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DESIGN E NOVAS MÍDIAS AULA 2 Prof.ª Fabiane A. Lima 2 CONVERSA INICIAL Muitos estudantes de Design, chegando à universidade, não têm uma dimensão total do alcance que as suas produções podem ter. Em geral, ficamos empolgados com a possibilidade de criar produtos para entretenimento e diversão, tendo como ponto de referência nossas próprias experiências agradáveis com eles. Mas é preciso também que pensemos no modo como esses resultados do nosso trabalho afetam as pessoas em situações cotidianas sérias (e, aparentemente, bem menos divertidas): por exemplo, de que modo podemos tornar melhor a interação dos funcionários e trabalhadores de uma fábrica com o seu sistema interno de controle de produção? Nesta aula, veremos os princípios que regem a interação dos seres humanos com os seus sistemas interativos digitais, incluindo recomendações de projeto e conceitos importantes de desenvolvimento. Esse estudo é importante para que possamos criar projetos que não apenas sejam fáceis e interessantes de usar, mas que também auxiliem nossos usuários a realizarem suas tarefas com eficiência e evitando percalços. CONTEXTUALIZANDO Ainda que seja um pouco chocante para o jovem estudante de design ser introduzido ao assunto assim, é preciso que tenhamos aqui as coisas bem claras: design ruim pode matar. E apesar de falarmos muito no tema das analogias, isso não é apenas uma metáfora ou um “modo de dizer” que representa as nossas frustrações diante de um sistema mal feito. Algumas experiências de interação com objetos do mundo físico (e também do virtual) resultaram em tragédias bastante literais, que poderiam ter sido evitadas se o projeto de seu design tivesse atentado para questões pertinentes a esse uso. Em junho de 2016, por exemplo, o ator americano Anton Yelchin foi atropelado por seu próprio carro. O câmbio do Grand Jeep Cherokee que ele dirigia não deixava claro aos motoristas se o carro estava mesmo em ponto- morto ou não: ele retornava o câmbio à posição original depois da troca de marchas, sinalizando essa troca apenas com uma luzinha acesa no painel. Yelchin não se atentou para esse detalhe e foi prensado contra o portão de sua casa ao descer do carro para abri-lo (Groeger, 2016). 3 O caso de Yelchin gerou uma grande repercussão e fez com que a fabricante do carro realizasse um grande recall nos Estados Unidos para trocar o câmbio problemático. Mas e o design de interfaces digitais? Será que um sistema interativo digital pode mesmo matar alguém? A morte de Jenny, nome fictício de uma garota real, foi o resultado de uma péssima experiência de uso de um sistema hospitalar. A interface do sistema do centro médico onde ela tratava um câncer era tão ruim, confusa e saturada de informações que nem mesmo médicos e enfermeiros com dez anos de experiência puderam salvá-la. Tratando a doença há quatro anos, ela teve de voltar ao hospital para uma sessão de quimioterapia, mas o sistema não informou com clareza que ela precisava antes tomar três doses de um soro hidratante, pré-requisito para o tratamento. Ela morreu intoxicada e desidratada por causa do remédio, porque os enfermeiros não conseguiram identificar no sistema que doses ela já havia tomado (Shariat, 2014). Como podemos ver, o trabalho do digital não é nada trivial. Ainda que possamos atuar na parte divertida, nosso trabalho é cheio de responsabilidades, independentemente do objetivo dos nossos projetos. Cabe a você, estudante, internalizar os saberes disponíveis aqui para criar produtos que sejam não apenas satisfatórios no uso, mas seguros, efetivos e funcionais. TEMA 1 – DESIGN DE EXPERIÊNCIA DE USUÁRIO O design de experiência de usuário (por vezes grafado como “design de experiência de uso”) é já uma abordagem clássica e conhecida do design de interação. Consolidada ao longo dos últimos anos, ela é também muitas vezes chamada pelo acrônimo em inglês UX (User eXperience). Trata-se de uma abordagem ao design e mídias interativas que coloca ênfase especial no lado humano da Interação Humano-Computador, para além da usabilidade, uma vez que esta se ocupa basicamente da