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131 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Unidade III 7 BRASIL E A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA 7.1 Entre a Era Vargas e a Ditadura Militar Com o fim do Estado Novo de Vargas, o Brasil passava por um novo momento democrático, retomando discussões que foram caladas anteriormente pelo autoritarismo. Da eleição de 1945 saiu vitorioso o general Eurico Gaspar Dutra (1883‑1974), que governou de janeiro de 1946 a janeiro de 1951. Foi sucedido por Vargas, que voltou ao poder eleito pelo voto popular em um período democrático, até seu suicídio em 1955. O governo de Dutra iniciou o alinhamento do Brasil aos Estados Unidos em suas disputas com a União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, o que ficou conhecido como Guerra Fria, já que as duas potências não entravam em guerra diretamente, mas dando apoio a grupos rivais que lutavam pelo controle de países em que pretendiam exercer influência política e econômica, como ocorreu em guerras de independência dos países africanos, no Oriente Médio ou no Sudeste Asiático, como na Guerra do Vietnã, entre 1955 e 1975. Sobre a Guerra Fria, assim apresenta Eric Hobsbawm: Gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava‑se firmemente, podiam estourar a qualquer momento e devastar a humanidade. Na verdade, mesmo os que não acreditavam que qualquer um dos lados pretendia atacar o outro achavam difícil não ser pessimista, pois a Lei de Murphy é uma das mais poderosas generalizações sobre as questões humanas (“Se algo pode dar errado, mais cedo ou mais tarde vai dar”) (HOSBSBAWM, 1995, p. 224). O medo de uma nova guerra era uma constante, além do risco nuclear. São inspirados nesse momento histórico os filmes de super‑heróis, simbolizando o poder norte‑americano como salvadores do planeta frente aos maiores perigos, ou ainda os filmes de espiões. Porém, durante as décadas que seguiram, a vida das pessoas, especialmente na Europa e no continente americano, passou a melhorar. Aos poucos as lembranças da Segunda Guerra foram se afastando, a Europa passou por um processo de reconstrução com apoio financeiro dos Estados Unidos, ampliando o acesso a serviços públicos pela população. Essa postura dos países europeus era importante para conter novas instabilidades políticas e crises econômicas que poderiam fazer com que grupos comunistas ganhassem apoio popular e buscassem uma revolução inspirada na União Soviética. Parte da Europa ficou sob influência russa, especialmente o leste. 132 Unidade III Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU), que fora criada no final da Segunda Guerra, atualizou a Declaração dos Direitos Humanos, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, esforce‑se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos (ONU, 1948). Em seus 30 artigos, a declaração trata especialmente de temas fundamentais que deveriam ser observados pelos países que fizessem parte da ONU, sendo que o primeiro artigo apresenta: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, 1948). Se todos são iguais e livres, então o segundo artigo é consequência do primeiro: Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (ONU, 1948). Além disso, todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (art. 3º), ninguém pode ser mantido em escravidão ou servidão (art. 4º) e ninguém pode ser submetido à tortura (art. 5º). Também, ninguém deve ser arbitrariamente preso, detido ou exilado (art. 8º), e, uma vez acusado de um crime, deveria receber julgamento justo de um tribunal independente e imparcial (art. 10), sendo considerado inocente até que se prove sua culpa (art. 11) (ONU, 1948). Esses artigos respondiam à necessidade de não mais aceitar situações como ocorreram na Alemanha nazista, em que pessoas com deficiências físicas e mentais ou que não se enquadrassem no que era chamado de “raça ariana” – como negros, ciganos, judeus –, ou ainda aqueles que não seguissem uma série de comportamentos considerados adequados (comunistas, homossexuais etc.) eram retirados do convívio social, presos sem qualquer julgamento, tratados de modo humilhante, trabalhando à exaustão sob maus‑tratos, até serem finalmente aniquilados nas câmaras de gás e outras formas ainda mais torturantes de morte. Onde o progresso tecnológico e econômico tinha avançado e gerado um país forte e com grande nacionalismo, com o orgulho do desenvolvimento, as maiores atrocidades foram cometidas. Mas não apenas a Alemanha era um exemplo de tratamento desumano a certos grupos de pessoas; as colônias europeias na África e na Ásia já haviam passado por experiências extremamente violentas contra as populações locais, como o caso do Congo Belga, ou os regimes ditatoriais e a perseguição aos opositores. No que diz respeito especificamente à educação, a Declaração Universal dos Direitos Humanos dedicava o artigo 26, que assim declara: 133 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico‑profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos (ONU, 1948). Alguns dos aspectos apresentados já estavam em discussão e já eram motivo de lutas, como o direito de todos à instrução, à gratuidade – que garante que mesmo os mais pobres possam acessar o ensino elementar e fundamental – e o direito de a família escolher como seus filhos serão instruídos. Esses direitos também já estavam em pauta nas propostas apresentada no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Mas é preciso destacá‑los, como uma necessidade da época que se expressa nos objetivos da educação, a promoção da paz, do respeito, da liberdade e da cooperação. Observação Observe como, a partir desse momento, as políticas nacionais se relacionarão com eventos e instituições estrangeiros. No Brasil, os anos entre 1946 e 1964, apesar de serem democráticos, apresentavam alguns limites à plena democracia. Mesmo com o retorno às eleições diretas em todos os níveis, analfabetos continuavam a não poder votar. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), que havia sido legalizado em 1945, é novamente posto na ilegalidade em 1947. Afinal, não havia espaço para o comunismo entre aqueles que eram aliados dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. As discussões sobre a ampliação ao acesso à escola pública e gratuita também continuariam, e há acenos sobre essa questão na Constituição Nacional de 1946: Art 166 – A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar‑se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. […] Art 168 – A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I – o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II – o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê‑lo‑ápara quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; 134 Unidade III III – as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; IV – as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; V – o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável; VI – para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, exigir‑se‑á concurso de títulos e provas. Aos professores, admitidos por concurso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade; VII – é garantida a liberdade de cátedra (BRASIL, 1946a). Alguns aspectos devem ser destacados. Em primeiro lugar, a disposição de que o ensino é direito de todos, mas apenas o ensino primário é gratuito nas instituições oficiais, demonstrando preocupação em assegurar ao menos essa primeira fase de estudos em que os alunos são alfabetizados. Também se mantém a preocupação com a formação profissional na indústria e no comércio para os menores como aprendizes. O ensino religioso, que havia sido tema de embate nas décadas anteriores, volta a se apresentar nas escolas, mas com matrícula facultativa. Também, a contratação de professores no ensino secundário e superior seria realizada por meio de concurso, não por nomeação que poderia beneficiar pessoas ligadas aos governantes. Também são apresentadas na Constituição os recursos que deveriam ser destinados pela União, pelos estados e municípios. Essa questão já aparecia no Manifesto dos Pioneiros, pois era necessário dar autonomia orçamentária às escolas a fim de que não ficasse a educação refém das iniciativas pessoais e descontinuadas dos governantes. Além disso, era defendida a liberdade nas ciências, letras e artes; o Estado tinha o dever de amparar a cultura; seriam criados por lei institutos de pesquisa, de preferência junto às instituições de ensino superior; além de ser responsabilidade do Poder Público a proteção de monumentos naturais, além das obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico (BRASIL, 1946a). Estava indicado na Constituição também que competiria à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o que viria a ser efetivado na publicação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961, mas as discussões na câmara até a edição definitiva da lei duraram 13 anos, durante os quais muitos movimentos buscaram expandir e melhorar a educação no Brasil. Muitas campanhas foram organizadas para tentar melhorar e ampliar a educação no país, como a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades), criada em 1953, durante o período de governo democrático de Getúlio Vargas (ente 1951 e 1954) e que tinha por objetivo melhorar 135 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO a qualidade e o acesso ao ensino secundário e auxiliar na formação de professores para esse nível, com estágios e cursos de aperfeiçoamento, bolsas