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Natalia Quintino Dias Cirurgia – Pré e pós operatório Para avaliação do risco cirúrgico, deve-se levar em consideração algumas informações, como: - Idade; - Prática de atividade física e performance funcional; - Uso de medicações; - Obesidade; - Presença de apneia obstrutiva do sono; - Uso de álcool, tabaco e outras substâncias; - Antecedente pessoal ou familiar de complicações anestésicas. Capacidade funcional e status performance METS O termo METS é uma sigla em inglês referente ao Equivalente Metabólico tolerado pelo paciente. É uma forma de quantificar a tolerância do paciente em estresse e demanda energética/metabólica (através da estimativa do consumo de oxigênio/kg/ min), sendo avaliado a partir das atividades diárias do paciente, no intuito de inferir sua capacidade funcional habitual. Uma cirurgia sob anestesia geral exige, no mínimo, 4 METS. Um paciente que tolere 4 METS tem melhor prognóstico coronariano, e essa é uma das melhores formas de avaliar o paciente do ponto de vista cardiovascular. Esse paciente só necessitará de avaliação especializada caso outro dado aponte para um risco elevado cardiovascular (como IAM prévio, por exemplo). Já os pacientes que não toleram 4 METS são considerados de alto risco cardiovascular e devem passar por avaliação especializada (teste ergométrico, outro teste sob estresse miocárdico ou até mesmo estratificação invasiva do risco). KARNOFSKY A escala de Karnofsky, por sua vez, avalia o paciente em seu Performance Status. No entanto, ela avalia o quão comprometido está o estado basal do paciente. Os pontos-chave da tabela são: ● Até 70%, o paciente tem capacidade de autocuidado. ● Entre 40% e 60%, ele tem necessidade de auxílio de cuidadores. ● Entre 20% e 30%, o paciente necessita de cuidados hospitalares. ASA A classificação da American Society of Anesthesiologists gradua e estratifica o paciente Natalia Quintino Dias em ASA I a VI, de acordo com seu estado físico e com suas comorbidades. Essa classificação tem valor prognóstico (quanto MAIOR o ASA, PIOR o prognóstico e maior a mortalidade) e também serve de norte aos cuidados pré-operatórios: um dos objetivos é o controle de comorbidades, com potencial melhora do ASA e, por conseguinte, melhora do prognóstico pré-operatório. Exames complementares Solicita-se os exames complementares a partir dos 40 anos de idade. → Em pacientes < 40 anos, ASA 1, não há necessidade de solicitar nenhum exame complementar (salvo se a cirurgia em si o demandar). Outros exames, como ecocardiograma, teste de esforço e outros mais, só são solicitados na presença de alteração clínica ou comorbidade que os justifique. Comorbidades HAS Quando não controlada, aumenta a incidência de complicações cardíacas, neurológicas e renais (exemplos: edema agudo de pulmão, AVC e injúria renal aguda). O ideal é um controle ótimo da pressão arterial para níveis normais. Se muito descontrolado, tolera-se até 160x110mmHg (+ solicita ECG, função renal e eletrólitos). ICC A insuficiência cardíaca deve estar em seu melhor controle possível, segundo os parâmetros clínicos da New York Heart Association. O ecocardiograma será útil para caracterizar e quantificar as disfunções de câmaras e válvulas e medir o débito cardíaco. A presença de IC por si só configura alto risco cardiovascular, sobretudo se na presença de disfunção valvar importante (é importante atentar e procurar uma doença coronariana associada). A presença de insuficiência cardíaca classe funcional lV, em cirurgias eletivas, é responsável por adiar o procedimento cirúrgico. Natalia Quintino Dias Coronariopatias São doenças de alto risco cardiovascular. Presença de coronariopatia clínica -> avaliação com cardiologista. De