efetividade com que o usuário desempenha tarefas em um dado sistema. Para entender os diferentes papéis do design de experiência de uso e do projeto de usabilidade, vamos partir de uma analogia com o mundo real: se a usabilidade pode consistir no desenho e na execução do trajeto e sinalização de uma estrada, por exemplo, o design de experiência de usuário se ocupa da forma como será feita a condução por esse meio na realização da viagem propriamente dita por parte do usuário, incluindo aí as sensações provocadas nele pelas 4 coisas, paisagens, lugares (e, logicamente, também as experiências) com os quais ele se depara durante esse trajeto. Design de experiência de usuário assegura que os aspectos estéticos e funcionais do botão funcionem no contexto do restante do produto, fazendo perguntas como ‘Esse botão não é pequeno demais para uma função tão importante?’ Design de experiência de usuário também assegura que o botão funcione no contexto do que o usuário está tentando realizar, fazendo perguntas como ‘Este botão está no lugar certo, relativo aos outros controles que o usuário estaria usando ao mesmo tempo?’ (Garrett, 2011. p. 8, tradução nossa) Note que, ainda que o uso propriamente dito das ferramentas seja parte da experiência pela qual o usuário passa, o design dessa experiência não se ocupa exatamente das funções desse produto, mas da prática na execução delas. O que um dado produto digital faz é realmente muito importante, mas como ele permite ao usuário executar essas tarefas é também essencial. Muitas vezes, um produto executa bem as suas funções, mas a experiência de uso dele mais atrapalha que ajuda. Isso pode significar o completo fracasso de um projeto, independentemente das suas demais qualidades. No momento de projetar uma nova interface, tenha em mente que todo produto que pode ser usado por alguém — seja em meio digital ou analógico, no mundo físico — tem necessariamente uma experiência de uso embutida em si. É no design de experiência de usuário, por exemplo, que levamos em conta alguns dos aspectos importantes discutidos na aula anterior, como a acessibilidade. Dado que a acessibilidade diz respeito à possibilidade de todas as parcelas de uma determinada população terem acesso a um lugar físico ou interface gráfica, é pela criação de padrões de desenvolvimento que permitam o acesso a todos os recursos de um sistema a todas as pessoas, independentemente de serem portadoras de algum tipo de deficiência ou não, que podemos criar experiências satisfatórias para todos os nossos potenciais usuários. Ao longo de toda a próxima aula, apresentaremos uma metodologia completa de desenvolvimento de experiências de usuário. Nela, trataremos com maior profundidade de tudo o que engloba essa função do designer digital, indo desde a fase de levantamento de necessidades e requisitos até a fase do produto final, pronto para ser apresentado ao público. 5 TEMA 2 – USABILIDADE Quando nos deparamos com um sistema cujo uso nos leva à frustração e à sensação de que nós é que estamos fazendo algo de errado, o problema pode não ser conosco. Quando um sistema falha na parte da interação humana — ou seja, quando não torna visíveis as ações possíveis, quando é confuso, desconfortável etc. —, dizemos que ele tem falhas projetuais de usabilidade. A usabilidade é, portanto, a capacidade de um software ou sistema ser usado e compreendido pelos usuários de forma efetiva e satisfatória, e está contida dentro do que chamamos de experiência de uso, tratada no item anterior. Segundo Jakob Nielsen (2012), um dos grandes especialistas da área, “usabilidade é um atributo de qualidade que diz respeitoa quão fácil de usar uma interface é. A palavra ‘usabilidade’ também se refere aos métodos para melhorar a facilidade de uso [ease-of-use] durante o processo de design.”. É na junção da usabilidade com a utilidade que avaliamos a eficiência no uso de uma ferramenta interativa. 