aos professores já atuantes para realizar especialização, entre outras medidas (BRASIL, 1953). Em 1954 foi instituída também a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Comercial (Caec), para promover a educação profissional comercial, voltada para o incentivo a criação de escolas destinadas a esse ramo de ensino, formação de professores, com especializações etc. (BRASIL, 1954). Em 1947 o Ministério da Educação criou, sob direção de Lourenço Filho, a Campanha da Educação de Adultos. O ministério financiava e orientava as ações da campanha que, segundo Piletti e Piletti (2002), tiveram bons resultados, sendo que o número de alunos matriculados nos supletivos no Brasil aumentou de pouco mais de 120 mil alunos em 1946, antes da campanha, para mais de 473 mil no primeiro ano da campanha, crescendo para cerca de 604 mil em 1948 e chegando a 720 mil em 1950. A partir de 1959 também foi criada a Campanha de Erradicação do Analfabetismo, além da Campanha da Educação Rural, a Campanha de Educação do Surdo, a Campanha de Reabilitação dos Deficientes Visuais, a Campanha da Merenda Escolar e a Campanha de Material de Ensino. Essas campanhas demonstram esforços em direcionar algumas ações para solucionar problemas específicos da educação, como analfabetismo, em especial entre os adultos, o acesso ao secundário, ou ainda demandas de grupos específicos pelo direito à educação, como os surdos e deficientes físicos, ou ainda aspectos materiais que favoreciam a permanência das crianças e adolescentes na escola, como a merenda e o material escolar. Também foi criado em 1955 o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o Iseb, que era um órgão vinculado ao Ministério da Educação e contava com um quadro de intelectuais de relevo que deveriam estudar academicamente os problemas brasileiros, o que serviria de base, como um assessoramento, para as políticas públicas. Em sua criação, pela Lei n. 37.608, era indicado que a finalidade do Iseb se voltava ao estudo, ensino e divulgação das ciências sociais para a compreensão crítica da realidade brasileira e com o objetivo de que essas análises fossem transformadas em instrumento do desenvolvimento nacional. Entre esses intelectuais estavam Hélio Jaguaribe, Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré e Roland Corbisier; apesar de não terem conseguido efetivamente influenciar nas políticas públicas nesse ideal de “nacional desenvolvimentismo”, que seria a plena inserção do Brasil em um modelo de desenvolvimento industrial, eles tiveram o papel de formação de pesquisadores voltados para a compreensão do Brasil (OLIVEIRA; ARAGÃO, 2020). Em 1961, após longas discussões no Congresso Nacional (o projeto havia chegado para a discussão em 1948), foi aprovada a primeira lei a tratar de todos os níveis de ensino no país: a LDB. O primeiro projeto foi elaborado por uma comissão de educadores presidida por Manoel Lourenço Filho, diretor do Departamento Nacional de Ensino do Ministério da Educação e da Saúde, e teve como relator geral Antônio de Almeida Júnior, professor da Universidade de São Paulo. Esse primeiro projeto, segundo Hilsdorf (2015), tinha orientação liberal e descentralizava o controle da educação, e foi duramente combatido pelo ex‑ministro de Vargas, Gustavo Capanema, que era um dos deputados da câmara a discutir o projeto. Carlos Lacerda, deputado da União Democrática Nacional (UDN), também tentou aprovar novas propostas para essa lei, privilegiando a educação privada com a justificativa de que assim as famílias teriam a primazia em educar seus filhos. O Estado teria que assumir os custos daqueles que não pudessem assumir esses gastos. 136 Unidade III A educação nesse momento ainda era um privilégio de poucos, com elevadas taxas de analfabetismo na década de 1950. A União Nacional dos Estudantes (UNE), juntamente com educadores e intelectuais ligados à Escola Nova (Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira etc.), chegou a realizar a Campanha de Defesa da Escola Pública, com a demanda de mais verbas para a educação pública. O papel do Estado na educação, o centralismo ou as autonomias locais, o ensino público e privado etc., muitas eram as questões a serem debatidas e definidas por essa nova lei. Dois grupos principais se opunham em relação à redação final da lei: por um lado aqueles que defendiam o uso dos recursos públicos favorecendo a escola pública, representados principalmente por educadores ligados à Escola Nova, e aqueles que pretendiam favorecer o ensino privado e, dessa forma, garantir maior controle das famíliassobre a maneira como a educação dos filhos seria encaminhada, empresários educacionais e grupos católicos (PILETTI; PILETTI, 2002). Em 1959, devido ao engavetamento da primeira proposta para a LDB, Fernando de Azevedo, responsável por redigir o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, preparou um novo texto, o “Manifesto dos Educadores: mais uma vez convocados”, apresentado ao povo e ao governo em 1959, assinado por 161 educadores e intelectuais. Nesse documento, é reforçado o papel do Estado na promoção da educação para todos e é defendida a escola pública e o desenvolvimento de uma educação democrática. Na LDB alguns pontos dessas discussões foram solucionados de modo a conciliar interesses conflitantes. Logo no início da legislação, ao proclamar seus princípios, é reforçada a relação entre educação e democracia, já que a educação se baseava nos princípios da liberdade e solidariedade. A educação é direito de todos, ocorre no lar e na escola. É destacado o papel da família ao escolher o gênero de ensino que daria a seus filhos. O Estado promoveria o ensino com as escolas públicas, mas se mantinha a liberdade das escolas privadas de atuarem em todos os níveis de ensino. Tanto as escolas públicas quanto as escolas particulares têm representação nos conselhos estaduais de educação, contanto que legalmente autorizadas. Os estados e o Distrito Federal deveriam inspecionar as escolas de ensino primário e médio (que não fossem mantidas pela União), verificando instalações, idoneidade e formação de professores, registros e documentos de alunos, se a remuneração dos professores era adequada. Ficava indicado nessa lei que os estabelecimentos de ensino oficiais médio e superior deveriam recusar a matrícula dos alunos que tivessem sido reprovados mais de uma vez em qualquer série ou conjunto de disciplinas (BRASIL, 1961b, art. 18). Sobre o ensino pré‑primário, é indicado que se destina às crianças de até 7 anos e ocorre nas escolas maternais ou jardins de infância. O primário é obrigatório e se inicia a partir dos 7 anos; é organizado em, no mínimo, quatro séries anuais, podendo ser estendido por até seis anos pelos sistemas de ensino (estadual, municipal, federal). Nesse caso os dois últimos anos seriam dedicados ao ensino de artes aplicadas “adequados ao sexo e à idade”. O ensino primário só pode ser ministrado em língua nacional e, se for iniciado após os 7 anos, pode ser realizado em cursos supletivos ou classes especiais. 137 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Os estados e Distrito Federal deveriam fazer o levantamento anual das crianças em idade escolar, incentivar e fiscalizar a frequência às aulas. Sobre a finalidade, o ensino primário é assim apresentado: “Art. 25. O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social” (BRASIL, 1961b). O ensino médio (aqui o termo não tem o mesmo sentido que o ensino médio atual, que seria correspondente apenas ao ciclo colegial) era destinado aos adolescentes, e se organizava como a sequência ao ensino primário. O grau médio era formado por dois ciclos, o ginasial e o colegial. Faziam parte do grau médio os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o primário e pré‑primário. O quadro a seguir traz um resumo da divisão: Quadro 1 – Organização do ensino primário e médio Ensino primário – obrigatório Ensino médio – dividido em ginasial e colegial Regular: a partir dos 7 anos de idade Supletivo: quando iniciado após a idade ideal – Secundário – Técnico – Escola Normal O grau médio era um dos principais focos dessa legislação, que era bastante breve em relação ao pré‑primário e primário. É possível perceber o esforço em compatibilizar duas necessidades na ordenação desse nível de ensino. Por um lado, estabelecer um ensino comum a todo o Brasil, ao mesmo tempo garantir espaços no currículo destinados a acomodar necessidades e particularidades regionais. Pois no artigo 35 menciona‑se que haveria disciplinas obrigatórias e optativas e que caberia ao Conselho Federal de Educação indicar até cinco disciplinas obrigatórias comuns a todos os sistemas de ensino médio. As demais disciplinas seriam indicadas pelos conselhos estaduais de educação. Além de indicarem as disciplinas, os conselhos de educação também definiriam os programas para cada ciclo. As duas primeiras séries do primeiro ciclo teriam as mesmas disciplinas obrigatórias em todos os sistemas. A desarticulação entre os níveis de ensino foi mantida nessa lei, pois a conclusão e aprovação no ensino primário não garantia o acesso ao ensino médio uma vez que ainda era necessário fazer exame de admissão para ingressar na primeira série do primeiro ciclo. Esse era um aspecto de exclusão, pois, além dos exames, havia maior número de candidatos ao ensino nas escolas públicas do que vagas (PILETTI; PILETTI, 2002). Mas a progressão para o colegial era garantida apenas com a conclusão do ciclo ginasial. Era fixada também a quantidade de dias de trabalho para o ano letivo e de horas semanais de aulas para esse grau de ensino, e as escolas também tinham autonomia para a realização de exames, verificação de rendimento escolar, expedição de certificados e diplomas. Além disso, tanto no ensino primário como no médio, empresas e proprietários rurais eram incentivados a manterem escolas para os filhos de seus funcionários. 