acordo com sua avaliação clínica e complementar, o cardiologista inicialmente irá estratificar o risco cardiovascular coronariano do paciente e, após isso, propor uma estratégia de controle e otimização do quadro. Essa estratégia pode envolver desde medidas medicamentosas simples até angioplastia ou revascularização cirúrgica do miocárdio. Os pacientes com angina estável devem ter sua avaliação clínica com METS realizada e, se necessário, exames complementares. Pacientes com angina instável são de muito alto risco cardiovascular e, a princípio, só devem ser operados em situações de exceção ou emergência. Caso contrário, é de suma importância seu controle coronariano prévio (angioplastia/revascularização). Após o infarto, dependendo do cenário, pode-se operar tão precoce quanto em 30 dias, mas o ideal é aguardar pelo menos 6 meses (e vale lembrar que esse paciente muito provavelmente estará em uso de dupla antiagregação plaquetária com AAS + clopidogrel). Deve-se sempre identificar o paciente sem diagnóstico prévio, oligossintomático ou sob risco coronariano, para então dependendo do valor do METS, passarem por avaliação com especialista. Arritmias Pacientes com bradiarritmias devem ter uma estratégia de manejo clara da frequência cardíaca, com atropina a postos para a cirurgia, se necessário. Pode ser necessário o uso de marca- passo transcutâneo ou transvenoso. Pacientes com taquiarritmias devem estar em uso correto dos fármacos que suprimem ou controlam a frequência cardíaca. Nas ditas arritmias de alto grau, com destaque para os bloqueios atrioventriculares, há um alto risco cardiovascular associado. DPOC O paciente deve ser estimulado a cessar o tabagismo, caso ainda seja tabagista ativo. A avaliação pelo pneumologista se torna necessária e é complementada por uma espirometria. Pacientes Gold I e II, em geral são candidatos à maioria das cirurgias. Mas os pacientes Gold III e IV são de alto risco respiratório e deve ser ponderado o risco vs. benefício cirúrgico. Buscando-se evitar complicações no pós- operatório (exacerbação de doença/pneumonia/broncoscopasmo), pode-se lançar mão de terapia inalatória pré-operatória com B2 agonista de longa duração, ipratrópio e/ou corticoide inalatório, associada ou não à ventilação não invasiva no pós-operatório (desde que não haja contraindicação cirúrgica). A fisioterapia respiratória é também importante, tanto no pré quanto no pós-operatório. Asma Deve estar controlada. Esses pacientes se beneficiam de uma terapia inalatória pré e pós-operatória com B2 agonista de longa duração e corticoide inalatório. DM É importante o controle da doença no pré- operatório. Deve-se dosar glicemia de jejum e HbA1c no pré- operatório. Tolera-se limites de glicemia de jejum de até 130 e hemoglobina glicada de até 7,0. Para esses pacientes, devemos solicitar eletrocardiograma, hemograma, glicose, função renal e eletrólitos no pré-operatório. Risco cardiovascular Achados de alto risco cardiovascular IAM recente (<60 dias) Angina instável Arritmias de alto grau Doença valvar hemodinamicamente relevante METS <4 Se o paciente tolera 4 METS, mas tem fatores de risco, deve ser submetido a um teste de esforço. Se ele não tolera esses 4 METS e tem fatores de risco, deve-se realizar teste com estresse farmacológico. Além disso, pode ser necessário um exame mais profundo e específico, como angiotomografia coronária ou cineangiocoronariografia. Natalia Quintino Dias Transfusão de hemocomponentes Deve-se transfundir concentrado de hemácias no pré-operatório a pacientes com anemias significativas, com hemoglobina < 7,0 no geral. Transfunde-se mais precocemente a Hb < 9,0, em casos específicos, como coronariopatas ou cirurgias de alto risco específico de sangramento. Quanto às