2.1 Os cinco componentes da usabilidade Ao longo dos anos, os estudiosos da área compilaram uma série de recomendações projetuais que os designers podem aplicar para melhorar essa experiência de uso. A lista abaixo elenca os cinco componentes da usabilidade, conforme compilados por Nielsen (2012): • Aprendizagem/apreensibilidade: quão fácil é para o usuário cumprir tarefas da primeira vez que se depara com elas? Ele consegue entender o que precisa fazer ao ver a interface? É possível localizar rapidamente as ações disponíveis? • Eficiência: uma vez que o usuário aprendeu como executar a tarefa, em que velocidade ele cumpre essa função? São muitos os passos até o resultado final desejado ou trata-se de um caminho sem obstáculos? Existem interrupções nesse fluxo? • Memorização: quando os usuários retornam a um produto depois de um período sem uso, quão facilmente ele recupera a proficiência em executar tarefas? Os caminhos de ação são facilmente memorizáveis? 6 • Robustez/Erros: quantos erros um usuário comete ao executar uma ação? Quão graves são esses erros, e quão facilmente ele é capaz de se recuperar deles? • Satisfação: Quão agradável é a experiência de usar o produto? É importante ter em mente que, na Internet, a usabilidade é crucial: se um site não é fácil de usar, as pessoas simplesmente vão embora em busca de outras opções. O tempo do usuário vale ouro, e ele não o perderá tentando descobrir como uma interface funciona se há literalmente milhões de outros sites que podem servi-lo melhor nisso. Em um projeto de e-commerce, por exemplo, a usabilidade afeta diretamente as vendas, e pode prejudicá-las caso o usuário se frustre ao tentar interagir com o site. Em um projeto de intranet para uma empresa, a usabilidade significa um impacto direto na produtividade dos funcionários se eles não são capazes de encontrar nela o que precisam para executar bem o seu trabalho. Muitos dos pontos levantados neste capítulo são tidos como conselhos clássicos da área, levando os estudiosos a criar ferramentas de avaliação a partir delas, como as heurísticas de usabilidade, que veremos adiante. Por hora, você precisa saber que um designer de interação precisa ser flexível, incentivar a participação dos usuários, criar comunicação “informalmente formal” e comunicar com clareza as possibilidades de ação dentro de um sistema interativo. TEMA 3 – AS 10 HEURÍSTICAS DE NIELSEN Até aqui, vimos as características que compõem a linguagem do ciberespaço e dos meios digitais. Vimos também de que se trata o trabalho do designer em virtude do surgimento de novas mídias e qual o seu papel na criação de ótimas experiências de uso. Mas como podemos avaliar a usabilidade de um projeto, se em geral nosso público está fragmentado e distribuído geograficamente? Um dos meios de se fazer isso é criando testes de usabilidade diretamente com uma amostra representativa dos usuários. Colocamo-nos diante do sistema que queremos avaliar e pedimos que eles realizem tarefas-chave ali dentro — aquelas tarefas que são mais importantes e que justificam a existência desse produto. Assim, podemos observar o que os usuários fazem, como se 7 comportam, se conseguem cumprir as tarefas e onde têm dificuldades. Essa não é, lembre-se, uma avaliação dos usuários, mas do sistema, e é importante deixar isso claro para eles no momento de se realizar esses pareceres. Mas, e quando não dispomos de tempo e infraestrutura para dar conta de uma avaliação desse tipo? Figura 1 – Avaliação Heurística Créditos: Gorodenkoff/Shutterstock. Para ajudar nisso, o escritório de consultoria em design de Jakob Nielsen criou, nos anos 1990, uma forma de avaliação que parte de princípios gerais que podem ser considerados no momento do projeto, e também na avaliação posterior de sua experiência de interação. Trata-se de uma avaliação heurística, em que profissionais especialistas em usabilidade testam o produto e identificam problemas conforme esses princípios gerais — são as chamadas dez heurísticas de Nielsen (Nielsen, 1994): • Visibilidade do status do sistema: o sistema deve sempre manter os usuários informados do que está acontecendo, por meio de feedback visual e verbal apropriado dentro de tempo razoável. • Correspondência entre o sistema e o mundo real: o sistema deve falar a linguagem do usuário, com palavras, frases e conceitos que lhe sejam