138 Unidade III Para o ensino secundário também havia maior flexibilidade nos conteúdos, com disciplinas optativas. O ciclo ginasial do secundário tinha duração de quatro séries anuais, com nove disciplinas sendo ministradas nesse período, além das práticas educativas, sendo no mínimo cinco e no máximo sete disciplinas por série (uma ou duas optativas). O colegial devia ter duração de ao menos três séries anuais, com oito disciplinas sendo ministradas, além das práticas educativas, sendo uma ou duas disciplinas optativas, e a realização de ao menos cinco e no máximo sete disciplinas por série. Havia também a preocupação com as particularidades locais ao se inserir uma disciplina optativa no primeiro e segundo ciclos chamada de “vocacional” e que atendesse a necessidades e possibilidades locais. A terceira série do colegial era pensada como preparação para o ensino superior, sendo que as disciplinas cursadas (no mínimo quatro e no máximo seis) poderiam ser ministradas em colégios universitários. O ensino técnico continuava sendo pensado nos cursos industrial, agrícola e comercial. Também seriam divididos em dois ciclos: ginasial (quatro anos) e colegial (mínimo de três anos). O ensino técnico incluiria disciplinas do curso secundário ginasial (quatro disciplinas, sendo uma optativa) e colegial (cinco disciplinas, sendo uma optativa), além das disciplinas específicas do técnico. Nas escolas técnicas e industriais houve a tentativa de aproximar a formação técnica e secundária. Essa aproximação do técnico ao secundário tinha precedentes. Até 1949, aqueles que desejassem se candidatar ao ensino superior e tivessem concluído o ensino técnico precisavam também frequentar o secundário. A partir de 1950, os alunos que tivessem cursado o primeiro ciclo do ensino técnico industrial e comercial ou agrícola poderiam realizar matrícula no clássico ou científico, mas precisavam realizar provas das disciplinas não cursadas. Em 1953, os alunos que tivessem realizado curso normal ou técnico poderiam se candidatar ao ensino superior, mas precisavam realizar exames das disciplinas não cursadas (PILETTI; PILETTI, 2002). O ensino normal era mantido como parte do grau médio e tinha por função a formação de professores, orientadores, supervisores e administradores escolares para o ensino primário. A formação poderia ser continuada em cursos de especialização aos que já tivessem concluído o grau colegial das Escolas Normais. A formação dos professores do grau médio seria realizada nas faculdades de Filosofia, Ciências eLetras, e a dos professores das disciplinas específicas do ensino técnico se daria em cursos especiais de educação técnica. O ensino superior poderia ser ministrado em estabelecimentos agrupados ou não em universidades, que poderiam também ter a cooperação de institutos de pesquisa e centros de treinamento profissional. Os cursos do ensino superior se dividiam em graduação (para os candidatos que concluíram o ensino médio), pós‑graduação (para os que haviam concluído a graduação), além de especializações, aperfeiçoamentos e cursos de extensão. Vale salientar que a lei também menciona a “educação de excepcionais”, termo utilizado na época para tratar os alunos com deficiência intelectual, que deveria ser realizada, sempre que possível, dentro do sistema geral de educação, com integração à comunidade. Além da possibilidade de inserção nas 139 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO escolas públicas e privadas comuns, as iniciativas privadas em que se realizasse a educação desse público de forma eficiente (avaliação dos conselhos estaduais de educação) receberiam tratamento especial dos poderes públicos, com empréstimos, bolsas e subsídios (BRASIL, 1961b, art. 89). Seriam estimulados nas escolas serviços de assistência social, médico‑odontológico e de enfermagem, que seriam prestados sob a orientação dos diretores da instituição. Nesse sentido, pode‑se perceber que a escola passava a incluir necessidades mais amplas da sociedade e da comunidade em que se inseria, o que também se relacionava com as discussões ocorridas na época e as reivindicações populares de maior abertura, ampliação e democratização do acesso ao ensino. Fazia parte dos gastos com educação não apenas a manutenção das escolas públicas e a expansão dessas, mas também a concessão de bolsas em escolas particulares quando não houvesse vaga em estabelecimentos oficiais. O poder e os recursos públicos estabeleciam uma relação com a rede privada, o que era bastante favorável aos estabelecimentos particulares, com auxílios e subsídios que deveriam ser revertidos em matrículas gratuitas a alunos pobres. Segundo Hilsdorf (2015), a LDB não trazia muitos avanços, a não ser pela flexibilização do currículo e pela aproximação e possibilidade de aproveitamento de estudos entre o ensino técnico e secundário, o que seria um fator de democratização da escola. Além disso, havia muitos acenos ao setor mais conservador pela manutenção do ensino religioso, ainda que de matrícula facultativa, e com os subsídios e auxílios às escolas particulares, o que contribuiu para a expansão da rede privada de ensino. Nesse contexto também é criada a Universidade de Brasília, com a participação de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro (1922‑1997) e edifício projetado por Oscar Niemeyer (1907‑2012). A transferência da capital do país para o centro do território nacional, especificamente no planalto central, com a criação de uma nova cidade, Brasília, era uma possibilidade aventada muito antes do governo de Juscelino Kubitschek (1902‑1976), de 1956 a 1961, como mencionava Francisco Prestes Maia em 1957, em seu texto “Mudancistas e fiquistas”, sobre os debates em torno da mudança ou não da capital do Rio de Janeiro para o centro do país (MAIA, 2012). Inclusive, havia menção à transferência da capital em nossa primeira Constituição republicana, de 1891: “Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer‑se a futura Capital federal” (BRASIL, 1891, art. 3º). A construção de Brasília iria acontecer seis décadas após essa indicação legal, justamente em um momento de grande modernização do país que estaria claramente expresso na configuração urbana dessa nova capital, projetada depois da realização de um concurso público para o traçado urbano, vencido por Lúcio Costa (1902‑1998) e com o projeto dos principais edifícios por Oscar Niemeyer. A arquitetura modernista brasileira estava em alta, assim como o Brasil e sua cultura no exterior, com a bossa nova, Carmen Miranda (1909‑1955), Zé Carioca etc. O Brasil era o país do futuro, cuja cultura era valorizada nos Estados Unidos e na Europa. Eram os “anos dourados”. Essa imagem de modernização e de construção do futuro estava claramente expressa em Brasília, e a criação de uma universidade nessa nova capital também partilhava desse olhar otimista, de superação do atraso. 140 Unidade III Observação O nacional‑desenvolvimentismo foi o projeto de nação predominante a partir desse momento, que pretendia criar um país forte economicamente, com empresas estatais e instalação de empresas estrangeiras no país. Darcy Ribeiro foi um dos importantes nomes desse período a pensar a formação do Brasil e os rumos que deveriam ser tomados para a construção de uma nação menos desigual. Atuou como antropólogo, formado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) em 1946, tendo trabalhado no Serviço de Proteção ao Índio (SPI), entre 1946 e 1949. Foi criador do Parque Indígena do Xingu (1961), da Universidade de Brasília (1962) e do Memorial da América Latina (1989). Em 1957, Darcy Ribeiro passou a dirigir a Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacionais, através do convite de Anísio Teixeira. Seriam esses os dois criadores da Universidade de Brasília, que pensariam essa nova instituição como uma resposta modernizadora ao ensino superior brasileiro, superando certas características vistas como motivos de atraso, sendo a universidade um agente de desenvolvimento nacional a ser imitado por outras fundações. As bases da universidade foram pensadas por Darcy Ribeiro, que também foi o primeiro reitor da instituição, e o modelo pedagógico foi planejado por Anísio Teixeira. Uma das críticas feitas ao modelo de universidade vigente no Brasil até então eram as cátedras. Elas eram conduzidas por um professor que mantinha um mesmo grupo ligado a ele por muito tempo em posição de autoridade dentro dos rumos do ensino universitário, impedindo mudanças de posturas educacionais e teóricas, sem cooperação entre as diferentes faculdades, mantendo uma postura de disputa no interior da universidade (NÓBREGA; FARRERO; PULINO, 2021). Além disso não havia a formação de pesquisadores e docentes para o ensino superior, porque não havia uma pós‑graduação efetiva. A principal função das universidades desse momento era a formação profissional das elites, perpetuando os privilégios desse grupo. Darcy Ribeiro era um dos críticos a esse modelo tradicional de ensino, considerando que deveria surgir de fato uma comunidade universitária, com maior contato e solidariedade entre professores e estudantes. Para a formulação do projeto da nova instituição, a questão sobre o que se esperava de uma universidade moderna no país foi discutida juntamente a comunidades científicas que já existiam no país, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, criada em 1948), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF, fundado em 1949), o Instituto Nacional de Pedagogia (criado em 1937, hoje Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep), o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Dessa forma, a Universidade de Brasília foi pensada para ser uma instituição de pesquisa, não apenas voltada à formação profissional da elite. A nova universidade formaria pesquisadores e técnicos qualificados para atender às necessidades do país, alcançando o mesmo nível de qualidade dos países mais desenvolvidos tecnologicamente no mundo (NÓBREGA; FARRERO; PULINO, 2021). 