presente
nas práticas do povo, e é isso que o autor consegue mostrar através de uma
série de exemplificações destes canais alternativos de atuação política. A
população não é alheia ao que acontece na capital federal, ela só participa de
uma maneira não-formal, e isso é fruto, como nos mostra o José Murilo de
Carvalho, da própria República, que não permitiu a formação de cidadãos pois
além de limitar o eleitorado, eliminou também do Estado a obrigação de fornecer
educação ao povo. Tais medidas evidenciam a instável relação entre o governo
e a população, que resulta no surgimento de uma cidadania à maneira do povo,
segundo o meio social em que vivem.
O ponto alto do livro de José Murilo de Carvalho é o capítulo em que trata a
respeito da revolta da Vacina. Este incidente seria a melhor expressão possível
da existência de diferentes acepções acerca do que seria a cidadania,
demonstrando também uma consciência política em se fazer ativa politicamente.
Ocorre uma oposição à “Estadania” (termo do autor) imposta pela máquina
governamental, pois através desta somente os que contribuíam seguindo os
interesses do regime republicano é que seriam dignos de receber o epíteto de
cidadão. Percebe-se então que nunca um humilde trabalhador estaria inserido no
ambiente político proposto por essa frágil República.
A revolta, como enfatiza o autor no livro, não possuiu uma causa única. Ao
contrário, foi fruto de uma multiplicidade de fatores, o que caracteriza as
diferentes formas que a população via como vias de participação política, ou
seja, meios diferentes da idealização do que seria a cidadania em si.
Neste caldeirão de pensamentos e ações que marcou o Rio de Janeiro em fins
do século XIX e início do século XX é que José Murilo de Carvalho conclui a
inexistência de um povo bestializado aos acontecimentos políticos vigentes.
Participações políticas formais nunca haveriam de existir, pois o próprio governo
se encarregara de limitar tal ato através do voto restrito aos alfabetizados, além
do uso de outros aparatos burocráticos. Porém, a Revolta da Vacina mostra
como outros meios de se exercer a cidadania são possíveis, muitas vezes
maneiras estas muito díspares umas das outras, mas que servem para elucidar
a tese central do historiador: um regime republicano não veio a excluir o povo da
via política, pois este encontrou outros canais para exprimir seus anseios, suas
opiniões, ou seja, sua voz política ativa. Em suma, a consciência de nos
encararmos como cidadãos existe em todos nós, e não é a máquina estatal que
nos limitará, mesmo que não se transmita tais idéias da maneira de atuação
vigente, deve-se expô-los da forma como melhor convir, ou da forma em que se
é possível.
José Murilo contraria muitos historiadores que defendem a população de inícios
da República como apática do ponto de vista político, não constituindo assim um
povo em si. Em meio às idéias apresentadas pelo autor em seu livro, torna-se
difícil de sustentar tais teses sobre esta possível apatia popular. Os arranjos
entre o governo e as oligarquias, em nome da manutenção do poder, excluíam
as massas da participação política, que por sua vez foram obrigadas a se
organizarem da maneira como lhes fosse possível, estabelecendo, assim,
mundos paralelos. Bestializado, como nos mostra o autor, é aquele que se
guiava pela aparência do formal, pois a realidade se escondia atrás dessa
formalidade. Logo, não há uma falta de intervenção do povo no seio político, e a
Revolta da Vacina serve para elucidar a existência de um sentimento que
defendesse a honra e os direitos do povo, mesmo que fossem tão heterogêneos
o que se entenda como cidadania ou participação política.
Seja do lado da elite, Estado ou do povo, grandes nomes se fazem nesta época
de intensa movimentação no Rio de Janeiro. E eis um dos grandes trunfos da
obra de José Murilo de Carvalho, pois ele não mede esforços para citar diversos
nomes que dão credibilidade à história sobre o início da Primeira República.
Recorrendo a jornais do período, sejam escritos pela elite ou pelo povo, o autor
busca detalhes mínimos para enriquecer sua obra. Percebe-se que não foram
poucas as visitas aos arquivos públicos fluminenses, mas que tamanho trabalho
foi recompensado pela magnitude que a obra alcançou.
* Wanderley Pereira dos Santos é graduado em Tecnologia de Segurança e
Ordem Pública pela Universidade Católica de Brasília e Licenciado em História
pelas Faculdades Projeção em Sobradinho – DF. Especialista em História e
Cultura Afro-brasileira e Africana pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais
– SP.

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