plaquetas, utiliza-se o limiar de 50.000 para uma cirurgia eletiva, e plaquetopenias inferiores a esse valor devem ser corrigidas. Para as cirurgiasoftalmológicas e neurais, deve-se utilizar o valor de 100.000 plaquetas como ponto de corte. Por fim, uma coagulopatia manifestada ao laboratório com RNI alargado >1,5 deve também ser corrigida. A correção é feita com transfusão de Plasma Fresco Congelado. Se em tempo hábil, a injeção de Vitamina K por 3 dias pode corrigir o problema e, assim, economizar a necessidade do plasma. Medicamentos no pré-operatório A regra, no geral, vai ser MANTER as medicações. Medicações que devem ser ajustadas, substituídas ou suspensas Manter Betabloqueadores: São fármacos cardioprotetores e devem sempre ser mantidos. Sua suspensão acarreta aumento de eventos cardiovasculares pós-cirúrgicos. Em coronariopatas, caso não haja uso prévio da medicação, esta deve ser introduzida cerca de 1 semana antes do procedimento, com o mesmo intuito cardioprotetor. Anti-hipertensivos: Medicamentos anti- hipertensivos, como inibidores da ECA, devem ser continuados, sem alterações em seu plano de uso. Estatinas: devem ser continuadas, sem alterações em seu plano de uso, e introduzidas no paciente de alto risco cardiovascular. Suspender Antiagregantes plaquetários: O AAS tem tendência a ser mantido, uma vez que o benefício de proteção cardiovascular vence o risco de sangramento promovido pela medicação. Entretanto, em casos de baixo risco cardiovascular e/ou alto risco de sangramento cirúrgico (como neurocirurgias ou cirurgias oftalmológicas), pode ser suspenso por 7 dias antes da cirurgia. O clopidogrel, por sua vez, é rotineiramente suspenso, cinco dias antes do procedimento, assim como a dupla antiagregação plaquetária de AAS + clopidogrel, 7-10 dias antes. Anticoagulantes: A Varfarina é um potente anticoagulante e eleva muito o risco de sangramento intraoperatório. Para reversão da anticoagulação pela Varfarina, quando necessário (como na impossibilidade de se aguardar a autorreversão após a suspensão do fármaco), pode-se lançar mão de reposição de Vitamina K por 3 dias ou transfusão de plasma fresco congelado. Havendo tempo hábil, porém, a Varfarina é descontinuada pelo menos 5 dias antes do procedimento, e é necessário verificar o RNI num coagulograma. Nesse intervalo, o paciente é mantido sob anticoagulação com heparinização plena. ● As heparinas em uso terapêutico pleno, sejam elas não fracionadas ou de baixo peso molecular, são suspensas 12h antes do procedimento cirúrgico e reintroduzidas 12-24h após o procedimento. Por fim, os novos anticoagulantes orais, como a rivaroxabana (Xarelto®): devem ser interrompidos 24 a 48 horas antes do procedimento. Corticoides sistêmicos de uso crônico: deve ser mantido no pré-operatório e sua dose deve ser elevada no intra e pós-operatório por pelo menos 48 horas. Uma estratégia nesse período é a administração do corticoide venoso na forma de hidrocortisona. ● Têm importância relacionada à supressão suprarrenal induzida pelo fármaco, expondo o paciente ao risco de insuficiência suprarrenal no pós-operatório (na recuperação, o trauma cirúrgico exige do paciente elevação da produção de corticoide endógeno – se suprarrenal suprimida, fica o risco de insuficiência suprarrenal). Antidiabéticos: os hipoglicemiantes são suspensos e substituídos por insulinoterapia, na internação. Em geral, a substituição por insulina regular/rápida “de resgate” (ou seja, apenas de acordo com a glicemia capilar seriada) é suficiente. Pacientes que, por sua vez, já utilizam insulinoterapia prévia, devem ser mantidos com insulina, mas em dose menor: metade a dois terços da original. Levotiroxina: deve ser mantida sempre. Sua descontinuação está relacionada a maior