141 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Assim, pela Lei n. 3.998, de 15 de dezembro de 1961, é instituída a Universidade de Brasília, que deveria servir de modelo para a renovação e modernização do ensino superior no Brasil. Em seu Plano Orientador, de 1962, ficava registrado o objetivo de formar cidadãos comprometidos com a democracia e com o desenvolvimento do país, preparar especialistasaltamente qualificados em suas áreas, reunir e formar cientistas, pesquisadores e artistas, contando para isso com um ambiente acadêmico autônomo e com liberdade. Sua estrutura era assim organizada: • Instituto Central de Ciências, que compreendia os cursos de Física, Química, Biologia, Geociências, Ciências Humanas e Artes. • As Faculdades: Ciências Políticas e Sociais, Educação, Ciências Médicas, Ciências Agrárias, Tecnologia e Arquitetura. • Unidades Complementares: Biblioteca Central, Editora Universitária, Museu, Grande Salão, Centro Militar, Estádio Universitário, Casas Nacionais de Língua e Cultura, Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, Centro de Estudos do Português Brasileiro e Instituto de Teologia Católica. Durante a Ditadura Militar, a Universidade de Brasília sofreu com grande repressão aos seus alunos e professores, e o próprio Darcy Ribeiro, que tinha deixado a reitoria da universidade para se tornar ministro da Educação e da Cultura no Governo João Goulart, foi cassado e exilado após o golpe de 1964. Ao mesmo tempo, muitas iniciativas de educação popular foram elaboradas, em alguns momentos com apoio do Estado, que democratizaram o acesso ao ensino. O analfabetismo era uma questão ainda muito difícil de se solucionar, especialmente devido aos adultos que não tinham frequentado a escola. Por isso uma das ações destacadas nesse momento por Piletti e Piletti (2002) foi o Serviço de Educação Supletiva do Estado de São Paulo, criado em 1948 para atender aos adultos. Como aponta Brandão e Fagundes (2016), em 1947 a Unesco havia relacionado o analfabetismo com o grau de desenvolvimento econômico dos países. Dessa forma, para desenvolver o Brasil, era necessário reduzir o analfabetismo ao máximo. Nesse sentido, os conteúdos mínimos a serem ensinados ao maior número possível de brasileiros compreendia a leitura, a escrita e os cálculos mais simples, para assim desenvolver o pensamento. Lembrete A partir dos anos 1950, a necessidade de combater o analfabetismo implicava cumprir critérios internacionais que qualificavam os países em diferentes graus de desenvolvimento (países desenvolvidos e subdesenvolvidos). 142 Unidade III A partir de 1961 foram criados os Centros Populares de Cultura, por iniciativa da UNE (que foi fundada em 1937 e até hoje representa os estudantes universitários do Brasil). Esses centros se espalharam pelo Brasil até 1964, quando foram proibidos de funcionar pela Ditadura Militar. Nesses centros eram promovidas diferentes expressões artísticas para a criação de uma cultura nacional, popular e democrática. Os artistas que participavam dessa experiência buscavam também conscientizar as classes populares através da arte, por isso os centros tinham função educativa (GARCIA, 2004). Também surgiram nesse momento os Movimentos de Educação de Base (MEB), que foram criados em 1961 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); eles eram mantidos pelo governo federal durante a gestão de Jânio Quadros (janeiro a agosto de 1961) e tinham como objetivo a alfabetização das populações rurais das regiões Norte, Nordeste e Centro‑Oeste, com a utilização do rádio. Durante a década de 1960, o papa João XXIII reforçou um discurso da Igreja em que os cristãos católicos deveriam ser ativos na luta por dignidade das populações mais pobres e excluídas. Essa postura oficial da Igreja reverberou no Brasil no surgimento da Teologia da Libertação, que foi a base teológica para a ação de muitos jovens no mundo (ARANHA, 2006). Também surgem nesse momento os Movimentos de Cultura Popular (MCP), sendo o primeiro ligado à prefeitura de Recife, criado em 1960. Fez parte desse movimento Paulo Freire. Paulo Freire (1921‑1997), provavelmente o pedagogo brasileiro de maior fama, era um dos jovens católicos que se inspiraram pela Teologia da Libertação. Nascido no Recife, era professor, carreira compartilhada com a esposa, Elza, com quem se casou aos 23 anos. Apesar de ser formado em Direito, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atuou muito brevemente como advogado. Trabalhou por oito anos no Serviço Social da Indústria (Sesi) de Pernambuco. Seria esse um momento importante de diálogo com a população e de realização das primeiras experiências educativas que depois desembocariam na criação do Método Paulo Freire (BRANDÃO; FAGUNDES, 2016). Ele também participou da criação do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife (atual UFPE), pensado para desenvolver maneiras de acessibilizar a universidade para a sociedade em geral, ultrapassando sua função tradicional de formar a elite. Com esse serviço, a universidade e a população deveriam elaborar em conjunto propostas de difusão da cultura e da educação. A universidade deveria oferecer cursos de extensão de nível médio (em sentido amplo, como é apresentado na LDB) e superior. Os Movimentos de Cultura Popular foram criados por iniciativa da prefeitura de Recife para atuarem na redução do analfabetismo. Paulo Freire foi um dos envolvidos nessa ação, buscando não apenas atuar na alfabetização, mas promover na população a construção de uma cultura popular e uma visão crítica e transformadora. Entendia‑se a educação como uma ação coletiva, que se dá através de relações sociais. No processo de educação deveria ocorrer também um processo de tomada de consciência dos indivíduos sobre sua própria identidade e a realidade em que estavam inseridos. Nessa iniciativa a cultura popular era muito valorizada, dando destaque às produções e valores compartilhados pelos alunos. Dessa forma, elaborava‑se uma educação muito diferente da tradicional, que “transferia” valores e produções alheias ao universo dos estudantes provenientes das camadas populares, tendo como referência a cultura das elites. Em um segundo momento, as aulas davam lugar 143 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ao círculo de cultura, em que o foco do trabalho estava no diálogo e no debate de ideias, ao invés das aulas expositivas tradicionais. Segundo Brandão e Fagundes (2016, p. 98): “Assim, o próprio ensino de leitura de palavras do português começava e continuava por uma reflexão coletiva, a partir da questão teórica da cultura e dos elementos da cultura local de cada grupo de educandos”. Além da valorização da cultura popular, Paulo Freire buscava em suas iniciativas aproximar autores e conhecimentos da cultura dita erudita à cultura popular, promovendo assim intercâmbios e novas criações. Não era a imposição da cultura erudita sobre a popular. As duas culturas eram colocadas em igualdade de importância e podiam se transformar mutuamente nesse contato. Da mesma forma, ao promover o debate se desenvolvia o pensamento crítico, para depois os indivíduos poderem agir no mundo para transformá‑lo, buscando soluções para seus problemas sociais. Em 1962, Paulo Freire atuou em Angicos, no Rio Grande do Norte, alfabetizando 300 trabalhadores em 45 dias. Por causa dessa experiência inovadora e bem‑sucedida, o governador do estado do Pernambuco, Miguel Arraes, autorizou que realizasse o mesmo trabalho nas favelas de Recife, o que depois foi alargado para todo o estado. O seu método de alfabetização partia do respeito aos adultos que se encontravam nesse processo de letramento, sobretudo o respeito pela vida, história e os conhecimentos que eles desenvolveram e de que se apropriaram ao longo da vida. Por isso o método era baseado em relações que se estabeleciam na sala de aula evocando a cultura dos alunos, com um método ativo, em que a alfabetização se fazia ao mesmo tempo que o indivíduo se conscientizava do seu valor. A postura de Paulo Freire na educação compartilhava com os Movimentos de Educação de Base e os Centros Populares de Cultura um ideal de que não se devia apenas preparar as pessoas para o exercício do trabalho, mas que a educação seria capaz de formar a consciência crítica dos educandos que poderiam, assim, transformar a realidade social, política e econômica do nosso país. Mais do que um métodode alfabetização, Paulo Freire tinha uma concepção de sistema de educação, que partia da alfabetização, mas que se desenvolvia e aprofundava nos demais níveis, que compreenderia, segundo Brandão e Fagundes (2016), seis etapas: • Primeira etapa: alfabetização infantil. • Segunda etapa: alfabetização de adultos. Em seu método, a alfabetização de adultos deveria ocorrer de forma rápida, de 28 a 40 horas. Eram recrutados os alunos na região em que se iria realizar o processo. Também se realizavam entrevistas para levantamento das palavras geradoras do processo de alfabetização. Não eram utilizadas cartilhas, e o professor que encaminhava o processo não se colocava como um professor nos moldes tradicionais. Havia auxílio de materiais audiovisuais (tecnologia da época – projeções fixas) e de situações da vida e das experiências do grupo que era alfabetizado; fazia‑se um levantamento do universo vocabular dos alfabetizando, que servia como base para as palavras geradoras para a alfabetização, a partir das quais se aprendiam as sílabas, depois se organizavam palavras e frases. A aula se desenrolava com diálogo informal e franco, em que alfabetização e conscientização se desenvolviam simultaneamente. 