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Princípios físicos básicos de Ultrassom aplicado a Medicina de Urgência e Emergência Dr. Waldir Salvi Jr. Dr. Reiby C. Mustafá 1-Conceitos físicos sobre ultrassom O som é uma onda mecânica, de propagação tridimensional. O som é produzido por qualquer fonte que gere ondas sinusoidais de compressão e rarefação, em frequências (Hz) variadas, resultando em vibrações no meio em que o som se propaga (Fig. 1). Tendo como referência a audição humana os sons são classificados em (Fig. 2): - Infrassom: frequência abaixo de 20 Hz, sendo inaudível. - Som audível: frequência entre 20 Hz e 2000 Hz. - Ultrassom (US): frequência acima de 2000 Hz, sendo inaudível. Figura 1 – Princípio físico da onda sonora. (Fonte: thoracickey.com/physics-and-instrumentation-2/) Figura 2 - frequência de ondas sonoras. (Fonte: 8ondassonoras.weebly.com/o-espectro-sonoro.html 2- Geração e detecção do US – Transdutores Na aplicação médica de diagnóstico por imagem, o US é produzido por transdutores. Eles convertem energia elétrica em mecânica e vice-versa. São feitos de cristais piezoelétricos, como por exemplo o quartzo e a turmalina. Uma tensão alternada (corrente elétrica) produz oscilações nas dimensões desses cristais, devido ao realinhamento das moléculas polarizadas, produzindo ultrassom. Cada transdutor possui uma frequência de ressonância natural, de acordo com a espessura dos cristais. Assim, cristais mais “finos” produzem frequências maiores e cristais mais “grossos” produzem frequências menores (Fig. 3). As frequências entre 1 e 10 MHz (megahertz ou milhão de hertz) são as mais utilizadas. Figura 3 - propriedade piezoelétrica dos cristais. (Fonte: thoracickey.com/physics-and-instrumentation-2/) A medida que as ondas de US se propagam pelos tecidos do corpo, elas são parcialmente refletidas pelas interfaces de volta ao transdutor. Em geral, apenas 1% da energia incidente é refletida e o restante continua o caminho pelos tecidos, tendo outros comportamentos, tais como: Absorção, refração e espalhamento (Fig. 4). O aparelho guarda o tempo entre a emissão do pulso e a recepção do eco, transformando-o em distância percorrida, na representação da imagem na tela. Os aparelhos geralmente são calibrados para uma velocidade fixa de 1540 m/s. Deste modo, quanto mais distante uma estrutura está da superfície do transdutor, mais inferior ela aparecerá na tela. Ao contrário, quanto mais próxima uma estrutura está do transdutor, mais superior ela aparecerá na tela (Fig. 5). Figura 4 - Comportamentos do feixe de ultrassom ao propagar pelos tecidos. (Fonte: icurevisited.com/pt-br/lus/) Figura 5 - formação da imagem de ultrassom. (Fonte: http://www.sprawls.org/resources/USIMG). 3- Importância do Gel Condutor: Reflexão e refração seguem as leis da óptica, dependem do ângulo de incidência e da desigualdade acústica (≠Z). A Z (impedância acústica) do ar é muito alta; logo sem o Gel, 99% do US seria refletido na interface Ar – Tecido. Figura 6 - gel condutor de US - https://www.philips.com.br/healthcare/ As ondas de ultrassom têm determinadas características que são determinantes para a compreensão do funcionamento do aparelho de diagnóstico ultrassonográfico. São elas: 1. Ciclo: composto de compressão/rarefação. 2. Frequência (f): Ciclos por segundo (Hz) 3. Amplitude: Magnitude (tamanho) da onda. Medida em decibéis (dB) 4. Comprimento (ʎ): distância entre ondas adjacentes, medida pico a pico (mm) 5. Velocidade de propagação Qual a importância na prática das características do ultrassom (US)? 1. Quanto maior a frequência (f), menor o comprimento de onda (ʎ), consequentemente maior a capacidade de distinguir pequenas estruturas. Isto é, maior a capacidade de resolução (definição) das imagens. Porém, perdem mais energia ao atravessar os tecidos, perdendo capacidade de resolução das estruturas mais profundas. 2. Quanto menor a frequência (f), maior o comprimento de onda (ʎ), consequentemente menor a resolução das imagens. Porém, perdem menos energia ao atravessar os tecidos, mantendo a capacidade de resolução das estruturas mais profundas. Figura 7 – frequência alta e baixa. (Fonte: www.ic.uff.br//acconci/Ultrasson/pdf) O ultrassom, em geral, se propaga através de líquidos, tecidos e sólidos. Apresenta velocidades de propagação, compatíveis com diferentes meios, sendo essa característica própria ao processo de interação das ondas ultrassônicas com o meio em particular: Velocidade de propagação Metros/segundo Impedância (kgm-2s-1) Ar 330 430 Água 1480 1.5 x 106 Gordura 1460 1.4 x 106 Músculos 1620 1.7 x 106 Tecidos moles 1540 1.65 x 106 Fígado 1555 1.65 x 106 Sangue 1560 1.61 x 106 Osso 4080 5.3 x 106 Tabela 1- Tabela de impedância.