familiares, em vez de apelar para termos técnicos obscuros. Seguir as convenções e analogias do mundo real, e fazer a informação aparecer naturalmente e em uma ordem lógica são muito importantes. • Controle do usuário e liberdade: é preciso dar liberdade de escolha e acesso ao usuário, sem impor-lhe nenhuma opção. É comum que usuários façam escolhas por engano no sistema e precisem de uma saída 8 de emergência para desfazer esses erros; isso não significa que, como projetistas, devamos deixar as opções restritas. • Consistência e padrões: usuários nunca devem ter que adivinhar se palavras, situações ou ações querem dizer a mesma coisa ou coisas diferentes. Siga as convenções da plataforma. • Prevenção de erros: melhor que boas mensagens de erro é não precisar delas. Convém eliminar situações que conduzem ao erro e pedir confirmação do usuário antes de prosseguir. Isso é importante também no que diz respeito àquelas situações em que o usuário pode perder seu trabalho ou progresso na experiência de interação. • Reconhecer em vez de recordar: evite fazer o usuário se fiar na memória, torne suas opções e informações visíveis e claras. Os usuários não devem ter a obrigação de memorizar nada. • Flexibilidade e eficiência de uso: o sistema deve ser eficiente tanto para usuários novatos quanto para experientes. Permita ao usuário mais experiente tomar atalhos e customizar sua interface, sem deixar que os usuários novatos se sintam perdidos. • Estética e design minimalista: a estética e o design são às vezes vistos como um algo a mais. No entanto, eles são a essência do projeto: eles fazem a interação possível. A recomendação é para que se evite informação irrelevante, pois nem tudo precisa ficar visível o tempo todo. • Ajudar usuários a reconhecer, diagnosticar e se recuperar de erros: mensagens de erro devem ser claras e concisas, explicar o que está acontecendo e sugerir soluções. Essa heurística diz respeito àqueles casos em que não podemos evitar que os usuários cometam erros. • Ajuda e documentação: às vezes, é necessário que o sistema seja documentado. Esse tipo de informação deve ser facilmente acessível, focada na tarefa do usuário e concisa. Ela deve também ser dividida em tantos passos quanto sejam necessários para que a comunicação seja clara e sem tropeços. 9 Figura 2 – Clareza nas mensagens de erro Créditos: Skillup/Shutterstock. Em geral, essa avaliação heurística é conduzida por vários profissionais da área, com percepções, experiências e pontos de vista variados, e realizada como uma “revisão por pares”, ou seja, sem que os colegas vejam as avaliações dos demais para garantir a integridade delas. No entanto, é possível aplicar seus princípios mesmo em equipes pequenas de desenvolvimento, conforme as necessidades dos projetistas dos sistemas interativos. TEMA 4 – O PROCESSO DE DESIGN O objetivo de um design é desenvolver um produto novo ou substituir um projeto anterior que auxilie na execução de uma tarefa ou entretenha os nossos usuários. Nossos projetos precisam ser, enquanto artefatos tecnológicos, extensões dos nossos usuários, que lhes ajudarão a executartarefas e cumprir objetivos, mesmo que esses objetivos sejam quests em um jogo. Para que possamos nos lançar à tarefa de construir um produto desses, precisamos estabelecer os requisitos desse projeto. Precisamos ter claramente definido o que queremos dele. Mas de onde vêm esses requisitos? O nosso ponto de partida, conforme já deve ter ficado claro para você a essa altura, são os nossos usuários. Isso significa que eles estarão o tempo todo envolvidos no processo de desenvolvimento do produto — mesmo que, por vezes, apenas nas intenções dos projetistas —, de modo que as preocupações dos designers devem estar mais focadas na forma como os usuários interagem com o artefato do que com as tecnicalidades e especificações dos recursos disponíveis. 