144 Unidade III • Terceira etapa: compreendia um ciclo primário rápido voltado para os adultos, que duraria entre 8 e 10 meses. Nessa etapa os educandos começariam a ler pequenas antologias de textos com vocabulário limitado. Também estudariam nesse momento “pequenos manuais de capacitação cívica”, que se tratava de textos com noções básicas de legislação trabalhista, economia, sobre sindicalismo, geografia econômica etc. Esses manuais não eram fixos e podiam ser incorporados temas importantes para a vida daquele grupo específico de educandos, como assuntos técnicos ligados às profissões e ocupações dos alunos, temas de arte popular e folclore. Nessa etapa também, os adultos começariam a escrever pequenos artigos para um jornal próprio, além de pequenos livros escritos em conjunto e que circulavam por outros grupos nos “círculos de leitura”. Esses textos formariam bibliotecas populares. • Quarta etapa: consistiria na aproximação com a universidade, construindo uma experiência popular no ensino universitário, com a extensão cultural, ligada à Universidade do Recife. Buscava‑se nessa etapa a construção de uma universidade popular, com o intercâmbio entre a universidade e os “círculos de leitura”, as associações de bairro, os sindicatos rurais. Várias iniciativas do momento contribuíram para a formação dessa etapa, como o Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife, o Movimento de Cultura Popular (MCP), o Movimento de Educação de Base (MEB), a Ação Popular (AP), o Setor de Reformulação Agrária. • Quinta etapa: os trabalhos desenvolvidos na etapa anterior desembocariam no Instituto de Ciências do Homem, da Universidade do Recife, que atuaria em conjunto com o Serviço de Extensão Cultural (SEC). • Sexta etapa: criação de um Centro de Estudos Internacionais (CEI), da Universidade do Recife, que promoveria intercâmbios e diálogos com países subdesenvolvidos para que se desenvolvesse um esforço de integração do chamado Terceiro Mundo. Ou seja, nesse sistema, o adulto – antes excluído da vida política por ser analfabeto, sem direito a voto – iniciava seu processo de alfabetização, ao mesmo tempo que também se conscientizava sobre seu lugar no mundo e passava a se ver como um instrumento de transformação. Esse mesmo indivíduo avançaria no acesso à educação, chegando a partilhar da construção de uma universidade verdadeiramente popular. A universidade deixaria de ser o espaço da reprodução da elite e passaria a se voltar para as necessidades e para a vivência da sociedade, além de partilhar com outros países em situações semelhantes a nossa experiência e projetos de superação de nossos problemas em comum. Em 1964, com o início da Ditadura Militar, Paulo Freire foi preso pelo regime. Ao sair da prisão, foi exilado e viveu por 14 anos fora do Brasil. Nesse momento passou a escrever suas obras, como o livro Educação como prática da liberdade, de 1965, e Pedagogia do oprimido, de 1970. Nesse período também atuou alfabetizando adultos em diversos países africanos, como Guiné‑Bissau, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, e na América Central, na Nicarágua. Quando retornou do exílio, retomou suas atividades como escritor e assumiu cargos em universidades e foi secretário municipal de Educação em São Paulo, de 1989 a 1991. 145 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO A longa experiência em educação, especialmente na alfabetização de adultos, permitiu que Paulo Freire desenvolvesse um pensamento pedagógico próprio que apoiava e motivava sua prática. A chamada “pedagogia do oprimido” partia do pressuposto da desigualdade entre os homens no mundo capitalista em que o Brasil se insere. Nas palavras de Aranha: Paulo Freire parte do princípio de que vivemos em uma sociedade dividida em classes, na qual os privilégios de uns impedem a maioria de usufruir os bens produzidos. Se a vocação humana de se realizar só se concretiza pelo acesso aos bens cultura, ela é negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores, mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade roubada. Um desses bens necessários é a educação, da qual tem sido excluída grande parte da população dos países periféricos (ARANHA, 2006, p. 337). Ou seja, a educação é um bem cultural que por muito tempo foi acessível apenas a um grupo muito pequeno e privilegiado da sociedade. Esse grupo também exercia seu domínio através da manutenção da educação em um círculo reduzido, convencendo‑se de que sua posição era natural, como se seus privilégios não escondessem a opressão e a exclusão do outro. O oprimido, mesmo que se reconheça como tal, muitas vezes se convence, ou aceita seu lugar, como uma situação que não pode ser transformada, vendo‑se também como um ser inferior, naturalizando a desigualdade. Por isso, era preciso que, através da educação, o oprimido se conscientizasse de seu lugar, desejasse a mudança e passasse a agir no mundo para alcançar lugar de dignidade e igualdade como cidadão de mesmo valor que os privilegiados. Esse movimento de libertação deveria partir do próprio oprimido. Ou seja, em sua concepção pedagógica a figura central no processo educativo não é o professor, mas o aluno. E o objetivo da educação é mais amplo que aprender a escrever, ler e calcular; é a educação que empodera o aluno e o torna protagonista nas transformações da sua vida. Em 1993, depois de ter atuado na Secretaria de Educação de São Paulo, Paulo Freire escreveu um livro chamado Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, no qual trata de temas relacionados à educação direcionados especialmente aos professores. Em uma dessas cartas, republicada em 2001 na revista Estudos Avançados com o título “Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra” há considerações que devem ser destacadas para que possamos compreender ao menos em termos gerais o pensamento freiriano. O primeiro ponto a ser destacado é sobre a necessidade de o trabalho docente ser constantemente repensado pela prática, pela interação com os alunos e pela autocrítica. Por isso, aquele que ensina está também constantemente aprendendo a construir o seu trabalho. O que não significa, de forma alguma, que o trabalho docente se faz apenas pela prática, prescindindo de uma boa formação anterior: 146 Unidade III O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever‑se em suas posições; em que procura envolver‑se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. […] O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinantese aventure a ensinar sem competência para fazê‑lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente (FREIRE, 2001, p. 259). A curiosidade do aluno deve ser valorizada nesse processo, mas o professor deve estar preparado para auxiliar na construção do conhecimento a partir de sua própria formação. Sua postura também se coloca como firmemente contrária ao estudo e à leitura como mera memorização de conteúdos, ou frases e fórmulas presentes no texto consultado. Estudar é ler, e a leitura é necessariamente a compreensão do que está sendo lido. Por isso, quem lê precisa se colocar de forma ativa na busca da compreensão do significado do texto. Não é tarefa fácil, mas pode ser extremamente prazerosa. Além disso, é necessário que seja ensinado como ler e escrever de forma correta, pois não é uma habilidade dada naturalmente: Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria (FREIRE, 2001, p. 264). Dessa forma, ensinar não pode ser uma transferência direta de conteúdos, ou uma ação mecânica de memorização. É preciso ensinar os alunos a lerem, tantos os textos escritos quanto o mundo em que se inserem. Para isso, há instrumentos que devem ser utilizados, como dicionários, a leitura de outros textos para se comparar as formas de abordagem de um determinado assunto, enciclopédias para adquirir certas noções e contextos para compreender o que o autor está dizendo em seu texto. É preciso trabalhar na leitura, buscar ativamente a compreensão. Nas palavras de Freire: A compreensão do que se está lendo, estudando, não estala assim, de repente, como se fosse um milagre. A compreensão é trabalhada, é forjada, por quem lê, por quem estuda que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar para melhor fazê‑la. Por isso mesmo, ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente. Não é tarefa para gente demasiado apressada ou pouco humilde que, em lugar de assumir suas deficiências, as transfere para o autor ou autora do livro, considerado como impossível de ser estudado (FREIRE, 2001, p. 265). 