(Fonte:blog.pacientegraveuti.com.br/principios-basicos-de- ultrassonografia. 5-Impedância acústica A impedância acústica de um meio está relacionada com a resistência ou dificuldade do meio a passagem do som. Corresponde ao produto da densidade do material pela velocidade do som no mesmo. Quando o feixe sonoro atravessa uma interface entre dois meios com a mesma impedância acústica, não há reflexão e a onda é toda transmitida ao segundo meio. É a diferença de impedância acústica entre dois tecidos que define a quantidade de reflexão na interface, promovendo sua identificação na imagem. Maior resolução de imagem, porém perdem energia para definição de estruturas profundas. Menor resolução de imagem, porém perdem menos energia para definição de estruturas profundas. Vejam que na tabela mostrada acima, as velocidades de propagação do som diferentes para cada tecido, na dependência das impedâncias acústicas. 6-Terminologia da imagem ultrassonográfica A terminologia utilizada para descrever o exame ultrassonográfico é consequência da interação do som com os tecidos. Desta forma, para descrever a intensidade dos ecos na imagem (interação do som com os tecidos), ou sua ecogenicidade, são empregados vários termos. • Hiperecogênico ou hiperecóico – são termos que se referem às estruturas que interagem com o som refletindo intensamente e produzindo ecos brilhantes na tela, em cor branca (ecos de alta densidade). As interfaces acústicas entre órgãos, osso, gás, cálculos, são exemplos; • Hipoecogênico ou hipoecóico – são termos que se referem às estruturas que interagem com o som produzindo ecos esparsos (baixa intensidade). Tem um tipo intermediário de reflexão e transmissão dos ecos e variam na escala de cinza, do mais claro ao mais escuro. São encontrados em diversos tipos tissulares como linfonodos, útero, ovários, adrenais, miocárdio e outros. Utiliza-se também o termo hipoecogênico referindo-se à estrutura de menor ecogenicidade quando duas distintas são comparadas; • Anecogênico ou anecóico – são termos que se referem à ausência completa de ecos ou a completa transmissão do som. As estruturas com essa ecogenicidade aparecem na tela com coloração escura (preto). A vesícula repleta, a bexiga e os cistos são os principais exemplos. Figura 8 - Padrões de ecogenicidade (Fonte: própria) 7-Tipos de Transdutores Basicamente, para POCUS, são utilizados 3 tipos de transdutores: Linear, setorial e convexo (Fig. 10). 1.Transdutor linear (vascular) tem alta frequência e portanto, tem um campo próximo (área de melhor avaliação) mais superficial, entre 1 e 3 cm de distância da membrana do transdutor. 2. Transdutor setorial (cardio) tem frequências baixas e portanto, tem um campo de melhor avaliação, mais profundo, ao redor de 5 a 7 cm de distância da membrana do transdutor. 3. Transdutor convexo (abdominal) tem frequências baixas e portanto, tem um campo de melhor avaliação, mais profundo, ao redor de 5 a 7 cm de distância da membrana do transdutor.Figura 9 - modelos de transdutores. (Fonte: icurevisited.com/pt-br/lus/) 8-Modelos de Ultrasssom 1. MODO M (movimento temporal): O feixe de US é mantido fixo em determinada direção, sendo fornecido um gráfico de movimento temporal das estruturas situadas na direção de toda extensão do feixe, ao longo do tempo. Figura 10 - Modo M da valva mitral Figura 11 - Modo M da valva aórtica 2-MODO B (bidimensional): Os diversos cristais do transdutor são disparados em sequência, de modo a fazerem varreduras de feixes de US. Esses disparos ocorrem em sequência e em intervalo de tempo conhecido, formando um quadro ou “frame”. OBSERVAÇÃO: Para a avaliação cardíaca básica em POCUS são utilizadas três janelas acústicas: Paraesternal (eixo longo e curto), Apical 4 câmaras(4C) e Subcostal (plano 4C e da veia cava inferior (VCI). Modo M evidenciando o movimento de abertura da valva mitral na diástole Modo M evidenciando o movimento de abertura da valva aórtica na sístole Figura 12 - Paraesternal longitudinal (Fonte: própria) Figura 13 - Paraesternal eixo curto (Fonte: própria) Figura 14 - Apical 4 câmaras (Fonte: própria) Paraesternal Eixo Longitudinal do VE. Paraesternal Eixo Curto do VE. Apical – 4 câmaras. Figura 15 - Subcostal 4 câmaras (Fonte: própria) 8-Efeito Doppler: Uma fonte estacionária de som produz certo timbre ou frequência (f). Se o som se deslocar em direção a um observador, o timbre parece aumentar (mais agudo). Ao contrário, se o som se afastar de um observador, o timbre parece diminuir (grave). Figura 16 - Efeito Doppler - sirene de ambulância. (Fonte: https://brasilescola.uol.com.br) Modalidades de Doppler: A modalidade mais