10 Mas, pensando no projeto de um produto interativo totalmente novo, será que esses usuários sabem exatamente o que querem e do que precisam? De que forma respondemos a essas questões? O design de interação envolve o desenvolvimento de um plano alimentado pelo uso que se espera do produto, pelo seu domínio-alvo e por considerações práticas relevantes. Designs alternativos precisam ser gerados, captados e avaliados pelos usuários. Para que a avaliação seja bem-sucedida, o design deve ser expresso de uma forma com a qual os usuários possam interagir. (Preece; Rogers; Sharp, 2013, p. 187) Um projeto de design, seja ele de qualquer uma das especialidades da área — design gráfico, de mobiliário e interiores, de moda, motion design etc. — precisa equilibrar as necessidades, muitas vezes conflitantes, por meio do desenvolvimento de soluções alternativas. O mesmo acontece no design para essas novas mídias. 4.1 Quatro atividades básicas do design de interação Enquanto designers de experiências interativas, podemos atuar em quatro frentes principais. A lista a seguir sintetiza algumas das muitas funções que vários profissionais podem desenvolver em conjunto, principalmente quando trabalham em equipes grandes com grandes orçamentos. Ela também descreve ações que podem se aplicar a projetos desenvolvidos por um número muito reduzido de projetistas, às vezes assumindo várias dessas funções descritas. Isso não impede, porém, que um design de interação seja bem-sucedido: todo o processo que apresentamos aqui se aplica a grandes e pequenas equipes de desenvolvimento (Preece; Rogers; Sharp, 2013). • Identificar necessidades e estabelecer requisitos: o objetivo de um projeto de design é permitir que os humanos realizem tarefas tecnologicamente mediadas e até se autorealizem nesse uso e interação que fazem com ele. Assim, o designer precisa conhecer seus usuários- alvo, seus anseios e desejos, e saber de que modo seu produto pode fazer a diferença na vida deles de maneira realmente útil. São essas as necessidades que irão guiar o estabelecimento dos requisitos do produto, e também o seu desenvolvimento. É um dos momentos mais importantes do processo. 11 • Desenvolver designs alternativos: esta é, propriamente dita, a atividade projetual do designer. É neste momento que ele gera ideias que possam atender aos requisitos da melhor maneira possível dentro dos objetivos do projeto. Aqui, designers irão estabelecer os conceitos do produto, os seus partidos criativos, e as estruturas e modelos que posteriormente permitirão aos usuários interagirem com ele. • Construir versões interativas dos designs: ainda que entre as nossas atribuições como designers não precisemos saber programar, precisamos que nossos usuários tenham acesso a versões interativas dos nossos produtos para fazermos avaliações. Isso não significa que necessitemos de uma versão pronta em software. Existem técnicas de prototipagem que nos auxiliam nesse momento: protótipos de papel podem ser elaborados para que possamos avaliar rapidamente, por exemplo, um dado processo dentro da interação, se é um passo a passo que necessite de mais ou menos etapas, se os botões são adequados etc. Protótipos ainda mais elaborados e bastante semelhantes a versões finais também podem ser facilmente produzidos. • Avaliar designs: uma vez que consigamos realizar o encontro dos usuários com o artefato produzido, podemos então avaliar se nosso produto é bem-sucedido e atende às necessidades levantadas na primeira fase. Podemos aqui estabelecer alguns critérios de efetividade, como por exemplo quantos erros o usuário comete ao executar uma tarefa; se vários usuários cometem o mesmo erro, o problema pode estar no produto. Podemos avaliar também se o produto agrada aos olhos, se cumpre os requisitos, se deixa os usuários confusos etc. A participação dos usuários é, portanto, fundamental para que possamos assegurar a qualidade dos nossos produtos finais. 12 Figura 3 – 4 atividades básicas do Design Créditos: YP_Studio/Shutterstock. 