147 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Durante o processo de aprendizagem da leitura é preciso que os textos apresentados aos alunos estejam adequados ao nível de compreensão que eles podem atingir sobre um determinado assunto abordado, seleção feita pelo professor, a partir das características dos estudantes e do acompanhamento do processo de aprendizagem que eles estão percorrendo: Quando a distância entre aqueles níveis [entre o texto e a possibilidade de compreensão do aluno] é demasiado grande, quando um não tem nada que ver com o outro, todo esforço em busca da compreensão é inútil (FREIRE, 2001, p. 265‑266). O estímulo à leitura e à escrita também deveriam ser nutridos nas escolas, desde a mais tenra idade, para que os alunos gostassem de ler e não vissem essa atividade como uma obrigação enfadonha, cansativa, desinteressante ou desnecessária: Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação (FREIRE, 2001, p. 267, grifo do autor). Essas considerações sobre o trabalho do professor nos mostram a seriedade com que Freire tratava a educação, que deveria ser desenvolvida com responsabilidade e muita dedicação, e o alcance dessa educação, que deveria ter reflexos ao longo de toda a vida das pessoas. Saiba mais Para saber mais sobre Paulo Freire, sugerimos o documentário da TV Escola e o livro da Coleção Educadores: PAULO Freire contemporâneo. Direção: Toni Venturi. Brasil: TV Escola, 2006. 55 min. BEISIEGEL, C. R. Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangara, 2010. (Coleção Educadores). Disponível em: https://cutt.ly/s0WGMIj. Acesso em: 20 out. 2022. As reivindicações populares desse período para a ampliação das vagas e democratização do acesso à escola pública também surtiram soluções bastante criticadas por especialistas na época. Um exemplo a se destacar foram as iniciativas dos prefeitos da cidade de São Paulo. Para criar mais vagas houve redução no tempo de duração dos turnos dos grupos escolares entre 1956 e 1957. Dessa forma haveria de três a quatro turnos diários de menos de 3 horas/aula de duração cada. Também foram instaladas 148 Unidade III “classes de emergência”, sendo que em 1959 havia 1.200 delas. O número médio de alunos por sala era de 25 em 1935 e passou a 40 em 1955. Em 1960, foi adotado o regime de promoção automática; sem reprovação as vagas se abririam mais rapidamente aos novos alunos. Também adotaram a aprovação compulsória de 80% dos alunos matriculados nos ginásios e Escolas Normais com a mesma intenção. Foram criadas turmas nas Escolas Normais e ginásios no período noturno (HILSDORF, 2015). Além disso, foram construídos galpões de madeira, com mobiliário improvisado com caixotes para a instalação de escolas elementares. Essa iniciativa ignorava o Convênio Escolar, órgão técnico criado em 1943, responsável por projetar escolas da prefeitura seguindo práticas que visavam garantir a higiene e a salubridade desses espaços, além de ser pensado para acomodar bem as funções da escola. Também houve a instalação de “seções”, que eram uma forma de utilizar alguns espaços das escolas privadas ou dos prédios de grupos escolares para o funcionamento de extensões dos ginásios tradicionais. O uso desses espaços permitiu grande expansão do número de vagas no ginásio. O objetivo dessas inúmeras iniciativas era conseguir dar acesso à matrícula no ginásio a todos os alunos que concluíam o curso primário, o que foi alcançado, não sem críticas pela perda de qualidade e falta de critérios técnicos para a elaboração dessas políticas, consideradas populistas e que desvalorizavam o trabalho dos professores, especialmente ao tratarem das aprovações compulsórias. Com essa expansão foi possível que em 1967 fossem suprimidos legalmente os exames de admissão ao ginásio, que antes excluíam cerca de metade dos candidatos pela falta de vagas. Todas essas reivindicações por acesso à educação, a organização de movimentos populares e o desejo de ampliar a cidadania e o direito ao ensino sofreriam grandes mudanças a partir de abril de 1964. 7.2 A Ditadura Militar e a Educação O período de democracia não duraria muito, e as conquistas dos movimentos sociais que reclamavam maior acesso à educação, ampliando vagas e abrindo possibilidades de avanço escolar às camadas menos favorecidas foram em muitos aspectos silenciadas e paralisadas após 1964. O Governo João Goulart enfrentou grande oposição desde o início de seu mandato, em 1961, especialmente contrários às reformas propostas. Dentro do contexto da Guerra Fria e do alinhamento do Brasil ao bloco, a oposição conseguiu se articular para dar um golpe de Estado sob o pretexto de enfrentar um “perigo comunista”. Com a Revolução Cubana, ocorrida em 1959, o continente americano passou a ser território de maiores cuidados pela política norte‑americana, com a chamada Doutrina de Contenção do Comunismo Internacional, mais conhecida como Doutrina Monroe. Essa preocupação com o comunismo se justificava no momento vivido: a União Soviética alargava sua zona de influência, especialmente no Oriente, rivalizando como potência econômica e como ideologia política a ser seguida. Nesse contexto, a Escola Superior de Guerra do Brasil aderiu claramente à defesa dos interesses norte‑americanos em nosso país na elaboração de sua própria Doutrina de Segurança Nacional. 149 HISTÓRIADA EDUCAÇÃO Segundo o especialista em Ditadura Militar, o historiador Marcos Napolitano, a tomada de poder pelos militares apoiada por empresários em 1964 tinha dois objetivos a serem realizados no novo regime. Primeiramente, destruir uma elite política e intelectual que defendia reformas no Brasil, por isso foram cassadas muitas lideranças políticas, sindicais e militares que se comprometiam com reformas, sobretudo na área trabalhista. O segundo objetivo era controlar e impedir maiores reivindicações de operários e camponeses (NAPOLITANO, 2014). Esses dois grupos foram os principais alvos dos primeiros quatro anos do regime. Durante o governo do general Castelo Branco, de 1964 a 1967, foram editados os quatro primeiros Atos Institucionais, a partir dos quais se consolidava o caráter ditatorial do regime, além da Lei de Imprensa e a nova Constituição. O Ato Institucional 2 (AI‑2) foi um marco importante na consolidação do regime, ao reforçar o poder do presidente da República e dar maior abrangência à atuação da Justiça Militar. Segundo Napolitano: O presidente da República ainda poderia decretar Estado de Sítio por 180 dias, fechar o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores, intervir em estados, cassar deputados e suspender os direitos dos cidadãos por dez anos. […] O AI‑3, em fevereiro de 1966, completa a obra: estabelecem‑se eleições indiretas para governadores e nomeação para prefeitos das capitais (NAPOLITANO, 2014, p. 79). Dessa forma, a população não participava mais da política nem ao menos com o voto, já que as eleições eram indiretas, e aqueles que questionavam o poder ou os considerados inimigos do regime podiam ser cassados em seus mandatos. Apenas dois partidos passaram a atuar politicamente a partir de 1966: a Arena (Aliança Renovadora Nacional), que era o partido do regime; e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que representava uma oposição consentida. Saiba mais Para saber mais sobre o período da Ditadura Militar no Brasil sugerimos a coleção de livros do jornalista Elio Gaspari: GASPARI, E. A ditadura envergonhada. São Paulo: Intrínseca, 2016. GASPARI, E. A ditadura escancarada. São Paulo: Intrínseca, 2016. GASPARI, E. A ditadura derrotada. São Paulo: Intrínseca, 2016. GASPARI, E. A ditadura encurralada. São Paulo: Intrínseca, 2016. GASPARI, E. A ditadura acabada. São Paulo: Intrínseca, 2016. 150 Unidade III A situação das escolas e da educação em termos gerais não foi um oásis em meio à repressão e ao terror que pouco a pouco se instalou. O Serviço Nacional de Informações (SNI) era responsável por enviar agentes às escolas e universidades para observarem as aulas e as relações entre estudantes, professores e funcionários, se alguém poderia se apresentar como crítico ao governo ou participar da resistência ao regime, ou ainda se a maneira como o ensino era realizado poderia representar posturas subversivas. Como resultado dessa fiscalização, ocorreram invasões em escolas pela polícia, professores e alunos presos e exilados (PILETTI; PILETTI, 2002). Em 9 de novembro de 1964 foi editada a Lei Suplicy de Lacerda, nome do então ministro da Educação da época, que tentava acabar com o movimento estudantil. A UNE foi substituída pelo Diretório Nacional de Estudantes. As uniões estaduais também foram substituídas pelos diretórios estaduais. Dessa forma, os estudantes não podiam mais se reunir, discutir seus problemas, reivindicar vagas e melhoria do ensino. Porém, a UNE continuou a atuar clandestinamente, assim como uniões estaduais e outras entidades que foram postas na ilegalidade. Em 1967 foi criado o Conselho Nacional de Segurança, que reforçava a vigilância a qualquer indivíduo da população. Porém o auge da repressão viria a partir de 1968. Nesse ano, durante uma manifestação estudantil dentro do restaurante universitário chamado de Calabouço, no Rio de Janeiro, motivada pelo aumento do preço da refeição, o local foi invadido pela polícia e o estudante Luís de Lima Souto foi morto. A violência desmedida na repressão teve como resposta uma enorme passeata, conhecida como Passeata dos 100 Mil, em 26 de junho de 1968. A manifestação teve grande adesão da sociedade. Em julho daquele ano as passeatas foram proibidas. Figura 16 – Passeata dos 100 Mil Fonte: Sant’Anna (2019b, p. 19). 