usada em POCUS é o Doppler pulsado.Nessa modalidade o cristal piezoelétrico emitirá pulsos curtos e intermitentes que serão direcionados para uma amostra de 2-5 mm no feixe ultrassônico e retorna para o cristal. É aplicado principalmente para a estimativa do fluxo sanguíneo na via de saída do ventrículo esquerdo, servindo para cálculo do DC (débito cardíaco) Subcostal – 4 câmaras. o qual será demonstrando no capitulo específico de avaliação hemodinâmica não invasiva. Figura 17 - Efeito Doppler - fluxo sanguíneo se aproxima (positivo). fluxo se afasta (negativo). (Fonte: eigierdiagnosticos.com.br/blog/tipos-de-doppler/) 9-ARTEFATOS ULTRASSONOGRÁFICOS: 1. REVERBERAÇÕES: Ocorre pela reflexão secundária na superfície do transdutor. Parte do sinal de retorno sofre nova reflexão, retorna à estrutura alvo com menor sinal e assim sucessivamente. Por exemplo: Pericárdio posterior, parede aórtica. Pericárdio posterior do VE Parede posterior AO Descendente Figura 18 - Artefatos de reverberação. O artefato de reverberação PLEURAL é uma recente exceção. Tornou-se não uma dificuldade mas imagem valiosa no diagnóstico ultrassonográfico de afecções pulmonares. Figura 19 - Linhas A, artefatos de reverberação das membranas pleurais. (Fonte: própria) 2. SOMBREAMENTO: É o oposto da reverberação. Resulta na ausência de ecos atrás da estrutura corporal alvo. Quando o feixe de US atinge uma estrutura que é forte refletora, quase toda energia é refletida, ocasionando uma sobra escura atrás da estrutura alvo. Exemplos: estruturas ósseas (costelas), cálculos e estruturas metálicas. Anel de prótese metálica mitral Fragmento metálico no coração Figura 20 - Artefatos de sombreamento. 3. REFORÇO: Ocorre quando o feixe de US atravessa uma estrutura pouco ou nada reflexiva, com atenuação mínima, e ao encontrar estrutura mais densa (paredes) acontece reforço na reflexão. Figura 21 - Artefato de reforço. (Fonte: própria) 10-MELHORANDO AS IMAGENS DO EXAME: A maioria dos aparelhos atuais já são calibrados de fábrica com alguns padrões definidos. São os chamados “Presets”. Isto é, para cada tipo de exame diferente, por ex. abdome, tórax, coração, o aparelho automaticamente utiliza as melhores configurações de processamento de imagem. Os controles de melhoramento de imagens são basicamente pré e pós processamento. Pré-processamento: 1. Saída de força (output): regula a energia de US fornecida pelo transdutor para os pulsos transmitidas. Regula maior ou menor amplitude das ondas (índice mecânico). Quanto maior a potência do US, mais energia para transmissão, mais reflexão, maior intensidade na geração de imagens. 2. Profundidade: interfere na frequência de repetição de pulso e no número de quadros de imagens por segundo (Hz). Quanto maior a profundidade da imagem, menor o número de quadros (Hz) e Líquido (bexiga cheia) – atenuação mínima do US Parede da bexiga – mais densa e reflete o US com maior intensidade consequente redução da qualidade de imagem. Quanto menor a profundidade, maior número de quadros (Hz), aumento na qualidade de imagem. Para a maioria dos exames, prefira manter a estrutura alvo ocupando pelo menos 2/3 do campo da tela. 3. Escala de cinza: interfere no número de tons de cinza. Pode ser ajustado para obter menos tons, portanto mais contraste; ou para obter mais tons de cinza, portanto mais suavidade e menos contraste na imagem. Pós-processamento: 1. Rampa de ganho (TGC): ajuste do ganho ao longo da profundidade do feixe de US. O ganho no campo proximal pode ser ajustado em nível menor, por haver grande amplitude de sinais nessa região. Na prática, o campo próximo ao transdutor fica menos “saturado” de ecos. 2. Ganho: ajuste a intensidade global de ecos da imagem. Não interfere na amplitude e na frequência do US. A imagem pode ficar mais ou menos “saturada” de ecos. Figura 22 - Ajuste de imagem – Ganho excessivo. (Fonte: própria) Figura 23 - Ajuste de imagem - Ganho adequado. (Fonte: própria) Figura 24 - Ajuste de imagem - Profundidade excessiva Figura 25 - Ajustes de imagem - Profundidade adequada. (Fonte: própria). _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Referências: 1- Solomon SD, Instrumentação ecocardiográfica e princípios físicos de ecocarddiografia doppler. In Solomon SD, Ecocardiografia - Manual Prático. 2010. Revinter. 2- Feigenbaum - Ecocardiografia - sétima Edição 2012. Editora Guanabara Koogan SA. Rio de Janeiro. 3- Mathias, W.Manual de ecocardiografia – terceira Edição 2013. Editora Manole Barueri. São Paulo. 4- Pena J et al. Ecocardiografia e Imagem Cardiovascular – primeira edição ´Rio de janeiro -RJ: Thieme Revinter Publicações 2021.
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