Natalia Quintino Dias ocorrência de eventos desfavoráveis, como íleo metabólico, no pós-operatório. Cuidados nutricionais É uma das medidas mais importantes no pré- operatório. O paciente desnutrido está sujeito a risco elevado de diversas complicações, tais como: infecção de sítio cirúrgico, infecções de outros sítios, úlcera de decúbito, deiscência de feridas, fístulas digestivas, entre outras. Avaliação do estado nutricional É feita a partir de uma história clínica completa e de exame físico minucioso. Existe um modelo de avaliação, chamado Avaliação Subjetiva Global (Avaliação de Detsky), utilizado para isso. Avaliam- se os seguintes parâmetros: padrão de apetite e ingesta, sintomas gastrointestinais, capacidade funcional, estresse e demanda metabólica associados a dados específicos de exame físico, como perda de gordura/massa muscular e edema de partes moles. Aponta para desnutrição pré-operatória a presença de 2 ou + dos sinais: Reabilitação nutricional O paciente desnutrido deve ser submetido a uma reabilitação nutricional por, pelo menos, 10 a 14 dias, no caso de doenças oncológicas, e por 3 semanas, no caso de doenças benignas, devendo ser ofertado 1,5 a 2,0 g/kg/dia de proteína na dieta. A dieta oferecida ao paciente pode ser plena ou mesmo hiperproteica e hipercalórica. Via alimentar Via oral = preferencial. Alternativamente, pode-se fazer uso de um dispositivo ou procedimento como via de administração de uma dieta enteral: cateter nasoentérico, gastrostomia ou jejunostomia alimentar. O cateter nasoentérico tem caráter transitório, sendo utilizado como ponte a uma via alternativa definitiva cirúrgica ou até a correção da causa da má aceitação da dieta. É muito utilizado no pré- operatório de pacientes que têm uma doença cirúrgica, causando impossibilidade alimentar (um tumor esofágico, por exemplo), ou então em pacientes que aguardam uma gastrostomia definitiva. Tanto a gastrostomia quanto a jejunostomia alimentar são procedimentos cirúrgicos que permitem a realização de dieta enteral plena no Natalia Quintino Dias paciente. A gastrostomia tem preferência sobre a jejunostomia, por ser mais fisiológica para o paciente, e é utilizada quando a via oral está indisponível (disfagia de transição/broncoaspiração) ou há obstrução faríngea/ esofágica. A jejunostomia, por sua vez, é utilizada em casos obstrutivos gástricos. Dieta parenteral: se nenhuma via alimentar se encontra adequadamente disponível, resultando em oferta oral ou entérica próxima de zero. Administrada em cateter venoso central. Jejum pré-operatório Via aérea difícil Utiliza-se a classificação de Mallampati, ao se inspecionar a orofaringe por oroscopia. Os Mallampati III e IV apontam para Via Aérea Difícil. Mallampati l: Úvula e outras estruturas da orofaringe são visíveis. Mallampati ll: Apenas a úvula é visível. Mallampati lll: Úvula parcialmente visível. Mallampati IV: a úvula não é vista. Também apontam para via aérea difícil outros dados clínicos como: anquilose cervical, obesidade cervical anterior (“papo”), microstomia e abertura oral inadequada, alteração anatômica orofaríngea/glótica (como tumores). Avaliar também o antecedente pessoal de via aérea difícil. Manejo ● Otimizar o posicionamento do paciente; ● Otimizar a técnica de laringoscopia, inclusive com manobras específicas (pode ser a Manobra de Sellick ou a Manobra de BURP); ● Otimizar material: tubos e laringoscópios de tamanhos diferentes; ● Deixar dispositivos que otimizam a ventilação à disposição (cânula de Guedel, máscara laríngea, tubo laríngeo, por exemplo); ● Deixar separado material para puncionar a membrana cricotireoidea e, também, para obter via aérea cirúrgica de forma emergencial, se necessário, através da cricotireoidostomia convencional.