151 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO No mesmo ano, em outubro, o XXX Congresso da União Nacional dos Estudante acontecia na cidade de Ibiúna, interior do estado de São Paulo, quando o local foi invadido por mais de 250 policiais. Cerca de 900 estudantes foram detidos no Presídio Tiradentes, em São Paulo, sendo interrogados no local por uma semana. Após esse período a maioria foi liberada, depois de fichados e fotografados. No mesmo mês ocorreu a chamada Batalha da Maria Antônia. A Rua Maria Antônia, no centro de São Paulo, era dividida pelos alunos do Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Em agosto de 1968, os estudantes ocuparam o prédio da USP como maneira de se manifestarem contra a violência policial e para fortalecer suas reivindicações sobre alguns aspectos de uma possível reforma universitária, o que foi tolerado inicialmente. A permanência dos estudantes no prédio acabou por também ser uma demonstração de força do movimento estudantil que, por isso, deveria ser reprimido. Os estudantes do Mackenzie que eram ligados ao Comando da Caça aos Comunistas (CCC), com apoio da Guarda Civil, entraram em conflito com estudantes da USP. Como resultado do conflito, o edifício da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ficou destruído, uma pessoa foi morta, houve vários feridos e alguns carros incendiados. O prédio foi fechado e as aulas apenas foram retomadas no início do ano seguinte (MAIA, 2018). Figura 17 – Batalha da Maria Antônia Fonte: Sant’Anna (2019b, p. 20). 152 Unidade III Durante o ano de 1968 ocorreram muitas manifestações estudantis em vários países, como nos Estados Unidos, Alemanha, França, Egito, Polônia. Os movimentos estudantis tinham crescido ao longo dos anos 1960 como um reflexo do período pós‑guerra e da Guerra Fria, das transformações no conhecimento, na política e na economia. O número de estudantes universitários na Europa e nos Estados Unidos também crescia, além do fato de as mulheres passarem a ter mais acesso ao ensino, o que contribuiu para que diferentes visões e reivindicações fizessem parte dos anseios dessa juventude. Essa juventude também questionava as autoridades e participava da construção da contracultura, movimento questionador em relação às tradições e convenções da sociedade. Nos anos 1960 o número de estudantes também aumentaria no Brasil, permitindo que se organizasse efetivamente um movimento estudantil. Havia anteriormente movimentos político que atraíam a juventude, como o movimento comunista e o integralista (influenciado pelo fascismo), que passariam então a se mobilizar na vida universitária com a ampliação do acesso ocorrida nesses anos (MAIA, 2018). Os movimentos estudantis desejavam mudanças na universidade, que incluíam a ampliação do número de vagas e de professores, além do aumento dos recursos para a manutenção das universidades públicas. Também desejavam a extinção das cátedras – o que significaria, na percepção dos estudantes, a promoção de uma universidade mais crítica, aberta e livre – e a criação de um ciclo básico para a integração de toda a universidade. Maia (2018) aponta que, após a LDB de 1961, os estudantes passaram a reivindicar maior participação nos colegiados das universidades. Em suas manifestações eram paralisadas as atividades didáticas e havia ocupação das universidades pelos grevistas, o que muitas vezes tinha como reação o acionamento do Comando Militar com a justificativa de preservação do patrimônio público. Nas formulações dos estudantes sobre a universidade que desejavam, segundo Maia: Propunham uma reforma que pusesse a universidade a serviçodas massas populares, refletindo a consciência nacional e popular da realidade brasileira, influenciados pelas propostas de Paulo Freire de uma educação libertadora. Há uma intensa produção de atividade nos CPCs, os Centros Populares de Cultura (MAIA, 2018, p. 703‑704). Eram discutidas em seminários da UNE questões envolvendo a autonomia da universidade, a participação de docentes e discentes nas decisões e na administração universitária, a dedicação integral dos docentes, a ampliação das vagas para os estudantes nas instituições públicas (democratização do ensino superior) e a flexibilização dos currículos (FÁVERO, 2006). No entanto, a mobilização estudantil era considerada perigosa e radicalizada pelo Regime Militar, o que foi uma das justificativas para que se firmassem os convênios com órgãos do governo dos Estados Unidos. A Reforma Universitária que ocorreria então em 1968 foi preparada com algumas divergências em relação ao desejo dos estudantes e professores. Sua formulação se deu em um dos acordos firmados entre o governo brasileiro e a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (Usaid, 153 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO do inglês United States Agency for International Development). A atuação dessa agência junto ao Ministério da Educação – que geraria a Reforma Universitária e a Reforma do 1º e do 2º Grau, além de terem influenciado a publicação de livros – ficou conhecida como os Acordos MEC‑Usaid. A Usaid surgiu em 1961, como uma ampliação da escala de atuação de um órgão existente anteriormente, o ICA (International Cooperation Administration), que financiava projetos de interesse norte‑americano em diversas áreas em países pobres, como treinamento de produtores rurais, ensino técnico e formação de professores primários. Com a instituição da Usaid, os recursos destinados para esses programas foram ampliados. A América Latina e, particularmente, o Brasil eram locais de atuação da Usaid, que estava presente em diferentes áreas, como pesquisas científicas, na segurança pública (assessorando e treinando policiais), na agricultura, habitação popular etc. (MOTTA, 2010). A Usaid se inseria nas políticas norte‑americanas da Guerra Fria. O objetivo, assim como havia ocorrido com os auxílios para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, seria reduzir as chances de emergirem movimentos que propusessem mudanças profundas na política e economia dos países. Com a Revolução Cubana, de 1959, as preocupações sobre a expansão do comunismo na América passaram a tomar maior atenção, e os Estados Unidos reforçaram o investimento financeiro e de auxílio técnico para a modernização dos países latino‑americanos. Em 1961 foi anunciado pelo presidente John F. Kennedy a Aliança para o Progresso, voltada especialmente para o fomento da modernização dos países da América Latina, visando diminuir a pobreza e as desigualdades, que poderiam gerar atitudes revolucionárias através da movimentação popular. Segundo Motta, a percepção por trás dessas iniciativas era de que: se os países atrasados pudessem seguir a trilha da modernização, com desenvolvimento econômico, melhoria dos indicadores sociais e estabilidade política, os defensores da revolução perderiam poder de convencimento (MOTTA, 2010, p. 239). Os Acordos MEC‑Usaid foram os que ganharam maior repercussão naquele momento, mas fizeram parte da atuação da Usaid no país o treinamento e o investimento no setor de segurança pública. Nesse sentido, as ações se dirigiam para duas vertentes complementares com o objetivo de reforçar o pertencimento da América Latina à zona de influência norte‑americana: a princípio, modernizar o país para conter o avanço revolucionário‑comunista; mas, se esse projeto apresentasse limites e não pudesse conter todo movimento que se inspirava no comunismo, a ação se direcionava para a outra vertente, a contenção policial desses movimentos, com treinamento das forças repressivas. 154 Unidade III Figura 18 – Página do jornal carioca Correio da Manhã, de 27 de maio de 1967, noticiando as manifestações de estudantes contrárias ao Acordo MEC‑Usaid Fonte: Correio da Manhã (1967, p. 7). 155 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO As notícias sobre os acordos MEC‑Usaid, mesmo antes da realização da Reforma Universitária (1968) e da Reforma do 1º e do 2º Graus (1971) encontraram oposição dos estudantes, que consideravam essa atitude uma evidente interferência norte‑americana no Brasil, justamente em um momento em que o intervencionismo americano era mais criticado internacionalmente, sobretudo pelo encaminhamento da Guerra no Vietnã, que mobilizava a opinião pública. Por outro lado, os professores organizavam comissões e documentos tratando da reforma, enquanto o movimento estudantil fazia suas mobilizações e reivindicações. Professores foram aposentados nesse momento, com alegação de subversão. A própria professora do Departamento de História da USP, historiadora consagrada por suas obras hoje, Emília Viotti da Costa, foi aposentada e relatou o ambiente universitário do momento, com alunos suspeitos de envolvimento em atividades subversivas sendo arrancados das salas de aula, professores e alunos sendo escoltados com soldados portando metralhadoras (MAIA, 2018). Entre junho e setembro de 1965, o consultor americano Rudolph Atcon, a convite do MEC, preparou um documento com sugestões de mudanças nas universidades brasileiras, visando um modelo de maior eficiência e rendimento para essas instituições, conhecido como Plano Atcon. Em 1966, é editado pelo MEC um documento com as sugestões e recomendações do consultor Atcon, com o título “Rumo à reformulação estrutural da universidade brasileira”. A proposta de reforma incluía mudanças administrativas, pedagógicas e de regime de trabalho dos docentes. Era proposta a criação de um conselho de reitores das universidades brasileiras, que foi efetivado em abril de 1966: Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB). Atcon trabalhou nesse conselho como seu primeiro secretário‑geral. Em 1967, o governo criou uma comissão especial para tratar da Reforma Universitária, presidida pelo general Meira Mattos. Segundo Fávero, a comissão tinha as seguintes finalidades: a) emitir pareceres conclusivos sobre reivindicações, teses e sugestões referentes às atividades estudantis; b) planejar e propor medidas que possibilitassem melhor aplicação das diretrizes governamentais no setor estudantil; c) supervisionar e coordenar a execução dessas diretrizes, mediante delegação do Ministro de Estado (FÁVERO, 2006, p. 31). O relatório final da comissão indicaria algumas propostas para a Reforma Universitária, como a ampliação das vagas, o “fortalecimento do princípio de autoridade e disciplina nas instituições de ensino superior” (FÁVERO, 2006, p. 32), um princípio bastante ligado à lógica militar e muito distante do desejo de uma universidade crítica, aberta às discussões, com liberdade, que estava em pauta no movimento estudantil, indicando que a reforma reforçaria o controle e a repressão dentro da universidade. Também eram propostos o vestibular unificado e a criação de cursos de curta duração. 