4.2 Três características do processo de design de interação Uma vez que é o usuário nosso ponto de partida e nosso referencial principal, é naturalmente o foco nele um dos principais atributos do processo de design de interação. Sem envolver os usuários, nosso produto pode estar fadado ao fracasso. Envolvendo os usuários, podemos até descobrir questões e oportunidades de projeto que não havíamos previsto antes. Dar atenção ao feedback e à avaliação do usuário é essencial. Outro ponto que caracteriza nosso trabalho com essas mídias é a necessidade de estabelecermos critérios específicos de projeto. Esses critérios devem ser claramente identificados, documentados e acordados por todos os membros da equipe desde o início do projeto. Eles auxiliam os projetistas a não se perderem durante o desenvolvimento, a escolher entre as diferentes opções geradas e a verificar o progresso da equipe ao longo desse desenvolvimento. E, conforme ficará claro adiante, a terceira característica do processo de design de interação é que os seus processos de desenvolvimento são iterativos — note a grafia. Um processo iterativo é um processo que se repete em ciclos sequenciais; o que, no projeto de design de produtos digitais, nos permite aprimorar o projeto a cada nova iteração. Conforme o processo avança e designers e usuários se envolvem durante as suas diferentes fases, Surgem ideias diferentes a respeito do que é necessário, do que irá ajudar e do que é viável. Isso conduz a uma necessidade de iteração, de forma que as atividades passem informações umas às outras e se repitam. Não importam quão bons sejam os designers e quão clara achem que é sua visão a respeito do produto desejado — será necessário revisar as ideias, à luz do feedback, várias vezes. Tal 13 assertiva será verdadeira particularmente se você estiver tentando inovar. A inovação raramente surge pronta e completa; requer tempo, evolução, tentativa e erro, além de uma grande dose de paciência. A iteração é inevitável, pois os designers nunca conseguem encontrar a solução na primeira vez. (Preece; Rogers; Sharp, 2013, p. 190) No próximo item, trataremos brevemente dos ciclos de desenvolvimento de software. Nele, você terá uma dimensão um pouco mais clara de como esse processo iterativo acontece na prática. TEMA 5 – CICLOS DE DESENVOLVIMENTO Um modelo de ciclo de desenvolvimento geralmente descreve, organiza e relaciona um conjunto de atividades destinadas ao desenvolvimento de um software ou produto digital (Preece; Rogers; Sharp, 2013). Eles são variados em suas aplicações e propósitos, mas em geral representam as atividades a serem realizadas durante esse desenvolvimento, seus atores, a relação entre as atividades realizadas e a descrição de seus resultados. Esses modelos permitem a gerentes e desenvolvedores terem uma visão geral de todo o esforço desprendido para a realização desse projeto, de modo que se possa rastrear esse percurso e os seus resultados, além de permitir alocar recursos e estabelecer metasde forma adequada. Existem vários modelos de desenvolvimento, alguns deles tendo ficado populares devido à sua aplicabilidade em situações específicas, e outros perdendo sua popularidade com o passar do tempo a partir do surgimento de novas metodologias. A aplicabilidade desses modelos depende, é claro, do tamanho das equipes designadas para o desenvolvimento de um dado produto. Por vezes, é possível que uma equipe muito pequena não se preocupe com o uso de um modelo desses, mas mesmo em equipes pequenas eles podem ser úteis para evitar que desenvolvedores, designers e gerentes não se percam. É importante que você tenha em mente que, independentemente do modelo de ciclo de desenvolvimento escolhido, esses modelos são apenas representações abstratas da realidade. Como qualquer boa abstração, eles precisam arrolar apenas a quantidade de detalhes mínimos de uma tarefa imediata para que ela seja considerada concluída. Além disso, cada contexto necessitará que adaptações sejam feitas ao modelo, conforme as necessidades do projeto, as circunstâncias em que ele está sendo desenvolvido e a cultura interna da empresa ou equipe. 