156 Unidade III As reformas educacionais realizadas no período também deixavam transparecer o autoritarismo com que se tratava a educação, sem participação dos alunos, professores e outros setores da sociedade, mantendo grande índice de reprovação, evasão escolar, além de falta de recursos materiais e humanos nas instituições de ensino (PILETTI; PILETTI, 2002). Até a Reforma Universitária, realizada pela Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, os candidatos ao ensino superior deveriam realizar o exame vestibular e seriam considerados aprovados se alcançassem uma determinada nota mínima. Mas frequentemente havia menos vagas do que pessoas aprovadas no vestibular, o que gerava críticas. A UNE reivindicava o aumento das vagas no ensino superior, o que foi parcialmente atendido com a duplicação das vagasna Universidade do Brasil (atual UFRJ) em março de 1964. Porém, ainda faltavam vagas e as reivindicações da UNE continuavam, mas com o novo regime essa postura passava a ser considerada subversiva. Algumas mudanças ocorridas na Reforma Universitária tentavam calar o movimento estudantil sem atender a seus pedidos. Entre as mudanças instauradas, o vestibular passava a ser classificatório, eliminando a nota mínima. A partir das vagas existentes se definiria o número de candidatos que seriam aprovados, considerando as notas mais altas. Dessa maneira, não havia mais excedentes de aprovados sem vagas, ainda que não se ampliasse o acesso. Foram introduzidos também os exames vestibulares unificados e o ciclo básico, que era um conjunto de disciplinas comuns a estudantes de vários cursos. Também foram extintas as cátedras, que eram motivo de críticas de estudantes e professores devido ao seu caráter autoritário, e em substituição foram criados os departamentos. A Faculdade de Filosofia deixou de ser o espaço a partir do qual a universidade se organizava, e foram criadas unidades com pouca interação entre si, com os institutos (voltados para a pesquisa e o ensino), as faculdades e escolas (para formação profissional). Com essa divisão por unidades, a interação entre os estudantes foi diminuída. Além disso, as matérias filosóficas dos cursos tornaram‑se optativas. Os currículos se tornaram mais flexíveis, com cursos parcelados e semestrais. Era introduzido nesse momento o sistema de créditos. Foram instituídos regularmente os cursos de pós‑graduação (mestrado e doutorado) e os cursos de curta duração. Ademais, o reitor passou a ter maior comando sobre os rumos da universidade e houve crescimento da burocracia à qual professores e alunos estavam submetidos. Pela reforma também foram aumentadas as vagas em universidades particulares, produzindo excedente de vagas e superando o número de vagas das universidades públicas e gratuitas. Além disso, as reformas que seriam realizadas posteriormente para o 1º e o 2º grau reforçaram o caráter profissionalizante dessa formação, o que também era considerado um modo de reduzir o desejo dos estudantes pelo ensino universitário (MAIA, 2018). Se os estudantes e professores discutiam nos anos 1950 e 1960 sobre a construção de uma universidade mais aberta à comunidade, livre, crítica, voltada para os problemas sociais, a reforma realizada se baseava no modelo empresarial e burocrático, visando eficiência, modernização e flexibilização administrativa. 157 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Lembrete A Reforma Universitária de 1968 adotou um novo modelo de instituição de ensino superior, com uma lógica empresarial e burocrática, visando eficiência. No final de 1968, em 13 de dezembro, o governo decretaria o AI‑5, um dos mais conhecidos entre os Atos Institucionais, que tornaria mais dura a repressão. Se até então a violência política se dirigia aos líderes políticos e aos movimentos sociais, “poupando” em grande parte os artistas e intelectuais – o que gerava um certo ar de normalidade, já que havia crítica desses grupos ao regime –, o cenário mudaria radicalmente. Como aponta Napolitano: A partir de então, estudantes, artistas e intelectuais que ainda ocupavam uma espera pública para protestar contra o regime passariam a conhecer a perseguição antes reservada aos líderes populares, sindicais e quadros políticos de esquerda (NAPOLITANO, 2014, p. 95). Além do AI‑5, o Decreto‑lei n. 477, de 26 de fevereiro de 1969, foi criado para tratar especificamente daqueles que se encontravam nas instituições de ensino do país, definindo o que seria considerado como infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e as punições a serem aplicadas. Segundo a referida lei: Art. 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: I – Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento; II – Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III – Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV – Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; V – Sequestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; VI – Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública (BRASIL, 1969). 158 Unidade III O que se considerava subversão seria qualquer crítica ao regime ou utilização de autores e conceitos não permitidos dentro do regime. O controle sobre o pensamento e a ação dos estudantes e professores era tamanha que, mesmo com a anistia geral de 1979, a UNE e as uniões estaduais continuaram ilegais até 1985 (PILETTI; PILETTI, 2002). Segundo Maia (2018), com esse decreto toda uma geração de líderes estudantis foi desarticulada. Havia listas indicando aqueles que não poderiam realizar matrícula na universidade, ou ainda para impedir a contratação de professores que anteriormente tivessem sido considerados subversivos. Os estudantes que praticassem qualquer atitude considerada por esse decreto eram desligados da universidade e não poderiam realizar matrícula na instituição de origem, nem iniciar ou retomar os estudos em outras instituições, pelo prazo de três anos, ou até indefinidamente. Passaremos a tratar agora dos demais níveis de ensino, que atendiam a parcelas muito maiores da população em relação ao ensino superior. Segundo Hilsdorf (2015), os 12 acordos celebrados entre o MEC e a Usaid de 1964 a 1968 importavam dos Estados Unidos para o Brasil a teoria do “capital humano”. Nas palavras da autora: Basicamente essa teoria propõe que o processo de educação escolar seja considerado como um investimento que redunda em maior produtividade e, consequentemente, em melhores condições de vida para os trabalhadores e a sociedade em geral. As habilidades e os conhecimentos obtidos com a escolarização formal representam o “capital humano” de que cada trabalhador se apropria: a teoria propõe que basta investir nesse capital para que o desenvolvimento pessoal e social aconteça (HILSDORF, 2015, p. 123). Dessa maneira, a educação seria a principal ferramenta para se alcançar o desenvolvimento do país, o que será percebido também na Reforma do 1º e do 2º Grau. Em 1971, pela Lei n. 5.692, de 11 de agosto, foi realizada a Reforma do 1º e do 2º Grau. A aprovação dessa lei ocorreu de maneira muito rápida e praticamente sem discussões. O antigo curso primário (de quatro a seis anos de duração) e o antigo curso ginásio foram unificados, formando o 1º grau. Os ramos profissionais existentes no antigo ginásio (industrial, comercial, agrícola e normal) são extintos e, com isso, o 1º grau deixa de oferecer formação profissional para se destinar à formação geral dos estudantes. Segundo Piletti e Piletti (2002), essa medida foi bastante prejudicial às camadas populares, pois muitos que iniciavam e mesmo finalizavam o ginásio acabavam não continuando seus estudos após essa etapa de ensino e, sem a formação profissional nesse momento, perdiam espaço e qualificação no mercado de trabalho. Em contrapartida, a partir de então o 2º grau se tornou obrigatoriamente profissionalizante. Ao concluir esse nível de ensino o aluno também adquiria um certificado de auxiliar técnico (em cursos de três anos) ou de técnico (em cursos de quatro anos). O Conselho Federal de Educação regulamentou mais de 200 habilitações profissionais como consequência dessa medida. 159 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Quadro 2 – Mudanças
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