14 A maioria dos projetos de interação começa com um levantamento das necessidades e requisitos. É este ponto que marca o início do ciclo de desenvolvimento e também das retomadas iterativas, independentemente da forma como o projeto surgiu ou se é uma nova versão de um produto já existente. Os projetistas devem se ocupar de desenvolver soluções que atendam a essas necessidades e requisitos e avaliar essas alternativas de design de forma crítica — às vezes com a participação dos usuários. Com base nessas avaliações e feedbacks, devem retornar às necessidades e requisitos arrolados no início e, se for o caso, refiná-los e defini-los, ou voltar à prancheta e realizar um novo design. Está implícito, nesse ciclo, que o produto final irá emergir da evolução de uma ideia inicial bruta até o seu produto acabado. A maneira como essa evolução ocorre exatamente pode variar de projeto para projeto [...]. O único fator que limita o número de vezes desse ciclo são os recursos disponíveis; no entanto, seja qual for o número de vezes, o desenvolvimento termina com uma atividade de avaliação que assegura que o produto final respeita os critérios de usabilidade prescritos. (Preece; Rogers; Sharp, 2013, p. 206) Alguns dos modelos de ciclo de vida da engenharia de software se provaram eficazes em suas aplicações, tendo alguns servido de base para alguns dos modelos de desenvolvimento do design de interação existentes. O modelo Waterfall, por exemplo, é um modelo de ciclo de vida linear em que cada fase só pode seguir adiante caso a anterior seja completada. Proposto nos anos 1970 e um dos primeiros modelos do tipo a ser adotado, ele é base de muitos modelos de desenvolvimento de software, ainda que seja, hoje em dia, considerado “engessado” por não prever mudanças dos requisitos do projeto. Já o modelo espiral, proposto no fim dos anos 1980, prevê retomada de fases anteriores do desenvolvimento para análises e validações, de modo a prever e identificar falhas e riscos. Nos anos 1990, ficaram populares as metodologias de desenvolvimento rápido — as chamadas Metodologias de Desenvolvimento Ágil —, com um ponto de vista centrado nos usuários e ciclos de tempo mais curtos. 5.1 SCRUM: um modelo de metodologia ágil Um desses modelos, muito popular no mercado hoje, é a metodologia SCRUM (Helabs, 2014). Trata-se de uma metodologia ágil baseada na tendência de ciclos de desenvolvimento mais curtos que veio dos anos 1990, emergindo 15 do campo da Interação Humano-Computador. Ela foca em indivíduos e interações, mais do que em processos e ferramentas. Propõe que um projeto seja dividido em pequenos ciclos de desenvolvimento, auxiliado por curtas e frequentes reuniões de alinhamento das equipes envolvidas. Figura 4 – Modelo SCRUM Créditos: Pixel-Shot/Shutterstock. Desse modo, o todo do projeto pode ser acompanhado por toda a equipe, de forma livre e pouco engessada. Além disso, busca-se usar um quadro esquemático em que todo o projeto pode ser acompanhado por toda a equipe, ou seja, todos podem saber o que foi feito, o que ainda precisa ser feito e como está o andamento das tarefas. Você se lembra do que falamos sobre iteração no item anterior? É na aplicação dessas metodologias de ciclo de desenvolvimento de software que vemos isso funcionar na prática. As metodologias de ciclo de vida mais comprovadamente adequadas para gerenciar o desenvolvimento de produtos interativos em geral são aquelas que aplicam processos iterativos em sua gestão, como as metodologias surgidas a partir dos anos 1980. No caso da metodologia SCRUM, ela prevê rápidas reuniões diárias em que os membros da equipe compartilham o que estão fazendo diariamente, e também em ciclos que podem durar entre duas semanas e um mês. Cada um desses ciclos iterativos é chamado de sprint, que engloba um conjunto de tarefas a ser executado em um dado período de tempo. E cada um desses ciclos termina com uma reunião na qual todos fazem uma retrospectiva daquela etapa e a equipe analisa e discute maneiras de melhorar o próximo sprint. 16 Não cabe aqui, no momento, um detalhamento maior de como funciona a metodologia SCRUM, mas você pode encontrar em uma busca na Internet informações muito claras a respeito de como ela funciona, os processos que ela estabelece e os atores que ela designa para fazer tudo funcionar harmoniosamente. Por se tratar de uma metodologia adequada ao contexto tecnológico atual — ao contrário da antiga Waterfall —, sua popularização acontece muito em função de um esforço conjunto da comunidade que faz uso dela de difundir esses conhecimentos de forma clara, de modo que cada vez mais pessoas interessadas estejam habilitadas em seu uso. Como se pode ver — e como os próprios entusiastas do método afirmam (Littlefield, 2016) —, não existe nenhum pré-requisito ou habilidade técnica a se desenvolver para aprender a gerenciar ou trabalhar em um projeto que faça uso do SCRUM: ele está mais para um jogo de cartas em que rapidamente aprendemos seu funcionamento e suas regras, e logo podemos nos lançar ao trabalho. TROCANDO IDEIAS Discuta com seus colegas no fórum da disciplina sobre o processo de desenvolvimento de projeto no design de produtos interativos. Que tipos de experiências vocês pretendem projetar no futuro próximo? Que tipos de necessidades podem ser satisfeitas em um mundo todo interconectado por máquinas? Que ideias podem surgir dessas possibilidades? Liste as possíveis experiências digitais interativas que você gostaria de proporcionar às pessoas quando for colocar seus conhecimentos adquiridos aqui em prática. NA PRÁTICA Você já parou para pensar nesses pequenos dispositivos que usamos no braço para verificar as horas? Nos últimos anos, eles têm incorporado uma série de funções, permitindo até que seus usuários possam acompanhar e monitorar aspectos de sua saúde por meio desses aparelhos. Pense no que a técnica tem tornado viável aos usuários e imagine que tipo de produto interativo você poderia projetar. Observe seus arredores: existem dispositivos semelhantes que podem servir de fontes de inspiração? O que você gostaria que esse novo produto 17 hipotético fizesse por você? Encontre alguns usuários potenciais, pergunte a eles que tipo de funções gostariam de usar em um relógio desse tipo e faça uma lista de requisitos e recursos, tendo sempre em mente as recomendações projetuais de usabilidade tratadas nesta aula. FINALIZANDO Nesta unidade, demos continuidade aos nossos estudos em mídias interativas e aos processos de produção dessas interações. Iniciamos tratando da importância de se criar designs consistentes, úteis e agradáveis, cujo projeto é focado nas necessidadesdaqueles que fazem esse uso propriamente dito. Abordamos a usabilidade — isto é, a capacidade de um sistema ou interface permitir que seus usuários executem tarefas ali de forma efetiva e funcional —, e todos os seus componentes e requisitos. Também vimos aqui, de forma mais geral, de que forma esse processo de projetar experiências interativas acontece. Na próxima aula, veremos os elementos da experiência de usuário, organizados em uma metodologia de projeto que engloba a produção de um produto digital deste o estabelecimento de seus requisitos até a entrega do produto final. 18 REFERÊNCIAS GARRET, J. J. The Elements of User Experience: User-Centered Design for the Web and Beyond. 2. ed Berkeley, CA: New Riders, 2011. GROEGER, L. The Deadly Results of Flawed Design. Digg.com, 10 ago. 2016. Disponível em: <https://digg.com/2016/flawed-design-deadly-results- propublica>. Acesso em: 16 jun. 2021. HELABS. SCRUM. Desenvolvimento Ágil. Disponível em: <https://www.desenvolvimentoagil.com.br/scrum/>. Acesso em: 16 jun. 2021. LITTLEFIELD, A. Guia da metodologia ágil e scrum para iniciantes. Blog do Trello para Equipes, 31 out. 2016. Disponível em: <https://blog.trello.com/br/scrum-metodologia-agil>. Acesso em: 16 jun. 2021. NIELSEN, J. Usability 101: Introduction to Usability. Nielsen Norman Group, 4 jan. 2012. Disponível em: <https://www.nngroup.com/articles/usability-101- introduction-to-usability/>. Acesso em: 16 jun. 2021. _____. 10 Usability Heuristics for User Interface Design. Nielsen Norman Group, 24 abr. 1994. Disponível em: <https://www.nngroup.com/articles/ten- usability-heuristics/>. Acesso em: 16 jun. 2021. PREECE, J.; ROGERS, Y.; SHARP, H. Design de Interação: além da interação humano-computador. Tradução de Viviane Possamai. Porto Alegre: Bookman, 2013. SHARIAT, J. How Bad UX Killed Jenny. Medium, 9 out. 2014. Disponível em: <https://medium.com/tragic-design/how-bad-ux-killed-jenny- ef915419879e#.w97zrhomk>. Acesso em: 16 jun. 2021.
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